Ano Novo, Nova Vida. Tinham vindo de Moçambique com uma mão à frente e outra atrás. Quereriam ter ficado, convivendo. Mas vieram todos os vivos, que os mortos lá ficaram no seu eterno descanso. Tiveram a felicidade de trazer, no avião que os trouxe, um pouco de terra e o animal de estimação. Aprenderam a viver de novo, sempre com uma doce nostalgia do Índico. O peixe ficou com o nome de Nono. Não respondia se o chamassem. Não reconhecia os donos. Mas fazia parte da família. Era o nono elemento, ficou o Nono. Em tempos que já lá vão a família, contrariamente ao costumado, passou um Fim de Ano fora do apartamento, do bairro de retornados, em que vivia. Ficou o filho mais velho e o Nono. Boa ocasião para uma festa com amigos. E, o Nono até nem era difícil de aturar. Uns flocozitos e o apetite dele ficaria saciado. Casa vazia, grandes amigos, mulheres, muita bebida, festa de Fim de Ano. Depois dos beijos e abraços da meia-noite, alguém se lembra que o Nono devia festejar também a entrada do ano. Verdadeiro espírito natalício que perdura até Janeiro. Vai daí um reforço de flocos, dado por uma alma generosa. Segue-se um brinde e um copo de champagne é deitado para o aquário. Outro dos amigos faz novo brinde e aumenta-se a dose de champagne. O espírito da festa foi-se alterando. Muita alegria, muitos copos. Entra o paganismo. Esquece-se a herança cristã, com lobos e peixes que entendiam um bom sermão. Vai daí um urinou no aquário. Vem outro entorna um frasco de piri-piri. Finalmente o Raúl, um fanático dos filmes de James Bond, servindo-se de um garfo, arpoa o peixe. No dia seguinte o pessoal compreendeu a enormidade dos actos. Havia que conter os estragos. Infelizmente os peixes não ressuscitam. Mas os amigos são para as ocasiões. Depois de um brain-storm, alguém tem a brilhante ideia de se ir comprar outro golden fish. Ninguém daria pela substituição. O filho mais velho quando os amigos partiram, enquanto esperava o resto da família vinda das mini-férias, observava o novo peixe e, orgulhoso com o milagre operado, até o achava mais jovem e saudável. Mas o Nono não era um peixe vulgar. Tinha sobrevivido com eles ao exílio. Conheciam dele as barbatanas e até as imperfeições das escamas. O resto da família já perdoou ao filho mais velho. Nenhum deles tinha acreditado, na altura, na peta inventada, nem nunca acolheu o recém-chegado peixe como nono elemento. Todavia um peixe sempre é menos que um filho ou um irmão. O filho mais velho, com os remorsos, retornou a Moçambique. Consta que peixe não faz parte da sua dieta e que em todos os fins de ano umas lágrimas são vertidas em memória do Nono. Também sente saudades da família e dos amigos.
Josina MacAdam
5 comentários:
Boa Josina! Voltaste!
(continuação)
"Quando se limpava o aquário, o sacana do peixe era esfregado em água corrente, com detergente, dizia-se que era para lhe retirar a gordura que ficava agarrada ao corpo (escamas já quase não tinha pois uma das irmãs escovava-o com a escova das unhas, manias das limpezas), o Nono era um resistente, os olhos quase lhe saltavam das órbitas, mas ele ali ficava, num abre-e-fecha de boca constante entre escorregadelas e aterragens forçadas nas cubas de aluminio do lava-loiça, lá estava ele, estóico, orgasmando-se com as escovadelas.
Nos dias seguintes à tragédia, soube-se da história do alcool (o peixe nunca se deu com misturas, estava mais habituado ao Gin-tónico com bitter, cenas d'África), tudo fine ... agora, darem-lhe uma arpoada!!?? ... ainda hoje o filho mais velho só come bacalhau e só se for pescado à linha ..."
A Josina vai estar conosco mais um tempo. O meu obrigado.
Continuará a contar as memórias da família MacAdam & friends.
Este conto é dedicado ao Raúl Ferreira e ao Emanuel Gomes da Silva.
O Armando esqueceu-se de dizer que combinámos numa colaboração semanal. Até ao fim de Janeiro. Os contos serão postados, agora, às segundas.
Acho é que arranjaram uma caldeirada... é conveniente actualizarem as vacinas e os passaportes, pois cheira-me a que virão represálias...(vidé coment. no link que fiz a este post)
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