terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Soberania da mulher

O debate sobre a despenalização da IVG, é preciso não esquecê-lo, é um debate; isto a propósito de uma certa tendência para o tacticismo que se nota no campo do Sim. Por um lado, entende-se- é preciso focar a atenção nos pontos que são mais consensuais, essencialmente o problema de saúde pública que é o aborto clandestino. Mas por outro é redutor e potencialmente contraproducente. Porque este debate deve encerrar a questão de uma vez por todas, é essencial que percorra todos os lados de um assunto tão complexo.
Vem isto a propósito deste texto de Miguel Vale de Almeida, que é essencialmente sobre uma questão deste debate que vem sendo ignorada: a soberania da mulher sobre o seu corpo. O texto é excelente, e merece ser lido na íntegra. Deixo alguns excertos:

«É óbvio que um feto e mesmo um embrião são "vida". É óbvio inclusive que são vida da espécie humana. É por isto ser tão óbvio que tanto os apoiantes do "sim" como os apoiantes do "não" concordam que a decisão quanto a abortar é um problema moral e ético que se coloca a quem tem que decidir. E é por isto ser tão óbvio que há qualquer coisa de ridículo nas discussões sobre o "começo" da vida - feitas por qualquer dos lados da "barricada".
O que isto significa é que a questão se põe noutro plano. E esse plano é o da comparação entre a vida humana duma Pessoa individual e social, feita e com biografia e projectos - a mulher que engravida - e a vida no sentido lato que o embrião é. A primeira tem que pesar prós e contras da consequência de ter um/a filh@; a segunda "existe" num plano potencial e passivo. É por isto que o referendo não é sobre a vida.»

«(...)o que me faz impressão é a facilidade com que toda a gente, de um lado e outro, parece abandonar o discurso sobre o corpo feminino e a soberania de cada mulher sobre ele. Faz-me impressão que o lado do "não" consiga passar a mensagem de que esse discurso é "feminista", logo "extremista". Que o outro lado aceite estes termos, como geralmente aceita através do silêncio, é sinal do atraso cívico do país. É que o discurso sobre a soberania da Pessoa sobre o seu corpo nada tem de extremista - é pura e simplesmente o resultado de uma visão moderna e liberal sobre a autonomia dos indivíduos. Extremista e ultrapassado é o discurso sobre a maternidade forçada como fado e destino.»

2 comentários:

FernandoRebelo disse...

É por isso, e não só, que me abstenho. No dia desse referendo que o PS teima em não querer resolver perdi o meu cartão de eleitor...

André Carapinha disse...

Fernando:

Não concordo com a tua posição. Uma abstenção é, de facto, um voto no não, uma vez que o referendo tem de ser vinculativo, e que se não o for manter-se-à a actual lei, o que é o mesmo resultado (apenas mais fraco politicamente) que uma vitória do não.
É preciso ter isto em vista nesta votação em particular. Porque não votas em branco? Esse voto pelo menos iria contribuir para tornar o referendo vinculativo.
Seja como for, eu, que preferia que não houvesse referendo numa questão que é acima de tudo de civilização, considero que não nos devemos esconder atrás de posições de princípio, que são válidas, mas que não irão contribuir para resolver problema algum. De vez em quando é preciso ser pragmático.