domingo, 12 de fevereiro de 2006

OPA VERDADEIRAMENTE HOSTIL

O Director da Biblioteca Nacional espuma de raiva e arranha-se no rosto, bacante traída em pleno quase orgasmo: Belmiro lança uma OPA Hostil contra a Biblioteca Nacional e esta adquirira no momento a mais preciosa edição do grande poema épico que nos canta num velho alfarrabista da Madragoa.
O velho e tranquilo pó que tem habitado os livros e o silêncio das reservas definitivamente entregues a um alvoroço nevrótico : que será deles, dos manuscritos matriciais, da língua, dos nossos sonhos retrospectivos, desse flash back recorrente que tanto amamos das Descobertas, do toque a vagas quase líquidas que se respira nos textos e de todo esse sal que chorámos e choramos, verdadeira flor lacrisalmejante e eterna?
O problema é este : A OPA ataca mesmo as Golden Share, isto é, toda aquela parte das reservas que incluem o Camilo menos conhecido, as primeiras edições dos Lusíadas e mesmo algum material cartográfico da Lisboa pré terramoto ( há dúvidas sobre se a Opa ataca também a Torre do Tombo. Seria o Tombo definitivo claro, o que não aconteceu à de Pisa, pois Pisa tem-se oposto à berlusconização galopante, uma variante da gripe, a das aves raras canoras. Diga-se em aparte que o cantor romântico mandou guilhotinar uma edição das completas de Goldoni após comprar a Einaudi, dado que o mercado não lhe atribuía valor.)
Em matéria de Camões a Opa Hostil roça os cem por cento – 100%.
O Belmiro palma tudo para ele. Também o Miranda, o Ribeiro, da Castro, o Judeu, o Garrett e a arca do Pessoa, vai tudo na mesma OPA - o Herberto parece estar por uma unha, há hesitações sobre o seu valor de mercado, é de leitura não linear segundo uma fonte autorizada da empresa e o empresário quer clareza, transparência, mais valias.
É uma nova Tróia a cair nas mão do seu império e todos dizem, de conluio com o filósofo nosso primeiro ( que aproveitou o fim de semana para desopilar na neve, mas agora usando apenas o binóculo de lentes escuras. Antes torcer o olho que o calcanhar).
Uma notícia preocupante entretanto expedida pela Lusa : a partir de agora a arca de Pessoa só abrirá os preciosos manuscritos a quem sonaefor, cartão electrónico de cliente fidelizado na lapela – tipo via verde - e shopping obrigatório todos os dimanches no Continente ( que passará a ter uma secção de manuscritos raros digitalizados com a patine do tempo e pó arcaico para remexer a dedo, ao vivo, hiper-real e em tamanho de pó claro).
Última hora : consta que inúmeros manuscritos resolveram atravessar o Atlântico a nado e pediram asilo à Academia Brasileira de Letras. O presidente Lula não fez declaração nenhuma ao cardume de jornalistas que o instou a comentar, manteve a boca fechada e lançou nuvens de tinta negra sobre o caso.
O Ex. Presidente Jorge Sampaio fechou-se entretanto em copas diz também a Lusa.
Hora póstuma : o Director da Biblioteca Nacional barricou-se na secção das reservas da vetusta instituição e ameaça fazer-se explodir com os Cocktails Molotoves de aguardente amarela de Reguengos atados à cintura, caso a Opa não deixe de ser hostil e não se assuma como uma OPA fraterna.
Do fundo da epopeia Camões agradece e destapa o olho acidentado na esperança de voltar a ver dos dois.

f.arom

4 comentários:

Anónimo disse...

Texto muito original e bem escrito.
Parabéns.

Anónimo disse...

Ó pá, quando anda meio mundo a falar em Opas, é caso para desconfiar se não haverá por aí uma Opa sobre a cultura. E lá aparecerá a ministra da cultura a defender o seu quinhão: Alto que é hostil! Pudera...

PS: texto giro, bem rematado com a esperança do Camões, que bem precisaria dos dois olhos: um para o burro e outro para o cigano.

Anónimo disse...

A OPA cultura há muito que se inciou em portugal, não ministra da cultura. Há uma senhora que habita o ministério mas nunca o representa, esta sempre em privado em todas as ocasiões!

Anónimo disse...

Salva-te Camões, Pessoa, Gil Vicente e tantos outros, é tempo de pedirem exilio num país civilizado! Suecia, Noruega, Dinamarca,...
Mas que diabo se passará nestas cabeças OPACAS!
Sempre aguçado e oportuno caro amigo!