sábado, 17 de setembro de 2005

Um outro olhar: Os afro-africanos


De tempos a tempos, ressurge o debate sobre se há ou não há racismo, aqui ou acolá. Ora bem, o racismo é, rigorosamente, o seguinte: um instrumento político-ideológico criado e utilizado pelas classes privilegiadas, para iludirem a luta de classes. Ou seja: para que as camadas sociais trabalhadoras, desfavorecidas, pobres, se desunam segundo a cor da pele; e para fingir que o privilegiado e o espoliado, quando têm a mesma cor, têm interesses iguais. O racismo é, portanto, o espinho natural da planta que cresce em qualquer terreno adubado pela exploração do homem pelo homem. Assim sendo, enquanto na sociedade existirem classes sociais com interesses antagónicos, o racismo sempre será utilizado para encobrir a desigualdade real, que é a económica e social, e não a racial. Um dos exemplos mais marcantes da persistência do racismo vem da terra que alguns gostam de considerar o modelo da democracia, mas essa persistência demonstra que essa tal democracia está bem longe de sê-lo. Essa marca racista consiste em evitar a palavra “negro”, como se ela designasse uma raça inferior, utilizando a tonta expressão de “afro-americano”. E, lá perto, há os outros que se auto-intitulam “afro-brasileiros”. Que “africanos” são esses, que, pro­vavelmente, não são capazes de dizer o nome de três países africanos e respectivas capitais? Que, provavelmente, nem sequer se inte­ressaram alguma vez por observar o mapa de África. Que, quando lá vai algum mo­çambicano, nem sequer sabem onde fica esse tal país. Que “africanos” são esses, originários de África em geral e de nenhum país em particular? E que não têm família em África. Quando é que esses “africanos” esperam regressar ao seu país inexistente?
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E esta é que é a questão: o país inexistente. Desgostosos do desastroso estado de desigualdade de direitos que predomina nas “exemplares” democracias das sociedades em que vivem, mas porque se demitem de lutar para a transformar, armam-se em expatriados ou diáspora no seu próprio país, inventando uma falsa Utopia, à qual chamam África, como lhe poderiam chamar
Éden ou Ítaca ou Ilha dos Amores. E já agora: que acções concretas desen­volvem eles pelo desenvolvimento do “seu” continente africano? Quer dizer, lá nas Américas são “afro”; e, se alguma vez vêm a África, aqui são americanos ou brasileiros. Isso não deixa de ser uma posição bem confortável para justificar o nada fazer, apenas palrar, para tentarem obter vantagens seja onde for que estejam, ou não estejam. Esse tipo de atitude costuma ser vulgarmente designado por um vocábulo bem conhecido: oportunismo! Também o racismo é sempre uma forma de oportunismo. Este oportunismo manifesta-se, por vezes, numa atitude de querer combater umas formas de racismo com outras formas de racismo. Mas o racismo é sempre só um e o mesmo, seja qual for a cor de quem o pratique ou de contra quem ele for praticado. Quantas pessoas não viveram já a experiência de serem alvo de actos racistas praticados por pessoas de raça igual à sua? Um dos conceitos do oportunismo racista é o conceito de black empowerment. A balela do black empowerment (atribuição do poder aos negros) serve apenas as ambições pessoais de poder e riqueza de alguns indivíduos; e em África é anedótica, porque neste continente o black empowerment chama-se Independência Nacional.
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Portanto, contra o black empowerment é preciso içar a bandeira do people empo­werment (poder para o povo). Se o people empowerment assusta, por parecer de­masiado revolucionário, considere-se então o citizen empowerment, que poderia ser traduzido por: atribuição de poder aos cidadãos, para construir uma democracia popular participativa.
Porque a democracia não tem nada a ver com o acesso ao poder por este ou aquele sujeito, em nome duma raça, etnia, religião, sexo ou região. A democracia consiste na conquista de amplos direitos sociais (ali­mentação, saúde, educação, emprego, habitação) para todos os cidadãos. E quem são, afinal, os afro-africanos? Já que a palavra “afro” tem sido utilizada como um eufemismo da palavra “negro”, pode-se dizer que os afro-africanos são aqueles negros que, tendo sempre vivido em África - mas porque têm a cabeça fora dela, uma vez que gostam de imitar modas e de beber ideologias “afro” de quem nunca viveu em África - sonham regressar ao próprio país em que sempre viveram. Serão certamente bem-vindos, quando chegarem. E talvez possam, então - quando chegarem às origens e beberem das raízes - talvez possam então alcançar a felicidade de se juntarem à autenticidade da causa dos interesses genuínos do povo a que pertencem.
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Afonso dos Santos
In “SAVANA - semanário independente”, Maputo 16.09.05

6 comentários:

Anónimo disse...

Não tenho nenhum problema em chamar um grunho de "nigger" e de dizer a alguns que és tão preto que és azul.

Mas sempre pensei que ser afro-brasileiro ou afro-cubano era a afirmação de uma identidade com raízes profundas.

Anónimo disse...

O afro-americano, o afro-qualquer coisa, nunca foi mais que uma manifestação folclórica cultural. Sinais de pertença, de afirmação, talvez.
Convenhamos que o afro-africano já custa mais a perceber, pelo que compreendo a opinião do ilustre jornalista.
No entanto, não considero que a palavra “ AFRO “ seja um eufemismo da palavra “ negro”. Opiniões.

Anónimo disse...

Ler a prosa de um moçambicano branco, que se passeou pelos Estudos Clássicos, enternece qualquer um.

Anónimo disse...

Embora seja uma questão periférica, penso que o Afonso dos Santos é um Afro-negro.
A sua teoria é um pouco rebuscada, num texto que considero confuso e mal estruturado. Pode-se compreender o que queria dizer, mas acabou por não o conseguir de forma clara e expressiva, num texto mal elaborado. Mas, os tipos do Savana são também muito pouco criteriosos, não fazem revisões e publicam tudo, sem entenderem que um jornal tem responsabilidades também qualidade da escrita. Muitos artigos estão mal escritos e eles nem se preocupam em fazer revisões.

Anónimo disse...

Cada um escreve e diz o que quiser onde quiser. Esta é (devia ser) a norma.
Mas convenhamos que publicar em letra de forma baboseiras não é o melhor contributo para a causa da liberdade, da etc. etc.

Anónimo disse...

Querido Antonio
Li suas palavras e concordo em parte com o que dizes. Aqui no Brasil, o governo Lula promulgou a lei 10.639 que determina o ensino da História da África, nas escolas públicas estaduais, municipais e particulares. Essa Lei é de 2003 e estamos, aqui na Bahia, pelo menos eivando esforços no sentido de dar forma e pôr em prática essa lei. É difícil, e voce não pode imaginar o quanto, conviver com o racismo e a brutal desigualdades em que os negros se encontam hoje aqui. Há um grupo de parlamentares , professores , acadêmicos buscando de todas as formas subsídios e financiamentos para a produção de material que vise recolocar os elementos da história africana no lugar de merecido destaque para orientar nossa geração de agora. Estamos nos movimentando com Seminários e Foruns no sentido de mobilizar a sociedade. Nossos livros didáticos dão ênfase a visão européia heróica , branca e suprema e nenhum valor a origem africana. Só se destacam a figura do negro escravizado, como se nenhuma contribuição cultural ele tivesse dado. O que é perverso e destruidor da auto-estima. Sou historiadora, e nos dez anos que tenho em sala de aula tento mostrar a importância da África como berço da civilização e extrordinária cultura e legado que é possuidora. Mas tem sido árduo enfrentar a cultura do branqueamento, o desejo de parte da população branca em insistir só na descendência lusitana e no cultivo da cultura européia. Não estamos de braços cruzados. Estamos hoje igual aos nossos irmãos, trazidos das mais diversas regiões africana (Benin, Angola, Sudão... que durante 400 brigaram, lutaram, questionaram contra a escravidão...ainda estamos nela...me sinto uma abolicionista nesses tempos contemporaneos. Portanto para nossa sorte , tudo ainda não está perdido.
Atenciosamente
Emilia de Almeida Couto