Os anónimos
Não me lembro na minha adolescência de receber telefonemas não identificados. A não ser num período de crise, e estou a referir-me à época em que o meu pai, então Presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores, teve de afrontar as consequências (juntamente com os membros do júri) de uma campanha desencadeada por causa de um prémio atribuído a "Luanda" de Luandino Vieira. Nessa altura, Amãndio César, salazarista convicto, desenvolveu uma série de denúncias na televisão e diversos cidadãos anónimos, também eles indómitos nacionalistas, telefonavam durante a noite lá para casa com insultos e ameaças, quase sempre em torno do tema então infamante de "comunistas". Os anónimos das linhas telefónicas preferem a noite: digamos que tal prática deve estar ligada à desesperante insónia e à alucinante solidão.
O fenómeno ganhou novas dimensões com o aparecimento dos telemóveis. Porque logo à partida há duas hipóteses: ou o telefonema oral, ou a mensagem escrita. Como através da oralidade existe apesar de tudo uma forma de presença (e a hipótese remota do reconhecimento), prefere-se em geral o silêncio ofegante, ou a mensagem escrita. Mas há gradações em tudo isto há uma forma de não anonimato que passa por aqueles que nos telefonam e fazem questão em não dizer quem são – cabe a nós adivinhar. Já me aconteceu falar com alguém e ao cabo de dois minutos dar-me conta de que preciso de operar uma viragem que me faça adaptar o discurso desenvolvido à descoberta de que me enganei e de que se trata de outra pessoa completamente diferente. Entretanto, vou-me perguntando se o que ficou para trás fazia inteiramente sentido para o interlocutor que reconheço agora. Há também os que nos enviam mensagens escritas no pressuposto de que nós inscrevemos o nome deles na agenda. E dizem coisas como: parabéns, hoje é o dia em que os filhos celebram a existência dos pais. Ou: estiveste bem na televisão, dá-lhes com força, e outros estímulos mais ou menos libidinais. E a gente tem de perguntar para lá: a quem devo tão entusiasmantes palavras?
Mas o mais interessante são as mensagens verdadeiramente anónimas. Elas permitem criar personagens pela sua insistência. É a heteronímia do pobre. E temos o admirador fiel e o fiel opositor, o colega dos bancos da escola e o inimigo de estimação. Grande parte das mensagens (e dos "mails") vêm de inimigos, que devemos classificar em duas espécies: os circunstanciais e os estruturais. Estrutural é aquele que nos odeia todos os dias porque nós um dia nos recusámos a ler o seu manuscrito genial. Alguns ódios nós podemos prever. Outros vêm de gente que nós não conhecemos e que nos odeiam pelo simples facto de existirmos (o que é uma razão muito aceitável).
Adoro receber mensagens anónimas (embora ache que, no fundo, se trata de uma prática miserável e sórdida). Mas quando alguém utiliza um pouco do seu tempo para me comunicar que "X escreve muito melhor que o EPC" (facto que me é totalmente indiferente), eu comovo-me até às lágrimas pelo facto de alguém tirar um pouco do seu sono para pensar em mim. As mensagens circunstanciais pertencem a períodos de grande intensidade polémica: a questão do aborto ou o facto de eu ter defendido os direitos dos homossexuais. Aí temos uma avalanche de mensagens que nos tratam de "almôndega abortada" ou de "maricas infecto". Fico sempre a tentar entender que tipo de satisfação estas mensagens anónimas suscitam naqueles que as enviam. Mas alguma deve ser.
Mas à cautela, não vá ter ataques de sonambulismo, eu evito até saber como se faz uma mensagem anónima. Mas que os operadores as prevejam é certamente uma atitude de terapêutico serviço público.
Eduardo Prado Coelho, Público, 12/09/2005, Pg 39
Não me lembro na minha adolescência de receber telefonemas não identificados. A não ser num período de crise, e estou a referir-me à época em que o meu pai, então Presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores, teve de afrontar as consequências (juntamente com os membros do júri) de uma campanha desencadeada por causa de um prémio atribuído a "Luanda" de Luandino Vieira. Nessa altura, Amãndio César, salazarista convicto, desenvolveu uma série de denúncias na televisão e diversos cidadãos anónimos, também eles indómitos nacionalistas, telefonavam durante a noite lá para casa com insultos e ameaças, quase sempre em torno do tema então infamante de "comunistas". Os anónimos das linhas telefónicas preferem a noite: digamos que tal prática deve estar ligada à desesperante insónia e à alucinante solidão.
O fenómeno ganhou novas dimensões com o aparecimento dos telemóveis. Porque logo à partida há duas hipóteses: ou o telefonema oral, ou a mensagem escrita. Como através da oralidade existe apesar de tudo uma forma de presença (e a hipótese remota do reconhecimento), prefere-se em geral o silêncio ofegante, ou a mensagem escrita. Mas há gradações em tudo isto há uma forma de não anonimato que passa por aqueles que nos telefonam e fazem questão em não dizer quem são – cabe a nós adivinhar. Já me aconteceu falar com alguém e ao cabo de dois minutos dar-me conta de que preciso de operar uma viragem que me faça adaptar o discurso desenvolvido à descoberta de que me enganei e de que se trata de outra pessoa completamente diferente. Entretanto, vou-me perguntando se o que ficou para trás fazia inteiramente sentido para o interlocutor que reconheço agora. Há também os que nos enviam mensagens escritas no pressuposto de que nós inscrevemos o nome deles na agenda. E dizem coisas como: parabéns, hoje é o dia em que os filhos celebram a existência dos pais. Ou: estiveste bem na televisão, dá-lhes com força, e outros estímulos mais ou menos libidinais. E a gente tem de perguntar para lá: a quem devo tão entusiasmantes palavras?
Mas o mais interessante são as mensagens verdadeiramente anónimas. Elas permitem criar personagens pela sua insistência. É a heteronímia do pobre. E temos o admirador fiel e o fiel opositor, o colega dos bancos da escola e o inimigo de estimação. Grande parte das mensagens (e dos "mails") vêm de inimigos, que devemos classificar em duas espécies: os circunstanciais e os estruturais. Estrutural é aquele que nos odeia todos os dias porque nós um dia nos recusámos a ler o seu manuscrito genial. Alguns ódios nós podemos prever. Outros vêm de gente que nós não conhecemos e que nos odeiam pelo simples facto de existirmos (o que é uma razão muito aceitável).
Adoro receber mensagens anónimas (embora ache que, no fundo, se trata de uma prática miserável e sórdida). Mas quando alguém utiliza um pouco do seu tempo para me comunicar que "X escreve muito melhor que o EPC" (facto que me é totalmente indiferente), eu comovo-me até às lágrimas pelo facto de alguém tirar um pouco do seu sono para pensar em mim. As mensagens circunstanciais pertencem a períodos de grande intensidade polémica: a questão do aborto ou o facto de eu ter defendido os direitos dos homossexuais. Aí temos uma avalanche de mensagens que nos tratam de "almôndega abortada" ou de "maricas infecto". Fico sempre a tentar entender que tipo de satisfação estas mensagens anónimas suscitam naqueles que as enviam. Mas alguma deve ser.
Mas à cautela, não vá ter ataques de sonambulismo, eu evito até saber como se faz uma mensagem anónima. Mas que os operadores as prevejam é certamente uma atitude de terapêutico serviço público.
Eduardo Prado Coelho, Público, 12/09/2005, Pg 39
10 comentários:
E "almôndega peluda".
Obrigado pela dedicatória.
Um anónimo
copiar é feio, ó senhor que posta esta bosta do EPC. nunca fez redacções na escola? é altura de começar e não tenha medo de falhar. alguma vez terá de ser a primeira.
Será que o EPC tem ataques de sonanbulismo quando sonha com a Jacqueline Bisset? O EPC já deu tantas cambalhotas políticas e intelectuais na vida, que é um insulto este texto ser dedicado aos anónimos. Escolha outro, e sugira ao EPC que volte para Paris, que é o sítio onde ele gosta realmente de estar. Caros anónimos, não se contentem com dedicatórias deste calibre. A mediocridade deste blog de amigalhaços, que bem se podia chamar de "Confraria", quer nivelar por baixo, ou seja, ao nível deles.
É crime sonhar com a Jacqueline Bisset. Há gostos para tudo.
Dar cambalhotas políticas. Mas há algum partido que se mantenha como era, digamos, três anos.
Cambalhotas intelectuais? D. Juan dizia a Carlos Castanheda: "Sábio é aquele que sabe aprender com os outros."
Deportá-lo para Paris? Mas a maioria dos alunos apoia-o?
Numa coisa tem razão. O 2+2=5 decaíu.
Com a sua chegada era inevitável.
Não acrescentou peva a nada do que aqui se passa.
Nem nunca acrescentará nada a nada. Porque você braceja num mar de infelicidade, amargura e descontentamento
Fernando Isidoro,(se me permite esta intimidade), presumo que queira dizer, 11:27 e não 11:17. Tenho um amigo que é um "blogueiro" profissional, e que me diz que alguma graça, que os anónimos são o "sal e a pimenta" dos blogs, e muitas vezes os "sacos de boxe", onde as frustações, e outras coisas acabadas em "ões" são descarregadas, pelos "posteiros" e pelos "habituais" do blog. Olhando para a sua resposta e para a do zemari@, digo-lhe com toda a franqueza que andam hipersensíveis, ou hiperexcitados, porque francamente, o teor das vossas respostas são para cometeu um crime de "leza magestade". Primeiro, porque pensava que este post era 100% dedicado a essa classe chamada de "anónimos", uma espécie de mini-fórum onde nós, podiamos dizer sem restrições a nossas habituais "picardias", e em segundo lugar que o direito à opinião fosse minímamente respeitado. Odeio a unanimidade institucional, é uma coisa que cheira mal, para não dizer outra coisa, acabada em "erda", "ismo" ou "braço no ar"...Opinei sobre o EPC, e as cambalhotas, (penso que o EPC gostaria mais com a paixão platónica dele à décadas, ou seja pela J.Bisset), mas na minha opinião há limites para as cambalhotas. Acham que não? Tudo bem, são opiniões que eu RESPEITO!!!! Quanto ao nível de qualidade do blog, penso que já foi melhor, e que está a cair, mas não por culpa dos anónimos, com franqueza! Por exemplo gosto dos posts do André Carapinha. Desapareceu? Zangou-se? Férias? Se repararem bem os comentadores são sempre os mesmos, o jguitar, bakunine, zemari@, rocheteau, você, fernando isidoro, o surfista qualquer coisa, o pimpão, os "proprietários do blog", passe a expressão. e poucos mais! Não acham monótono? Não podem ser objecto de uma crítica? Só quero que vocês todos tenham muito sucesso, mas também alguma calma, porque ás vezes os vossos ataques são de uma grande intolerância, que para evitar alguma polémica não vou conotar com nenhuma opção politica. Fernando Isidoro, eu sou "anónimo free - lancer", se sabe de alguma organização ou grupo a que eles pertençam, não quero saber nem estou interessado nisso, mas posso-lhe dizer que os que conheço e que escrevem neste blog são "anarcas" e de excelente nível cultural e intelectual. As aparências iludem, e antes de dispararem, perguntem. Sejam tolerantes e concedam o benefício da dúvida. Só fica bem.
fernando isidoro, como já escrevi, este blog baixou de qualidade, mas a responsabilidade não deve ser sua, salvo se pertence ao "conselho de administração do blog" e faz posts. Para mim, já foi bom a roçar o bom +, mas tal como na vida escolar, do bom ou bom +, se pode passar para medócre - , ou mediocre +, é nesta perspectiva que o aconselho a intrepertar as minhas palavras. Como cliente deste blog, penso que que este blog tem todo o potencial para voltar ás "notas positivas"! Por vezes, temos que usar de uma certa rispidez ou insolência para "acordar" os deuses deste site. Só não entendo no seu discurso é a sua "terminologia " como ver a cara, impunidade, etc. É meio "assustadora", (não se trata de medo de si, óbviamente), mas não rima muito consigo, porque acabei de ver o seu comentário ao Miles Davis e gostei. Posso estar enganado a seu respeito, mas a terminologia é meio pidesca ou melhor e sem ofender, "de faca na liga". Novamente, não rima consigo.
P.S.- Estive a ler o post sobre o B.Leza, onde um anónimo foi "crucificado" por outros "anónimos knickados", e posso-lhe dizer que o "anónimo" se passou com aquela história da "pretalhada", a qual também não estou óbviamente de acordo, no entanto tenho que admitir que esse mesmo "anónimo" escreveu no comentário inicial e nos seguintes alguma "coisa" que não é mentira, até com bastante interesse,se fosse analisado sem paixões ou preconceitos. Sou muito curioso, e adoro uma boa história, venha de onde vier, e penso que o tal "anónimo" que escreveu algumas enormidades, teria algo interessante para contar, sem que para tal fosse necessário informá-lo à bruta que este blog não era uma clinica psiquiatra. Penso que o beneficio da dúvida e a tolerância devem estar sempre presentes, por muito que isso vá contra nós próprios.
Desculpem lá, mas começo a achar esta discussão bastante estupida.
Qualquer pessoa pode inventar um nick qualquer e fazer comentários com ele, mas também não é por isso que alguém lhe vai conhecer a cara, porque um nick é um mero pseudónimo! Quer dizer que se uma pessoa com um nick viesse aqui fazer comentários estapafurdios já era alvo de menos críticas?
Para mim não faz muito sentido, mas enfim... Esta raiva contra os anónimos... O que há mais na "blogosfera" são anónimos, provavelmente porque, muitas vezes, não estão para se dar ao trabalho de pensar num nick!
Daqui a nada temos que fornecer o nosso nome completo e número de B.I. para que as respostas aos nossos comentários nos possam ser endereçadas convenientemente...
Parvoíce, chiça!
Isto está a ficar um blog freudiano. Chiça!
Gosto de uma boa picardia, se tiver graça, imaginação, originalidade e me dê uma perspectiva nova sobre o assunto. Gosto de ser surpreendido por análises, ideias ou apenas uma boa piada, por exemplo, o
Bakunine. É um rebelde.
Embora o nick seja pouco relevante, e o anoninato não me incomode, penso que não deixa de ter mais piada ter um nick. É uma identidade que se cria, à medida do freguês. É um pouco como num filme. É tudo ficção, mas a história só faz sentido porque é contada através das suas personagens. Eu sou pró-nick, por meras razões estéticas. Pensem nisso, ó anónimos deste blog.
Não aprecio insultos ou posições intolerantes, como o racismo ou a xenofobia. No entanto, isso fica com quem o diz. Não percebi o incómodo daquele comentário sobre o b.leza. Mesmo uma pessoa xenófoba pode perceber que tudo o que passa naquele espaço de cultura, é uma mais valia para Lisboa. Mostra algo de bom de um povo, tão digno como qualquer outro. Mas se o desabafo é algo de catártico para quem o faz, que venha e o discuta. Frontalmente. Mas sem intolerância.
No entanto, há partes do comentário que indiciam alguma revolta, por situações que o anónimo passou. Só que poderia ser mais objectivo e não cair na subjectividade do racismo.
Muitos dos que escrevem neste blog, a comentar ou a postar, passaram situações dificeis nesses países. No entanto, há que saber separar as cabeças da palhosa, como se diz por lá...
U know what i mean?
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