quarta-feira, 1 de março de 2006

Choque de culturas

Eu descalçara os sapatos e metera os pés em água correndo, no meio da ilha de chanatos escuto, já vertical, os silêncios que as paredes da mesquita falam, lavradas de brancos acamados, o ronronar da água cessando. Contradiz o bulício que escapa do mercado a alguns passos, lá trafica-se a dólares em nuvem de cominhos, aqui fala-se entre bordados de estuque com a alma de Deus, naquela sua invisibilidade que só um silêncio acumulado de séculos corporiza, cada um dentro de si a guardá-lo, sem trela, apenas um olhar interior e todos ao mesmo tempo no gesto idêntico.
A proximidade do mercado parece desconexar o real dentro de mim.
Estou descalço e os meus pés ateus calam o que me ocorre, a regra fala em mim, a miopia bem treinada ajuda o ar concentrado : como é possível aquela paixão do preço, aquela compulsão de negociar que faz gritar, falar num tom de décibeis irrespeitosos e agora aqui, veto de falar, mudez de boca prisioneira de lábios cerrados, as mentiras para dentro como que empurradas a colher de pau, a boca arrependida de tanto tráfico???, tanta palavra cega, na antevisão de um dólar? Qual fé? Dólar e Deus, estranha parelha.

f.arom

2 comentários:

Anónimo disse...

Apesar de ser estranha a parelha,estão de mãos dadas há muitos séculos.
Todos se calam...
PAF

Anónimo disse...

Voltei a ler e: É triste não é? Tudo se compra e vende, até a fé e a crença! Mas nenhuma religião é imune a isso, todas se compram e vendem.
Gostei da sua visão!
PAF