
'Casas de Ferro', João Paulo Borges Coelho
Ilustração de Ivone Ralha, para capa de livro
IBO AZUL
(...)
Para que o dia possa acabar, é necessário que a mulher dê por terminada a sua faina, lançando um derradeiro olhar em volta enquanto aperta, uma vez mais, o nó que lhe prende a capulana ao peito, e tende a desfazer-se. Ajustado ele, é então necessário que pegue no pequeno cesto entrançado com ambas as mãos de criança, para o pôr à cabeça e iniciar o regresso. E que o homem desapareça devagar na distância, ligeiramente curvado, em direcção à velha Fortaleza. Mas este último reluta, mastigando minutos salgados, desejando que em cada um deles caiba uma hora inteira. Fazendo com que ela, paciente, vá adiando os preparativos da partida, que são gestos íntimos, incompatíveis com outras presenças. Ficam pois assim os dois, enchendo-se cada um de seu modo pelo instante mágico em que a tarde se escoa com um furor silencioso; e em que a noite vai chegando para fechar por hoje o mundo. Ficam assim os dois, a mulher acabando o dia com demorados vagares, o homem começando a noite com pressas ansiosas.
Depois, a lua derrama a sua luz sobre as casas e as coisas. E o Ibo fica azul.
In 'Setentrião. Índicos Indícios I'
João Paulo Borges Coelho, historiador e escritor moçambicano
Editorial Caminho, 2005

Foto de Ivone Ralha
9 comentários:
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caros amigos
tenho aqui um link, ou líquene, como a gente gosta de dizer lá para as bandas do nosso blog, que é capaz de nos, agradar:
www.resistir.info
eh pa este livro so pode ser bom...as poucas linhas deixadas avançam intimidade e muita cumplicidade...o ibo tornando-se azul...mas o título só de si muito sugestivo...é mais um autor moçambicano a registar, pq não é só poesia, nem textos políticos, nem mornas, nem kizombas mas o registo de vivências. Espero que na primeira pessoa. Possam surgir mais sugestões. Fui
A Ilha do Ibo, em Moçambique é um lugar mágico, que juntamente com a ilha de Zanzibar, na Tanzânia, e algumas ilhas do Arquipelago de Lamu, no Quénia, fazem do Indico e principlamente do Canal de Moçambique, rumando a Norte, um oceano único no mundo, onde o Azul, é da cor do aroma das especiarias, que vagueiam entre as remanescências de um caldo de culturas, onde os portugueses materializaram essas fragâncias, com belas casas coloniais, ou fortificações, que hoje são momnumnetos nacionais desses paises. Só vendo, mas vivendo também, mesmo como viajante ou turista nestas ilhas , é que se pode sentir e perceber na sua pleinitude, a prosa do escritor moçambicano. Uma última palavra para Mombaça e ao Forte de Jesus, que apesar de não ser uma ilha, o Azul tem um aroma especial. Um Bem haja , para si , João Paulo
Um livro bem-vindo para quem leu um dos seus últimos (não me recordo do título, tenho memória-franganita). Tem por cenário a zona triangular interfronteiriça - Moçambique, Zâmbia e Zimbabwe - no cabo ocidental do Distrito de Tete. Por tempo, a longa invasão pela Renamo (leia-se poder branco)dos territórios da República de Moçambique reconhecidos pelo direito internacional.
A obra é incatalogável, caso contrário será algo como isto: é um romance-reportortagem, antropológico e sociológico, geopolítico e não sei quantos mais "icos"]
Sentem-se cheiros, muitos, diferentes; geme-se de terror e ouv-se o marulhar do Zambeze; vive-se numa realidade paralela à realidade.
Autor/obra constroem-nos a ponte!
Obrigado pela visita e palavras no ForEver PEMBA -http://foreverpemba.blogspot.com/.
E retribuo com uma lembrança-referência ao "Ibo antigo" que Vcs. despertaram com este oportuno "Ibo Azul"...
Sucesso para o vosso 2+2=5 já 'linkado' ao meu ForEver PEMBA.
Jaime Luis Gabão
gosto da fotografia, não desmerecendo ilustração e prosa, claro está
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