CONCLUSÃO: MODERNIDADE E PODER
No presente artigo vimos que a ideologia de modernidade defendida pela elite política dominante de Moçambique constitui um elemento crucial na estruturação das relações de poder social. Embora tenha assumido aspectos variados desde a independência do país, esta ideologia continua a ser uma forma simbólica de afirmação de legitimidade, proporcionando à elite um sentido coerente de unidade, na medida em que lhe permite monopolizar oportunidades dentro do Estado e da economia de mercado em expansão,bem como outras vantagens menos tangíveis. Através das suas oportunidades educacionais e culturais, e devido ao facto de serem, com frequência, fluentes em português e em inglês, estas elites têm a possibilidade de se «misturarem» mais facilmente com os estrangeiros que gerem as empresas multinacionais e as organizações da comunidade internacional. Através da análise desta ideologia e do seu desenvolvimento histórico, espero ter de monstrado as ligações existentes entre o poder e um tipo muito particular de ideologia de modernidade, contribuindo assim para o debate sobre o papel da modernidade no contexto africano.
A modernidade tem sido, para a antropologia africanista, um conceito muito debatido, mas frequentemente vago. As antigas certezas de uma trajectória linear ao longo de uma sequência de estádios de desenvolvimento — com o resultado final de o mundo se tornar mais semelhante ao «nosso», o do Ocidente «moderno» — têm sido justamente atacadas pelo seu etnocentrismo subjacente (Asad, 1973; Moore e Sanders, 2001). Muitos antropólogos fizeram notar que certos traços e crenças supostamente pré-modernos, como a feitiçaria ou a importância das identidades étnicas, são, na verdade, respostas muito subtis a determinadas condições específicas (Comaroff e Comaroff, 1993; Geschiere, 1997; Moore e Sanders, ibid.). Alguns analistas chegaram ao ponto de afirmar que o desenvolvimento pós-colonial em África aponta parauma «retradicionalização», que conduzirá a uma forma de modernidade especificamente africana baseada, em parte, na etnicidade, na feitiçaria e no clientelismo (Chabal e Daloz, 1999).
Embora estes estudos tenham demonstrado a inadequação das simplificações da visão de Rostow da inevitabilidade dos processos teleológicos de modernização, alguns estudiosos têm mais recentemente perguntado se o interesse académico pela modernidade não terá obscurecido, mais do que elucidado, o assunto. De acordo com Cooper, o problema é que o termo «modernidade» é utilizado como uma moldura temporal (englobando diferentes períodos), uma posição ideológica, uma apreciação crítica, um conceito popular e uma categoria analítica (2005, pp. 113-114). Assim, determinados processos complexos observados no terreno são frequentemente apresentados como uma forma de modernidade à qual o próprio analista está ideologicamente associado.
Como referi no início deste artigo, Ferguson logrou evitar este problema ao concentrar-se na modernidade enquanto categoria especificamente «nativa» (1999, 2002 e 2006). Segundo este autor, a ideia de uma modernidade alternativa ou especificamente africana baseada na feitiçaria encheria de horror os seus informadores, bem como as pessoas que eu próprio conheço em Moçambique. Pelo contrário, uma ideia de modernidade universal constitui uma expectativa justa e uma afirmação de igualdade em relação ao mundo mais vasto: também os africanos deveriam poder beneficiar dos frutos da economia supostamente global. Existem muitas semelhanças entre a análise de Ferguson e a realidade que observei em Maputo. Poderíamos argumentar que a nação independente de Moçambique é uma criação da ideologia de modernidade da FRELIMO (Bertelsen, 2004; Minter, 1996), ou, como argumentaram alguns críticos da FRELIMO, como Cahen, que a elite do partido se vê a si própria como a nação e tenta remodelar o resto da população à sua imagem mediante um processo de opressão uniformizadora (1992 e 1993). Embora Cahen esteja certo em muitos aspectos, parece existir uma visão mais ampla da nação, ao menos para alguns, o que permite aopartido utilizar o seu papel enquanto criador dessa visão para fazer uma forte afirmação de legitimidade moral. Contudo, a ideologia de modernidade da elite é também uma afirmação de diferenciação e de desigualdade social. A asserção de que, dentro da nação, alguns são mais modernos do que outros constitui também a base da hierarquia social, particularmente em Maputo. Cahen está correcto quando identifica os aspectos opressivos desta versão de uma ideologia de modernidade; porém, é também certo que estaideologia cria desigualdade e uma base social porque a população mais alargada responde a pelo menos alguns aspectos dessa visão. Para compreendermos de que modo as ideologias de modernidade ajudam a moldar as estruturas de domínio temos de nos concentrar no facto de que existem diversos modelos «nativos» ou populares dentro de um contexto social e de estudar o modo como esses modelos interagem e divergem. E temos de compreender também que tais modelos são condicionados pelos acontecimentos correntes e sofrem alterações ao longo do tempo. As mudanças do clima político em Moçambique, tal como a eleição de um presidente mais nacionalista em 2005, parecem apontar para o início de uma nova fase dovelho modelo da FRELIMO. O desabafo de uma pessoa amiga, que é também membro da FRELIMO, talvez nos dê uma indicação desta mudança: «Começo a pensar que a democracia é inimiga do desenvolvimento.» Estas Ideologias de modernidade da elite moçambicana palavras talvez sugiram que o liberalismo começa a esmorecer enquanto epítome actual da modernidade e que uma nova forma se encontra já em desenvolvimento.
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