Olá,
Hoje vou começar por vos fazer uma pergunta. O que é cultura?
O que me pôs a pensar sobre isto, vejam lá, foi o cócó de cão. É que aqui na capital do império cada vez que se vê alguém a passear o cão, esse alguém traz sempre consigo um saquinho de plástico. Cada vez que o cão faz cócó lá se vê o americano a meter o saco de plástico na mão com se fosse uma luva, baixar-se, apanhar o referido cócó com a mão envolvida no plástico e depois virar o plástico do avesso. Cócó dentro do saco lá vai o americano trela do cão numa mão, saco – agora cheio de cócó – na outra. Ando a ganhar coragem para perguntar a alguém o que fazem com o cócó. Deitam-no juntamente com o saco no lixo quando chegam a casa? Ou deitam-no na retrete ? Mas isso é outra questão.
A questão desta carta é que cada vez que vejo o americano de saco de cócó na mão vem-me sempre à cabeça o meu acidente quando estive aí a última vez na capital da Lusitânia. Foi ali para os lados do Rato, ia a caminho de um restaurante com um amigo e pus o pé numa poia que eu pensei que era de elefante. Não vou entrar em mais pormenores, mas basta dizer que no restaurante os restos da poia ainda deitavam cheiro, obrigando-me a ir à casa de banho lavar os lados do sapato. O meu amigo dizia-me: “isto aqui não tem solução. É como se fosse um campo de minas e ninguém liga”.
Eu depois disse-lhe que tinha estado em Paris e que lá tinha visto uns pequenos carros que andam nos passeios com uns enormes tubos flexíveis a sugar o cócó dos cães parisienses. Pago pelo governo ou municipalidade, com uns tipos de uniforme por detrás do volante a movimentarem com perícia o suga-cócós. O meu amigo não ficou entusiasmado com essa francesice.
“Para isso é preciso ‘massa’,” respondeu-me. “Aqui como somos tesos temos que pisar a merda ou então esperar que a chuva a lave”. Eu decidi por essa altura que era melhor começar a falar do menu…
Foi já depois de ter regressado aqui à capital do império que notei os americanos, os seus cães e os saquinhos de plástico para os cócós. Primeiro pensei que fosse um fenómeno restrito à capital do império, talvez resultado desta zona estar cheia de soldados, agentes da CIA, do FBI e dezenas de milhar de burocratas do governo federal, todos habituados a uma certa ordem e limpeza.
Mas na semana passada fui a Nova Yorque e notei a mesma coisa. Vi um tipo com três cães no Central Park com um saquinho já cheio de cócó e outros na mão ainda por encher. Vi também no Washington Square uns locais reservados especialmente para os cães andarem à solta onde não se via um cócó de cão. E a tabuleta afirmava claramente que esse local é administrado pela “Associação dos Locais de Recreio de Cães” (Dog Run Association) e “não recebemos um centavo da cidade ou do departamento de parques”.
Lembrei-me também depois que há uns anos atrás em Los Angeles tinha visto uma loira espampanante e escultural a abaixar-se de costas para mim (daí a minha recordação!) para apanhar o cócó do seu cão. Portanto, pode-se concluir apanhar o cócó do cão é um costume generalizado deste lado do lago Atlântico e como diria a velha canção “from California to the New York Island” e sem qualquer interferência do governo
Em Nova Yorque notei que em algumas ruas há mesmo pequenos sinais que lembram:”Apanhe depois do seu cão”. Não se especifica o que deve ser apanhado “depois” do cão mas... para bom entender meia palavra basta.
Mas vejam lá que já de regresso aqui à capital do império estava eu a ruminar sobre cócó de cão e cultura quando vejo passar uma carrinha com o dístico “Especialistas de Desperdício de Animais”. Nem pude acreditar! e para confirmar telefonei à companhia que me informou que .. é isso mesmo. Especializam-se em apanhar o cócó dos cães ou de outros animais de estimação. Podem limpar o jardim ou associações de moradores. Onde haja cócó … eles apanham.
E mais! Fui informado que existe no pais uma Associação de Especialistas Profissionais de Desperdicios de Animais que engloba as companhias deste ramo com nomes como “Doodycalls”, “Dog-Gone-it” e (o meu favorito) “Your Dog Business” (O negocio do seu cão)
Na associação disseram-me que segundo a Associação de Veterinários dos Estados Unidos há 61 milhões de cães nos Estados Unidos. É muito cócó. Mas onde aí na Lusitânia se vê apenas cócó aqui os americanos com o seu sentido empresarial sem par viram … uma mina de ouro.
E dai a tal questão: O que é cultura?
Três povos três modos diferentes de lidar com o mesmo problema:
1) Ninguém faz nada
2) Governo compra máquinas, paga a funcionários para resolver o problema
3) Governo não interfere, as pessoas orgulham-se no facto do governo não fazer nada e apanham elas próprias o cócó. Aí aparece um empresário e rapidamente o negócio multiplica-se.
Já tenho a resposta à pergunta com que iniciei esta carta. Cultura pode ser aquele consciente colectivo que engloba a historia e os seus traumas, língua, literatura, religião e que nos leva a actuar de e a reagir de um certo modo. É também culinária pois eu sei que quando cheiro alho a vir das panelas de uma cozinha então sinto que está tudo bem enquanto outras culturas acham que o alho cheira mal.
Mas cultura são também valores, um modo de se viver em conjunto com outros seres humanos. Não?
O vosso amigo,
Da capital do Império
Jota Esse Erre
10 comentários:
Este dinheiro/negócio deve cheirar particularmente mal.
Estes sucessivos hinos à "América das oportunidades" começam a cheirar a "cultura Readder's Diggest" (não sei se está bem escrito, nem quero saber).
Quando vejo merda de cão nas ruas, penso sobretudo em défice de educação cívica. Nem me vem à cabeça o palavrão “ cultura ”.
Da mesma forma, quando como uma posta de bacalhau com um dente de alho, umas pernas de rã ou um couscous, penso quando muito, em lugares e povos com seus usos e costumes.
Bem, e se a cultura fosse um simples “ modo de se viver em conjunto com outros seres humanos “ , não seria a capital do Império a minha fonte de inspiração.
Já se viu que é uma inspiração de caca... a capital do império é uma merda, podem apanhá-la em casa, mas só a espalham no resto do mundo!
Vai-te catar, Jota Esse Erre!
Em defesa de Jota Esse R- O correspondente em Washington é um cronista nato, de qualidade e escatológico quanto baste. Escreve muito bem,atreve-se a abordar temas dificeis e acerta sempre com maestria no alvo. Por favor, acreditem naquilo que nao possam perceber muito bem, ok? JSR:um( eu) nietzschiano- artaud-sadiano fellow, a seu lado na barricada
para o que der e vier, vale? FAR
Vou frequentemente a Telheiras, aliás, é a Lx que conheço. Só para dizer que vejo muita gente com cão e uma ferramentazinha de plástico a apanhar a merda que eles cagam. Só a podem fazer aí, depois vái para a sanita. O Império não é civilizado na merda dos cães, é sim em questões mais importantes como na liberdade de imprensa,- sendo uma luta árdua contra esse governo, mas resiste-, mas que cá não existe!A imprensa é o depositório da guerrilha entre as policias, os partidos, os ministérios e a JUSTIÇA(?).
É ou não é verdade?
Há merdas e merdas.
O mais importante é a limpeza das mentes. Há coisas em que nao vale a pena mexer. Como diz o ditado, "quando mais se mexe, mais fede"...
Há mais de trinta anos, na Suíça, o comportamento, relativamente aos dejectos dos cães era o mesmo, embora faltasse a componente business. O civismo e a civilização não nasceram na capital do Império, ao contrário do que algumas pessoas crêem. O faro para transformar tudo em negócio, talvez.
A questão, para mim, fundamental é se o comportamento dos europeus permitirá a nossa sobrevivência.
A América não é só o Bush e permanecerá para além dele
Onde está o Oli?
I was born intelligent -
education ruined me.
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