terça-feira, 23 de maio de 2006

Frente de intensidade de mão-de-obra


Foto de João Azevedo

Rui Vaz, S.Domingos, Santiago, Cabo Verde. 2006

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Carrilho e Rangel contra Costa e Pereira ou Carilho contra Costa e Rangel contra Pereira ou Pereira contra Costa e Rangel contra Carrilho?

Hoje, no programa “Prós e Contras” da RTP1, vai debater-se a relação entre política e comunicação social. Presentes vão estar Manuel Maria Carrilho, Ricardo Costa, José Pacheco Pereira e Emídio Rangel. De cada lado da barricada vai estar um jornalista e um político.
As relações entre media e política voltaram a estar na ordem do dia depois do polémico livro de Manuel Maria Carrilho “Sob o Signo da Verdade”. Um dos factos, não o único, que despoletou toda esta discussão, prende-se com o debate de campanha entre Carrilho e Carmona Rodrigues na SIC-Notícias. No final desse debate, Manuel Maria Carrilho teve um diálogo tenso com Carmona Rodrigues e não lhe apertou a mão. Foi tudo filmado pelas câmaras da SIC-Notícias.

"Não pensei que estivesse a ser filmado, para gáudio de um espectáculo vergonhoso que a SIC-Notícias fez. Um amigo disse-me que isso era o que fazia a polícia política dos países de Leste: filmarem cenas privadas e usarem-nas para depois o humilharem".
Sobre o livro "Sob o Signo da Verdade". "Ricardo Costa falou de um livro que não existe, espezinhando o Código Deontológico dos jornalistas e mentindo ao dizer que sou impopular. Disse coisas grotescas, que são intoleráveis", e terminou dizendo que "há um poder opaco, impune, que é o da comunicação social".
Manuel Maria Carrilho

“A versão é absolutamente falsa. A gravação que a SIC fez foi feita por uma equipa de reportagem. Naquela noite, estava uma equipa de reportagem da SIC, como de outros órgãos de comunicação social, a fazer a reportagem de bastidores do debate. Assim que o debate acaba, abrem-se as portas e entraram esses jornalistas. E a cena do não aperto de mão dá-se já perante esses jornalistas e é filmada pela equipa de reportagem da SIC. Essa cena é feita perante o olhar dos repórteres, não é nenhuma cena feita no estúdio. E digo exactamente o contrário, que era ilegítimo e uma manipulação clara não termos passado isso. Era um facto tão inaudito que acabou por abafar o debate. A culpa não é nossa, é dele.”
Ricardo Costa

Foto de José Carlos Mexia

Breaking News! Breaking News!

J-L. Gergorin sem paradeiro certo
e a ensaiar fino a delacção encapotada


O combate de galos Villepin/ Sarkosi continua a galgar todos os limites do decoro e da geometria política-politiqueira. Depois das declarações contraditórias do general dos serviços de espionagem, Rondot, que afirmou tudo e o seu contrário a sucessivos jornais, o alto funcionário da EADS , antigo perito do MNE francês, Jean-Louis Gergorin resolveu por razões de conforto abandonar o domícilio pariseense para parte incerta, se bem que diz estar a disposição da Justiça do seu país." Tenho ainda muitas reservas sobre o que poderão fazer os juízes neste caso ", sublinha em declarações telefónicas hoje impressas no jornal " O Leste Republicano“, impresso em Lyon e Grenoble, na fronteira suiço-gaulesa.
O velho amigo de Villepin acrescenta que o PM francês " se via bem confinado no papel de cavaleiro sem medo e sem rabos-de-palha lutando contra a lavagem de dinheiro, mas quando souberam que queria consultar o juíz, surgiu um consenso na classe política francesa e no mundo da espionagem para silenciarem tudo ".

Ler desenvolvimento no:

LEMONDE.FR | 21.05.06
aqui

FAR

Mundial: contra o canal único, marchar marchar...

A Sport TV quer proibir a transmissão do Mundial em locais públicos. O canal que detém o monopólio das transmissões desportivas no cabo diz que já alertou várias entidades fiscalizadoras e exige o seu cumprimento. A Sport TV quer assim evitar que milhares de pessoas assistam aos jogos do Mundial em écrans gigantes ou em televisões em bares e restaurantes. O motivo é claro: angariar mais assinantes. Além de ser o canal mais caro do cabo, a Sport TV usa e abusa da sua condição de canal único. A Autoridade da Concorrência tem aqui uma boa causa para combater o monopolismo e espero que não perca esta oportunidade. Os consumidores querem mais concorrência, porque isso significa preços mais baixos e canais de desporto alternativos. E porque o Mundial está aí, vamos mostrar a nossa revolta anti-monopolista e furar esta pretensão da Sport TV. Não são suficientes os jogos da selecção nacional, que a SIC já tem assegurado. Queremos ver todos os jogos em locais públicos, como tem acontecido até agora. Por isso, a criação de um movimento de cidadãos é um imperativo. Será uma resposta contra mais esta atitude autista da Sport TV. E já que ninguém faz nada, temos de ser nós a tornar público o nosso descontentamento. Mande um e-mail à Sport TV e às respectivas empresas de cabo a dizer: “Eu gosto do Mundial, mas não da Sport TV. Quero um Mundial livre e para todos”. Se quiser dizer outra coisa, esteja à vontade. O que é preciso é não ficar calado.
Cabovisão - INFO@CABOVISAO.PT
Pluricanal - pluricanal@pluricanal.net
Bragatel - mail@bragatel.pt
TVTel - info@tvtel.pt

domingo, 21 de maio de 2006

Escola


Foto de Sérgio Santimano

Namuno, Cabo Delgado, Moçambique. 2001

sábado, 20 de maio de 2006

Informação ou manipulação?

É preocupante ficar a saber que a maioria das notícias que lemos nos jornais não é fruto de investigação jornalística. Mas mais preocupante é saber que elas nos são “impostas” por mãos misteriosas. De acordo com o Expresso de hoje “cerca de 70% das notícias publicadas nos jornais portugueses têm como origem as agências de informação ou os gabinetes de Imprensa”. Este estudo da agência Emirec revela que os jornais estão a por de lado a sua função de mediadores directos entre as fontes e os seus leitores. Se este panorama é negro, valeria a pena saber o que se passa nas nossas televisões. Aqui, aposto que a percentagem de notícias corta e cola é maior, uma vez que a investigação jornalística é mais reduzida do que nos jornais. Ou seja, praticamente não existe e as excepções apenas vêm apenas confirmar a regra. As notícias que enchem os diversos telejornais ao longo do dia têm a sua origem habitualmente nas manchetes dos jornais. Basta ver as primeiras páginas dos diários e semanários e compará-las com os destaques noticiosos nas televisões. Na origem deste problema poderá estar, por um lado, o facto das direcções de informação aceitarem o espartilho financeiro imposto pelas administrações. É óbvio que uma investigação sai mais cara do que reciclar uma notícia, ainda por cima, e de acordo com o estudo, quando tem a sua origem nas chamadas fontes organizadas de informação. Mas por outro lado, vem ao de cima o carreirismo de muitos responsáveis redactoriais, sem coragem de incomodar directamente o poder, sob pena de “encalharem” na sua carreira profissional devido a razões que só Deus sabe. A falta de coragem e ambição são confrangedoras. Será daqui que advém a sensação de vazio que os noticiários televisivos cada vez mais nos provocam?
Volto de novo à notícia do Expresso. A investigação compreendida entre 2000 a 2005 de Vasco Ribeiro, que tem como base o JN, DN, CM e Público, revela que 73,5% das notícias analisadas são provenientes de assessorias de Imprensa do Governo, das autarquias e agências de informação.
Seria a isto que Manuel Maria Carrilho se referia no seu livro?

Esboço de Luís Ralha

O designer e a responsabilidade

Nós estamos, aqui e agora, confrontados com uma realidade complexa. E essa percepção crescente justifica a inclusão em ‘Reflexões sobre o Design’ de uma conversa sobre a responsabilidade social do designer, tema que ainda recentemente seria considerado inoportuno, deselegante, polémico, contra a corrente.
Submergidos de objectos por todo o lado, encurralados por um gosto global e necessidades criadas por um marketing omnipresente, com alternativas sem fim, que diluem as referências e a história, o efémero como estratégia para a multiplicação de mercado, reduzindo o tempo de vida e o valor de uso dos produtos – produtivizando a ‘ideia’ – quem somos, para onde vamos, para quê e para quem desenhamos?
As sucessivas modas, o gasto irresponsável de matérias-primas não renováveis – somos das poucas gerações com acesso ao petróleo – a poluição do ambiente, incluindo a visual, vão criando perplexidades que nos paralisam.
O desperdício gerado por esta produção liberalizante afunila o consumo para grupos socioculturais ganhadores e os outros, os perdedores, que constituem a grande maioria planetária, vão-se limitando a uma existência cada vez mais redutora, envolvidos todos nós por uma informação excessiva que não dá folga – conhecemos a marca das botas do Figo e as imagens anorécticas das passarelas. O pormenor e o acessório são fundamentalizados, apetece pôr a zero, reencontrar raízes.
O fascínio das novas tecnologias e materiais, o espasmo estético da renovação formal acelerada para a mesma função, o novo pelo novo, o diferente como moderno parecem ser a ordem natural das coisas. Será?
Não devemos pedir mais ética e menos estética?

Luís Ralha

intervenção no ciclo de conferências ‘Você está Aqui’, promovido pela associação de estudantes da Escola de Belas-Artes de Lisboa.

sexta-feira, 19 de maio de 2006

Mulher muito pobre


Foto de João Azevedo

Moia-Moia, S. Domingos, Santiago, Cabo Verde. 2006

"A Esquerda Caviar": novo livro de Laurent Joffrin

Ensaio, manifesto ou panfleto, o novo livro de Laurent Joffrin, director da redacção do Le Nouvel Observateur, o mais prestigiado newsmagazine do centro -esquerda francês surge na conturbada vida política tricolor e com opções decisivas à beira de serem tomadas: a reformulação estrutural da política socio-económica e a escolha do sucessor de Jacques Chirac, onde se projectam/ interseccionam as disputas fratricidas de Villepin/ Sarkosi e a nebulosa dos diversos candidatos socialistas em desordem. Pode ser uma resposta mais construtiva ao desafio iconoclasta da ruptura lançado pelos sarkosistas e seus peões-de-brega, às tentações liberais e pró-americanas de direita em ruminação no microcosmo pariseense?.

" Antes de ser uma categoria política, a esquerda caviar é um espaço. Ou melhor: vários espaços, varias tribos, vários pequenos mundos que se cruzam e baralham. Cada um deles suscita as suas críticas, os seus ressentimentos, por vezes as suas raivas. Há a esquerda caviar dos intelectuais, dos patrões, dos editores, dos políticos e dos jornalistas ".

Laurent Joffrin faz parte do escol da geração dos anos 80, de que fazem parte Denis Olivennes, o novo patrão da FNAC, Patrick Weil, os herdeiros Nora e a grande maioria dos novos craques do mundo editorial pariseense. Joffrin entrou no " Libération " em 1981 e assumiu toda a nova estratégia de rigor e de rentabilidade concebida por Serge July, o antigo mao-sartreano de elevada qualidade que perseguia a ideia de fazer concorrência ao Le Monde. Com a saída de F-O. Giesbert, é convidado para o Nouvel Obs em 1988.

De uma forma muito elegante e profunda, Joffrin narra as raízes da " esquerda caviar" mundiais : as receitas dos clans Roosevelt e as do de Kennedy , e a da sua génese francesa, a partir de Jaurès, normalien e filósofo, de Lèo Blum , intelectual e advogado, até ao "misterioso" Mitterrand, que foi católico e conservador na juventude e se eleva 30 anos depois a impôr a aliança com o PCF, um dos Pc´s mais estalinistas da Europa. " Sobre o plano doutrinal e militante, em matéria de consciência social ou de visão económica, está( Mitterrand) muito abaixo de Jaurès, de Blum ou de Mendès-France. Mas ultrapassa-os de longe em estratégia política ", refere.

" Para a esquerda caviar, a existência precede a essência. As ideias iniciais, os preconceitos de classe, as convicções herdadas não determinam a vida da élite progressista. É a vida que forja as suas ideias ", frisa, para deambular sobre o perfil moral de gigantes como Vítor Hugo e Emilio Zola, hoje tão actuais na sua narrativa . E sublinhando que a " esquerda caviar " pelos efeitos da mundialização abandonou a " hegemonia moral e ideológica aos seus colegas adversários do liberalismo mais rigido ", Joffrin preconiza que a esquerda democrática volte a contar com os idealistas da " esquerda caviar , de forma a evitar o perigo do populismo"e as aventuras de uma conflitualidade total e intangível.

FAR

TIMOR, Alkatiri sentado sózinho

Da capital do Império

Olá,
Não sei se alguns de vocês se lembram mas em tempos afirmava-se que “o que é bom para a General Motors é bom para a América”. Isto era nos tempos em que se dizia que o orçamento para papel higiénico da General Motors era igual ao orçamento total de Portugal.
Não sei se essa história do papel higiénico era verdade e também não sei se ainda o poderá ser. O que eu sei é que afinal o que era bom para a General Motors não é bom nem para a América nem para a própria GM. E sei também que o que se passa com a General Motors é uma lição económica dura que vocês aí do outro lado do charco na UEtupia deviam estudar com atenção.
Para vos dar uma ideia de quão má é a situação da GM basta vos dizer que recentemente a companhia fez soar as trombetas da vitória porque no primeiro trimestre deste ano teve prejuízos de 323 milhões de dólares. Eu cá não compraria acções da GM mas … pronto, vá lá…. para quem perdeu 10 mil e 600 milhões de dólares no total de 2005, perder 323 milhões em três meses é uma boa negociata ou como disse um comunicado da dita cuja “um marco” . Há quem diga que uma análise mais estrita dos livros revela que este “marco” é maior do que a GM admite, que na verdade a companhia está ainda a perder 13 milhões de dólares…por dia.
Mas o que é que isto tem a haver com UEtupia (ou cê ié ié como se dizia antigamente aí na Lusitânia)? É que a GM pode a qualquer momento abrir falência por duas razões simples:
1) Assumiu-se durante anos como um “estado de bem-estar” para os seus trabalhadores
2) a concorrência dos japoneses e agora dos sul coreanos e em breve dos chineses ( ou seja a concorrência/globalização) tornou o paragrafo 1) insustentável
Vejamos alguns exemplos da “follie”. No tempo das “vacas gordas” quando a GM tinha controlo do mercado americano (juntamente com a Ford e a Chrysler) julgou que isso era uma situação que iria durar para sempre, que a expansão da procura dos seus produtos estava garantida para sempre (a la produtores de vinho francês). Quem também assumiu isso - com mais vigor como lhe compete foi o sindicato UAW (United Autoworkers Union), uma das mais poderosas organizações laborais dos Estados Unidos. A combinação produziu algo de fazer inveja à social-democracia escandinava. Vocês sabem por exemplo que a General Motors tem um … subsídio de desemprego?
É verdade. Ao abrigo de um acordo entre a GM e a UAW assinado em 1984 foi criado uma “banco de emprego” em que trabalhadores do sector automóvel abrangidos por esse acordo que sejam despedidos não vão para a rua. Vão isso sim para o tal “banco de emprego” aguardando apenas que os bons tempos regressem pois …. a expansão da procura é inevitável. (Dream baby, dream!) Nesse tal banco de emprego, os trabalhadores a que a ele pertencem têm que ir ao emprego todos os dias aprender algo que poderá eventualmente um dia ser útil à indústria automóvel, o que significa …nada. Os trabalhadores são mais realistas e chamam aos locais onde se têm que concentrar para aprender coisas inúteis o “quarto dos loucos”. A GM tem 7.500 trabalhadores a viverem deste subsídio de desemprego com o pretexto de estarem a ser retreinados e a quem é pago não só o seu salário total mas também o seguro de saúde na sua totalidade (que inclui familiares) e ainda os fundos de reformas. Custo anual para a GM: entre 750 e 900 milhões de dólares.
E tal como acontece com os subsídios de desemprego em muitos países da UEtupia… não têm fim. É, como se diria em Moçambique, uma situação…
Outro problema da GM é que a sua força de trabalho foi envelhecendo. Hoje a GM tem 147.000 trabalhadores e 460.000 reformados. Graças aos acordos com a UAW os que passam à reforma recebem não só a reforma mas também cuidados de saúde sem igual nos Estados Unidos. Reformado da GM não paga um centavo quando vai ao médico. Faz lembrar certos países, não é? Resultado: só o ano passado a GM gastou cinco mil e 400 milhões de dólares em gastos de saúde (reformados, activos e familiares) o que é mais do que os rendimentos dessa outra grande companhia americana a Harley Davidson. O que é mais de mil e duzentos dólares por veiculo. Em cada carro da GM há portanto mais cuidados de saúde do que aço, disse alguém.
Junte-se a isto o facto de que durante anos, preocupada em manter o sistema a funcionar a GM descurou os seus produtos jogando sempre no princípio de que o seu mercado era garantido. O seu departamento de investigação e desenvolvimento caiu porque os fundos eram cada vez menos (porque é que aqui eu me estou a lembrar do Durão Barroso a chorar que a UE precisa de gastar mais massa na “research and development” mas que todos dizem que não há “massa”?)
Aqui nos Estados Unidos a anedota do consumidor era a certa altura que a garantia de um carro da GM “acaba quando ultrapassar o passeio entre a loja e a estrada”. Tão desligada estava a GM do mercado que ficou totalmente surpreendida quando depois dos japoneses lhe abrirem o mercado foi informada que para vender carros no Japão tinham que os fabricar com o volante à direita porque lá guiam como em Inglaterra. É verdade!!
Mas o consumidor não é estúpido e os concorrentes também não. Em 1965 a General Motors tinha 50% do mercado americano. Em 1985 tinham 41%. O ano passado 26%. A Toyota deverá este ou o próximo ano tornar-se no principal vendedor de automóveis dos Estados Unidos. As marcas estrangeiras (na prática japonesas e sul coreanas) controlam hoje 43 % do mercado americano. Faz pensar em certos produtos aí desse lado do lago, não é?
Há que dizer que graças à concorrência os produtos da GM melhoraram e muito,. Há também que dizer que recentemente a UAW depois de fazer contas à vida viu que a galinhas dos ovos do estado do bem-estar estava a ficar de papo para o ar e concordou em fazer concessões para reduzir os custos e poupar à companhia cerca de mil milhões de dólares por ano. O que pode ser um “marco” . Vamos a ver. Há quem não acredite.
O que é um “marco” é que o que se passa com a GM prova aquele velho ditado económico e que se aplica aí onde as pessoas pensam que a galinha do estado do bem-estar é eterna: Factos (como concorrência, globalização, envelhecimento da população, etc.) são coisas teimosas. Não se vão embora.
Abraços
Aqui da capital do império

Jota Esse Erre. PS – Tenho a dizer-vos que eu gosto da e aprecio a ideia de não descontar no meu salário para pagar um seguro de assistência médica, ou de ir à universidade sem pagar ou de me reformar com tudo pago pela GM ou estado ou seja lá quem for. Quem não gosta disso? Mas o problema é que em questões económicas, como diria o grande revolucionário e/ou revisionista Nikita Kruschev “a economia é uma coisa que não respeita os nossos desejos” . Ou nas palavras desse grande filósofo inglês Mick Jagger: “You can’t always get what you want”.

Fim

Jota Esse Erre

Foto de José Carlos Mexia

quinta-feira, 18 de maio de 2006

O Sobe e Desce

IN Contra todas as expectativas, o ministro das Finanças admitiu que o Governo pode não aplicar o aumento do imposto sobre os produtos petrolíferos previsto no Orçamento de Estado para 2006. Justificou esta medida dada a conjuntura dos mercados petrolíferos. Enquanto ela se mantiver, não se aumenta. Os partidos da direita já manifestaram o seu apoio e da esquerda ainda não ouvi nada. Em Janeiro deste ano, só com o aumento em 2,5% da taxa do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (IPP), o governo gerou 210 milhões de euros de receita.
= Há quem continue a afirmar que as SCUTS vão todas ter portagens em breve. Quem apostou no aumento do IPP já falhou. Ganhará aqui? Não percebo porque a razão a direita aplaude o não aumento do IPP e reclama portagens nas SCUTS. Não são todas receitas para combater o défice? Até agora o que se sabe é que está em curso um estudo sobre o novo modelo de financiamento da rede rodoviária. Deverá estar concluído este ano. Mário Lino disse na altura (finais de 2005) que o actual modelo das Scut não seria alterado enquanto as condições económicas e sociais se mantivessem e desde que não houvessem vias alternativas. Acreditar ou não, eis a questão.
OUT A lei das Rendas está para mudar e a maioria das pessoas ainda não percebeu como é que essa mudança lhe vai afectar a vida. Até agora o governo ainda não conseguiu passar uma ideia clara sobre as mudanças. Noticias contraditórias e declarações avulsas só estão a gerar mais confusão. É importante que todas as questões relacionadas com o novo regime do Arrendamento Urbano, diplomas complementares e o Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados sejam esclarecidas, de forma clara e simples. Porque vai mexer com a vida de muitos milhares de pessoas. Se por um lado há que inverter rapidamente a tendência da degradação do parque habitacional, não se pode esquecer que há que criar soluções para milhares de famílias, muitas delas constituídas por pessoas muito idosas e com parcos rendimentos. Não penso que deva ser o mercado a resolver o problema, porque se trata de um problema social que envolve uma franja etária muito vulnerável. Esse ónus é do governo, que deve aclarar as linhas gerais das novas relações jurídicas que vão surgir. Mas, ao que parece, a confusão vai-se instalando, excepto para os iluminados do Direito.

Foto de Sérgio Santimano
Da série "Ville, Capitales d'Afrique"

Xipamanine, Maputo, Moçambique. 2000

São como ossos que se desarticulam

Omnidentais

São como ossos que se desarticulam
Sob a pressão metálica dos directos
E nada sangra
Cirurgia de silenciador
No turbilhão de imagens a gota de sangue
É inexistente
Atiram-nos contra a cara uma multidão de corpos
Enquanto logo uma simbólica nas gargantas esganiçadas
De uns mais descalços que outros
É erguida em fúria cega
Já nada passa silencioso
No passo ancestral de morte e luto
Nem os rituais têm o seu tempo

A água nas mãos
Lenta na sua transparência soluçada
Deitarmo-nos com o poente
Semicerrar os olhos
Num alentamento do corpo
Extinguiram-se
Tudo corre atrás dos próximos cadáveres
Numa contabilidade infindável de ódios
Contar aprende-se a somar valas comuns
É este o estádio supremo do desenvolvimento
E esta é a fé

E as multidões ululam
Em espasmos globais de bola entrada na baliza
Espasmos salivados contra o outro
Globalizados nunca fomos tão canhestros
E o palco do mundo
É mais velho que uma arena de gladiadores


Sob o olhar jogador da turba
O imperador aposta o seu poker íntimo
Em gestos de tédio
Comerciando carne como quem rói as unhas
E verde é o campo da bola
Não o olhar espraiado em qualquer estepe
Savana ou deserto

Acontece por vezes
Quando uma súbita maresia rompe o ecrã
E certamente escapada ao turismo de massas
Que na pele do ar que nos oxigena
Partículas de silêncio
Evoluem como pássaros azuis
Em forma de violino e abas de grilo
No arame de um circo campânula de paz
Aí respira
O que pode
Um nariz de clown

f.arom

quarta-feira, 17 de maio de 2006

Do sol e dos toiros e outras elucubrações

A praça de touros do Campo Pequeno reabriu ontem sem touros. Nem mesmo um boi. Nas escadarias forradas com tapetes vermelhos apenas vaquinhas e vaquinhos. É certo que são os mais distintos da socialite lisboeta e arredores, mas isso não se faz. Também não vi forcados e campinos. Só mesmo emissões em directo com sorrisos em diferido. Alguns estavam mesmo retraídos, preocupados com conotações taurinas e ornamentos naquelas testas bem pensantes. Mas notou-se que fizeram um esforço para não pensar nisso. No entanto, não faltaram os pensamentos profundos. “As nossas touradas são outras”. Esta foi das frases mas elaboradas que Alberto João Jardim proferiu nos últimos tempos. Não sei se foi a ele que a Ministra da Cultura se referiu quando disse que as touradas verdadeiramente tradicionais “não passam pela morte do touro”. De facto, mais tradicional que Jardim é difícil de encontrar. Mas algumas críticas não pouparam o estado actual de Lisboa. “A cidade está cheia de espaços mortos e de património mal cuidado”, disse Paula Teixeira da Cruz, autarca do PSD e presidente da Assembleia Municipal de Lisboa. Ooopss. “Não sou eu a responsável por este estado de coisas?”, pensou minutos depois. Como não estava para queimar o neurónio, começou a dar beijinhos a torto e a direito. A noite era das loiras, definitivamente. A sorte da autarca é que a populaça está tão tesa que nem dinheiro tem para comprar Ginkgo Biloba para manter a memória saudável. Mas a noite lá prosseguiu com o glamour característico destas ocasiões. As vaquinhas e os vaquinhos divertiram-se imenso e nem tiveram de fazer grande esforço para evitar a arena. A organização já tinha previsto que poderia haver mentes baralhadas com tanta oxigenação. Por isso marcou a tourada só para amanhã, não vá alguma rica enganar-se na porta da casa de banho.

Foto de José Carlos Mexia

terça-feira, 16 de maio de 2006

Brasil, São Paulo
*
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
chamei de mau gosto o que vi
de mau gosto, mau gosto
é que Narciso acha feio o que não é espelho
e a mente apavora o que ainda não é mesmo velho
nada do que não era antes quando não somos mutantes

E foste um difícil começo
afasto o que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende de pressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Caetano Veloso, Sampa

Investimentos e jogos de cintura

Em alturas de crise, quando se fala em investimento, tudo o que vem à rede é peixe. Pelo menos no início. Foi o caso da refinaria de Sines. O atómico Patrick Monteiro de Barros prometia um investimento vultuoso, que deu em nada. Se a promessa de criar em Sines a maior refinaria da Europa é um isco irresistível para qualquer governo, também se deve louvar a recusa de comprar gato por lebre. Mas, no Diário de Notícias, o advogado laranja Proença de Carvalho protestou contra o que chama contrapoder burocrático: “criaram-se na Administração, em especial na área do ambiente, visões fundamentalistas e delirantes sem correspondência efectiva com os valores a preservar, que estão a criar obstáculos ao desenvolvimento de iniciativas globalmente meritórias”. Veja-se a lata! E lança um elogio a Miguel Cadilhe, que “deixou um excelente diagnóstico dos porquês da dificuldade em atrair investidores. Uma das causas mais influentes é a teia burocrática que asfixia qualquer ideia”. Este diagnóstico foi a única coisa visível que Miguel Cadilhe fez, mas não penso que ele assinasse por baixo esta iniciativa nos moldes em que estava. Na relação custo/beneficio, a região e o país perdiam. Manuela Ferreira Leite, no Expresso, escreveu que não gostou da atitude do governo. “Começa a ficar claro, o que há muito se suspeitava, que existe um abismo entre o anúncio e a realidade. É a distância entre o entusiasmo e o desânimo, entre o projecto e o vazio, entre a ficção e a realidade. Estou, por isto, com uma dolorosa dúvida. Não sei se o ministro se enganou, como disse, ou se nos enganou, como parece”. Os analistas têm outra perspectiva. Para Nicolau Santos, “não é fácil um Governo ter em mãos um potencial grande investimento de €6.000 milhões, anunciá-lo com pompa e circunstância - e depois deixá-lo cair. (…) O ministro da Economia esteve, pois, muito bem ao «matar» elegantemente o projecto”. Já Miguel Sousa Tavares, também no Expresso, destaca o facto de “correram a rufar tambores e a posar ao lado do grande empresário. Afinal, descobre-se agora que a refinaria iria libertar 2,5 vezes mais CO2 do que o anunciado, iria envolver 1200 milhões de euros de comparticipação pública, a compra dos direitos de poluição por parte do Estado e mais uma orgia de incentivos fiscais”. Foi este gato por lebre que Sócrates não comprou e bem. A oposição reagiu carregando no piloto automático das frases do costume. Para o PSD foram manobras de diversão do governo e o CDS-PP pediu explicações no Parlamento. Sabendo-se que Pedro Sampaio Nunes, agora vice-presidente do CDS, é colaborador de Patrick Monteiro de Barros, tanto no projecto da refinaria de Sines como na construção de uma central nuclear em Portugal, pergunta-se: o grupo parlamentar funciona já com patrocínios?

Pintura de Luís Ralha




fim de poema

.....................................................

Para que nem tudo vos seja sonegado,
cultivai a surdina.
Eu fico em surdina.
Em surdina aparo
os utensílios,
em surdina me preparo
para morrer.
Amo, chut!, em surdina;
a minha vida,
nesga entre dois ponteiros, fecha-se
em surdina.


Sebastião Alba

segunda-feira, 15 de maio de 2006

Histórias de um deus menor

Sou suspeito ao escrever sobre Manuel Maria Carrilho. Não gosto dele mas gosto da mulher dele. Foi por isso que o apoiei nas eleições. Com as devidas reservas. Eu sei que este é um mau começo para qualquer escriba, mas arrisco. Não gosto do MMC porque é um autista convencido que é um iluminado de excepção. Conhece Kant e Maquiavel melhor do que eu, assim como a trica política. Mas não sabe geri-la nem percebe as regras do jogo em que se meteu. É demasiado altivo e arrogante para sequer tentar perceber o progressivo deserto que foi criando ao longo da campanha eleitoral. Jogou com o apoio de milhares de eleitores em função das suas birras. Ao querer integrar-se no mundo do glamour cabotino lisboeta, como um golpe de asa para ganhar eleições, tinha de conhecer as regras do jogo, ou pedir a alguém que lhe explicasse o que fazer nessas circunstâncias. “Sob o signo da verdade” é um livro esclarecedor, não só para os seus admiradores, que tinham em grande conta o filósofo ou o político, como para os seus detractores. Como resultado do lançamento destas estórias da miséria humana, Carrilho fica mais sozinho do que nunca. Os seus críticos ganharam com este escarafunchar numa ferida que já estava esquecida. Para eles foi a cereja num bolo que desejaram e do qual já se tinham esquecido. Não fiquei com vontade de conhecer o conteúdo do livro porque cheira a histórias tontas e sem sentido. Mas uma coisa é certa. Continuo a gostar da mulher do ex-canditato ofendido. Se decidir entrar na próxima corrida eleitoral, ela pode contar com o meu apoio.

domingo, 14 de maio de 2006


Foto de Sérgio Santimano

Anjuna, Goa, Índia. Janeiro de 2006


Mercado popular que se realiza todas as quintas-feiras.
Antigo meeting point de hippies.

Mesa

Gelados Chile

no mesmo passo
entre o odor a formigas estalando nas narinas
como pedra portuguesa em fogo
passam as nuvens
tardias

a caminho de outros poentes
outros poemas
e poentes
a mesma perfumada mancha na paisagem dos neurónios

mas a estes
impregnados de contemplativa retroprospectiva
alguém os escreve sobre toalhas de papel
num gesto deslizando
soprado de vida
como o pão acontece

ali
na cadeira exígua
olhar debruçado para a bica
o corpo dobrado a memórias
está gentil e silencioso
são letras num arame
em equilíbrio menos que precário
da perna do A de antónio ao O de mora
cada respiração
a tecla de um piano sem cauda
navegando súbito na infinita língua da costa Indica
a pulmões plenos


à força do branco marfim teclado
a negras batidas
as menores
sonoras
abrem solos para crepúsculos de arcos íris utopicamente entrepostos
súbitos como paisagens em aceleração
aos olhos de uma derradeira visão
crepúsculos de odor a glicínias de Maio
no Tejo à mão
e na Brito Camacho
também no porto a Catembe de lá

o chapéu pousado
os ossos encavalitados
circo da vida esse malabarismo das articulações
desaprendidas já do tempo das acácias florindo
sepultadas com os poemas mais físicos
para os lados da ponta vermelha

e não acontecem

e isso foi na altura em que fizemos o pião com o DKW
na moamba
e lá vem ela
a MOAMBA
escrita com arbustos rasteiros
recortados e adornando a encosta
- à moda do Minho sabe-se lá
e que tínhamos nós com o Minho?-
no mesmo passo de antes


agora a velha posição na mesma mesa e a mesma respiração
a tinta nos dedos mais que a leitura
malaca é hoje uma palavra vaga e só é para aqui chamada porque nos chega a maresia de uma saudade intensamente bebida nas crónicas
prolongamento de especiarias num odor a quinhentos

quantas vezes apesar de tudo se viveu o caril
silves
marvão
inhambane
namaacha
salvador
bahía
goa

vultos em uma esquina ao dobrar a folha da vida

e também uma prospectiva para as criaturas
e esse dom de pensar um mundo descomerciado
de gente livre
singular e único

f.arom

Foto de José Carlos Mexia

A família, as betas da linha e a Filó

Veio parar às minhas mãos esta semana o último número da revista Atlântico. Na minha modesta opinião, a única coisa que a revista tem de bom é o facto de vender pouco. O resto é mais do mesmo. Uma revista de amigos para amigos, com crónicas bem pagas. Quem assinou as suas confissões numa coluna sobre a FAMÍLIA a foi a Maria Filomena Mónica, a nossa “crida” MFM. Não sei porque razão, MFM e o seu Bilhete de Identidade têm sido um tema recorrente ultimamente em várias conversas entre amigos quando se fala de sexo e opinion makers. Não percebo o interesse das quecas da MFM com o Vasco Pulido Valente, quando andavam juntos. Para mim é como falar em geriatria e vida sexual após os 80. Mas, voltando ao que interessa. MFM escreve assim sobre a família na revista “Atlântico” de Maio: “É melhor viver no seio de uma família harmoniosa e culta do que entre grunhos despenteados e sujos, disputando entre si o afecto, o status e o dinheiro”. O que significa, à contrário, que nas famílias “harmoniosas e cultas”, não há grunhos a disputarem afectos, status e dinheiro. MFM continua uma gracinha e sempre da linha. Mas isto parece-me uma fraqueza. Os seus detractores dizem que sempre foi assim. Uma fraca desgastada. Mas eu não. Nem penso que seja grunha nem despenteada. Mas andando. Um pouco mais à frente, acrescenta: “ao longo dos séculos, fizeram-se muitas experiências no sentido da substituição da família, mas todas falharam, incluindo as comunidades hippies, que sempre me pareceram detestáveis”. Não posso estar mais de acordo. Se há coisas detestáveis eram as comunidades hippies, freaks e outros marginalismos militantes. Aquilo era tudo uma rebaldaria, que nem se chegavam a saber bem quem eram as suas famílias. Um perfeito horror. MFM descreve no seu BI (pág.159) a sua procura por uma identidade icónica na Londres plebeia no início dos anos 60. Queria modelos que pudesse copiar. Não os encontrou. Só anos mais tarde, o click veio quando apareceu Julie Christie e a nossa baronesa Marianne Faithfull. MFM é condescendente. Podem ser ovelhas negras, hippies até, desde que venham de famílias bem. Podem ser taradas, heroinómanas, e tudo o mais, mas noblesse oblige. Percebeu isso cedo e ao que parece defende esta bandeira na trincheira da “sua esquerda”. Também foi isso que me guiou toda a vida. Mas, no fundo, o que eu queria mesmo era foder as famílias bem. Taras de gajos radicais de esquerda. Já Freud alertava para esses recalcamentos. Mas as coisas correram mal. Hoje, a minha vida é um pesadelo, e tem muito a ver com a personagem da série “O Fugitivo”. É que as betas da linha não perdoam e jamais esquecem.

sábado, 13 de maio de 2006

Da capital do Império

Olá,
Presumo que alguns de vocês estão chateados com a minha falta de regularidade e talvez mais ainda pelo facto de eu na minha última carta ter prometido que vos iria escrever dentro “de dois ou três dias” para finalizar as minhas impressões sur le Quebec. Foram dois ou três dias à… espanhola (ou à portuguesa?).
No Quebec isso seria razão, talvez, para me chamarem “meu hóstia”. Hóstia? É de fazer rir de espanto mas é verdade.. No Quebec não chame a alguém “hóstia” ou diga a palavra “tabernáculo” ou “cálice” ou mesmo “baptismo” em público. Essas palavras, todas elas vindas dos rituais da Igreja Católica, são insultos ou pelo menos palavras estilo “porra” a não dizer em boa companhia, portanto. Como por exemplo “mon ’sti” (meu hóstia) é o equivalente a dizer “meu sacana”.
“Ah mautadit tabarnac ’sti baptême”, seria como afirmar “Ah maldito sacana, porra, caraças”. (Note-se que o quebecois não diz “maudit”. Faz-lhe uma modificação ligeira só para dificultar a vida dos tipos como eu que por terem aprendido francês na escola pensam que vão compreender o que dizem os quebecois. Pois, pois…)
Isto para voz dizer que o uso de “cálice” e “hóstia” como pejorativo demonstra que o que em tempo era muito sagrado para os quebecois é agora algo a ser totalmente menosprezado. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, diriam alguns. O que é verdade mas neste caso reflecte, mais do que isso, a conturbada história desse pedaço francófono implantado na América do Norte em que a Igreja Católica jogou sempre um papel importante. Primeiro a “civilizar” os “sauvages” que habitavam essa zona a que chamavam Kebeq e depois a manter calmos os descendentes directos das ambições imperiais falhadas de la patrie française.
(Alguns dos indígenas chatearam-se mais rapidamente com os padres do que a brancalhada local. Fui informado que há uns “mártires” católicos - esqueço-me os nomes - que foram cozinhados vivos pelos índios. Não sei bem com que fim porque fui também informado que não os comeram.)
Após James Wolfe ter derrotado Montcalm em 1759 os “bifes” decidiram deixar os francófonos locais às suas instituições semi-feudais vindas de França e na qual a Igreja Católica jogava um papel predominante. O papel da Igreja Católica em governar os Quebecois aprofundou-se após uma falhada revolta em 1837 que levou à execução dois anos depois de 12 “patriotes” que se convenceram que poderiam derrotar o império britânico. (O que prova que o frio daquelas zonas congela não só as mãos mas também o cérebro. Explica também o misterioso “Je me souviens” escrito em todas as matrículas dos carros de Quebec. Não é - ao contrario do que pensam muitos Quebecois - “je me souviens… de les anglais” mas sim “Je me souviens… de les patriotes).
A partir dessa revolta a Igreja Católica assumiu-se como entidade protectora dos quebecois controlando TUDO na vida local. E quando eu digo TUDO não é tudo à la igreja portuguesa. É TUDO. Por exemplo só após a “ “Revolution Tranquille” dos anos de 1960 é que a Igreja Católica deixou de controlar a educação. Todos os quebecois do sexo masculino nascidos até aos anos 60 têm o primeiro nome de Joseph. Todas as mulheres nascidas até à “revolution tranquille” têm o primeiro nome de Marie. Mas ninguém toma atenção agora ao primeiro nome. Portanto quando for ao Quebec não peça para falar com a Marie. Embora o país esteja repleto de Marias ninguém sabe quem elas são. (De qualquer modo essa de dar a todos os machos o nome de Joseph fez-me lembrar aquela história do chefe de posto de Moçambique que no dia de registar nomes dava a todos os nomes de António ou Oliveira em honra do “patrão grande” em Lisboa).
No Quebec e após as revoltas fracassadas a Igreja Católica decidiu que o papel dos quebecois era o de não chatear os “bifes” que passaram a controlar o comércio e a indústria transformando os francófonos em agricultores, trabalhadores ou, os mais afortunados (poucos) em médicos e engenheiros mas nunca “businessmen”. Como dizia a igreja católica da região “On est né pour un petit pain”. O “grand pain” pelos vistos era para os ingleses…
Jean Lesage, o homem que lançou a “revolution tranquille” mudou – se calhar sem o querer – tudo isso. Deixou de haver canadianos francófonos, passou a haver quebecois: o “joual”, esse maravilhoso francês livre que se fala na província passou a ser honrado como tal, falado em peças de teatro, usado nos livros. A Igreja Católica foi para o galheiro. Igrejas há muitas mas a sua influência é nula. No “Oratoire St Joseph”, uma enorme igreja que me faz lembrar o Sacré Coeur de Paris, há sempre dezenas ou centenas de pessoas. Turistas a verem, imigrantes a rezarem. Quebecois? Só a acompanharem os turistas….
Pena que já me esteja a alargar demasiado mas tenho que voz dizer ainda que descobri porque é que o General de Gaulle em 1967 causou um “barraca” diplomática quando gritou da varanda da câmara municipal de Montreal: “Vive Le Quebec Libre”.
A umas poucas dezenas de metros da Câmara há uma estátua de Lord Nelson que foi ali colocada pelos ingleses antes mesmo de terem construído a famosa estátua colocada na praça de Trafalagar em Londres.
Eu creio que De Gaulle, da varanda olhou para a estátua e deve ter dito para consigo mesmo “Mautadit ’sti calice” e depois bem alto para todos ouvirem:
“Vive le Quebec … Libre”. Tomem lá ó “bifes” que é para aprenderem. “Baptême! Calice!”
Estou ainda convencido que como prémio os quebecois lhe ofereceram depois um “peido de freira” (Pet de Soeur), um bolo de receita local.
Do vosso amigo
Jota Esse Erre

PS – O Boulevard St Laurent (conhecido por todos como “La Main”) divide a cidade na parte inglesa e quebecoise. Uns para um lado outro para o outro. Os imigrantes de língua inglesa (indianos por exemplo) vão para o lado inglês. Os de língua francesa (Haiti por exemplo) para o outro. As lojas dos tugas estão no meio, ao longo do Boulevard St Laurent, à “beira Main” plantados portanto. As ruas dos generais Wolfe e Montcalm estão lado a lado a indicar senão uma reconciliação um andar paralelo de vizinhos. E no livro de visitantes da Câmara Municipal houve um canadiano inglês que escreveu em inglês: “O meu Canadá inclui o Quebec porque sem vocês não seríamos canadianos – seríamos americanos insignificantes”. Bonito…

Jota Esse Erre

Pintura de Luís Carlos Galvão

sexta-feira, 12 de maio de 2006

Tinariwen, o som quente do Sahara

São gente do deserto e não tocam rock, nem samba nem trip hop. Vêm do Sahara, talvez com alguma sede mas com muita força na alma. Chamam-se Tinariwen, são do Mali e consideram-se "imajeghen", o que quer dizer "homens livres". Começaram a tocar num campo de treino para guerrilheiros, cuja população era maioritariamente refugiada. As suas músicas também são as suas armas. Nos primeiros tempos, no início dos anos 90, utilizavam as canções como instrumentos de consciencialização e mobilização política.
O seu último disco "Amassakoul" é um álbum intenso, salpicado com slow rock e letras politizadas. Recebeu boas críticas da revista norte-americana "Billboard" e foram considerados os melhores da World Music em 2005, pela BBC.
Se não tiver preconceitos e quiser ouvir novas propostas culturais vindas de terras com tradições diferentes da sua, vá hoje à noite (sexta) ao Bar Lua, no Jardim do Tabaco, em Lisboa. Depois conte.


Esmalte de Luís Ralha


...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda...

Cecília Meireles

Dominique de Villepin ultrapassa demissão anunciada?

" Muita loucura é o mais divino senso "

Esta epígrafe de Emily Dickinson, na tradução apaixonada de Jorge de Sena, pretende marcar e traçar o ambiente de frenesim, de estonteante ribombar e, ao mesmo tempo, sinalizar sobrepostos golpes palacianos que agitam a classe política francesa. É a versão hard, a mais despudorada, daquela tese de que "as élites mundiais só pesam nelas e na sua irradiação, mais nada". Eu que denunciei sempre as teses conspirativas e de faca-na-liga da política profissional, desato a rir às gargalhadas sonoras e pecaminosas ao ler os pormenores relatados pela biblia do parisianismo político, o Tout-Paris, que o fabuloso Le Canard Enchainé relata e apimenta. A edição desta semana é um " must " pelo caleidoscópico siderante e proteiforme das alusões e interferências que despoleta, alicia e sinaliza. São ministros, com ou sem amantes, altos funcionários das " jóias da coroa " industrial francesa que são desmascarados, postos em praça pública e, para quem sabe ler nas entrelinhas, manipulados a rigor por aquele deus ex-machina da política, Dominique de Villepin. Há 15 dias que toda a gente o dava como morto políticamente.Corriam rumores de uma demissão inesperada e inescapável. Ontem, Chirac fala aos jornalistas e garante a total confiança política no PM.Porquê? Ontem foi o dia em que o ex-chefe da espionagem exterior francesa, o general Rondot, revelou ao Le Monde que o PR lhe deu instruções para apurar se Sarkosy recebeu dinheiro pela venda das fragastas a Taiwan, dinheiro que foi " lavado " e transferido para o exterior pelo banco Clearstream. E contou mais: falou de uma conta de Chirac no Japão no valor de 300 milhões de francos( 60 milhões de euros...) que ninguém sabe donde vinham... a partir dos finais dos anos 90. Giscard e Miterrand parecem anjinhos de côro provinciais perante a desenvoltura e a ambição de Chirac, que gastava por dia enquanto maire de Paris mais de 300 euros só em compotas e bolinhos-de-chá. Total dos 14 anos anos do rol de mercearia da Fauchon, a creme de la créme das mercearias finas universais: 14 milhões de euros! Estamos conversados, como dizia o outro! Agora, a recuperação de Villepin junto do seu patrono e cúmplice passa pela minagem do staff judicial encarregue do apuramento da verdade das listas de clientes do Clearstream, através de um minuncioso processo de eliminação de provas... so que a conta de Chirac no Tokyo Sowa Bank foi posta a circular e a encher as primeiras páginas dos jornais. É uma jogada de top-master: condicionar o que só pode( e para...) enfranquecer as posições do pilar do regime, o PR, para conquistar terreno e ultrapassar pecados e falhanços inesperados. Tudo pela conquista do poder e preparar a tempo a desforra com Sarkosi, cujo comportamento pode indiciar alguma manipulação intencional de uma polícia secreta de potência estrangeira interessada em colonizar definitivamente a doce e maravilhosa França, onde a consciência da classe operária se mantém indomável e feroz, basta ver os telejornais, onde se fala de greves ou ocupações por tuta-e-meia, num país que produz o Airbus, o TGV e lidera nichos de mercado vitais no Comércio de Luxo , na Agricultura e na Distribuição.

FAR

quinta-feira, 11 de maio de 2006

Portugal mais competitivo que Itália? Uauuu, quem diria....

A economia dos Estados Unidos da América continua a ser a mais competitiva do mundo. A revelação é feita hoje na edição de 2005 sobre competitividade mundial, um relatório elaborado pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Gestão. Mas o documento considera este facto um paradoxo, uma vez que se verificou uma redução na sua taxa de crescimento para 3,5% e continuou a acumular uma dívida que supera os oito biliões de dólares. Por dia, a dívida norte-americana aumenta qualquer coisa como 2,1 mil milhões de dólares. É caso para dizer, isto só na América. O curioso vem depois e prende-se com o facto de haver cada vez mais países com títulos da dívida pública dos EUA. O engraçado é que a China comunista é já dos maiores credores dos Estados Unidos e vai a caminho de ser o número um. Ironias do destino.
Nas economias competitivas, Hong Kong mantém o segundo lugar e Singapura o terceiro. Quanto à União Europeia dos 15, sem os países do alargamento, a Dinamarca está em 5º e o Luxemburgo em 9º. Portugal melhorou, e está agora em 43º lugar, depois da Grécia (42º), Espanha (36º) e França (35º). Para os mais nacionalistas fiquem a saber que a Itália está abaixo de nós, em 56º lugar.
Este estudo baseia-se em centenas de critérios, que podem ser agrupados em quatro factores de competitividade: desempenho económico, eficiência governamental, eficiência empresarial e infra-estruturas. Foram analisadas 61 economias, divididas em 53 países e oito regiões.


O 2+2=5 (i.e. quem nos visita) está convidado para uma festa em Zurique nos dias 16 e 17 de Junho.

E preparem-se para a que vem a seguir, em Lisboa. De 6 para 7 de Julho, com música ao vivo da rapaziada inquieta.

quarta-feira, 10 de maio de 2006

Sobre a necessidade de uma revolução (1- haver ou não necessidade de uma mudança no paradigma organizacional da sociedade actual)

Em A Sociedade do Espectáculo Guy Debord afirma: "no mundo realmente reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso". A sociedade actual parece confirmar a todo o momento esta sentença. Michael Hardt e Antonio Negri analisam, em Império, o conceito de Focault de "sociedade disciplinar", concluindo por uma mudança no paradigma ocorrido devido ao fim da guerra fria e à revolução tecnológica. Propõem, então, um novo conceito, o de "sociedade de controlo". Concordo com esta análise. No nosso tempo, a relativa liberdade que possuimos é confundida com o melhor dos mundos possíveis; a delapidação de recursos, com inevitabilidades; as receitas que conduziram, e conduzem, à miséria no terceiro mundo são apresentadas como as únicas que conduzirão ao caminho inverso. O neoliberalismo apropriou-se do léxico revolucionário: o "progresso", a "mudança", a "liberdade", a "igualdade" são, afinal, livrarmo-nos dessa canga ideológica esquerdista e desse peso morto, o "Estado". No entanto, a dita "revolução neoliberal" não é mais que a repetição dos mesmos princípios que conduziram à miséria e à desigualdade; e não se vê que proponha a substituição das funções do Estado por outra coisa que seja. Pelo contrário, a sua solução é a de transformar "serviços" em "bens", e colocá-los à mercê do livre arbítrio dos negócios. Entre muitos dados sobre estas matéria, publiquei já aqui no 2+2=5 referências a estudos que provam que, por exemplo, na área da saúde a liberalização conduz não apenas a uma pior qualidade como até a um maior desperdício (ver aqui). Em suma, o "neoliberalismo" não é mais que o velho capitalismo, embora com nuances.
Hegel e Marx demonstram como a evolução de uma sociedade, ou de um corpo social, é dialética, ou seja, progride por acção-reacção. Não é possivel mais, hoje em dia, que o cidadão comum aceite os mecanismos da sociedade disciplinar focaultiana; e não se pretende de modo algum negar que o liberalismo, por ser uma ideologia da livre iniciativa, criou essa repulsa pela velha ordem. O que sustento é que os mecanismos de exploração apenas se aperfeiçoaram, refinaram, e tiveram de o fazer para responder aos vários desafios que o século XX lhes apresentou. A grande mudança no paradigma, brilhantemente antecipada por Debord e superiormente explicada por Hardt e Negri, é a transformação numa sociedade de controlo; ou seja, em lugar de uma disciplina férrea, é exercido um controlo subtíl, por vezes mesmo personalizado. Para o conseguir, é necessário que o sistema domine o ponto-chave de uma sociedade onde a liberdade é um valor superior: a informação. Se o Homem tem como principio maior o de agir livremente, ou seja, decidir, falo-á de acordo com a informação que dispõe. O controlo dos media é a chave para o domínio na sociedade de controlo. Nesse aspecto o nosso tempo apresenta, para o olhar do observador atento, um verdadeiro espectáculo. As projecções económicas, por exemplo: não há uma que não preveja para 2/3 anos depois a recuperação da economia- e no entanto a crise persiste. As agendas para o combate à fome: tivemos o ano 2000, depois 2005, agora 2010, todos com o mesmo objectivo- e a miséria piora no Terceiro Mundo. Em relação ao ambiente, a Agenda 2000, o Protocolo de Kioto para 2010, a sua revisão prevista- e o clima deteriora-se de dia para dia. O facto é que o cidadão comum nem sequer se lembra destes objectivos anteriores distantes, e que é convencido por estes dados falsificados (e convém pensar nas fontes que os produzem...) de que se caminha na direcção certa, a da "igualdade", "liberdade" e "progresso" do amanhã que canta neoliberal. Uma sociedade que se pretenda estar ao serviço dos cidadãos de todo o mundo precisa de novos paradigmas, e nesse sentido "a verdade é sempre revolucionária" (Trotsky).

Hoje desligue a televisão

Se está farto de telelixo e de programas de qualidade duvidosa tem uma boa solução: desligue o seu televisor. Hoje é o dia de abstinência televisiva na península ibérica a favor de uma televisão de qualidade. A acção é organizada pela Federação Ibérica das Associações de Telespectadores, que organiza o protesto pela 11ª vez. Pretende pôr os cidadãos ibéricos a reflectirem sobre o tempo que gastam em frente ao pequeno ecrã, muitas vezes inutilmente. E então, qual é a alternativa quando à noite não tiver nada para fazer? O Pedro Abrunhosa dá-lhe a resposta. Coloque o álbum "Palco" na sua aparelhagem e escolha uma das duas versões da música com o título mais sugestivo. São longas, portanto, vá com calma.

terça-feira, 9 de maio de 2006

Café


Foto de Sérgio Santimano
Margão, Goa, Índia. Janeiro de 2006



Eis um café com um moderno 'design'.
É pouco usual encontrarmos lugares assim.

Europa em versão soft até quando?

27 cafés com tradição literária de toda União Europeia vão assinalar hoje o Dia da Europa. Desta vez são os bolinhos e a literatura que comemoram um projecto que ainda está muito longe daquilo que todos esperávamos. Ou seja, a crise de legitimidade e de governabilidade continua a bloquear o projecto europeu. O grande salto que muitos pensavam que seria ser dado com o Tratado Constitucional fracassou. A crise instalou-se na França e na Alemanha, os países que sempre foram os motores do projecto europeu. Os novos desafios do alargamento estão a ser olhados com desconfiança, em especial a adesão da Turquia. As relações com os países árabes da região já conheceram melhores dias e a hegemonia dos Estados Unidos continua a fazer-se sentir mesmo em matérias em que os europeus dão cartas. Alguns países da União Europeia estão curiosamente mais próximos dos Estados Unidos do que da sua UE. Estou a referir-me principalmente aos ingleses, em particular a Tony Blair, que continua a apoiar a declaração de guerra de Bush. Muitas dessas regiões, agora em conflito, estão historicamente ligadas à Europa e algumas têm inclusivamente percursos comuns. Neste caso, a UE poderia ter um papel importante na imposição de negociações pela via pacífica, se quisesse. O que agrava este estado de coisas é que esta incapacidade do velho continente se impor acaba por colocar nas mãos dos ultraconservadores norte-americanos o poder da guerra. Esta impotência aflitiva revela que o nascimento de uma verdadeira União Europeia continua em stand by. Como resolver este imbróglio? Não sei. Vou até ao Martinho da Arcada beber um café, comer um pastel de nata e tentar falar com Fernando Pessoa sobre o assunto.

Sobre a necessidade de uma revolução (prólogo)

Esta questão necessita, para ser correctamente entendida, que a analisemos pelos seguintes vectores: 1) haver ou não necessidade de uma mudança no paradigma organizacional da sociedade actual; 1.1) haver uma "justificação" para essa necessidade; 2) essa necessidade se poder, ou não, consubstanciar sob a forma de uma "revolução"; 2.1) como entender, face ao actual paradigma, a forma, ou formas, que tomará, ou poderá tomar, essa hipotética "revolução"; 2.2) quais as possibilidades (reais) de tal acontecimento existir; 2.3) quais as implicações, positivas e negativas, da revolução, ao acontecer. Cada um destes vectores e subvectores merecerá um post diário, que espero servir também como porta aberta ao debate de ideias e às contribuições de todos. A minha perspectiva deve ser entendida assim mesmo, como "minha", sem quaisquer pretensões de cientificidade, que esses tempos em que se não percebia a volatilidade do pensamento humano, felizmente, já lá vão, mesmo que alguns o neguem por conveniência, seja daqueles que não conseguem viver sem o determinismo do amanhã que canta, seja dos outros a quem esse determinismo serve como uma luva para justificação por inversão do seu imobilismo, resignação, ou por vezes mesmo cumplicidade.

Nota: Este post marca também o meu regresso em "full-time" ao 2+2=5. Durante alguns meses pouco aqui escrevi, mas, talvez também por isso, outros garantiram a qualidade e o intersse que este blogue continua a ter. Novos colaboradores surgiram; o Armando Rocheteau manteve o seu ritmo de publicação e a sua marca de divulgador; e quero destacar o António Oliveira, que cada vez mais se revela como blogger de primeira.

segunda-feira, 8 de maio de 2006

O lamentável estado da oposição

Este foi um fim-de-semana cheio de ruído político. Marques Mendes, o “feroz” opositor de José Sócrates, concorreu contra si mesmo nas primeiras eleições directas da história do PSD. Fantástico. A taxa de participação foi pouco mais de um terço, mas obteve uma votação esmagadora, superior a 90%. O que significa, ou pode significar, que quem não acredita em Marques Mendes não pôs lá os butes. Mas o que o novo/velho líder ficou muito satisfeito com a sua esmagadora maioria. Também Ribeiro e Castro veio dizer o mesmo. Para ele a esmagadora maioria foi de 56%. E os 42% do seu opositor não representam nada. Para quem foi eleito líder do CDS-PP pela terceira vez no espaço de um ano, 56% representam uma vitória sem margem para dúvidas. Mas os críticos, leia-se parlamentares, não lhe vão dar tréguas e ganham terreno. Mesmo quando são liderados por um puto da Juventude Popular, o tal dos 42%. Ele é o adversário de peso!
Este insólito fim-de-semana da oposição fez-me lembrar uma história, já conhecida, cujas partes se podem adaptar a cada um dos líderes. Mas deixo esta tarefa ao seu critério. Reza assim:
Um casal feliz descobre uma revista sadomasoquista no quarto do filho.
Diz a mãe: - O que fazemos ao miúdo?
Ao que o pai responde: - Ao que parece, não adianta nada bater-lhe....
Tempos mais tarde, o sadomasoquismo começa a criar problemas ao filho do casal. Este decide então, não consultar um psicólogo, mas sim um psiquiatra.
Que lhe pergunta: - Então o que é que lhe deu para se meter nisto?
- A minha mãe nunca me deu de mamar. Ela dizia que só gostava de mim como amigo!

Presidenciais: quando as campanhas não tinham assessores de imprensa

O Café Chave de Ouro está repleto. Estamos a 10 de Maio de 1958, a um mês das eleições para a Presidência da Republica. Primeiro acto público com a presença do Candidato Humberto Delgado depois de iniciado oficialmente o período eleitoral.
À nossa volta personalidades de todos os matizes políticos que se opõem ao regime salazarista. E certamente não só. A Polícia Política, de uma forma ou de outra não deixará de aí ter ouvidos e olhos para, como usualmente, saber o que se passa e com quem se passa...
O professor Vieira de Almeida, o primeiro orador, com o brilhantismo que levava às suas aulas gente de todas as escolas superiores de Lisboa, depois de referir a surpresa enorme que teve pela sua investidura como Presidente da Comissão Nacional da Candidatura, considera-a explicada pela presença de tantas pessoas que representam tão diversas correntes de opinião.
Faz de seguida a apresentação de Humberto Delgado, General, candidato independente. Não procura o apoio de partido algum. Apresenta-se sem compromissos partidários. Aceita o apoio de todos os homens de boa vontade.
(…) O General começa por agradecer as variadas presenças. Propõe-se responder às perguntas dos jornalistas. Critica o Governo e a União Nacional pela sonegação dos cadernos eleitorais à oposição. O que "integra a tendência de todas as ditaduras para a crueldade". Prossegue:
"O Governo não abranda as suas tradicionais perseguições à oposição".
Refuta a referência de determinado jornal à sua candidatura como sendo apoiada por uma potência estrangeira a que contrapõe o carácter indiscutivelmente nacionalista da sua posição desde sempre. Surge a primeira pergunta, do correspondente da France Press.
"Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho se for eleito?"
E a resposta, imediata, enérgica, sem uma hesitação, sem um tremor:
"Obviamente, demito-o".
*
Retirado, com a devida vénia, de “Vidas Lusófonas”

domingo, 7 de maio de 2006

"Hey, Cariño"

"Está preparada para a segunda edição do Salão Erótico de Lisboa?
Estou. Para lá da minha faceta de actriz 'porno', vou actuar numa área muito especial a que me dedico lá em Barcelona...
Que área é essa?
Sou acobrata vaginal.
Desculpe?!
É isso mesmo. Tiro 18 metros de correntes de dentro de mim. Também tiro bolas de pingue-pongue e dou autógrafos com a vagina."

In Notícias Sábado, 17, 6 de Maio

Post dedicado ao esforçado colega de jornal de Sonia Baby - o Prof. César das Neves

O Capuchinho Vermelho

"(...)Uma vez um jovem pai disse-me que,(...)todas as noites, a filha queria que ele lhe contasse a história do Capuchinho Vermelho, mesmo depois de a mãe já lha ter contado, e se isso não acontecesse ela não dormia. Ele queria saber porquê. E eu respondi-lhe: "Por uma questão muito simples, porque tu estás no lugar do lobo e ela olha para ti como um perigo." E ele abriu os olhos muito espantado e disse: "Então é por isso que todas as noites ela diz: "O pai não come a Rita, pois não?" O pai dizia que não e ela então adormecia tranquila (...)"

João Seabra Diniz (Psicanalista)
In Pública, nº518, 7 de Maio de 2006

sábado, 6 de maio de 2006


Esmalte de Luís Ralha


Sucedeu Assim

Assim,
Começou assim
Uma coisa sem graça
Coisa boba que passa
Que ninguém percebeu

Assim,
Depois ficou assim
Quis fazer um carinho,
Receber um carinho,
E você percebeu

Fez-se uma pausa no tempo
Cessou todo meu pensamento
E como acontece uma flor
Também acontece o amor

Assim,
Sucedeu assim,
E foi tão de repente
Que a cabeça da gente
Virou só coração
Não poderia supor
Que o amor nos pudesse prender,
Abriu-se em meu peito um vulcão
E nasceu a paixão.

Antonio Carlos Jobim / Marino Pinto

sexta-feira, 5 de maio de 2006

Freud, o divã e os seus multiplos usos

Comemoram-se agora os 150 anos do nascimento de Freud. Nunca nos últimos tempos se escreveu tanto sobre psicanálise e o seu criador. Freud virou objecto de culto? Talvez não. Parece mais o assinalar de uma efeméride importante na descoberta dos mistérios e da estrutura da mente humana. Pessoalmente nunca me interessei muito por Freud, nem acreditei muito na psicanálise. As terapias eram feitas a cru, em grupo, com muito álcool e outras substâncias defendidas por diversos ervanários da época. Estendia-se até aos cogumelos de Carlos Castañeda. Havia quem defendesse que "quem tem amigos não precisa do divã do psicanalista". Mas muitos de nós iam mais longe e estudavam os radicais. Sim, David Cooper, entre outros. Os seus livros eram esclarecedores quanto à morte da família ou como tratar de uma depressão através do LSD. Assisti a uma conferência de Franco Basaglia, o defensor italiano da antipsiquiatria, que explicou ao pormenor como decidiu abrir as portas do hospital psiquiátrico onde trabalhava. Fiquei surpreendido e pensei que talvez essa fosse a solução para muitos males sociais. Abrir as portas da percepção. Também Foucault estava em sintonia com os antipsiquiatras. Defendia que os loucos não sofrem de uma doença mas sim de opressão de uma sociedade que não os compreende. Esse era o pensamento de muitos os da minha geração, quando se falava em doenças mentais. Era radical? Pensava eu que sim, mas há quem defenda que não. Chantal Bosseur escreve no seu livro "Introdução à Antipsiquiatria" que a metodologia de Freud e a dos antipsiquiatras têm muitas analogias. Considera que o que Freud fez com os histéricos, os antipsiquiatras fizeram com os esquizofrénicos. Mais uma vez a teoria dos extremos que se tocam. Porra. Tantos anos de luta para chegarem a esta conclusão? Sinto-me um pouco depressivo. Mas prometo que não vou ao psicanalista.

"Sarkozy em Camarate"

“Aquilo a que se assistiu em Camarate --pelo que vi na televisão, pelo que li nos jornais e concluo apelando aos meus conhecimentos de jurista e à experiência que acumulei como bastonário da Ordem dos Advogados-- pareceu-me ser expressão de uma concepção inadmissível: os cidadãos que as polícias “sabem” que são criminosos (e as suas famílias) não têm direitos, pelo menos enquanto não forem presentes a um juiz de instrução.
(…)
O excesso de violência policial –qualquer manual de psicologia social o explica—provoca em sociedades democráticas aumento das tensões sociais e não a sua redução.
(…)
Uma nota final quero fazer, para deixar registado que me custou muito não ter ouvido em nenhum dos telejornais desse dia a voz clara dos advogados portugueses a lembrar os valores essenciais do Estado de direito; e que no site da Ordem dos Advogados nenhuma tomada de posição surja sobre esta matéria, nomeadamente afirmando-se o apoio jurídico que constitucionalmente é devido para os que tiveram o seu património destruído sem justificação. Este não é, realmente, o silêncio dos inocentes.”

José Miguel Júdice

In Público 5/05/2006

Não sejas Pravda!

Rezam as crónicas oficiais que o jornal Pravda (A Verdade) começou a ser publicado a 5 de Maio de 1917, tendo como seu fundador Lenine. No entanto, e como só a verdade é revolucionária, é mentira. Foi Leon Trostky, com mais dois companheiros, quem começou com o jornal, em 1908. A sua publicação era na altura feita em Viena de Áustria, para evitar a censura. O jornal era depois enviado para a Rússia. Tinha assumidamente um pendor social-democrata, muito virado para os problemas da classe operária. E foi devido a essa temática que rapidamente se tornou num jornal muito popular em toda a Rússia. Em 1910 foi transformado no órgão do Partido Social-Democrata Russo, mas em Abril de 1912 publicava o seu último número. Os bolcheviques trouxeram-no de novo para as bancas ainda em 1912, desta vez já em São Petersburgo. Encerrou de novo com o início da primeira guerra mundial. Reabre com a revolução russa de Fevereiro de 1917, já com uma forte carga ideológica bolchevique. Com a radicalização da luta politica passou a tomar posições muito próximas de Lenine e do Partido Comunista. Entre a queda da monarquia e o fim do chamado “período burguês”, o Pravda chegou a vender 100.000 exemplares por dia, um número que ainda hoje mete inveja. Cinco meses depois da Revolução de Outubro deixa São Petersburgo e muda-se para Moscovo. A partir daí passou a ser a publicação oficial do Partido Comunista da União Soviética, “fundado por Lenine”. Aguentou o seu monolitismo até 1991, altura em que Boris Ieltsin confiscou tudo o que era do Partido Comunista, incluindo o Pravda. O resto é história.

quinta-feira, 4 de maio de 2006

Cabo Verde, terra di sonho

É a única ex-colónia portuguesa em que se pode realmente dizer que "foi descoberta pelos portugueses". O arquipélago estava deserto, como se pode compreender. Quando Diogo Gomes e o genovês António di Noli encontraram as primeiras cinco ilhas do arquipélago, a 4 de Maio de 1460, não sabiam que estavam a contribuir para tornar o mundo mais rico, na sua diversidade, na sua gastronomia e na sua cultura. As noites passaram a ser mais animadas e o ritmo nunca mais foi o que era. Além da hospitalidade daqueles que passaram a ser os naturais das ilhas, a música de Cabo Verde afirmou-se no mundo e começou a fazer parte dos hábitos de todos os amantes dos trópicos de dança.

quarta-feira, 3 de maio de 2006


Foto de Sérgio Santimano

Ilha de Moçambique. 2003

Contos da Primavera .3

O tempo aquece e lembro-me das portas que Abril abriu. Multicultural, interclassista e de sexualidade à solta era o tempo da Lontra. Ele, no meio dos vinte, cabeleira afro, África no corpo e na dança. Ela, no fim dos trinta (?), “clara, loira e capitosa”, branquela. Mónica Vitti na noite. Troca de olhares. Tiro e queda. Body Heat? Hot Summer? Nove Semanas e Meia? Tudo isso no palco de dança. Depois uns copos e uma de conversa. E, lá se foi o fascínio. Ele esperava uma puta. Ela era uma actriz consagrada. Ela esperava um cabo-verdiano das obras. Ele era estudante de Filosofia. Desencontros. Que saudades tenho de Abril em Maio!

Josina MacAdam

Esmalte sobre cobre de Luís Ralha


Entre pedras, palavras...

Que estupidez o sangue nas calçadas!
O sangue fez-se para ter dois olhos,
um lépido pé, um braço agente,
uma industriosa mão tocante.
Que estupidez o sangue entre as palavras!
O sangue fez-se para outras flores
menos fáceis de dizer que estas
agora derramadas.

Alexandre O´Neill
Berlim, queda do Reichstag, 2 Maio de 1945
Fotografia de Evgueni Khaldei
*
É das fotografias mais impressionantes e mais polémicas do século XX. Tirada com uma Leica por Evgueni Khaldei, mostra o içar da bandeira soviética por um soldado no Reichstag, fez ontem 61 anos. Há quem a considere uma fraude e há quem a coloque como o símbolo máximo da queda dos nazis. Mas não deixa de ser "aquela" fotografia que qualquer fotógrafo que se preze desejaria tirar uma vez na vida.
Nesta última ofensiva do exército soviético para chegar a Berlim, morreram pelo menos 70 mil soldados. Para Stalin era fundamental chegar à capital alemã antes dos americanos. Desconfiava de uma ofensiva preparada por Roosevelt e Churchill. Ao que parece, havia algum fundo de verdade, mas pouco mais se sabe. Hitler tinha-se suicidado dois dias antes. A divisão da Alemanha veio pouco tempo depois. Mas a forma como as tropas soviéticas chegaram a Berlim e os reais custos humanos da ofensiva, nunca foram bem explicados por quem o deveria fazer. Os soviéticos ontem e os russos hoje.

terça-feira, 2 de maio de 2006

Da Capital do Império

Olá,
Desculpem o atraso mas fui a Montreal e isso congelou-me a escrita. É que Montreal é parte do Quebec e depressa se aprende que falar do Canadá é uma coisa e falar do Quebec c’est une autre chose. E isso complica tudo.
Fui informado que para os quebecois o conceito de “canadiano” é algo de distante, como falar de …. americanos. O que irrita sobremaneira os canadianos anglófonos que detestam ser confundidos com americanos (principalmente nesta altura do campeonato bushista) e além disso torna para visitantes como eu tudo muito complicado de explicar. O que não é de admirar. Minorias… complicam sempre tudo, mas como também sempre acontece tornam tudo muito, mas mesmo muito, mais interessante.
Primeira lição: nunca fale de canadianos franceses ou francófonos. Non . Ils sont quebecois et les quebecois ne sont pas français. (Os franceses são vistos como uma cambada de snobes que em bom estilo francês abandonaram os seus “cousins” às mãos dos ingleses)
Segunda lição: se você pensa que fala francês prepare-se para o choque da sua vida. Escrito está tudo muito bem. É como aquele francês que todos nós aprendemos na escola. Falado… c’est une autre chose. A pronúncia é a primeira coisa que tende a deixar pessoas de fraco conhecimento de francês (comme moi) a pensar que de repente há uma série de gente a falar uma língua que às vezes se parece com chinês. O som francês “ain” como na palavra “pain” passa a ser acentuado no “I” tornando-se “paín”. O som gutural que os franceses dão aos “R’s” desaparece e os “R’s” são pronunciados à portuguesa como na palavra “mère”. O som “au” torna-se muito mais aberto quase pronunciado à portuguesa. Experimente com a palavra “autre” . Leia à portuguesa “autre mére” e veja a diferença!! Todas as palavras que começam com “D” acrescentam de imediato um Z. Assim por exemplo “difuser” passa a ser “dzifuser”. As palavras que começam com T acrescentam de imediato um “S”. Tu passa a ser Tsu. E depois para complicar tudo há o Joual, o quebecois ( ou francês?) falado pela população quebecoise, um motivo de orgulho, quase de afirmação nacionalista. Chu tanné des Anglais. (estou farto dos ingleses). Chu pu capab’. Não sou capaz ou já não aguento. (“Chu pu” foi a minha razão de confundir inicialmente certas frases com o chinês….)
Terceira lição: A língua é a alma de um povo e ninguém leva isso mais a sério que os quebecois (quebequianos? quebéqueres? Como se diz em português?). Muitos, mas mesmo muitos quebecois falam muito mal o inglês e muitos também não o falam. Se sair de Montreal e for para outros lados isso é ainda mais evidente. Há uma “Commission Pour la Protection de La Langue Française” que assegura que em Quebec todo o comércio, incluindo os nomes das lojas, têm que dar prioridade ao francês. Isto às vezes resulta em cenas cómicas com “policias da língua” armadas com fitas métricas a tentar estabelecer se as palavras em francês são efectivamente maiores do que as em inglês ou se uma loja com o nome de “Sex Shop” viola a lei. (Viola. O nome correcto é …. Sexerie). Nem pensar em usar a palavra “drive-in”. “Service au Volant” é como se diz em Quebec. Os quebecois levam isto ainda mais a sério que os franceses com a sua paranóia sobre a língua inglesa. No Quebec nem pensar em falar em “shopping” como aí na Lusitânia com o “Cascais Shopping”. Em França pode-se “faire le shopping”. Em Portugal “ir ao shopping”. No Quebec “on fait le magazinage”. Agora há guerras em tribunal por causa de palavras como “cyberspace” e outras das novas tecnologias. Traduire ou ne pas traduire c’est la question e as autoridades quebecoises têm uma resposta: Traduire. Tout. Sans exception.
Se noutras partes do Canadá o ensino do francês (a segunda língua oficial do Canadá) está em declínio, no Quebec está muito bem muito obrigado. É uma luta pela soberania cultural numa altura em que a liberalização do comércio à escala do planeta traz para o Canadá desafios em que o francês perde a favor de línguas como o espanhol e o mandarim. Como minoria que até há pouco não tinha qualquer poder económico no Canadá a língua tornou-se no cavalo de batalha, num ponto de afirmação … e mesmo exclamação!
Bem por agora é tudo. Regresso dentro de dois ou três dias para vos falar mais do Quebec, de homens como Michel Tremblay um dramaturgo que causou escândalo ao dizer que já não apoia la souveraineté e também de como no Quebec palavras de insulto são palavras dos rituais da igreja católica como cálice e hóstia.
De momento chu pu capab’ de continuer. Vive le Français…. Libre!

Um abraço
Aqui da capital do Império,

Jota Esse Erre

A idade, o desejo e outras carícias tropicais

Eu tenho dois castiçais no meu quarto de dormir.
Cada castiçal tem seis velas.
Às duas horas da manhã, meio suada no rosto, mais suada ainda entre as pernas, ela levantou-se, às apalpadelas, localizou a caixa de fósforos, acendeu as doze velas, deitou-se novamente de costas, cobriu-se até metade, nua e quente, passou o dedo indicador esquerdo pela fímbria dos meus lábios e senti que estava a sorrir enquanto sussurrava:
- Bordegalo: os teus lábios sabem a sal.
- Eu sei, Bodeguita.
- Como é que sabes?
- Sinto o sal nos meus lábios quando passo a ponta da língua por entre eles.
Silêncio!
- Bordegalo!
- Diga, Bodeguita.
- Porque é que os teus lábios sabem a sal se tu és doce?
Suspiro fundo, olhando para a luz tremente das velas nos castiçais, sob o hálito quente e ligeiramente alcoolizado dela, o suor sob o lençol, a humidade morna e pegajosa daquilo que ela tem entre as pernas.
- Bodeguita
- Diz lá, querido.
- Qual é a cor do mar?
- O mar é azul.
- Mas pode ser verde, Bodeguita.
- Pode, sim.
- Então porque é que a espuma do mar é branca, quando o mar lambe a areia?
- É porque o palmar é verde, Bordegalo.
Pausa longa e começou a chover.
Senti nitidamente as gotas a bater no tecto de zinco da minha casa em M’Tengo Wa Modzi, meio caminho entre a cidade de Tete e Angónia.
Sono!
Ela virou-se para mim, meteu a coxa direita entre as minhas pernas, suspirou fundo, húmida por entre os meus lábios:
- Tu sabes a um pote de mel, Bordegalo. Aguentas-me mais uma?
- Sempre posso tentar, Bodeguita.
Tentei, consegui e, na manhã seguinte, não pude ir trabalhar: tinha uma grave contusão na coluna: a Bodeguita tem 27 anos. Eu tenho 57.
*
Fernando Manuel
In “Savana, Semanário Independente”, Maputo 28.04.2006

Nossa Srª do Monte



Fotos de Gabriela Ludovice

Nossa Srª do Monte, Lubango, Angola. Agosto de 2005

segunda-feira, 1 de maio de 2006

O estado do blogue




910 postagens depois, estamos assim (registos de fim de Abril).

Estamos a preparar uma festa para o 7 de Julho.

Contamos convosco!

Desenho de Luís Ralha


Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.

Eugénio de Andrade

1º de Maio: da luta sindical ao piquenique

Confesso que é pelo facto de ser feriado que gosto cada vez mais do primeiro de Maio. Eu sei que não deveria ser assim mas tenho a impressão que muitas pessoas partilham desta minha tese. Mas esta situação é fruto do imobilismo ideológico do próprio sistema sindical. Os sindicatos continuam agarrados a formas de luta que se têm revelado como pouco eficazes, face aos novos desafios nacionais e internacionais. Por exemplo. Hoje, os temas comuns às comemorações do primeiro de Maio são: “A defesa do emprego de qualidade e a luta contra o desemprego”. Tal como em todos os outros anos. Parece que entrou nas rotativas das centrais sindicais e nunca mais de lá saiu. A progressiva cristalização da praxis sindical levou a que muitos trabalhadores se desvinculassem dos seus sindicatos. Actualmente, a maioria está por sua conta e risco. E a tendência é para aumentar. No entanto, há diferenças entre as duas centrais. A UGT tornou-se numa coisa viscosa que ninguém sabe muito bem o que é. Se algum leitor tiver alguma ideia, seria bom partilhá-la. A CGTP continua a ser a tábua de salvação para muitos trabalhadores, quando existe o risco de desemprego. Carvalho da Silva continua na luta e tem-se mostrado fiel a um ideário sindical. Só que o manual utilizado continua a ser a primeira edição. Os novos desafios passam-lhe completamente ao lado. A globalização, uma das grandes dores de cabeça dos dias de hoje, provoca cada vez mais desemprego sem que os sindicatos consigam fazer alguma coisa. Qual é a formula para combater isso? Não sei. Deixo isso para os experts. No entanto, uma coisa é certa. A qualificação tanto dos trabalhadores como do patronato é uma necessidade urgente. Assim como um upgrade sindical. E também o reforço do movimento sindical a nível global. Mas não nos tirem o feriado. Essa é uma conquista inalienável.