sábado, 31 de dezembro de 2005

CHINA

COMPETI VIDADE
da vida dos assessores mais que principais e mesmo de alguns secretários do estado em que isto está

Como verificaram falta um TI para que a palavra viesse como a deu à luz o tempo, falantes da língua mãe e fonte latina: COMPETITIVIDADE (competitio). Foi engolido o TI e como uma espinha às voltas na garganta atrapalha muito a todos, sofre-se a sua gritante ausência como uma falha nossa: ouvimos COMPETI VIDADE e abala-se a ideia pátria, o português, derramando-se logo incônscia uma lágrima de sal do mar de Pessoa pelo rosto cacilheiro abaixo, que Cacilhas é todo o nosso norte, a Índia para lá estando entregue a si mesma, coitada, abandonada entre monções, saris e sarapatéis.
O caso é de sala de urgências e não de médico de família, pois uma espinha cravada na garganta em forma de T é TITTrágico. E se vai parar à glote e delita as cordas vocais? É um black out imediato de vogais e aí a nossa criatura, o pseudonominado animal sem TI, o criador do buraco negro, o engolidor do TI, o nosso herói, perde a característica, o toque singular e fica sem palavras, o que é também frequente ouvir a parentes seus : são muitos os protagonistas a dizer : estou sem palavras.
Enfim, bem vistas as coisas, engolindo o I pode-se reavê-lo no recycle bin, porque um I na garganta passa sem problemas, mesmo no papel de perigosa espinha protagonista. Um I não atrapalha, não convulsiona, na põe tudo em catalepsia. O problema está no topo do T, letra em CRUZ, com tudo o que isso tem de passivo milenar simbólico dificultando o trânsito na garganta : está tudo no T, desde os cristãos atirados aos leões até à irmã Lúcia, nossa querida santificada míope.
Contextualizando : quando nós, consumidores compulsivos de realidades simuladas, na ânsia de ver um telejornal capaz de fazer transparecer o mundo ligamos o bombardeiro (1) de imagens falantes, toma, levamos com um COMPETI VIDADE na fronha, absolutamente assumido do lado de lá e infalível quanto ao alvo. Um COMPETI VIDADE dito com a gravidade da profunda convicção de circunstância, sob um fundo azul com a bandeira verde e vermelha esticada em pontas e dito, tudo o indica, talvez por um ex-beirão feito doutor à pressa no pólo regional de uma Moderna qualquer (2).
Essa convicção assim expressa, um COMPETI VIDADE salivado alto e disfarçando o tropeço no TI, leva a necessidade de debate ao tapete no primeiro impulso. Mas mais: radicando na encenação de uma infalível sabedoria económica, como outras também de testa alta, e por via de eficaz técnica mediática, expressa-se fundamentalmente na ordem papagaiada, derivada da primeira, aquela que leva assessores e locutores a repetir até à exaustão o que uns supostos especialistas ou chefes dizem em programas ditos insuspeitos, especializados em suma, transformando estúdios em locais de verdade incontestada, templos de seriedade e aura benzida. Especializados em quê? No TAXISMO? Ele é 1,3% e dão pulos, ele é menos de 3% e franzem sobrolho e lá vamos nós, cantando o rindo, atrás dos por cento deles que isto de percentagens é só para quem tem matemática cerebral, o que não é o caso da maioria dos portugueses que, desde que usam a maquineta das contas saída em brinde de supermercado, deixaram de saber contar.
Mas, perguntamos nós depois de tirar a pele de consumidores compulsivos, E a ALMA, mede-se com quê? E a perda de RAIZES, de IDENTIDADE? E a ILITERACIA crescente entre os recém saídos das universidades que pululam, incluindo eminentes membros de Secretarias de Estado? Mede-se em aulas de americanês no básico? E porque não de chinês, o próximo império?
O diagnóstico salvífico e óbvio dos que paleiam a COMPETI VIDADE como panaceia, oferece de mão beijada pelos olhos dentro a receita que tarda há muito e oferece-a já – ao longe já se vê o sebastião que come tudo tudo tudo a emagrecer, emagrecer, até ficar do tamanho de uma esquadra da polícia e o país do tamanho de um bairro periférico onde se guerreiam gangues... E as coitadas das elites perguntarão? Estão no CONDOMÍNIO, no CONDOMÍNIO meus senhores, resguarda neomedieval – ou pós moderna para quem queira - para os novos ricos da democracia, porque os velhos ricos já tinham as suas praias privadas, o seu Brasil, a sua ilha privada, a sua polícia privada.
Quem é que ainda não deu qualquer coisa para este peditório da COMPETI VIDADE? Eu, para onde quer que me vire, truz, apanho com uma COMPETI VIDADE em cima e quem a repete, ouvinte, a quem a ouviu já repetida, tem a estranha sensação do quanto mais me bates mais gosto de ti, como naquela anedota do horizonte socialista que se afasta à medida que nos aproximamos exactamente na mesma extensão.
Porque raio temos sempre esta palavra nas costas, em perseguição incessante, nós que somos um povo de gente que se dedica às longas digestões ( a propósito : Zapatero ameaça terminar com a sesta andaluza, devemos solidarizar-nos JÁ com os nossos irmão desse sul), mesmo ao volante de um TIR, povo de gastrónomos e padeiros, de navegadores e afogados, de alcoviteiras e marquesmendistas doutores, inventores do tacão alto e da prosápia, da anedota e da iliteracia militante erudita, aquela que é infalível no palpite?
É que, bem vistas as coisas, quanto mais pós modernos mais longe de ser modernos - e cada vez há mais pós modernos, basta olhar para os rabos de madeixa fotocopiados nas melenas e para cor dos aros em miopias mais que criativas.
É que estamos cada vez mais pobres e cada vez há mais dinheiro electrónico a circular.
É que cada vez há mais estradas boas e cada vez há mais mortos na estrada.
É que o bacalhau é alto, cada vez mais alto, à medida que os natais televisivos vão criando tradição, de tal modo que já se prevê para o próximo natal não a árvore de natal maior da Europa, mas o bacalhau de consoada mais alto da Europa aos mais baixos preços. E por obra de quem ? Da CHINA, Made in China.
Acreditem caros amigos: depois de ter visto um galo de Barcelos feito em Cantão o meu desejo de competi vidade não cessa de crescer. Oxalá o Sócrates tenha maiêutica para milagrar a coisa para além do TI ausente.

Pé de página:
1. o que fazem é torná-lo mais opaco, sobrepondo camadas de situações dramatizáveis sobre camadas de situações dramatizáveis, desenvolvendo o nosso sentimento de impotência e alimentando as derivas psíquicas daí originadas, transformando assuntos em episódios de uma trama que não se dá à análise, antes enrolando-nos como peixe preso numa rede de sentidos armadilhados que nos massacram pelo que têm de óbvio ou, por uma outra via, recorrendo à estratégia da cortina única, como foi exemplo o 11 de Setembro, acontecimento que escondeu todos os outros atrás da sua omnipresença, tapando-nos a nossa peneira com o sol deles.
2. mesmo por um ex-minhoto, talvez até por um ex-alentejano, todos a viver na Amadora/na Linha/no IC19/na Expo, na perspectiva de transladar carreiras ascendentes para Lisboa, Lapa ou Restelo, Avenidas Novas ou Velhas, quando a política der o capitalizado suficiente ou já lá estando por já terem capitalizado.
3. cenho franzido, pausa meditalonga, nó engordado da gravada flamejando um vermelho audacioso e diagnóstico radical do país mais terapia urgente em pacote único, afirmados com muita coragem, pois não estão em causa nem a conta bancária, nem o colégio privado dos meninos - já ouviram aquele Abominável César das Neves?

f. arom

3 comentários:

Anónimo disse...

Armando e fernando rebelo: Coisas belas e violentas- rapidíssimas como diria o Cocteau da beleza- nos dão a ler. A nossa Maureen Dowd, que tanta celeuma nos trouxe, sobe na tabela do exigentíssimo NY.Times, o único jornal pago que aumenta a tiragem na worldwide, por causa do s. livro contra os Machos:falocratas de todos os tamanhos e feitios.Ando a ver se topo na Imprensa italiana, coisas sobre o siderante e fantástico Roberto Begnini e Sabine Guzzanti, os verdadeiros continuadores do iconoclasta e magistral Coluche, outro italiano mas criado na Galia, amigo de Deleuze-Foucault e Guattári, os filósofos da subsversão global e permanente.FAR

Anónimo disse...

Parabéns F.arom por mais este texto.
Continue!

Anónimo disse...

Isso é que é PRODU VIDADE! Parabéns, F.arom! Além do mais, puseste-me à procura de um 3!