quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Miles Davis forever

Miles Davis morreu a 28 de Setembro de 1991, faz hoje 14 anos. A pneumonia e os problemas respiratórios não perdoaram. Estava na altura a ultimar mais um álbum, que acabou por sair só em 1992. Chamava-se Doo Bop e era mais uma achega à permanente inovação com que Miles sempre presenteava os mais fiéis. Desta vez, o rapper Easy Mo Bee era o elo de ligação com o lado mais comercial da música de então. Curiosamente acabou por ganhar um Grammy na secção de Best Rhythm & Blues Instrumental Performance, com o tema "Fantasy".
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Vi Miles Davis uma única vez. Foi no primeiro festival de Cascais, em 1971. Tinha vindo de Moçambique passar umas férias, com a minha família. A minha onda era mais rock e o jazz era para mim um território desconhecido. Mas o nome de Miles Davis não. As suas incursões na área da fusão tinham começado, penso eu, dois anos antes com “In a Silent Way”. Mas foi com "Bitches Brew", de 1970, que Miles mergulhou de vez na fusão de Jazz e Rock, privilegiando as sonoridades electrónicas. De realçar que o Festiva de Jazz de Cascais foi o meu baptismo em concertos a sério. Nunca tinha visto tantos músicos com aquela qualidade juntos e ao vivo. E mesmo muitos
anos e dezenas de concertos depois, tenho alguma dificuldade em destroná-los do Top 1. Senão vejam. No grupo de Miles Davis, Keith Jarret era o organista. Presentes no Festival estavam Ornette Coleman, Phill Woods, Dexter Gordon, Joe Turner e o sexteto «Giants of Jazz». Este combo integrava Dizzy Gillespie, Thelonious Monk, Art Blakey, Sonny Stitt, Kai Winding e Al McKibbon, entre outros que já não me lembro.
Miles esteve no seu melhor, mas não disse uma palavra. Refugiado atrás dos seus óculos escuros, maravilhava todos, e a mim em particular, com os seus solos divinos. Tocou cerca de uma hora. Naquele dia 20 de Novembro de 1971, Miles Davis tocava com Gary Bartz, Keith Jarrett, Michael Henderson, Ndugu Leon Chancler, Charles Don Alias e James Mtume Forman. Já agora o alinhamento das canções foi: Directions, What I Say, Sanctuary, It's About That Time, Honky Tonk, Funky Tonk, que durou mais de 20 minutos e acabou com Sanctuary.
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Como sabem, ou leram em livros da escola, os tempos eram cinzentos e os horizontes esbarravam em agentes da polícia política e outros fundamentalistas à civil. Que eram pouco dados a brincadeiras. A vinda a Portugal de músicos deste calibre não foi muito bem visto por sectores progressistas de muitos países. Mas só quem está do lado de dentro do arame farpado é que sabe como é bom respirar um ar novo e fresco. Durante os dias que durou o festival foram distribuídos panfletos de apoio aos movimentos de libertação, o que gerou alguns problemas. No entanto, o ponto alto da contestação deu-se quando o baixista Charlie Haden, que tocava no quarteto de Ornette Coleman, se chegou junto do microfone e dedicou uma música aos movimentos de libertação em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau. Logo a seguir foi preso pela PIDE/DGS e enfiado num avião.
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Como nota de rodapé, uma pequena história engraçada, contada por João Braga neste
site. O fadista fazia, juntamente com Luís Vilas Boas e outros, parte da organização e esteve em contacto directo com Miles Davis. A primeira exigência do músico foi uma limousine branca, guiada por um branco, fardado a rigor, com boné, luva branca, dragonas e tudo! Mas há mais.
Tive que arranjar um veterano boxeur para, à laia de sparring-partner, levar uma carga de porrada logo pela manhã, quando o grande artista acordasse. O pior foi que, na segunda manhã, farto de levar nas ventas, virou-se ao outro e foi despedido. Acordaram-me de supetão e lá tive que ir descobrir outro marmanjo. Por outro lado, devo ter ficado com uma fama danada na classe médica da época:
1 - Mobilizei um médico para ir ao Hotel Palácio observar o cabeleireiro do Miles, que estava com um problema de ordem venérea no traseiro;
2 - Chateei todos os clínicos que conhecia para que me arranjassem as embalagens que pudessem de Profamina. Todos os que responderam ao meu pedido me avisaram, "vê lá o que andas a fazer, que isto, tomado em excesso, pode ser muito perigoso", apesar de eu clamar que aquilo era para o Miles Davis - no que eles, obviamente, não acreditaram...
O genial autor de “Kind of Blue” saiu do armário (literalmente) da suite onde se encontrava, em meditação, e engoliu sem se deter as três caixas que reuni, não sem me sussurrar, na sua voz rouca, mas doce, que lhe fizesse companhia. Lembrei-me dos avisos dos médicos e recusei, polidamente.”

6 comentários:

Anónimo disse...

Também assisti! Eram fabulosos os fins-de-semana do Cascais Jazz no Dramático na Gandarinha... Não só pelos concertos em si, mas por toda a envolvência. Dias muito especias em tempo de falta de liberdade. Lembro-me de ter visto desfraldados panos, na bancada superior, contra a guerra colonial. Não sei em que concerto, mas foi uma emoção. Tudo fazia sentido.

Anónimo disse...

Gostei dos comentários ao post, mas confesso que as notas de rodapé do João Braga deram-me a conhecer algo mais sobre esse músico de primeiríssima classe, que não conhecia. O Elton John para o concerto no Casino Estoril também fez a exigência de ter um massagista gay no "backstage". Pelos vistos não foi suficiente...Fugiu, e mais ninguém o viu. Excentricidades que só são perdoadas ás estrelas...

Anónimo disse...

Mas o Charlie Haden/Carlos Paredes foi um "flop". Cada um "falou" para o seu lado.

Agora, o rapaz do andar de cima é uma flor de bosta.
Deve cheirar bem?!

Anónimo disse...

Será os solos loucos de Miles nos concertos tem por trás a profamina ou outros sucedâneos?
Mr Davis, você nunca me enganou...
E como é no paraíso? Fuma-se, toma-se, injecta-se ou apenas se respira fundo? Conte, conte, augustus...

Anónimo disse...

O Miles Morreu com SIDA (?). disse-me quem o conheceu. é dificil dúvidar. Ele tinha um estilo de vida "rock n' roller" e morreu em 91...
I love Miles.

Errgê disse...

P.f. alguúem me pode informar em que ano ART BLAKEY esteve presente no Cascais Jazz.
OBRIGADO.