terça-feira, 4 de julho de 2006

Festa

Vamos proteger os dias contra o desgaste

dos dias, a invasão do medo e a dissociação das coisas

repetidas. É preciso, excessivamente, promover

a comunicação do grande e do pequeno tempo,

convidar o imprevisto e o rosto inicial. Dispensaremos

os especialistas da evocação, os funcionários

que administram os lugares e comemoram o eterno.

Vamos antes recriá-lo todos nós para além

do espaço dos templos, teatros,

estádios, nadar no rio elástico

dos gestos e das vozes. É preciso


virar o forro as palavras, deixar que fervam

nelas a alegria e o vigor dos risos, recuperar o jogo livre onde, a arder,

foram pronunciadas as primeiras regras

e deixar circular o amor, como um vinho, entre os lábios,

abrir os dedos, trocar as almas, emprestar os rostos

confundir as vozes no canto unânime e completo,


pegar fogo ao corpo dançando uns para os outros

nosso único público, hospedados no êxtase

e no possível, para explicarmos com palavras e corpos

o excesso e as fronteiras, a terra e o céu

a luz e a sombra, a vida e a morte.

Vítor Matos e Sá. 1968

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