Olá,
Weehawken. Hoboken. Mahwah. Hohokus. Poughkeepsie. Kayaderosseras.
São tudo nomes índios que eu anotei no meu livrinho de notas durante uma recente viagem a caminho do Canadá pela costa leste dos Estados Unidos.
Índios por estas bandas há agora muito poucos mas ao contrário do que acontece noutras partes do mundo aqui grupos étnicos nunca desaparecem. São transformados em helicópteros ou carros.
Assim temos os helicópteros Kiowa, Apache, Chinook e Cheyenne, tudo ao serviço das forças armadas americanas.
Os fabricantes de carros também gostam dos índios. Temos o Jeep Cherokee, o jeep Comanche. Há também veículos com nomes de chefes índios como por exemplo Pontiac ou o Sequoia. O que me leva a concluir que se o Ruanda fosse um estado americano hoje haveria de certeza um Helicóptero Hutu ou pelo menos um Jeep Kigali.
Há que dizer contudo que não são só os fabricantes de helicópteros e carros que gostam de nomes índios. Uma amiga disse-me que algures no estado de Nova Iorque deparou com um Motel Apache. Na recepção havia um pele vermelha, só que o seu nome não era “Grande Chefe que Dá Abrigo aos Caras Pálidas” mas sim … Patel. De onde eu venho os Pateles eram todos donos de lojas de fruta ou outro comércio mas não sei lá porque razão aqui nos States os imigrantes vindos da Índia gostam de comprar motéis e estações de gasolina e este Patel gostou do Motel Apache.
Antes de continuar quero-vos explicar de onde vem o nome Apache. É uma palavra da língua Zuni (outra tribo índia) que significa “inimigo”. Aqui, tal como em outras partes do mundo, a brancalhada fez uma confusão total com as línguas e nomes e quando perguntaram aos Zuni “quem vive ali” os Zuni responderam … “Apache”. E tinham razão como a história o provou!!!
Isto para já não falar dos Cherokees o nome menos amoroso dado pelos Choctaw a essa tribo. Cherokee significa “Pessoa que vive nas cavernas” ou seja …. troglodita. Não foi uma boa apresentação mas a malta não compreendeu!
A brancalhada fez também confusão com os Mohawk ( mohicanos) palavra que significa “canibal” na língua dos Adirondack., a tribo que habitava a região do estado de Nova Iorque e que detestavam os Mohawk. (Não sei o que aconteceu aos Adirondack mas quando fui a Nova Iorque não vi nenhum. O mistério intensifica-se pois não há também nenhum carro ou helicóptero Adirondack e também não constam das estatítiscas actuais. Há uma cadeia de montanhas com esse nome o que demonstra que na extinção tal como na vida não somos todos iguais. Nem todos os índios podem ser carros ou helicópteros. Alguns só servem para nome de montanhas.)
Mas enfim. Isso são três exemplos das relações amorosas que existiam entre as tribos dos selvagens inocentes que viviam em comunhão total com a natureza antes da chegadas das hordas assassinas da brancalhada que vieram causar o aquecimento global.
Agora as tribos índias lutam entre si em tribunais não por búfalos mas para estabelecerem casinos nas suas reservas. Como são “nações soberanas” o governo federal não pode impedir a construção de casinos e não lhes pode cobrar impostos. Os Seminoles descobriram isso em 1979 e em 1988 isso foi confirmado pelo Congresso. Algumas dessas tribos fazem hoje mais massa no jogo do que quando caçavam búfalos na pradaria e tal como nessa época não gostam da concorrência.
As tribos índias são pequenas (os Kiowa nao chegam a 10.000, os Cheyenes pouco mais de 11.500) os Apaches (cerca de 50.000) pelo que ser-se índio hoje pode ser a garantia de um cheque anual chorudo proveniente do casino. Pelo que há agora protestos que a palavra “índio” está a ser manipulada para criar novas tribos que depois formam “federações” com outras tribos minúsculas. Isto leva a que haja um interesse desmedido de pessoas que testam o seu ADN para provar que têm sangue índio e têm assim direito a uma fatia dos rendimentos de 22 mil e 700 milhões de dólares anuais dessa indústria de jogo nas reservas índias. Até já há uma “Associação Nacional do Jogo Índio” que representa “184 nações índias” muito mais do que as reconhecidas pelo governo federal espalhadas por 557 reservas 33% das quais tem casinos.
O que me leva a falar-vos do Museu Nacional do Índio Americano que abriu há dois anos atrás, ali perto do Congresso, a um quarteirão de distância dos dois excelentes (e à borla) museus de arte que existem aqui na Capital do Império.
Não que o museu tenha um casino. Mas eu, como muitos de vocês, cresci enamorado com nomes como Navajo, Nevada, Dakota (outro erro da brancalhada que confundiu Lakota com Dakota e daí o nome), Buffalo Bill, Kit Karson, Touro Sentado, Cavalo Louco e outros e portanto gostaria de ter visto um museu com história, com perspectiva de história.
Vi logo à entrada do bonito edifício que com a sua cúpula em círculo me fez lembrar o Museu Gaugenheim em Nova Iorque que não seria esse o caso. Uma canoa dos “natives” do Hawai (aparentemente também são classificados índios mas não sei se isso é para terem direito a casino) tinha a seguinte legenda: “He wa’a Hawaii, no na mak ahiki he kini a len i hala”. Isto obviamente para fazer os “natives” do Hawai sentirem-se orgulhosos da sua língua que ninguém percebe. Uma turista de língua espanhola olhou para a legenda e perguntou ao companheiro: “Eso es ingles?”
(Para compreender a legenda tem que se ir atrás da legenda para ler a versão em inglês. Bem feito! Agora jà sei como é que os “natives” se sentiam quando a gente lhes falava em língua opressora.)
Prova inicial de que este museu cai na nova moda da vitimologia que aflige o mundo, caindo na tentação de criar moralidade de todas as exibições, de transformar as exibições e museus em agências de terapia colectiva ou no mínimo numa sessão de terapia, transformando a dor da história em banalidade da psicologia pop.
As diversas tribos são apresentadas com lemas como “honrar o passado, preservar o futuro” (no local reservado à tribo Mashantucket Pequot); outra tribo tinha o lema “honestidade, amor coragem”; outra o lema “verdade, humildade e respeito”. Comecei a recear que quando começassem a referir-se à brancalhada isso fosse feito com o lema “Deus, Pátria e Família” mas para meu alívio isso não aconteceu. Aprendi contudo que durante “150 anos os barcos europeus trouxeram micróbios que devastaram as populações índias” e que “talvez 20 milhões de índios morreram como resultado directo do contacto”. Xissa! A brancalhada só faz merda cum caraças! Há no entanto que dizer que para não fazer a brancalhada sentir-se mal de todo o museu afirma que esta “tragédia… não foi intencional e (foi mesmo) inevitável”. Uf que alívio porque eu estava quase a cometer suicídio tal era o sentimento de culpa que sentia.
Sei que vocês que leram os livros do Kit Karson e viram o Audy Murphy nos filmes do Oeste querem saber se no museu se explica como é que os Sioux (o seu verdadeiro nome é Lakota; Sioux significa cascável o nome dado aos Lakota pelos Huron) escalpavam os seus inimigos ou como é que metiam paus aguçados pelos ouvidos dos traidores, ou formigas nos olhos regados com mel mas isso aparentemente só nos livros e filmes de coboiadas. Os Cascáveis eram todos gente boa e nobre como se sabe pelo Touro Sentado..
O que me recorda uma viagem que fiz há uns dois anos atrás pela reserva dos Navajos que tem 70.000 Quilómetros quadrados e estende-se pelo Arizona, Utah e Novo México. É uma paisagem de deserto encarnado com montanhas rochosas de uma beleza diferente e rara que não se deve perder. É pobre. Vêm-se pequenos ajuntamentos de algumas tendas índias misturadas com caravanas velhas e carros a cair de podre.
Na auto-estrada 40 numa enorme extensão de distâncias e horizontes sem fim a certa altura vi um sinal à beira da estrada com letras pintadas a branco em que se dizia: “Índios bons à sua frente”. (Good Indians ahead) Umas centenas de metros à frente uma pequena loja. Continuei. Umas centenas de metros mais frente um outro sinal. “ Ops. Já nos passou” (Oops. You missed us”). Tive que voltar atrás ! E lá falei com o Navajo e sua mulher com nomes que não me recordo mas que eram nomes anglófonos como Tom e Liza e que tem um bom negócio a vender artesanato índio a turistas vindos de toda a parte do mundo. Perguntei-lhe o porquê do sinal “Índios bons à sua frente”.
E ele respondeu-me: “é para os brancos não terem medo. Há muitos brancos que ainda pensam que a gente os vai escalpar”
Um Navajo com humor. Gostei dele.
Antes de me despedir um conselho. Não tirem fotografias a Navajos mesmo que sejam miúdos. Não gostam porque “não são animais de circo” e eu tive a sensação que se fosse noutra altura teria sido escalpado quando apontei uma câmara a uma miúda Navajo com uma cara de uma beleza rara, cabelos negros caídos sobre os ombros e uns olhos enormes escuros como o carvão.
Um abraço,
Da capital do império
Jota Esse Erre