O Galheteiro Euroguês
Temos a presunção de que é uma criação portuguesa. Da Marinha Grande. Dois elegantes quase cisnes de vidro numa promessa de abraço futuro, no prato perto. Será? Por essa Europa o azeite e o vinagre não convivem há década, agora pacotes de costas voltadas. As cores respectivas, à transparência do vidro, fugiram-nos da vista, remeteram-se para o pacote individual, recipiente inviolável, como acontece ao segredo de justiça, essa abencerragem que voa sem se ver quem lhe pôs asas, de bolso em bolso, no mercado negro da informação e tráfico políticos, esse negócio maior que a cocaína flutuante e nadadora.
O azeite virgem e transparente, o vinagre que apimenta a vida, vão de eterna cana para a inviolável embalagem, destinada ao assédio digital de cada um, segredo solitário a desvendar pelo cliente, entre polegar e indicador, essa criatura que paga a liberdade de qualidade com o tamanho da carteira, elegante bíceps peitoral do endinheirado.
Mesmo nos banquetes presidenciais o galheteiro foi expulso – informa a Lusa - da baixela de prata destinada a convivas de estatuto presidencial. O pessoal político abre o pacotinho como já antes abria o ketchup, mesmo a maionese – em relação à maionese o parlamento europeu permanece calado, correndo que o Presidente da Comissão, viciado em maionese, ameaçou enfarte em causa própria, caso a problemática embalagem lá chegasse. Há também quem diga, off record e como agravante, que o azeite usado na maionese é ainda azeite de galheteiro, abrindo-se deste modo uma excepção de lógica imperceptível e legalidade duvidosa. Que interesses haverá por detrás. Barroso e a Heinz? Após a crise do veleiro do amigo e a história da ilha privada do empresário? Eles andam por aí...
O mesmo destino tivera em tempos o palito. Para quem ama o palito, esta impossibilidade de o palito entrar em contacto directo com o ar tal como acontecia quando era árvore, pinheiro, a imposição do preservativo ao palito, magoou, obrigou muitos a usar palitos ilegais em espaços reservados, longe do olhar da lei, na candonga existencial. Lembro-me do esforço pioneiro da TAP a proporcionar, muitas vezes em espaço aéreo não nacional, o acesso ao palito individualizado. Tanto arrojo antecipado dá vontade de cantar e se a saudade do palito livre não fosse muita, o aplauso prolongar-se-ia perene, por céus de noites românticas a vir, perfumados com odores de oliveiras ancestrais.
Eu sei que o progresso é bestial e que o índice de embalagens por quantidade de produtos é sinal de subida no ranking das nações – aliás a assunção do pacote de azeite individualizado como política nacional fez Portugal passar do vigéssimo sete mundial para o vigéssimo sexto, na tabela do New Nation Posician, prestigiada instituição ligada ao clã Bush, ligados ao clã Laden pelo lado dos Petróleos e Morticínios S.A. GLOBAL
Toda esta problemática se relaciona com o princípio da embalagem e com os preceitos da higiene criada no vácuo. Aliás o negócio é, em boa verdade, dos criadores de vácuo, essa nova fronteira do invisível. Para estes a embalagem é tudo, pois não há vácuo fora da embalagem, o vácuo é um resultado directo da compartimentação, do fechamento radical, do silêncio que o azeite encontrará no interior da embalagem, condição da sua ausência de Stress – dizem que o azeite de galheteiro andava muito stressado. Um conhecido vacuologista, ao que parece da direita do centro esquerda, avançou a hipótese de que seria possível criar o vácuo no galheteiro. Foi imediatamente contestado pela associação dos vacuologistas com mestrado e apenas a organização terrorista “azeite sempre sempre em paredes de vidro”, adepta da transparência de cima para baixo, afirma em comunicado enviado por fonte anónima para as redacções, que desenvolve processos para criação do vácuo em galheteiros em laboratórios clandestinos, na planície alentejana, por detrás de moitas altas.
O sacrossanto princípio do pacote faz o seu caminho irrecusável e já se ouviu dizer que a Heinz, empresa líder da embalagem de maionese mundial mais conhecida – frasquinho mais que suspeito à luz da imposição do pacote individualizado absolutamente vacuóado – avança para a criação do pacote personalizado falante, dominando assim todas as etapas da produção. Este tipo de embalagem reconhece o dono e trata-o pelo nome. A experiência, feita com Antónios e Manueis teve pleno êxito. O pacote, no momento em que é sujeito à pressão do dedo na serrilha, diz : és tu Tó? Não há assim quem resista ao primado da embalagem, tão meigo é o trato. A pesquisa avança agora para nomes mais complicados, tentando agora os cientistas do projecto “embalagem personificada falante” fazer qualquer coisa parecida com um Tamagochi??? Letrado e conseguir que os pacotes venham a dizer : És tu Vavaco ?– diminutivo de Cavaco.
Para mim a questão tem implicações mais complexas e tem tudo a ver com o apanhar no pacote, essa prática grega destinada aos efebos e que agora se generaliza aos países do sul, num perfeito ataque à dieta mediterrânica
( mais centrada no ir do que no apanhar, mas que fazer?), e ao pouco que lhes sobrava. Resta-nos, como país, o mercado negro, o espaço informal, a margem nacional, a interioridade desertificada como pátria.
E viva o galhetei...ro – estou neste momento a ser intimado a levantar os braços, a judiciária dos legumes e produtos naturais...
Uma palavra final ( aos berros já )- : lavem bem as mãos, ( mas não como Pilatos, pois esse é um lavar que emporcalha a alma ), isso evita o pacote. Em alternativa comprem umas mãos pré lavadas.
f.arom
4 comentários:
A Europa está muito preocupada com a nossa saúde. É o galheteiro, é o tabaco, são as vacas loucas, são as aguardentes caseiras, são as drogas leves...
Obrigado Europa!
...nós velaremos por ti!...
É sempre um prazer renovado ler uma boa prosa, como esta do f.arom
Mais uma vez parabéns.
Mais uma galheta da europa para nos colocar a discutir o sexo dos anjos,coisa de que somos exímios! Já viram algumas das chafaricas a que chamam restaurantes?!
Uma provocação bem escrita! Bem haja Farom
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