sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

A Inocência das Idades (1)

O bosque é, por vezes, tão extenso e denso que deixa as pequenas árvores vegetarem sem o entendimento da realidade onde se integram.
Bastam-lhes as raízes saudavelmente firmadas no solo, a chuva, o sol, a lua e o vento que lhes asseguram os ciclos de vida, como garantia da missão aparentemente acometida pela Mãe-Natureza.
É como quem deixa a vida passar, sem perceber que também tem de passar pela vida.
Talvez o mesmo se possa aplicar à interpretação de um episódio ocorrido há trinta e cinco anos e que gira à volta de um Jornal que não chegou a ser: - O “Progresso”.


Na passagem do final dos Anos Sessenta para o início dos Anos Setenta formou-se um grupo que, na antiga cidade de Lourenço Marques, pretendeu fundar o Jornal “Progresso” como veículo de expressão juvenil e participação activa na vida sócio-político e económica não só do País, mas sobretudo da antiga Província Ultramarina de Moçambique.
Vivia-se, então, o tempo da Guerra Colonial e sentiam-se também os primeiros sinais da pretensiosa “Primavera Marcelista” que, per si, justificaram o imediato e, porque não, entusiástico apoio de Maria José Salema, na época reitora do Liceu António Enes.

Alguns contributos para a História

Curiosamente ou não, o núcleo inicial era constituído por alunos da Alínea E que propiciava a admissão à Faculdade de Direito, então inexistente em Moçambique por ser entendida como potencial foco subversivo do “status quo”, apesar de já existir a Universidade de LM, sucedânea dos “Estudos Gerais” e implantada pelo Professor Doutor Veiga Simão, seu primeiro Reitor e, mais tarde, Ministro da Educação do Governo de Marcelo Caetano e Ministro da Defesa do Governo de António Guterres no início do Século XXI.
Quem terminava a Alínea E teria assim e se pudesse, rumar a outras cidades da Metrópole porque também não existia a Licenciatura em Direito nas restantes Províncias Ultramarinas, não fosse o Diabo tecê-las.
E desse núcleo inicial fundador do projecto “Progresso” faziam parte Victor Nogueira Pereira, Luís Carlos Patraquim, Mário José Fernandes e Emílio Luz Branco, mais conhecido por “Nampula”, alcunha que provavelmente lhe estava associada à terra de origem.

A ideia deste projecto surgiu nas conversas que usualmente tínhamos nos intervalos das aulas (dez minutos entre cada disciplina) e cimentou-se em reuniões pós-horário escolar, começando por se criar uma Comissão Directiva que integrou os referidos nomes do núcleo fundador.
Cedo percebemos que a tarefa era aliciante mas de trabalhosa e difícil execução por dois motivos principais e facilmente entendíveis: - por um lado era necessário mobilizar colaboração redactorial com qualidade q.b. e, por outro lado, era também preciso assegurar a viabilidade económica do Jornal.
Com dezassete anos de idade nada parece impossível e até a Lua está mesmo ali à mão.
É claro que o Jornal, sendo do Liceu, só seria possível se fosse autorizado pela reitoria e esse passo foi, como já se disse, realizado e apoiado não só pela Reitora Maria José Salema como também pela Vice-reitora Inês Calisto que se reuniram connosco.
Dado este primeiro passo “oficial”, passámos ao contacto directo com algumas empresas da cidade que acolheram com agrado a ideia e contratualizaram verbalmente
a publicação de anúncios num montante que não só suportava os custos de produção e distribuição, como sobrava ainda verba para nos aventurarmos a sonhos mais altos, nomeadamente admitir a hipótese de fazer circular o “Progresso” e receber colaboração para o Jornal de todos os Liceus do País, desde o Minho a Timor, como então se dizia.
Contrariamente ao que e pudesse imaginar, até foi muito fácil garantir suporte económico, via publicação de anúncios das empresas locais.
Como não era suposto investirmos em meios gráficos próprios, valeu-nos o apoio da empresa proprietária e editora da Revista “Tempo”, dirigida por Rui Cartaxana e que, como jornalista profissional, nos foi dando algumas instruções sobre o processo de fabrico de um jornal. Com ele, passámos algumas tardes no seu gabinete de trabalho e com ele definimos o formato tablóide do “Progresso”, paginado a seis colunas e ilustrado com fotografias a preto e branco.
Lembro-me que chegou a ser impresso e distribuído um cartaz a anunciar o nascimento do jornal, cartaz esse desenhado pelo nosso colega Firmino Sousa.
Quanto à colaboração de outros alunos do Liceu, também não foi tarefa difícil e, por isso, logo se conseguiu matéria suficiente para compor e paginar o primeiro exemplar e passá-lo a “offset”, fase que antecede a impressão no papel, o que não chegou a acontecer como se verá.
Tudo parecia correr bem, o ânimo era elevado quando, afinal, surge a primeira pedra na engrenagem.

(continua)
Victor Pereira

4 comentários:

Armando Rocheteau disse...

Fui colega do Victor. Também me lembro de: Alexandra Mendonça, Luís Filipe Pinto, José Augusto Ramos,Paulo Negrão, Luís Carlos Galvão,João Bernardo Honwana, Luís Cabral,José Elísio Martins da Fonseca, Afonso dos Santos, Jorge Santimano, J. Barroso, José Henrique Caldeira, Matias, Thompson, Ralph, Mesquita,entre os que agora me ocorrem, e os outros não estão esquecidos. Nem todos da alínea E. Eu era da G. E até, como no caso do Afonso, havia gente de Cléssicas. Espero que ajudem a clarificar esta dança.
Tive no António Enes como professores: Cansado Gonçalves, Adalberto de Azevedo e Maria José Salema. Quanto lhes devo! Com Cansado Gonçalves, sempre, desde que foi meu professor, estive em contacto. Tenho saudades de todos!
Espero o contributo do Luís Carlos Patraquim.
O artigo do Victor sai fatiado. Voltem!

Anónimo disse...

Adenda:

Não havia Faculdade de Direito em Lourenço Marques como não havia em Luanda nem no Porto(!).
Só em Lisboa e em Coimbra.

A política é o Direito e o Direito é a política, apesar de se dizer agora que é a Economia
Por isso, o lema era nada de descentralizar ou criar novos núcleos de pensamento.
Não nos esqueçamos que Direito também quer dizer Finanças Públicas.

É por isto e por muitas e muitas mais do género que o nosso atraso é profundo.
Ainda por cima fomos apanhados com as calças na mão pela revolução científica-técnica.

Anónimo disse...

Obrigadíssima por estes dois posts!, IO - eu, nesta altura ainda vestia a bata do gineceu D.Ana...

Madalena disse...

Eu fui aluna do Adalberto Azevedo e nunca me esqueci, nem esquecerei do seu enlevo e arrebatamento, ao recitar as cantigas de amigo, de olhos postos numa nesga de céu, que se via da janela da turma do 6 alínea b, no rés-do-chão do Liceu AE. Recordo também o Sr Alexandre, o auxiliar negor que tinha muita, muita paciência para nos aturar.
Obrigada pela recordação e sobretudo pelo vosso passado corajoso e nobre.