domingo, 2 de abril de 2006

Terminal de sons

O rapto da lua

aqui deste terminal de sons
amanheço como o pássaro caído
e remoo de silêncio e marés repescadas
o meu tempo de pés e escamas
nesse ponto a adolescência
tinha ritmos de gala galas
e como todos sabem era vermelha
e de coração pleno
este não estalava ainda desengonçado
os músculos à flor da pele
gritavam intensas e impensadas alegrias
desafiando como espadas rápidas qualquer ar obtuso


digo-vos que por muitos caminhos
corre a formiga desde que é formiga
e quando é que uma formiga tem tamanho não se sabe
enigma que não resolvi em muitos passeios extenuantes e peripatéticos
à beira de lagos que mais pareciam nuvens arrependidas
e que
apareciam quando necessitávamos de uma sombra que nos incluísse
e acolhesse protectora
como por vezes acontece nas vertigens mais inclinadas
porque digo-vos que chegam quando não se espera
e instalam-se como carraças nos neurónios mais desatentos
o preço de ser distraído é alto

mas isso é depois da adolescência
nela ainda se dão pontapés em latas
e as grainhas não atrapalham
não há receio de sermos o pasto de videiras
e a ideia de a vide reverdecer nos pavilhões auriculares não nos ocorre
nem a planta brotar do silêncio da pele
verde como caule de palmeira juvenil
e isso acontece às ninfas quando estrumam vidas
viram jardins suspensos e voam como prados inconscientes
e aos anjos caídos nas coisas comezinhas
no pequeno almoço por exemplo
no dentista por exemplo
na lista de espera de um compêndio telefónico
convertido em bíblia de muitos incontinentes verbais


aos putos pode acontecer até crescerem-lhes maçãs no rosto
bravo de esmolfe ou reineta
quando lhes acontece azular de rosas correrias
e ofegantes
é surpreendente apanhá-los em entardeceres de múltiplos pores de sol
que como sabem habitam Áfricas de mambas
essas víboras de pau preto mole
e costumam lamber feridas a partir cada um da sua caverna erguendo-se
porque é lá que vivem e é lá que não se pode chegar
nem à distância de muitos faróis nos máximos
ou de campos de futebol
essa medida para imaginar latifúndios que todos conhecem


estes pores de sol são como uma espécie de vulcões sem magma
apenas compostos de luz e partículas solares
que é como se pode dizer uma coisa do mesmo tipo
do que compõe a fala e também não se vê
quem é que já viu palavras suportadas por andaimes
a viajar a caminho de ouvidos desatentos que nem cabeças desaparafusadas curto circuitadas mesmo
não brinquem comigo
o outro dia vinha no jornal que o tal telescópio
- um microscópio de grandes dimensões
ainda por cima num ponto alto
é sempre esta mania de tocar a lua com o dedo indicador
mais valia fazê-lo crescer como o nariz de Pinóquio
e não andar para aí convencidos que com uma escada magirus se chega lá
quando nem sequer se salvam os prédios da baixa pombalina
da inevitável artrose
consumidos por chamas alimentadas de pinheiros seculares
e roubados às naus do pinhal lá de Leiria -


não chegava o vidro para metê-los em ampulhetas próprias
gigantes e à prova de incandescências
ideal para sóis a pôr-se nas linhas do horizonte
já meigos em liquefacção
também elas múltiplas como matemáticas efervescentes
sabe-se que o vidro come fogo e não estala
o vidro é circense e caminha lado a lado com leões
sem quebrar
o que não se sabe é se a matéria que compõe o sol tem ácaros
na adolescência este tipo de coisas discute-se com paixão
entre a hora da asma e o futebol
para aí junto dos sonhos atirados às três pancadas
para o recanto das sapatilhas
aí onde as mães se habituaram a ir à horta de mão aberta


mas retomando o caminho
estava aí a meio da vida
a prótese já chiava
e o país eram só eucaliptos instalados em camarotes
à beira dos asfaltos de todas as
ÀS UNS e DOIS e VINTE E QUATROS ardidas
os eucaliptos eram a nossa esperança
por esta altura nas hortas apenas se cultivavam sacos de plástico
em hastes de caniço liofilizado
e os cães tinham perdido a memória
não ladravam
os peixes circulavam na contra mão a uma distância estudada do asfalto
e as criaturas irmanavam-se em bandos
tentando aprender com os pandas o segredo da folha de eucalipto
a esperança desaparecera
e corria um inquérito parlamentar em sua busca
o tráfico era uma memória vaga
e os agarrados não tinham automóveis para arrumar
injecções de ar respirável ainda se davam a crianças
com provadas lesões pulmonares
e olheiras profundas de ameixa roxa
já ninguém usava saias nem os escoceses o tilt
o silêncio era esquecido
a roda do mundo
um rumor constante a computadores na andropausa
assim como:
não sei se se lembram
assim como...
o eco
de viaturas de quatro rodas quatro rodas vejam lá
nas pontes sobre baías caixas de ecos
mas ecos multiplicados pela debilidade dos tímpanos
agora desprovidos de tímpanos
e expostos a céu aberto
como depois de esquecidos os romanos
quando os bairros de lata invadiram o mundo
a céu aberto também
e a ONU desatou a fazer planos directores para os favelados do planeta
tentando organizá-los em contigentes de pedintes de farinha
expostos como cadáveres que olham um sol inclemente
obrigatório como a tropa
e transparentes de negras peles e peles baças e branco sujo e castanhos
havia muitos castanhos por esse tempo amontoados em espaços sem nada
e arame
( são visitáveis estas criaturas )
essa altura foi muito complicada
e a adolescência já se fora

de lá para cá
é este alimento para a qual não há estômago
resta-me o cachimbo mas não há tabaco
o odor a fumo no céu palatal brinca ao esquecimento também
apenas folhas de eucalipto nas lojas se vendem
a indústria de papel faliu
não se escreve
para quê
se todos apenas sabem a língua dos papagaios
mesmo os bancos deixaram de semear OPAS
e semeiam couves
foi o que me disseram
eu sei que é um pouco estranho mas foi o que me disseram
e espero que acreditem na minha palavra
não há crédito
nem habitações para a populaça
apenas esqueletos de prédios
e os banqueiros fazem nos telhados dos prédios fortificados hortas de couves policiadas por agentes privados especificamente preparados para as exportarem e escoltarem para as novas colónias
a lua é uma espécie de Vilamoura
e o pessoal das revistas rosa e estilistas vai a banhos logo ali
na curva da perda da gravidade vulgo bidé das marquesas
e há mesmo outros modos de esbracejar

assim à cão
estão a ver
à cão
parece ser o que pegou

e estes privilegiados ladram quando lhes chegamos perto
correndo-nos do seu metro cúbico
podemos vê-los em dias de quase eclipse
se os olhos abrirem nesse dia
há que poupá-los
e como se sabe nos dias ímpares estão fechados
cerradas as pálpebras metálicas
não se abrem
sob pena de multa
mas nos pares podemos olhá-los no ecrã cósmico
nadando e cosendo a sua novela
noite de facas longas qualquer coisa assim
e linguados lentos
mas muito profissionais
sem saliva
a novela dos heróis do espaço filhos de banqueiros
e despidos à moda
proprietários de naves iates espaciais
equipadas para levitar nas zonas de pouca atracção da lua
como se sabe também doente
bicos de papagaio e crateras inférteis
a lua é um problema
com tanto pré fabricado a tentar invadi-la
a comer-lhe as partículas
corre o risco de ter uma paragem aluado-cardíaca
por essa altura teme-se que o lobby dos eucaliptos desate a eucaliptá-la
a lua
e esta sem as suas defesas


dizem que há zapatistas com o propósito de raptá-la
e de instalá-la em Chiapas
em condições ainda deslumbrantes
de floresta luxuriante
junto a um riacho em que corre uma água límpida
à velocidade da alegria

f.arom

2 comentários:

Anónimo disse...

Será por isto que tudo quer " estar na Lua" ?

Parabéns, Farom!

Anónimo disse...

belo texto... Farom!!