Anda por aí uma grande confusão sobre os argumentos que eu, e outros, defendemos quanto à questão dos cartoons. Ninguém, com a excepção do mui católico Freitas do Amaral, advogou sequer de longe a limitação do direito de publicação. Este é um direito inalienável, basilar, fundador de uma sociedade livre e democrática. O que criticamos são duas coisas: primeiro, e principalmente, o aproveitamento que alguns fazem da questão para dar largas ao seu racismo e desprezo pelo que é diferente da "superioridade" ocidental (veja-se Vasco Pulido Valente, que não encontra futuro na civilização islâmica- «uma civilização fanática, despótica e analfabeta»). Segundo, e acessoriamente, a presunção de que publicar cartoons de mau gosto sobre Maomé e escrever um editorial em que se afirma o direito a "humilhar, blasfemar e insultar" o islão, numa altura em que os americanos estão no Iraque e crescem as tensões com o Irão, e em que graças a estas atitudes Bin Laden ganha prestígio crescente entre os muçulmanos, não tem problema nenhum, que se tratou de um acto ingénuo de um jornalzeco dinamarquês sem noção das consequências. Eu, pessoalmente, não gosto que me tomem por parvo.
11 comentários:
Estou totalmente de acordo.
Porque não condenas o aproveitamento que os islâmicos estão a fazer da questão? Já reparaste bem no tempo que dista desde a publicação dos cartoons?
Eu acredito no príncipio da solidariedade entre os povos, mas não posso aceitar que estes tipos me venham impor restrições e me obriguem a alienar direitos... etc e tal.
Por causa desses malandros (reafirmo malandros), estamos condenados a décadas de paranoia securitária, a vigilâncias apertadas, ao medo e ao terror.
Os teu argumentos são fragéis: defendes o príncipio da liberdade de imprensa porque te arrogas libertário, mas colocas-te ao lado dos "pobres e oprimidos".
Por amor de Deus ... ou de Alá.
Caro Anónimo das 9h59m:
Não vejo qualquer utilidade, ou até inteligência, em cair na armadilha que os radicais de ambos os lados, reforço, de ambos os lados, nos estão a colocar: nós/ eles. O aproveitamento dos radicais islâmicos desta questão, é por demais óbvio; acontece que eu não sou islâmico, e mais do que estar a entricheirar-me na minha cultura e na sua suposta superioridade, interessa-me reflectir sobre o que, de facto, pode contribuir para a paz e a convivência entre culturas diferentes.
Carlos Abreu Amorim, um tipo que é professor universitário e que fala no "Choque Ideológico" da RTPN, escreveu no Blasfémias: "Agora não me venham dizer que o islão é uma religião de paz": Como é que se sente um muçulmano moderado a ler alarvidades destas? Estes tipos são tão arrogantes e convencidos da sua superioridade que estão dispostos a alienar o apoio da maioria (por enquanto...) de moderados para se sentirem donos da verdade, e melhores que os outros. Não há análise histórica sobre as razões do fanatismo, não há relexão sociológica, nem sequer um bocadinho de perspectiva política das coisas; nós somos "a cultura da paz e do progresso"; os islâmicos, "uns falhados", como escreveu também VPV.
Ou seja, e repito, estamos a cair na armadilha daqueles que, de ambos os lados, vivem contaminados pelo ódio endémico ao outro, vulgo racismo. Ora, não sendo eu muçulmano, interessa-me apoiar a parte moderada do processo dialético que acontece no interior da cultura islâmica, e isto só se faz com atitudes inteligentes e, não haja medo de dizê-lo, por vezes com compromissos. No interior da minha cultura, pelo contrário, devo ser radical na defesa dos princípios que me regem. É só isto.
O João Galamba publicou no Metablog uma citação de Adorno sobre Hegel: "He who makes himself the slave of his own words makes things easier for himself by shoving the words in front of the thing itself". Acrescentaria que, como notou Wittgenstein, as palavras são instrumentais e não significam nada de absoluto. Ou seja, isso da "Liberdade de Expressão" não se trata de nenhum conceito absoluto ou desprovido de significados particulares: é aquilo que significa na prática e o seu significado é produzido pela inscrição do conceito no mundo real. O que quero dizer com isto é que de nada nos vale andar a dizer que somos pela "liberdade de expressão", pela "democracia", e depois defender a aniquilação de outros povos que pensam de forma diferente. Esta é a contradição original destes tipos.
Podemos e devemos perceber o porquê destas coisas, para que no futuro não voltemos a repetir os mesmos erros. Quanto à situação actual, e depois de tantos e tantos erros... Alá nos acuda.
Caro André:
O seu ponto de partida para qualquer discussão tolda-lhe o discurso: a necessidade obsoleta de atacar tudo o que cheira a discurso de direita. Aprecio a combatividade, mas condeno-lhe a cegueira.
Esta crise tem uma origem e recuso-me a aceitar que ela se encontre nas páginas de um jornal de direita de um país que é aliás um exemplo (raro) de tolerância e integração, e até de "boa governação".
As caricaturas de Maomé foram,e estão a ser, apenas o pretexto para uma bem engrendrada campanha de manipulação de massas em torno de uma causa "islâmica".
Infelizmente é apenas mais uma consequência da globalização onde até já os desenhos populistas começam a ser escrutinados do outro lado do mundo.
O que dói no meio de tudo isto é sentir que a haver alguma legitimidade pela dor e ressentimento causados, a legitimidade para os manifestar é nula.
Gostaria de ver maior repúdio e ofensa de cada vez que - em nome do Islão - se matam inocentes em cidades do ocidente. Gostava de ver os líderes islâmicos bradarem aos céus cada vez que um pobre se suicida em nome de Alá - profeta da religião da paz. Gostava de ver essa maior empenho por parte dos líderes religiosos e não vejo. Gostava de ver aquela massa exprimir-se livremente cada vez que um membro de uma minoria cristã é morto nas ruas de Riade, e não vejo (!).
Gostava de ver a indignação subir de tom ( e sabes lá como gostava) de cada vez que uma mulher é proibida de trabalhar, de viver só porque "alá" não deixa.
A tal solidariedade que eles exigem do ocidente, gostava de a sentir na união política, económica e social dos países árabes e não sinto.
Para concluir, gostaria de afirmar que repudio toda e qualquer forma de autoritarismo e não posso eixar de dizer:
Na europa vai-se preso por delito de opinão; no islão morre-se.
É apenas uma detalhe... não foi, afinal, por causa de um detalhe que tudo isto começou?
Ass: anónimo das 9h59
Fernando Isidoro:
Não me viu escrever sobre pedidos de desculpa.
Parece que vou ter de o fazer, para que fique claro:
Eu não estou a favor de qualquer pedido de desculpa por parte do estado dinamarquês.
Eu estou contra o pedido de desculpa do primeiro-ministro Rasmussen.
Eu estou absolutamente contra o comunicado de Freitas do Amaral.
Agora, se o director do jornal, por sua iniciativa, o fizesse, acho que só lhe ficava bem.
Anónimo:
Não espere ver a condenação de atentados por parte daqueles que agora incendeiam embaixadas.
No entanto, espere vê-la por parte daqueles que não as incendeiam. Os moderados. Sim, há muitos, e muitas vezes condenam a violência. Este tipo de questões causam dano sobretudo a eles.
Está a cair na mais perigosa das generalizações: os muçulmanos não condenam os ataques suicidas; os muçulmanos aplaudem os ataques aos dinamarqueses. Isto é falso porque falacioso: está a tomar a parte pelo todo, e sobre isto exactamente que eu falo no post.
Além do mais, ao dizer que "na europa vai-se preso por delito de opinão; no islão morre-se" está a deixar-se (e talvez voluntariamente) levar pela imagética espectacular. Está a falar do Islão como se fosse apenas o Irão ou a Arábia Saudita. Óbvio que o mundo islâmico está mais atrasado em matéria de direitos humanos, mas não ajuda nada a causa daqueles que LÁ lutam pela democracia e justiça esse tipo de imagem de que os muçulmanos serão todos uns tipos que andam de camelo, espancam as mulheres e candidatam-se a mártires da jihad. Que serão, em suma, irrecuperáveis, como diz VPV com a sua arrogância, enquanto bebe o chá.
E para terminar, digo-lhe que outra coisa que não ajuda quem luta por esses valores, que tem uma raiz ocidental, é o comportamento hipócrita justamente dos países ocidentais em casos como o do Iraque, Israel ou Arábia Saudita. Quando a "rua" árabe afirma que os ocidentais, designadamente americanos, travam a democracia para terem a garantia de possuir aliados de confiança, não anda nada longe da verdade.
Por isso aqui, como queremos um mundo de paz que necessita de um islão democrático, temos o dever de exigir aos nossos governos o fim dessa hipocrisia.
Caro André:
Desculpe a presunção da verdade absoluta: no Islão os moderados não governam e é aos governos que o ocidente tem de exigir responsabilidades. Aos que neste momento fazem vista grossa aos desacatos (são quase todos)o ocidente deve responder com firmeza.
Reside aí uma diferença clara entre a sua argumentação e a minha.
O andré cola-se aos desgraçadinhos e pobrezinhos muçulmanos e aponta o dedo ao ocidente; pela publicação das caricaturas, pela "provocação", pela hipocrisia norte-americana em relação ao médio oriente.. como se fosse um dever "nosso" partir pelo mundo e espalhar a democracia! Aí está a ser mais radical que vpv e mais profeta que o louçã...
Infelizmente ainda há muita esquerda assim...
Há posições que se defendem com armas ... mas neste momento a Europa precisa de as defender com argumentos. Esta é uma "guerra" legítima.
Anónimo
Caro Anónimo:
Não se trata de nenhum dever nosso, o de espalhar a democracia. Trata-se de uma estratégia de sobrevivência a longo prazo.
O Anónimo não acha que está a ser contraditório? Critica os islâmicos pelo radicalismo, mas é-lhe indiferente eventuais responsabilidades ocidentais no fenómeno? É a "Realpolitik" e a defesa cega de interesses imediatos sem visão de futuro, levada a cabo pelos ocidentais, que aqui, como noutros lados, é a maior aliada dos fanáticos na sua luta pelos corações do árabe comum. O egoismo sair-nos-à caro, e já está a sair.
O grande dado que alterou o "status quo" é, de facto, a globalização e a sociedade de informação. No sentido que os factos permaneceram, apenas mudou a percepção geral sobre os mesmos. Caro Anónimo, muita da nossa riqueza e opulência foi e é construida por cima da miséria de outros. A diferença é que agora toda a gente no 3º mundo já sabe isso.
De qualquer modo, volto a repetir: o meu post refere-se à atitude no interior do mundo ocidental.
E a propósito, já o vejo várias vezes repetir essa de que me colo aos "desgraçadinhos". Uma vez que não encontra na minha argumentação qualquer ideia nesse sentido, parece-me que isso revela que quem parte com o preconceito para a discussão é o anónimo, não eu.
Olhe que não ... olhe que não!
Acho que estamos de acordo menos no fundamental: repudio as manifestações islâmicas, porque elas visam afrontar-nos enquanto sistema colectivo de liberdades, deveres e garantias consagradas em leis universais e ESCRITAS.
Não quero nem admito que me venham dar lições de moral (sobretudo do mundo islâmico) sobre como viver em colectivo. É arrogância cultural? Admito. Pelo menos ainda tenho direito a isso...
Reafirmo o que já anteriormente tinha dito: o que este caso revela é a capacidade de escrutínio do "outro lado do mundo" gerada pela globalização. Há uns anos também me indignei com imagens vindos do outro lado do mundo através dos sites da RAWA. Indignei-me e até chorei. Mostravam homens e mulheres a serem apedrejados, enforcados...
Foi muito antes do 11 de Setembro. Apoei a causa da RAWA e até a financiei, mas jamais seria capaz de sair à rua ao pontapé às bandeiras do que quer que fosse porque entendi que os taliban não representavam o islão, assim como não acho que os cartoonistas dinamaqueses me representem a mim.
Eu gostava que o povo da "rua árabe" visse isso ... e muito mais.
Sobre a resposta ocidental à "indignação" árabe, acha que as pessoas não sabem distinguir os factos ... entre o que é uma opinião racista duma posição solidária? O mundo é feito de diversidade ... Era bom que às vezes tívessemos isso bem presente no espírito!
peace man, out
Anónimo
Engana-se, caro Anónimo. Não é na condenação da violência que discordamos. É mesmo naquilo que, bem, definiu como "arrogância cultural", a que eu acrescentaria simplismo na análise.
Eu condeno qualquer forma de violência. O caro Anónimo não pode é querer dispor da minha opinião para o que lhe interessa.
Cumprimentos
Caro André:
A sua preocupação, perdoe-me a sinceridade, é naif e até mesmo secundária. Que haja para aí gente a tirar dividendos deste fait-divers a partir de posições que o senhor considera "arrogantes" é para olado que durmo melhor.
O que me preocupa é ver que um acto de liberdade provoca tanto medo e desbrave caminho para a moleza e o politicamente correcto.
Do que tenho medo é que, nós ocidentais - do mundo livre e civilizado - não saibamos defender com intransigência, vigor e determinação um príncipio que é basilar na democracia: a liberdade. Se não soubermos defender com dignidade e coragem o que nos sobra estamos TODOS a assinar a nossa própria certidão de óbito. Acha que a moleza não irá ser aproveitada em ocasiões vindouras?
Nesta discussão ... prefiro ser europeu ... tal como Chirchill o foi!
Anónimo
Caro André:
A sua preocupação, perdoe-me a sinceridade, é naif e até mesmo secundária. Que haja para aí gente a tirar dividendos deste fait-divers a partir de posições que o senhor considera "arrogantes" é para olado que durmo melhor.
O que me preocupa é ver que um acto de liberdade provoca tanto medo e desbrave caminho para a moleza e o politicamente correcto.
Do que tenho medo é que, nós ocidentais - do mundo livre e civilizado - não saibamos defender com intransigência, vigor e determinação um príncipio que é basilar na democracia: a liberdade. Se não soubermos defender com dignidade e coragem o que nos sobra estamos TODOS a assinar a nossa própria certidão de óbito. Acha que a moleza não irá ser aproveitada em ocasiões vindouras?
Nesta discussão ... prefiro ser europeu ... tal como Churchill o foi!
Anónimo
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