missão poética de vinte e seis a trinta e um
perto do fim do mês
o salário pinga ou não pinga
e
decido :
não levo o automóvel
vou a pernas
nem sequer vou ao trabalho
gazeto
vou ao rio
e de remos no olhar subir uma maré de brisas azuladas
mesmo peneirar entre dedos alguma areia ancestral
com cheiro a madeira de naus
até esquecer que corre que me corre ali
um rio nas veias
com sabor a canho e sal primordiais
no cais das sete partidas esse barco que transporto
branco sujo de velas pacientes
desliza ao sopro das luas e planta-se nos gavetos dos portos
mar predilecto de voos
fora da sombra da sombra do olhar tarifário
se me acontecer tropeçar num isqueiro
não o evitarei
e creio que não sujarei os dedos na tinta cega dos jornais
jejum total informativo
purga global
desintoxicação de alto abaixo
o que quiserem
vomitarei editoriais desses sempre explicando como se governa
do alto da editorialice
que enjoo os uns e os outros
não vou sequer permitir-me discursos de bola
nem ouvir o número de assoalhadas
de uma recém descoberta morada bestial
nem o que custa a vida
ou desconversar de semáforos traiçoeiros
não vou sequer atender o telefone
porque
vou
liquefazendo-me
meio corpo submerso
cavalgar todas as superfícies líquidas esquecidas
junto de paisagens absolutamente incógnitas
vou também tentado pelo diabo do corpo
passear nos seios daquela miúda que ali está
de olhos suspensos na sua inconsciente sede de cenários parisienses
absolutamente centro pompidou
com ou sem baguete sena e saint michelle
olhos que saltam como dúvida na fímbria do tempo
olhos no arame do desejo eriçados
e eu enrolado
serei mesmo o sinalzinho que ela tem no meio das costas
citando um contemporâneo italiano que o descobriu nas costas de uma Iolanda ou Jasna não sei
uma beleza de leste deslocalizada
haverá remédio para este desacerto?
respirar
é o conselho
intensamente
o músculo cardíaco ofegante falará mais tarde de uma inesquecível maratona
em mais do que uma conferência de imprensa expressamente destinada a cardiologistas
vou entretanto na minha condição de bombeiro esvaziar toda a atmosfera que circunda a ponte vinte e cinco de abril
como sendo uma espécie de aspirador global
comer-lhe o ruído
e pôr um elefante a voar sobre uma tenda de circo
estarei também – para quem quiser observar a performance - no voo da abelha por entre todas as pétalas disponíveis de todos os jardins de Portugal esse jardim plantado à beira mar
e polinizarei
mesmo que ligeiramente poluído de uvas antigas e ânsia esteja o seminal que caminha
e o sal do Adriático fará parelha comigo
e o caniço jovem amarelecido das bordas de Bilene
não me contentarei de aplaudir quem passa com ar de cartão de crédito
quero mesmo que se fodam os banqueiros
e outros seus subordinados cães de fila
estarei mesmo disponível para conspirar em qualquer sebe
uma conspiração de pétalas enrubescidas
defronte de todas as casas brancas
perigosamente perfumada
a conspiração
apagará do mapa a crispação totalitária do inquilino
que como que incapaz de um veneno doce perecerá
é para isso que hoje acordo
e acordo em Chiapas também
de braço dado com os rios
e também ponho passe-montaigne no carreiro das formigas
para que não me espreitem do ocidente
estou disposto ao que for para preservar o silêncio das matas andinas
o meu coração macua fechar-se-á em bolbos
no meu quintal de lápis de cor
e derramará o seu veneno de pau preto
numa metamorfose irisada de lírios brancos e lilases
na sombra do limoeiro
primícias de uma infinita guerra química
que vamos conduzir contra as guerras químicas
cujo sinal de partida será uma greve geral de pétalas ao perfume
como na peça grega elas o fizeram ao sexo
o mundo inodoro vingará os mortos inocentes
da burocracia nada direi a não ser que a fuzilem
tal como fizeram a Lorca
do centralismo desinformado nada direi
a não ser que não esquecerei Dionísio
o outro e o deus também
e caminharei por meio das estradas e viadutos
entre as periferias
pelas frágeis construções feitas à mão
e repetirei o fado
ninguém espalhará
em semeador particular
a palavra incendiária
como quem atira trigo em chuveiro
à mão
solitário
gesto largo
essa é a tua tarefa de todos nós
f.arom
2 comentários:
Onde está o Oli?
foda-se f.arom! Boa malha!..
f.
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