quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Um Rio

Apenas dois membros do painel de críticos do PÚBLICO se deu ao trabalho de ir ver o filme, e atribuíram-lhe, ambos, uma bolinha, que significa “a evitar”. De facto, “Um Rio” é um filme falhado, mas seria mais interessante discutir o que falhou, em vez de o arrasar e ponto final. E, já agora, tentar entender os motivos que levam uma entidade como o ICAM a atribuir-lhe um subsídio, num país onde todos os cineastas se queixam da escassez de apoios.
Aparentemente, terá sido determinante a utilização do nome de Mia Couto, um autor de grande popularidade em Portugal. O (paupérrimo) material promocional destaca que o filme se inspirou no romance “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra”, o que constitui, sem dúvida, um empreendimento arriscado, para não dizer suicida. A popularidade da escrita do Mia deve-se, em grande parte, a uma criatividade lexical que é a sua marca distintiva. Na transposição para cinema, isso só pode ser preservado nas falas dos personagens, e, mesmo assim, suscita problemas de continuidade, em relação ao diálogo adicional.
Além disso, a profusão de gente, acontecimentos, recordações e sonhos que há no livro, não cabendo no filme, teve que ser desbastada, e o fio condutor ressentiu-se da colagem das passagens apuradas. No entanto, ressente-se muito mais do desbaste que sofreu, visivelmente, o guião inicial, de Luís Carlos Patraquim e António Cabrita.
A título de exemplo, basta referir o caso de Paula Guedes. (Lembram-se dela em “Kilas, o Mau da Fita”?) Embora o seu nome surja, com destaque, no cartaz, a sua participação, no filme, resume-se a uma cena. Depois, desaparece sem explicação, embora o seu nome surja, com destaque, no cartaz.
Se o realizador José Carlos de Oliveira teve mais olhos que barriga na escolha do romance, também pecou por ambição na “profundidade” que procurou imprimir à narração; de facto, ela obstrui-a até ao insustentável.
No entanto, “Um Rio...” não é só isso. A visão que o filme projecta de África é muito mais “saudável” do que é costume nas co-produções luso-moçambicanas, onde se repetem as velhas tretas da “magia de África” e onde os negros são coisificados. Por outro lado, José Carlos Oliveira soube tirar partido dos recursos cinematográficos, humanos e materiais, existentes em Moçambique, confiando-lhes lugares de primeiro plano nas equipas técnica e artística. A participação de moçambicanos no elenco não se resumiu à pretinha bonita do costume, e “Um Rio...” é uma boa oportunidade para rever actores como Ana Magaia, Cândida Bila, Gilberto Mendes e muitos outros.


José Pinto Sá

3 comentários:

Anónimo disse...

Já não há militantes.

Ninguém vai ver o filme. Ninguém fala do filme.

O Afonso tem razão!

Anónimo disse...

No lugar do Mia Couto processava o José Carlos Oliveira por inépcia e demandava uma providência cautelar para impedir o Luís Carlos Patraquim de escrever ficção (ainda por cima dos outros)e poesia. Machado da Graça dedica-te à Rádio.

Anónimo disse...

Felizmente que fui um dos poucos enganados a ver o filme. Nem Maputo pude ver. Esperava que a Ana Magaia tivesse fasquias mais altas ao associar o seu nome a uma "obra".