A inevitabilidade é o sem-abrigo. A inevitabilidade é o desespero, a fome, a morte. A inevitabilidade é a guerra.
Conversava eu ontem com um homem que pedia de mão estendida na rua. Intrigou-me, pela ausência dos sinais distintivos que definem e estereotípo recente desses homens. Tinha a barba feita, relativamente bem vestido e bem alimentado.
Pede na rua porque foi despedido de um trabalho de 30 anos numa fábrica que fechou em Marvila; o subsidio de desemprego terminou, e não consegue, com os seus 49 anos, qualquer tipo de trabalho. O Rendimento Mínimo dá-lhe quase para a renda e as contas; e faz questão de as manter, porque quer manter um mínimo de dignidade na sua vida. Mas admite que um destes dias não chegue; diz-me que, se isso acontecer, não vai para a rua, porque quer manter um mínimo de dignidade na sua vida. Ou seja, prefere acabar com ela, em vez de viver sem dignidade.
Isto pode parecer uma chachada neo-realista, mas que se foda. Estes são os homens, aqui tão próximos, que são sacrificados por esta inevitabilidade, o "melhor dos mundos possíveis". O pensamento macro-económico é confortável a gente com bons ordenados, do lado certo da vida, não custa nada pensar e dizer e escrever que se tal fábrica fecha aqui há-de abrir outra na Roménia, e que se uns gajos são fodidos outros hão-de prosperar, e que é mesmo assim, a lógica inexorável da vida.
Pois eu, mesmo sem ter de ir mais longe, aos milhões de fodidos por esse mundo fora, faço questão de mandar essa gentinha da inevitabilidade toda à merda. Em nome desse homem, e dos outros todos, serão sempre os meus inimigos.
4 comentários:
Os economistas actuais, sobretudo os que são premiados com o Nobel, são uns autênticos pândegos que nunca saíram do campus universitário (um campus que ainda por cima teve o azar de não ter sido visitado por um aluno zangado e armado). A realidade económica, ou qualquer outra realidade, aprende-se de barriga vazia e nas ruas. Os livros não ensinam nada, excepto a folhear.
André!! Subscrevo-te completamente!!
O peso do céu como telhado é insustentável, bem como a dor da fome!!
Os chefes de tudo, não sentem isso quando arrumam as chinelas ao anoitecer?
gabriela ludovice
A mim pessoalmente entristece-me a utilização do «tag» liberal como um eufemismo para os defensores de capitalismo de casino.
É uma traição à palavra Liberal. O Liberalismo como eu a entendo, é uma área política do mundo ocidental que esteve sempre e continuará na vanguarda do welfare state, de um capitalismo domesticado, e de uma economia de mercado misto.
Caro Filipe:
É por isso que "liberais" está entre aspas.
Embora eu não me considere um liberal, sei distinguir entre liberais como por ex. os do Movimento Liberal Social, e "liberais" que não passam de direitistas reciclados no ultraliberalismo selvagem na economia e beato nos costumes.
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