

Seis da manhã. Na carrinha, uns dentro e outros tantos na caixa aberta, percorremos umas quantas ruas de Benguela esboçado já o laranja no sol, antecipando a dança nas rodas gingonas a valsarem com as ancas da estrada. Num local humilde forrado a tijolo, um espaçoso quadrado térreo abriga jovens de ambos os sexos, esperando o batuke como sinal para os seus corpos não pararem mais. Oferecem-nos assento em bancos e cadeiras, optando nós mesmo pelo murete de cimento em primeiro camarim para esbugalharmos bem a alma, nem sempre os dias são tão generosos. O professor Mias e um coreógrafo vão alinhando ideias ao longo de todo o ensaio com os seus bailarinos, descalços, com meias, estilosos, esburacados, mas todos igualmente poderosos nos seus corpos em equilíbrios de aves encantadas. Pregados os meus olhos aos seus sensuais movimentos, fortes, delicados, prementes em felizes linhas, passam-se quase duas horas de fascínio perdurável. O batuke constante gritado das peles esticadas dos dois tambores altos, é insubstituível, ocupa a manhã como se fosse sólido; dois homens estão debruçados sobre as suas mãos neles, a revelar a essência da vida através daquele instante suado e perfeito. Talvez dionisíaco. Encurralada na furiosa percussão, desejo ficar ali para sempre. Às vezes deseja-se isso. É raro, sabemo-lo. Os bailarinos revelam uma resistência assombrosa, um tchindele não suportaria tal desgaste. A dança continua, ora simbolizando a colheita do milho ora a escolha do marido. Faces recuadas ao chão em agradecimento à fertilidade da terra, os olhos das bailarinas transportam esperanças misturadas. Fico parada talvez para sempre, a sentir a energia entre os seres humanos e o seu planeta. De alguma forma está ali resumida uma sabedoria imperdível. Num outro ritmo, as raparigas agarram no ar o corpo do homem que se lançou com as duas mãos sobre os seus ombros, como se fosse saltar para o espaço, enquanto elas de olhos doces lhe sentem a fortaleza dos músculos, o ímpeto do salto, o entusiasmo do peso, o cheiro da entrega, sabendo desse modo se será aquele o eleito. E se fosse assim daqui para a frente...
Quando os elementos do grupo Bismas das Acácias terminarem o ensaio, ainda a manhã se arvora. Muitos andam na escola e vão dali para as suas primeiras aulas, outros para as suas tarefas e negócios, talvez em kaponte - mercado informal local.
Mas o dia, esse nasceu de forma muito especial: com eles dançando.
Em África sou sempre feliz!!
Tchindele (pessoa de pele branca)
Foto esq: Ensaio /Foto dtª: Prof. Mias-Benguela
In/Apontamentos: Bismas das Acácias (2005/06)
2 comentários:
Como é angolana, acho que leu o texto de James Trauben, do NY Times, sobre a actualidade em Angola, para o qual chamei a atencao. Deve lê-lo na íntegra. Eu discuti com elementos do MPLA, aqui, na cidade da Porsche e da Mercedes, e do Hegel da maturidade,Stuttgart, que apesar de ser governada pela direita e a família Rommel ter muita fama, tem uma prodigiosa mancha verde que elimina todas as toxinas do ar. O texto é, para mim, um grande balde de água fria. Se os jornais de Lisboa o esconderam, isso é grave. Os angolanos residentes, aqui, heterodoxos do MPLA,confirmam que os 125 mil chineses afastaram os empreiteiros portugueses do mercado em Luanda. E com malícia concordam COM O JORNALISTA DO INSUSPEITO ny tIMES SOBRE O FACTO DA MAIORIA DOS OPERÁRIOS DA rp CHINA PODEREM SER PRESIDIÁRIOS EM FINAL DE PENA... Avanti Gabriela, FAR
Ai... Saudades...
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