sábado, 16 de setembro de 2006

Pax Sínica

Quem demandar o Xinjiang, a região/província autónoma dos muçulmanos na República Popular da China, mesmo que apenas sugestionado pela antropologia popular lusitana, uma receita de ignorância transversal e ‘diacrónica’, segundo a qual “lá, as chinesas têm olhos azuis”, constatará que está mudado, muito mudado, o ‘velho’ Turquestão Oriental. Ao abrigo do movimento de compensação dos desequilíbrios entre as províncias litorais e o interior, designado por, em tradução livre, “Go West”, a capital muçulmana, Urumqi, é hoje uma cidade ‘han’. Ou seja, grosso contado, 80 por cento dos residentes são de etnia chinesa, 20 por cento são urgires.
Por onde andam os ‘locais’? Por aí, pela vastidão e pela imperecível Kashgar da Rota da Seda (a mesma percentagem, no inverso). Note-se, todavia, que os crentes do Islão na China não estão acantonados no Xinjiang, pois, encontramo-los residualmente em outras áreas, como em Xian. Mostrado o ‘postal’, vamos ao que interessa.
Numa primeira fase, Pequim limitou os custos da integração desta região na República Popular a uma pequena operação de ‘mercearia’: o Governo Central mantinha a distância das cousas próprias do Islão, e, como contrapartida, os uigures não questionavam a soberania e dispensavam os mais remotos dos espaços vazios para a experimentação nuclear e espacial. Então, denominava-se Sinkiang e os conflitos eram querelas.
Com o colapso do império soviético da Ásia Central, o vírus ‘político’ das novas repúblicas independentes passou a fronteira da RPC e tomou a forma das frentes de autodeterminação uigur. Os conflitos subiram de patamar e multiplicaram-se as acções de contestação e correspondentes medidas de contenção, assumidas por ambas as partes na mais deliciosa ambivalência oriental. Os uigures reclamavam-se de um quadro de legitimidade “freedom fighter”, refutando quaisquer ligações ao fundamentalismo islâmico, e Pequim, não obstante o desenho da violência que enfrentava, negava combater o terrorismo ou terroristas. Tão só, um vago separatismo.
Exemplo desta linha de appeasement, recordar-se-á que os talibã bombardearam em desafio, ou convite, os Budas de Bamyan. Pequim, ‘adivinhando’ o que se seguiria, ofereceu-se para reconstruir/refazer aquela jóia do património mundial da Unesco, augurando, crê-se, que uns budas reerguidos de fresco seriam suficientes para manter o status quo. Não foi.
E veio, mesmo, o que a China suspeitava: Bin Laden atacou o coração do inimigo principal ou Grande Satã. Imediata e pouco discretamente, Pequim fez o upgrade dos grupos separatistas para “terroristas” e, desde então, tem actuado em conformidade. Porém, a estratégia chinesa não se esgota nesta linearidade. Pequim teve artes de, complementando o apoio tácito a Washington, activar um SCO (Shanghai Cooperation Organization), reunindo a Rússia e as suas antigas repúblicas- Cazaquistão, Turquemenistão, Quirguízia, Uzbequistão e Tajiquistão, os países da linha da frente, que acolheram bases militares ou outros apoios logísticos, na ofensiva americana no Afeganistão. O Irão quis juntar-se mas a sua pretensão foi rejeitada.
A organização de cooperação de Xangai, que este mês reúne- outro upgrade- na capital, Pequim, é, pois, uma forma de a China dizer aos EUA que está a jogo. Se o jogo for uma reedição do Great Game do século XIX, quando a Inglaterra e a Rússia Imperial disputavam exactamente os mesmos territórios. Deve ler-se “Foreign Devils on the Silk Road”, de Peter Hopkirk.

JSP no Império do Meio

9 comentários:

Anónimo disse...

O up-grade combina-se com a contencao(appeasement)? O artigo de JSP envolve-se nas grandes questoes da hora: o combate assimétrico mas crescente, entre os EUA e a China, mesmo com a involuntária presenca de segundos e outros parceiros. Sobre a adesao do Irao ao Shangai Cooperation Organization - nao vi referências na Imprensa mundial- o que se sabe é que o PR iraniano se deslocou a Havana agora. E o SCO - uma estrutura trans-regional para partilhar sobretudo matérias-primas- e fazer com isso política-
nao pode iludir ou menosprezar o impacto geoestratégico do Irao, a todos os niveis, e agora mais do que nunca, pois, irá associar... as suas fabulosas reservas petrolíferas com as do vizinho Iraque, onde os chiitas sao maioritários e se aproximam velozmente da conquista do poder absoluto. Tudo isto sao questoes maiores com inúmeras implicacoes e dependentes de factores variáveis dia-a-dia, o que se chama vulgarmente de instabilidade estrutural... e estruturante.FAR

Anónimo disse...

Muito bom "Zhun Guo".

Anónimo disse...

De up grade em up grade, até à "solução final" à chinesa, para a "questão muçulmana". Os chinocas não bricam em serviço, e têm um curriculum invejável a resolver assuntos delicados, sem grande interferência do mundo. O Bush dorme de certeza mais descansado. Os melhores clientes são sempre os mais bem protegidos pelos fornecedores. Nada de perturbações e folclores desnessários. Cubas & Cia, não têm dinheiro para mandar cantar um cego. Mercados de caca para a avalanche de produtos manufacturados pela China e Índia.

Anónimo disse...

Nao mister anónimo. Você está errado duplamente. Os EUA importam cada vez mais da China. Vivem mesmo disso, e cada vez mais, como diz o Paul Krugman. Poupem-nos as v. brejeirices e idiotias, misteres anónimos. Please. Todas estas questoes nos preocupam tanto. Tomara eu ler ainda mais, ou arranjar quem- no MIT, em Harvard ou Yale- me resumisse, os livros, as revistas e as teses, que, aos milhares, saem periodicamente sobre este momentoso drama em gente: o crescente braco-de-ferro sino/americano-USA. Quem nao percebe isto, nem anónimo pode ser. É um relapso ignorante que nos faz perder tempo. FAR

Anónimo disse...

Mister FAR, lamento dizer-lhe algo que não acredito, mas é o que parece.Não sabe ler depois de tantas colagens do NYTimes, do Canard, etc. China fornecedor, EUA cliente. China exporta, EUA importa. Fornecedor protege cliente. É assim desde dos tempos da guerra ao soco. FAR, você distorce. Não se perca em detalhes do "anônimo". Veja a floresta e não a árvore.

Anónimo disse...

A China exporta para os EUA,ponto um. Com os lucros da exportacao e as mais-valias dos investimentos estrangeiros nas zonas francas, os capitalistas privados e os estatais compram bonus do Tesouro americano, o que cria a almofada de (in)seguranca da economia norte-americana, que se desfez de grande parte da industria manufactureira na ultima decada. Isto so um relapso e mal intencionado ignorante o nao sabe. E eu sei muito, como esta mais que provado,como diria o Jorge de Sena. O Monde leio-o ha mais de 35 anos, o Libe. idem, o NY Times e o NYTRB, pelo menos ha dez e agora quotidianamente. Livros: so falo do que sei, Krugmam, Stiglitz, Cohen, Fitoussi and so on. E mesmo assim, esta sempre tudo por fazer. FAR

Anónimo disse...

Pelos vistos, no que toca a quem compra e vende estamos entendidos. É um começo. Consequências para os EUA ? É outro número de obra, é outra conversa muito mais complexa, mas a China neste contexto também corre riscos muito grandes. Se a China fosse uma democracia como a India, a conversa também seria outra. Pano para mangas. Se o caro postador quiser um dia avançar com um post sobre este tema, cá estarei para o comentar.

Anónimo disse...

Afinal era o calor do debate que impedia o Mister AnŽonimo de ler, objectivamente, o que eu tinha escrito.E que ia de encontro aquilo que queria tambem dizer. Quem e que se esgana hoje em dia com questoes teoricas?!? So o MM Carrilho, meu amigo de adolescencia com quem me zanguei no pos 25 de Abril, ele que ja era casado mas gostava muito da " nossa " Melie", a passionaria sado-masoquista do soutien e dos cursos de Deleuze e Foucault em Paris. Ela faltava era aos do Lacan, va-se la saber porque. ( Nao posso por acentos: o PC e do estado regional...).
A India exporta ja melhores mercadorias- chips e acos de alta densidade- para os EUA. Ao contrario dos brinquedos, sapatos bexerucos e aderecos pirosos dos chineses. Li no NYT. E quem le o NYT uma alma nova lhe nasce, todos os dias. A confianca e panavision que instila, e reconfortante e altamente estimulante.

A proposito, o Le Monde carrancou muito bem nesta rentree. Sera por causa da grave crise que pode ser fatal para o Libe? Ou o Colombani - agora rei e desposta unico- puxou pelos galoes e resolveu partir para uma de grande qualidade. Ainda bem.

O Emammnuel Todd escreveu um artigo sobre a Corrida para as Presidenciais Francesas, salvo erro no Parisien, o concorrente tipo CManha do Libe, o sofisticado matutino em vias de ser enforcado por um herdeiro dos Rotschild. Nesse artigo, segundo ouvi relato- ja nao o pude gravar ou comprar- Todd, o grande contestario do Imperio USA sublinhava que todos os candidatos eram maus... mesmo a Segolene.

Estou sem ligacao `a Internete, desde Domingo. Vamos ver como resolvo a questao.

Arriverdeci. E bom vento: o Deleuze sonhava em viver num barco todo o ano. Mas acabou por se atirar da janela em Clichy... FAR

Anónimo disse...

Anonymous said... Anonymous said... Anonymous said... Anonymous said... TENHAM NOME!
Jose S.