Armando,
Só hoje vi o teu mail. Falta de hábito e dispersão noutras coisas. Esta dupla Governo/Cavaco não me dá descanso. Não pára de produzir excelente material para a divina comédia nacional. Conseguir incluí-lo todo em textos é um bico-de-obra. Já tenho alguns escritos sobre o “país cavacado” mas ainda não os publiquei no blog. Este pândego duo não pára de nos brindar com verdadeira arte. Ainda bem que a corrente predominante actual é o “subsidiísmo”, porque em Portugal dadaístas e surrealistas ficariam desempregados, com o seu espaço criativo invadido por verdadeiros artistas na manipulação da lógica. Que ainda por cima velejam no tumultuoso mar da arte pura. Arte pela arte.
Gosto muito o seu desprendimento material, o quase nojo em relação ao vil metal, aquele material corrompido que o comum mortal usa para comprar arroz e batatas. São introduzidas taxas nos cuidados de saúde? Quando se pensava que era por causa do bago que uns euros tirados a milhões de utentes somariam no fecho da folha da contabilidade. Que o Estado aprendera com a banca cobrando todos os serviços prestados. Que realizavam no Orçamento de Estado o velho adágio “grão a grão enche a galinha o papo”. Não, nada disso. São taxas pedagógicas. Chamar-lhes “moderadoras” causou confusão. As pessoas pensaram que era mais uma forma chica-esperta de lhes tirar o dinheiro, pois fugir a uma cirurgia ou internamento é difícil, por muito que se queira moderar o consumo destes produtos hospitalares.
Afinal servem para aportuguesar o conceito de “there is not such a thing as a free lunch” que os nossos economistas aprenderam nas universidades americanas. Como a rapidez da vida moderna substituiu o “lunch” pelo sandes (no masculino, segundo o Miguel Esteves Cardoso e contra o corrector automático) foi preciso entrar no campo hospitalar para associar a “dor” ao “pagar”. Não há operações ao apêndice de borla. Não há transplantes de rim grátis. Não há dias de papo para o ar entrapado numa enfermaria sem “quer a continha agora cliente?”. Tens de concordar que lhe dá uma outra dimensão que o “lunch” não tem. Talvez uma necessidade incontornável. A maioria dos portugueses estava a deixar ficar o almoço para o jantar, dificilmente compreenderia a metáfora americana. Assim ficam a saber quanto custa a vidinha sem o Estado gastar dinheiro em coloridos desdobráveis ou explicativos anúncios pagos nos jornais.
E que dizer daquela cena do Cavaco em Belém a molhar o pãozinho no azeite? Do melhor que eu já vi. Com uma banda sonora do Gato Barbieri pareceria “O último tango em Paris”. O palácio de Belém sempre me pareceu o chão de uma cozinha na capital francesa. Eu sei que o orifício em questão era outro, mas como vivo em Portugal não consigo sacudir a sensação de estar a ser comido. E que o Marlon Brando utiliza a manteiga, quiçá produzida com prejudiciais químicos. Com azeite biológico escorrega melhor e não fará mal ao zuate popular, e a nossa classe empresarial, acostumada ao seu consumo durante as negociações da concertação social, adora e recomenda.
Um abraço.
Maturino Galvão
Táxi Pluvioso e Soft Asphalt
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