segunda-feira, 12 de junho de 2006

Da capital do Império

Olá,
Hoje vou começar por vos fazer uma pergunta. O que é cultura?
O que me pôs a pensar sobre isto, vejam lá, foi o cócó de cão. É que aqui na capital do império cada vez que se vê alguém a passear o cão, esse alguém traz sempre consigo um saquinho de plástico. Cada vez que o cão faz cócó lá se vê o americano a meter o saco de plástico na mão com se fosse uma luva, baixar-se, apanhar o referido cócó com a mão envolvida no plástico e depois virar o plástico do avesso. Cócó dentro do saco lá vai o americano trela do cão numa mão, saco – agora cheio de cócó – na outra. Ando a ganhar coragem para perguntar a alguém o que fazem com o cócó. Deitam-no juntamente com o saco no lixo quando chegam a casa? Ou deitam-no na retrete ? Mas isso é outra questão.
A questão desta carta é que cada vez que vejo o americano de saco de cócó na mão vem-me sempre à cabeça o meu acidente quando estive aí a última vez na capital da Lusitânia. Foi ali para os lados do Rato, ia a caminho de um restaurante com um amigo e pus o pé numa poia que eu pensei que era de elefante. Não vou entrar em mais pormenores, mas basta dizer que no restaurante os restos da poia ainda deitavam cheiro, obrigando-me a ir à casa de banho lavar os lados do sapato. O meu amigo dizia-me: “isto aqui não tem solução. É como se fosse um campo de minas e ninguém liga”.
Eu depois disse-lhe que tinha estado em Paris e que lá tinha visto uns pequenos carros que andam nos passeios com uns enormes tubos flexíveis a sugar o cócó dos cães parisienses. Pago pelo governo ou municipalidade, com uns tipos de uniforme por detrás do volante a movimentarem com perícia o suga-cócós. O meu amigo não ficou entusiasmado com essa francesice.
“Para isso é preciso ‘massa’,” respondeu-me. “Aqui como somos tesos temos que pisar a merda ou então esperar que a chuva a lave”. Eu decidi por essa altura que era melhor começar a falar do menu…
Foi já depois de ter regressado aqui à capital do império que notei os americanos, os seus cães e os saquinhos de plástico para os cócós. Primeiro pensei que fosse um fenómeno restrito à capital do império, talvez resultado desta zona estar cheia de soldados, agentes da CIA, do FBI e dezenas de milhar de burocratas do governo federal, todos habituados a uma certa ordem e limpeza.
Mas na semana passada fui a Nova Yorque e notei a mesma coisa. Vi um tipo com três cães no Central Park com um saquinho já cheio de cócó e outros na mão ainda por encher. Vi também no Washington Square uns locais reservados especialmente para os cães andarem à solta onde não se via um cócó de cão. E a tabuleta afirmava claramente que esse local é administrado pela “Associação dos Locais de Recreio de Cães” (Dog Run Association) e “não recebemos um centavo da cidade ou do departamento de parques”.
Lembrei-me também depois que há uns anos atrás em Los Angeles tinha visto uma loira espampanante e escultural a abaixar-se de costas para mim (daí a minha recordação!) para apanhar o cócó do seu cão. Portanto, pode-se concluir apanhar o cócó do cão é um costume generalizado deste lado do lago Atlântico e como diria a velha canção “from California to the New York Island” e sem qualquer interferência do governo
Em Nova Yorque notei que em algumas ruas há mesmo pequenos sinais que lembram:”Apanhe depois do seu cão”. Não se especifica o que deve ser apanhado “depois” do cão mas... para bom entender meia palavra basta.
Mas vejam lá que já de regresso aqui à capital do império estava eu a ruminar sobre cócó de cão e cultura quando vejo passar uma carrinha com o dístico “Especialistas de Desperdício de Animais”. Nem pude acreditar! e para confirmar telefonei à companhia que me informou que .. é isso mesmo. Especializam-se em apanhar o cócó dos cães ou de outros animais de estimação. Podem limpar o jardim ou associações de moradores. Onde haja cócó … eles apanham.
E mais! Fui informado que existe no pais uma Associação de Especialistas Profissionais de Desperdicios de Animais que engloba as companhias deste ramo com nomes como “Doodycalls”, “Dog-Gone-it” e (o meu favorito) “Your Dog Business” (O negocio do seu cão)
Na associação disseram-me que segundo a Associação de Veterinários dos Estados Unidos há 61 milhões de cães nos Estados Unidos. É muito cócó. Mas onde aí na Lusitânia se vê apenas cócó aqui os americanos com o seu sentido empresarial sem par viram … uma mina de ouro.
E dai a tal questão: O que é cultura?
Três povos três modos diferentes de lidar com o mesmo problema:
1) Ninguém faz nada
2) Governo compra máquinas, paga a funcionários para resolver o problema
3) Governo não interfere, as pessoas orgulham-se no facto do governo não fazer nada e apanham elas próprias o cócó. Aí aparece um empresário e rapidamente o negócio multiplica-se.
Já tenho a resposta à pergunta com que iniciei esta carta. Cultura pode ser aquele consciente colectivo que engloba a historia e os seus traumas, língua, literatura, religião e que nos leva a actuar de e a reagir de um certo modo. É também culinária pois eu sei que quando cheiro alho a vir das panelas de uma cozinha então sinto que está tudo bem enquanto outras culturas acham que o alho cheira mal.
Mas cultura são também valores, um modo de se viver em conjunto com outros seres humanos. Não?
O vosso amigo,
Da capital do Império

Jota Esse Erre

10 comentários:

Anónimo disse...

Este dinheiro/negócio deve cheirar particularmente mal.
Estes sucessivos hinos à "América das oportunidades" começam a cheirar a "cultura Readder's Diggest" (não sei se está bem escrito, nem quero saber).

Anónimo disse...

Quando vejo merda de cão nas ruas, penso sobretudo em défice de educação cívica. Nem me vem à cabeça o palavrão “ cultura ”.
Da mesma forma, quando como uma posta de bacalhau com um dente de alho, umas pernas de rã ou um couscous, penso quando muito, em lugares e povos com seus usos e costumes.
Bem, e se a cultura fosse um simples “ modo de se viver em conjunto com outros seres humanos “ , não seria a capital do Império a minha fonte de inspiração.

Anónimo disse...

Já se viu que é uma inspiração de caca... a capital do império é uma merda, podem apanhá-la em casa, mas só a espalham no resto do mundo!
Vai-te catar, Jota Esse Erre!

Anónimo disse...

Em defesa de Jota Esse R- O correspondente em Washington é um cronista nato, de qualidade e escatológico quanto baste. Escreve muito bem,atreve-se a abordar temas dificeis e acerta sempre com maestria no alvo. Por favor, acreditem naquilo que nao possam perceber muito bem, ok? JSR:um( eu) nietzschiano- artaud-sadiano fellow, a seu lado na barricada
para o que der e vier, vale? FAR

Anónimo disse...

Vou frequentemente a Telheiras, aliás, é a Lx que conheço. Só para dizer que vejo muita gente com cão e uma ferramentazinha de plástico a apanhar a merda que eles cagam. Só a podem fazer aí, depois vái para a sanita. O Império não é civilizado na merda dos cães, é sim em questões mais importantes como na liberdade de imprensa,- sendo uma luta árdua contra esse governo, mas resiste-, mas que cá não existe!A imprensa é o depositório da guerrilha entre as policias, os partidos, os ministérios e a JUSTIÇA(?).
É ou não é verdade?
Há merdas e merdas.

Anónimo disse...

O mais importante é a limpeza das mentes. Há coisas em que nao vale a pena mexer. Como diz o ditado, "quando mais se mexe, mais fede"...

Anónimo disse...

Há mais de trinta anos, na Suíça, o comportamento, relativamente aos dejectos dos cães era o mesmo, embora faltasse a componente business. O civismo e a civilização não nasceram na capital do Império, ao contrário do que algumas pessoas crêem. O faro para transformar tudo em negócio, talvez.

Anónimo disse...

A questão, para mim, fundamental é se o comportamento dos europeus permitirá a nossa sobrevivência.

A América não é só o Bush e permanecerá para além dele

Anónimo disse...

Onde está o Oli?

Anónimo disse...

I was born intelligent -
education ruined me.