terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Pinochet (2) - falsificações históricas

Numa prova de que da História se extraem quase todos os argumentos possíveis, bastando para isso uma "ligeira" distorção da linguagem e utilizar termos subtilmente adequados ao que se pretende defender, o Insurgente publica hoje um esclarecedor post a partrir de um texto de José Piñera "Como Allende destruyó la democracia en el Chile". Apenas uma nota introdutória, antes de passarmos ao essencial: a obsessão destes "liberais" na defesa do ditador chileno é um caso psicanalítico.
Passando ao texto: é de facto espantoso como os factos da história se alteram pelo efeito das palavras utilizadas: Allende estaria "em rebelião contra a constituição", porque a tentou alterar; essas acções originaram uma "massiva e valente resistência civil", ou seja, a oposição manifestou-se nas ruas contra as medidas previstas; o ex-presidente Montalva apelou "desesperadamente" às Forças Armadas para controlar a situação- isto merece uma atenção maior: sabe-se, por testemunhos vários incluindo do próprio Kissinger, que as manifestações da oposição serviram de pretexto para gerar artificialmente um clima de pânico; Montalva, é bom lembrá-lo, era um velho aliado dos EUA. Continuemos, e passemos ao mais importante: sustenta Piñera que o golpe não foi um típico "golpe de Estado" latino-americano. Nisto tem razão, embora não pelas razões que aponta: de facto, o golpe teve caracteristicas não exactamente "latino-americanas"- insere-se numa lógica global da Guerra Fria. Tratava-se de um governo eleito democraticamente, de tipo "Frente Popular" (socialista-comunista), cuja política pretendia romper com a orientação dominante em toda a América Latina da altura, que, de acordo com a doutrina Roosevelt, era considerada como "o quintal dos EUA". O mais atípico deste acontecimento foi de facto o completo envolvimento dos Estados Unidos em todo o processo, desde as manifestações ao golpe propriamente dito. É isto que atribui o carácter simbólico que esta ditadura em particular possui face a outras, algumas delas até mais sangrentas; é que o Chile foi uma mensagem: a de que um governo, com ou sem legitimidade democrática, apoiado ou não pelo Povo, não podia, no "quintal dos EUA", brincar aos governos de Esquerda. Uma mensagem que vingou muitos anos, e que só recentemente foi ultrapassada na região. E que os nossos Insurgentes, com a sua curiosa concepção de Democracia, parecem partilhar.

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