sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Epístola a Grabato e Quadros

Por Jorge de Sena (1972)

António Quadros,senhor meu, chegou-
-me, nesta desconversa de correios
distantes tanto pelo globo e os fados
que acaso nos retardam as missivas,
a vossa mui prezada e laurentina,
sem data como cumpre a eternas prosas,
mas carimbada a treze deste mês.

Trocou-se ela coás décimas solenes
de minha fraca inspiração mandadas
em como que resposta áquela carta
grabática qual esta mas em verso
de suplicante pelas sacanagens
quibiricófilas e prefaciais
entanto enviadas por vosso amigo
enlanguescendo em praias do Pacífico,
roído de saudades africanas,
enquanto o sol se esfria o só bastante
a que de corpos elas se esvaziem,
qual não mais acontece em Califórnias,
se o Inverno se aproxima,como agora.

Grabato ou Quadros ou Grabatus Frei,
e não de quadras mas de oitava e quadro,
nenhuma gratidão vós me deveis.
Naquela minha prosa, tudo fiz
Para provar-se o que não é de prova:
quem foi que algo escreveu, mesmo assinado,
quando possesso de altas Musas ou,
como é segredo, elas se alongam diante
o que se chama de fraqueza humana
e se não fora duro as não honrara.

Qual haveis visto em vossa tripla vista
de poeta de hoje e de ontem que é pintor
por símbolos e monstros minuciosos,
ninguém citei ou nada( quase nada)
que realmente exista. Assim se fritam,
em seu azeite mesmo, as sábias bestas.

A vós, Senhor de Quadros, vos sou grato
e temo apenas que as gorgonas pátrias
se quedem no prefácio furibundas,
e não penetrem pela poesia adentro
que não é de piada mas daquela
trágica farsa que em poesia agora
é quanto em grave troça nos compete
imaginar poesia neste mundo
tão torpe e tão vil, que as rosas e os encantos
são de deixar-se às putas rimadoras,
e às que, menos que putas, se deslaçam
em verso livre, ou se contraem tanto,
que menos que biputas são concretas.

Concreta é só a porra que nos roubam.
Lembrai-me, senhor meu, ao Quenofílico
de tanta minha estima, e ao Mafalalo
sobrequem vou escrever galante prosa (1).
E ao que Lisboa tem no nome e não
na força com que urze asnos benditos,
de Nixon e de Mao dilectos filhos.
E a todos por aí, como é devido.
Deste palácio vosso em Santa Bárbara
( aposentada santa dos trovões)
de Califórnia, Outubro o dezanove,
Jorge de Sema vos saúda e firma.

1. Quenofílico= Rui Knopfli; Mafalo= José Craveirinha
Eugénio Lisboa, o terceiro poeta citado por Sena


Copyright FAR para Armando Rocheteau, aniversário 21.12.05

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