
Começou hoje a retirada dos colonatos israelitas da Faixa de Gaza. Muitos tem sido os analistas que notam a curiosidade de ser Ariel Sharon, o estratega da invasão do Líbano e dos massacres de Sabra e Chatila, aliado histórico dos colonos e da extrema direita, a levar a cabo a empresa, cumprindo aquilo que a esquerda israelita nunca foi capaz de fazer. Pretendemos com este texto uma pequena análise, necessariamente com o seu quê de especulativa, sobre as reais motivações de Sharon. Já sabemos que não há almoços grátis, e muito menos para este velho falcão da direita pura e dura.
Em primeiro lugar, no plano da mera política interna, a estratégia de Sharon já conseguiu uma vitória histórica: a implosão total da esquerda israelita. A retirada de Gaza representa um happening simbólico que desarma a esquerda; afinal, o mesmo homem que simbolizava o inimigo interno é aquele que atinge um desígnio histórico nunca alcançado pelos progressistas israelitas. Este facto, aliado à explosiva situação demográfica israelita, com um número crescente de imigrantes do ex-bloco de leste, quase todos alinhados com a extrema-direita, lança a esquerda numa crise da qual não se espera que saia tão cedo.
Em segundo lugar, quanto à questão palestiniana, a jogada poderá ser de mestre. Primeiro, fora o simbolismo (que o há, sem dúvida), a retirada é sobretudo uma jogada estratégica: Gaza é o viveiro dos radicais, a zona mais problemática e mais cara de manter, e, sobretudo, nao tem nada: não tem água, electricidade, campos de cultivo, petróleo ou gás. É um deserto inóspito que custa os olhos da cara a Israel para proteger oito mil colonos (lembre-se: na mesma área habitam um milhão e quatrocentos mil palestinianos). Depois, poderá ser uma faca de dois gumes na mão de Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestiniana. Em Gaza, ao contrário da Cisjordânia, a Fatah (mais moderada) é politicamente suplantada pelo Hamas (extremista islâmico). Mais, o Hamas criou uma rede local que inclui escolas, hospitais, serviços e, em muitos lugares, o próprio controlo policial. Inevitavelmente, o Hamas surge como grande vencedor. Aos olhos da juventude palestiniana (cerca de 50% da população tem menos de 16 anos), foi a pressão dos bombistas suicidas e não a das negociações da AP a forçar a retirada. E não estão tão enganados como isso. No limite, Sharon poderá estar a forçar uma guerra civil entre os palestinianos (Hamas e Jihad contra a AP) em Gaza, enquanto continua a fragmentar a Cisjordânia, essa sim, um objectivo estratégico claro, ganhando o argumento legitimador de que Abbas é incapaz de controlar os radicais. Muito do que vai acontecer dependerá de facto do grau de evolução política das lideranças palestinianas, bem como do grau da sua consciência nacionalista.
Por útlimo, e face à comunidade internacional, a jogada de Sharon visa convencer o mundo, em particular a Europa, de que se está de facto a avançar no processo de paz. Parece de mestre, mas não nos esqueçamos que é uma fuga para a frente causada pela dinâmica da resistência palestiniana, e que, dependendo desta, poderá ser o princípio do fim da ocupação, ou a sua perpetuação por muitos e bons anos. A bola, essa, está agora do lado de Abbas e do Hamas.
1 comentário:
Um grande lider, um brilhante estratega... sera assim a memoria da futura historia? Assim o e para os antigos.
Nao conheco a realidade local. Creio que poucos tenham tido essa oportunidade. E um conflito complexo. A mim custa-me pensar na morte, na miseria, no sofrimento. Gostava que houvesse uma paz, tal como eu a sinto a minha volta. E essa foi conseguida com muitas guerras e muita injustica. E nem muito longe de mim, na minha propria cidade, no meu proprio pais, ha miseria, fome e sofrimento...
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