Olá,
Fui ao Oregon do outro lado do continente e aprendi uma coisa: Se Sauvigon Blanc cheirar a xi xi de gato então é do melhor que há..
Isto foi-me garantido por um punhado de provadores de vinho que num fim de tarde numa montanha perto do majestoso rio Columbia me garantiram que o Sauvigon Blanc tem que cheirar mal para ser bom e em unanimidade declararam: “se cheira a mijo de gato é do melhor”. Eu comecei a rir, não só pela analogia mas também pelo facto de por essa altura já ter tido ingerido uns bons quartos de copo de Sauvigon Blanc, Pinot Noir, Cabernet Sauvigon e até Shiraz, pelo que por essa altura já não me interessava a que é que os vinhos cheiravam. Mas os produtores garantiram-me que isso é um velho ensinamento dos provadores e embora não me pareça que aí na Lusitânia se produza Sauvigon Blanc ficam desde já a saber o truque portanto: Se cheira a mijo de gato é bom.
Tenho a dizer que nunca tive grande olfacto para detectar “aromas de ameixas, tabaco e um pouco de citrinos, com toques de cabedal” no vinho e isso serviu para irritar um dos produtores quando eu, ao provar um tinto que já não me lembro o que era, e ao tentar demonstrar que sabia algo sobre o olfacto de vinhos disse que cheirava a “capoeira de galinhas” ao que alguém com sentido de humor perguntou: “Com merda ou sem merda?”.
Isto para vos dizer que a produção de vinho através do Oregon e mesmo no vizinho estado de Washington, do outro lado do Columbia, está num “boom” sem precedente devido ao facto dos americanos terem começado a gostar de vinho.
Se até há pouco tempo o consumo de vinho estava limitado aos “bons vivants” e aquela malta esquisita e “freak” da Califórnia hoje os americanos começaram talvez a compreender que como diziam os romanos onde o vinho falta não há lugar para amor e saúde.
O resultado é que os Estados Unidos se vão tornar em breve no maior consumidor de vinho do mundo e só isso faz com que haja uma corrida ao cultivo da vinha no Oregon e mesmo em Washington porque a Califórnia é demasiado cara.
Com aquela mistura de optimismo, atitude de “tudo é possível” e frieza da ciência que os americanos adulam centenas de pequenos produtores no Oregon e no vizinho Washington estão a produzir vinhas … e vinho claro está. Em vez da fever do ouro, no oeste hoje há febre de vinho!
Os produtores estendem-se da zona do espectacular desfiladeiro do Columbia -onde as montanhas são pontuadas por gigantescos pedaços de rocha que entre pinheiros apontam para o céu como torres de catedral, com cascatas e cataratas sem fim com nomes como Wahkeena e onde no inverno se pode ter sol, chuva, neve e granizo no espaço de 20 minutos - até aos gentis vales de Willamette e Yamhill no Oregon.
Nas agrestes montanhas do outro lado do Columbia em Washington onde o topo das montanhas é as vezes coberto de lençóis brancos de nuvens, tal como toalha sobre a mesa a cobrir o topo e os lados, pequenos agricultores vivem em casas típicas de Madeira, onde se aquecem em lareiras de madeira em zonas onde abundam alces cujas cabeças acabam às vezes nas paredes de bares de aldeias com nomes como Klickitat onde no bar Huntington se come bifes ao peso acompanhado de… tinto da zona.
São zonas onde em tempos havia índios que viviam da pesca do salmão antes da brancalhada chegar, construir uma barragem e os mandar para reservas como a “aldeia índia” de Celilo onde tal como outras tribos índias no sudoeste dos Estados Unidos vivem em roulottes velhas e semi ferrugentas, cercadas de carcaças de carros ferrugentos e de outros detritos da sociedade de consumo como maquinas de lavar.
Claro está que havendo índios há também casinos e numa estrada deparei com o casino “Espírito da Montanha” que pertence à “Conferência de Tribos da Grand Ronde” que ninguém me soube dizer quem são mas que não produzem vinho embora o nome seja francês. Os índios vivem em roulottes podres e têm casinos, a brancalhada produz vinho e diz que os índios “não são muito amigáveis”. Coisas da América!
Nos vales vinícolas, vejam lá, encontrei um produtor que está a produzir garrafas de “Tempranillo” aquilo a que vocês aí na Lusitânia chamam de Tinta Roriz ou Aragonês. Essa uva é uma raridade aqui por estas bandas mas o tal produtor – esqueço-me do seu nome mas lembro-me que tinha uma mulher jovem e jeitosa que percebia mais de vinhos do que eu – disse que estava “determinado a fazer o trempanillo triunfar”. Eu claro está fiz uns chin-chins a isso!
No vale de Wilmatte conheci a família Coelho - Dave e Deolinda Coelho – que embora sendo só segunda geração como americanos não falam uma única palavra de português e têm já enraizado o espírito americano da costa ocidental. Fizeram dinheiro a limpar esgotos e a abrir túneis de construção mas em 2001 dedicaram-se ao vinho produzindo Pinot Noir a que deram o nome de …"Paciencia". Sem experiência mas com vontade o primeiro Paciencia foi engarrafado em 2005. Eu disse à exuberante Deolinda que se fosse na Lusitânia todos lhes teriam dito que “vocês são doidos isso não dá nada, vão lixar o dinheiro todo, não se metam nisso, estão tão bem na vida…”
Para além do “Paciencia” Pinot Noit os Coelhos usam também uma uva que muito poucos ouviram falar – Marechal Foch – e fabricam um vinho de sobremesa. Bebi uns copos na sala de provas da “Coelho winery” que tem uma característica: ninguém na vila sabe pronunciar o seu nome ou o nome do vinho mas… paciência!
Como vocês sabem o Pinot Noire é uma uva que raramente produz bons vinhos e é menos produtiva que outras castas. Talvez por isso tenho a dizer-vos que na generalidade os vinhos do Oregon (a esmagadora maioria Pinot Noir devido ao clima mais frio) mostraram ser caros e não grande coisa para o preço. Fiquem descansados pois os Douros são mais baratos… e melhores, tenho que admitir. Mas atenção. Vejam lá que a malta do Oregon quer produzir Shiraz um vinho tradicionalmente de zonas quentes. Pareceu-me bom!
Mas se os vinhos não agradam mesmo quando bebidos na espectacular propriedade Youngberry onde os terrenos com vinhas parecem ter sido arranjados por uma manicure, então é avançar em direcção à costa onde a paisagem é espectacular. Se a costa da Califórnia é conhecida pela sua beleza grandiosa o Oregon é algo de mais agreste e quiçá mais espectacular, com florestas imensas de pinheiros em montanhas majestosas que ascendem a grandes alturas e descem ou caem subitamente até ao mar sempre cobertas de pinheiro.
No cabo de Nehahkahnie (“Casa do Ser Supremo”) a quase 500 metros em pique sobre o mar que bate bate nas rochas lá em baixo e onde o nevoeiro às vezes se agarra aos pinheiros em farrapos isolados, a natureza engole-nos. Rapidamente faz esquecer aqueles complexos de lojas de cadeias nacionais construídas à entrada de algumas pequenas cidades e formados por enormes parques de estacionamento cercados pelos inevitáveis McDonald’s, StarBucks, Burger King, Staples e outros que - com eficiência mas sem imaginação e alma - são o símbolo do triunfo do socialismo capitalista ( ou será capitalismo socialista?)
As praias são enormes, algumas de areias escuras e vulcânicas, outras de areias douradas como na Califórnia com um mar azul e reluzente, mas muitas delas cheias de troncos enormes de árvores caídas das montanhas e que vão dar à costa. Numa dessas praias, com ar abandonado, vi troncos de árvores de onde nasciam já outras árvores
Algumas das praias – como a na bonita cidade de Canon Beach - gigantescos rochedos em forma de palhota africana e totalmente isolados por grandes distâncias uns dos outros tornam-se em marcos de atracção turística.
São vistas que nos fazem querer envelhecer como ao vinho bom: sem avinagrar. Para celebrar fui a um bar em Canon Beach com um dístico à entrada: “Hippies devem usar a porta do lado”. Porque nos forçam sempre a tomar uma decisão?
Um abraço,
Aqui da capital do império
Jota Esse Erre
4 comentários:
Fantástico, João!
Volta sempre.
Com um forte abraço.
J.F.
Estou espantado com o teu saber enológico.
Tens de vir fazer a Rota dos Vinhos.
É uma pena que os portugueses, especialmente os jovens não conheçam e desfrutem de algo que nós temos tão bom.
Bebe bem.
Abraço
LCGalvão
Boa, boa.
Por aqui temos acentuado arrefecimento nocturno e graus a rondar a negativa.
Valha-nos a tua prosa cheia de sol.
'In vino...'
'Vale!'
God save the wine
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