
Este post é uma homenagem a Gisberta, trasngender, brasileira, prostituta, toxicodependente. Depois de uma vida em permanente conflito entre o seu corpo e a sua identidade, que sentia como irreconciliáveis, sofrendo com isso como só alguém que passe pelo mesmo poderá alguma vez entender, foi torturada até à morte por um grupo de rapazes, também eles imersos na "marginalidade". O julgamento destes começou esta segunda-feira. Disseram que o fizeram por "brincadeira". A sua brincadeira consistiu em: espancá-la até à inconsciência durante dois dias seguidos, queimá-la com pontas de cigarros, introduzir-lhe um pau de vassoura no anús, e por fim, quando agonizante pedia ajuda, atirá-la para um poço.
O drama de Gisberta, o seu fim horrivel, deveria abrir-nos os olhos para questões que não tem nada de isoladas, que atravessam transversalmente a sociedade em que vivemos. A homofobia ou o racismo, o desrespeito pelo outro, pelo diferente, ao contrário do que possa parecer, são hoje mais fortes que há vinte anos; são-no pela forma, mais subtil e poderosa, porque se introduzem no discurso quotidiano através de subtis processos de linguagem. O preto, o paneleiro, tornaram-se expressões tão aceites que o mesmo que as utiliza pode inclusivé acreditar piamente que não é eivado de qualquer complexo quanto ao outro, que não é racista nem homofóbico. E o que é verdadeiramente grave é que por vezes não é mesmo; mas os axiomas sociais revelam-se cruelmente através da linguagem.
Entretanto, o Ministério Público entendeu não acusar os jovens de Homicidio Involuntário, o crime óbvio nesta situação, mas de Homicidio Tentado. Esta acusacão é simplesmente ridícula e ofensiva. Os doutos magistrados com obrigação de representar o Estado, mas também, note-se, os interesses da assassinada, acham que o conjunto de factos acima descrito não é um Homicidio pelo singelo facto de Gisberta ainda estar viva quando foi atirada para o poço. Note-se que eu sou por uma justiça de reinserção e não de punição, e não estou a defender penas de 20 anos de prisão para jovens de 13 anos. Mas os factos são os factos, e a memória da vítima e do seu trágico final exige que sejam tratados com a verdade e a isenção que a justiça necessita. Então se eu atirar alguém para um poço não é um Homicidio porque a vítima ainda estava viva quando lá caiu? Só espero que também esta leitura dos factos por parte dos doutos magistrados não seja mais um reflexo do preconceito social, como que valorando mais umas vidas (as dos jovens) que outra (a dessa marginal, toxicodependente, "paneleiro", etc.). Espero, porque razões de facto para tal, não encontro nenhuma.
2 comentários:
no comment
sobre este assunto, ler também diversos posts de Miguel Vale de Almeida em
http://valedealmeida.blogspot.com
Enviar um comentário