sábado, 14 de abril de 2007

Sem querer moralizar...

Hoje saí. E quando emprego esta expressão refiro-me ao facto de andar nos transportes públicos, ouvir do que as pessoas falam, observar. Em termos de teatro chamo a isto 'fazer laboratório'.
A meio da tarde entro numa estação da Fertagus algures entre Coina e Roma-Areeiro. A máquina dos bilhetes não funciona; a bilheteira, que serve para tudo, menos para vender bilhetes de forma a que eu possa entrar no comboio que está a menos de oito minutos de chegar à estação, essa bilheteira apresenta uma fila considerável. Atento ao relógio (preciso de estar em Lisboa às 17 horas), reparo num casal munido da respectiva filha. Aguardam a sua vez na fila. São poucos os que pretendem um bilhete, todos eles vêm munidos de papéis e fotografias e imensas questões para pôr aos senhores que se sentam do outro lado do balcão. E os senhores do balcão lá vão fazendo escorrer o tempo, de - va - ga -ri - nho.
Enquanto no relógio o tempo se consome, assisto a explicações e a explicações acerca das explicações. Concluo, inquieto, que o simplex não chegou à Fertagus. E, desesperado, começado a pensar que o simplex é uma miragem.
Para cúmulo, constato que o casal, que até aí se mantivera unido, no momento em que lhe é concedido o acesso à bilheteira, se desmembra: ela, mais a filha vão para o balcão da direita e ele, só e munido do papel e das fotos, dirige-se para o balcão da esquerda.
É triste ver "claramente visto" (como diria o nosso Camões...) o fim tão inesperado de uma união de facto. Na hora de aceder à bilheteira assumem que se casaram com separação da dita.
A filha do casal, essa, julgando-se livre de quaisquer tutelas, não descansou enquanto não alapou o cu no balcão da bilheteira. À puridade se diga que o pai (no balcão da esquerda...) de imediato se desligou daquilo que lhe explicava o bilheteiro e veio admoestar o rebento (o que só lhe poderá vir a render créditos quando, em Tribunal, se discutir a regulação do poder paternal...). A mãe da criança (uma tamanhona vestida de fato de treino) esboçou um gesto, mas nada mais que isso, e prosseguiu a sua alegre conversa com o senhor da bilheteira (a da direita) indiferente a todos os outros; a todos aqueles que, como eu, não tiraram a tarde para ir, em família, a uma bilheteira conversar com os senhores que vendem os bilhetes.

Por acaso, só por mero acaso, consegui entrar no comboio e, assim, honrar os meus compromissos. Só esse facto me permite escrever assim. Quanto às conversas a que esperava assistir não me interessaram, nem são dignas de registo.
Já ninguém fala de Sócrates...

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