Olá!
“Angola USA”. É um título giro para uma grande reportagem fotográfica ou um documentário de televisão. Infelizmente não tenho “massa” nem financiadores para isso. Os angolanos – que têm muita “massa” e seriam em teoria os mais interessados – herdaram dos portugueses a atitude de “quero lá saber” pelo que a perspectiva de fazer a tal reportagem ou documentário é presentemente tão grande como a possibilidade dos EUA deixarem de ser a potência mundial no próximo século.
Mas deixem-me explicar-vos de onde me surgiu a ideia.
Há alguns anos atrás, acabadinho de chegar aqui aos “states” fui ao pequeno estado de Delaware fascinado com o facto de uma cidade à beira mar ter exactamente o mesmo nome que uma cidade na Namíbia – Rehoboth. Nada de extraordinário nessa coincidência. Coisas dos holandeses que talvez devido à falta de imaginação repetiam nomes pelo seu vasto império e neste caso nem sequer fizeram aquilo que todos os colonos, incluindo eles próprios, os tugas e os bifes faziam na generalidade ou seja acrescentar a palavra “nova” ao nome de todas cidades.
Nova Lisboa, Nova Iorque, Nova Hampshire, Nova Amesterdão, são assim provas da capacidade criativa assustadora dos colonos em termos de nomenclatura. Mas isso é outra questão.
O importante aqui é que ao ir para Rehoboth deparei com um grande sinal que dizia “Angola Farm”.
Tenho a admitir que ao ver o sinal a primeira reacção que tive foi a de inveja. “Sacana do retornado comprou uma machamba aqui na América e está rico,” foi o que pensei.
Santa ignorância! Alguns meses depois tive que fazer uma notícia sobre uma execução de um criminoso qualquer que se ia realizar no Luisiana e deparei com o nome de Angola. É o nome da maior prisão desse estado e onde são executados os condenados à morte da Luisiana. (Angola e morte… estamos juntos! diriam alguns)
Telefonei à prisão para saber de onde vinha o nome e de lá disseram-me que era o nome de uma plantação. O subchefe lá da prisão (vejam lá!) sugeriu que eu telefonasse à Universidade da Luisiana e pedisse para falar para o Departamento de História. O que fiz. E que me levou a manter uma interessante conversa com um professor que me explicou que nos tempos da escravatura os donos das plantações tinham como hábito dividir os escravos em grupos. Para a brancalhada proprietária aparentemente só havia dois grupos de escravos: Os “angolas” e o resto. Portanto as plantações onde trabalhavam os “angolas” ficaram conhecidas como Angola. Daí a tal Angola no Luisiana, a Angola Farm no Delaware. Aparentemente há mais antigas plantações “Angola” espalhadas pelo sul. No estado da Virgínia houve uma plantação Angola que pertenceu inicialmente a um tal Anthony Johnson que era na verdade “António, o Negro” que foi libertado pelo seu patrão um tal Johnson. O António adoptou o nome do patrão, e comprou terra que chamou de “Angola”. Mais tarde foi para o estado de Maryland onde iniciou o cultivo numa propriedade chamada… Angola. Há também Angola no estado de Nova Iorque (missionários que trabalhavam com os escravos ou em Angola deram-lhe o nome) e Angola no estado do Indiana (Uns tipos que “emigraram” de Angola em Nova Iorque para o Indiana deram-lhe o mesmo nome. Deviam ser holandeses porque se esqueceram de acrescentar a palavra “nova”).
Antes de avançar mais tenho que fazer um parêntesis para vos contar que há alguns anos atrás um jornalista de Lisboa acordou-me muito cedo, muito excitado, para eu lhe dar mais pormenores sobre um “documentário sobre Angola” que tinha acabado de ser nomeado para um Oscar. Para sua desilusão tive que lhe dizer que o documentário era sobre Angola no Luisiana. Tive que depois que lhe explicar que não era palavra trazida por um retornado.
Mas estas Angolas no Luisiana e em Delaware despertaram-me o interesse. E aprendi muito. Vocês sabem por exemplo que as estimativas são que 40% de todos os escravos que aqui chegaram vieram de Angola? Sabem por exemplo que os primeiros africanos a chegar ao que é hoje os Estados Unidos vieram de Angola? Uma delas chamava-se Ângela. Está registada nos arquivos de Jamestown no estado da Virgínia. Teve sorte. Trabalhou como serviçal doméstica para um capitão inglês e sua excelentíssima esposa.
Sabem que os primeiros escravos a serem levados para a cidade de Nova Iorque eram todos eles sem qualquer excepção de Angola? Um dos primeiros foi “Groot Manuel”, ou Grande (em Holandês) Manuel. Outros foram Paulo Angolo, Little Manuel, Manuel de Reus, Anthony Portuguese, Garcia São Tome, Susana d’Angola, Samuel Angola, Emmanuel van Angola, Andries van Angola. Tudo bem documentado. Visto com os meus próprios olhos num museu em Nova Iorque.
E mais: Sabem por exemplo que a Carolina do Sul foi o estado que mais angolanos recebeu? E que há historiadores americanos que pensam que os angolanos foram aqueles que mais influência deixaram entre a população negra americana que contudo pensa que vieram todos do Senegal ou da Nigéria? (alguns pensam que os escravos vieram todos da África do Sul por causa do apartheid e ficam muito chateados quando se lhes diz que dali não veio nem um e que portanto não podem ser família do Nelson Mandela).
Sabem que no dia 9 de Setembro faz 267 anos que se iniciou a maior revolta de escravos dos Estados Unidos liderada por um angolano de nome Jemmy? Foi na Carolina do Sul e os escravos mataram uma série de proprietários brancos a caminho da Florida onde esperavam encontrar a liberdade. Começou por ser um pequeno grupo de 20 angolanos que depois cresceu rapidamente para mais de 100. Mataram também crianças brancas, só porque eram brancas. Acontece neste tipo de guerras. Foram apanhados e os líderes tiveram as cabeças decepadas e colocadas em estacas para servir de aviso a outros escravos. Acontece neste tipo de guerras.
Índios foram contratados pelos brancos para os apanharem e outros negros que se recusaram a juntar aos revoltosos foram mais tarde recompensados.
Enfim tudo fascinante. Creio que dá um excelente documentário ou reportagem fotográfica. Angola USA.
Se souberem de algum financiador digam-me. Agucem-lhe o apetite com outra reportagem deliciosa: “Lisbon USA”. É verdade. Há muitas Lisbons aqui nos states. Um dia falo-vos sobre isso.
Para já um abraço,
Aqui da Capital do Império.
Jota Esse Erre
11 comentários:
Fascinante. Adorei. Espero pela próxima reportagem.
Se eu pudesse ser um bom financiador, eu o seria...
Bem prof. adorei ler cada palavra desta reportagem, aguardo pela próxima...
Abraço fraterno
É sempre um prazer ler a tua prosa.
Os textos de JSR passam em todo o seu esplendor e a caravana tem que se penitenciar pelo escárnio que lhe deitou ignominosamente no passado recente. No passaran. Avanti JSR. FAR
Errata: Escreve-se ignominiosamente. Fica feita a correccao, dác? FAR
Aprender eleva a alma e dá razão ao existir. Obrigado
José S.
Gostei1, mmasn, Confesso que de1sta vez me supreendeste. Um abraço. LL
já agora, para quando a outra versao de uma celebre entrada em Kampala? Já lá vão 27 anos e a curiosidade mantem-se intacta. Um abraço. LL
Em nome dos camaradas da Rádio, a quem a tua prosa orgulha e honra, um abraço de agradecimento pela constância desta tua participação. Saudações revolucionárias. A luta continua.
Gostei muito do que li, senhor JSR. É a primeira vez qe passo no blog, e juro que fiquei cheio de vontade de repassar o conteudo da sua postagem e os devidos créditos para os semanário privados angolanos. Pode ser que um deles o publicasse.
A ideia do documentário USA-Angola é boa. Ainda que seja mais um, porque ainda que sem saber precisar, eu já vi alguns nos canais parabólicos da vida.
Se inicialmente a maior parte dos negros terá ido de Angola isso não quer dizer que posteriormente não tenham ido negros de outras zonas africanas.
Se repararmos bem a Venus Williams é morfologicamente uma malanjina, é verdade.
É sempre interessante ler este tipo de relato histórico.
Obrigado,
Toque
Luanda-Angola
http://neblinametal.blogspot.com
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