Música de Mad Dog Clarence e letra do colectivo Viggis; variações sobre a “Negra Tava Mamando”
*Dedicado à Diva da Liberdade Josina MacAdam
Em anterior ‘posta’ propusemo-nos, e para isso nos servimos da farsa psicotrópica que foi à cena em Mafra, contribuir para o combate da ‘malaise’ lusitana. Uma ‘condição’ que afecta em termos gerais a autoestima e, particulamente, a visão, impedindo o paciente colectivo de tomar consciência da grandeza de Portugal. Ver ‘Antropologia da Felicidade’, capítulo sobre a ‘Miopia”. A verdade é que os portugueses continuam a dar lições ao Mundo e o Mundo vai, mais uma vez, lá onde o Mundo se reúne este ano, na EXPO de Xangai, ter oportunidade de se prostrar, loar e prestar tributo ao espírito lusitano. O pavilhão de Portugal pode ser recatado na dimensão, mas é enorme, mais, genial, na concepção: todo vestido e revestido a cortiça, simplesmente cortiça. Ah! La vie en cork. De acordo com a equipa de sábios que coordena a participação de Portugal, a cortiça é um “material nacional, reciclável e ecológico”, o que constitui, em nossa opinião, uma boa base de sustentação teórica da opção escolhida para espantar o Mundo. “Trata-se de em exemplo de inovação e de boas práticas ambientais que potenciam a imagem de Portugal”, como também se pode ler no sítio dos sábios. Não é difícil imaginarmos que depois de Xangai (1 de Maio a 31 de Outubro) o Mundo não será o mesmo. E Portugal também não.
Onde hoje ainda estão uns campos de trigo, hortas, florestas, fábricas, estradas, aldeias, vilas e algumas cidades, hospitais, escolas e prisões, teatros e oficinas e, claro, cemitérios, ficará um esplendor de sobreiros. Uma imenso chaparral nacional para fornecer o Mundo de ouro castanho pago a dez medidas do amarelo. Pela única autoestrada que sobreviverá à sobreirização do Rectângulo circularão os nossos TIR, movidos a bolota, exportando para os nossos fregueses (na terminologia inolvidável de Vasco Gonçalves) a unidade de conta do futuro. Cortiça, cortiça, cortiça.
E imaginem como ficarão os nossos amigos de Xangai quando, encerrada a Expo, pelas portas de cortiça do Pavilhão de Portugal se esgueirarem um, dois, três, dez milhões de lusitanos, argonautas do nosso tempo na demanda do Cortição de Ouro.
Bom, temos de interromper aqui que a cousa vai longa e está na hora de tomar os remédios.
JSP
sexta-feira, 19 de março de 2010
quinta-feira, 18 de março de 2010

Avaria no carro. Nos arredores de Massingir (Provincia de Maputo). Novembro 2009
Foto Sérgio Santimano
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Sérgio Santimano
quarta-feira, 17 de março de 2010
Sinais
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anaCrónicas 9
Não se escreve em definitivo sobre nada. E a experimentação na escrita não deixa de ser uma experimentação dos conceitos ou da matéria que para lá caminhe entre o informe e a forma – não há como a escrita para pensar e não há pensar que não seja ficção. Falou o José Gil, na última aula, que venho glosando numa espécie de vontade de ser eco, do risco como pensamento, isto é, de que pensamento e risco seriam sinónimos. Tenho andado a tentar perceber isso. Uma coisa acho que entendi: as teorias cheias de consistência – e nelas incluo as plenas de inconsistência, a medida contrária que afirma a irracionalidade mas não explica as cidades nem a romanização por exemplo, menos ainda o pão e circo, o canibalismo e outras façanhas humanas consistentes e constitutivas do ser, como também o extermínio selectivo – são formas de esquivar ao risco.
Quem teoriza no arame faz uma coisa que o teórico consistente não é capaz de fazer.Olhando-se não se reconhece na imagem sempre movente e aí talvez escape ao narcisismo, doença destes tempos de filhos únicos e protecções materno-paternais ansiosas.
A imprecisão do que se quer fixar é uma constante e o desejo de forma, outra. Quem, como se diz, tem os pés na terra, diante do bitoque de que fala o Gil, esquece o resto e converte-o em entretenimento. Começa polémica e risco o que começa e se foca em qualquer coisa discernível e termina culinário. Estes últimos, os dos pés na terra, são muito úteis como polícias. Os outros não têm finalidade. São mesmo inúteis. Talvez aí comece qualquer coisa.
FMR
Quem teoriza no arame faz uma coisa que o teórico consistente não é capaz de fazer.Olhando-se não se reconhece na imagem sempre movente e aí talvez escape ao narcisismo, doença destes tempos de filhos únicos e protecções materno-paternais ansiosas.
A imprecisão do que se quer fixar é uma constante e o desejo de forma, outra. Quem, como se diz, tem os pés na terra, diante do bitoque de que fala o Gil, esquece o resto e converte-o em entretenimento. Começa polémica e risco o que começa e se foca em qualquer coisa discernível e termina culinário. Estes últimos, os dos pés na terra, são muito úteis como polícias. Os outros não têm finalidade. São mesmo inúteis. Talvez aí comece qualquer coisa.
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terça-feira, 16 de março de 2010
Kleist, a propósito do que por aqui se anda escrevendo
«Certas pessoas imaginam numa estranha ordem as épocas nas quais progride a formação de uma nação. Imaginam que no início um povo jaz por terra na crueza e na selvajaria animais ; que é preciso, após um certo tempo, que se faça sentir a necessidade de uma melhoria dos costumes, e assim também da edificação da ciência da virtude ; que, afim de facilitar o acesso ao ensino desta última, se pensaria em objectivá-la em belos exemplos, inventando assim a estética: que daí em diante, de acordo com as suas normas, surgiriam belas objectivações, e que desse modo a própria arte se apoderaria da sua origem: e que, por meio da arte, o povo ver-se-ia por fim conduzido ao estado mais elevado da cultura humana. A esses indivíduos, é preciso que alguém os informe de que tudo, pelo menos no caso dos Gregos e dos Romanos, sucedeu na ordem precisamente inversa. Estes povos conceberam o princípio com a época heróica, sem dúvida a mais elevada a poder ser atingida; quando já não dispunham de heróis em nenhuma virtude humana e civil, poetizaram alguns; quando já não lhes era possível poetizá-los, inventaram para isso as regras; quando se perderam nas regras, abstraíram o próprio saber universal; e quando terminaram, tornaram-se maus.»
Heinrich Von Kleist, num texto publicado em Outubro de 1810 nos Berliner Abendblätter
"O que acontece no dia-a-dia é uma coisa chata"
Aos 30 anos MC Snake é morto.
Mais uma vítima da violência policial.
Ler no Público e Cinco Dias
Com a devida vénia ao Cinco Dias
Mais uma vítima da violência policial.
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anaCrónicas 8
Glosando o José Gil que falou de cidades inteligentes numa entrevista a propósito da sua última aula.
Será uma cidade inteligente a que cria uma fronteira entre a cidade e o rio?
Será uma cidade inteligente a que produz a amálgama humana indiferenciada nas horas de ponta ao ponto do corpo automático, da mecânica desistente, do cérebro embotado de esforço resistente?
Será uma cidade inteligente a que tem milhares de casas desabitadas e milhares de cidadãos sem habitação condigna?
Será uma cidade inteligente a que está sempre em obras e que sem obras não vive porque certamente já não se revê nem conhece?
Será uma cidade inteligente a que vê cair casas antigas como cogumelos nascendo em período de humidades férteis?
Será uma cidade inteligente a que esvazia humanamente os centros históricos, deixando a pedra bela entregue à corrosão do vazio?
Será uma cidade inteligente a que não cria uma vida cultural integrada e exposta à escolha inteligente de cada um no trajecto de vida diária dos seus afazeres e pausas?
Será uma cidade inteligente a que vive mais do marketing que a promove do que da vida que cria e confunde vida com “animação”(insuflada ginástica autárquica de flores de plástico)?
Será uma cidade inteligente a que multiplica parques de estacionamento ao ponto de caminharmos para uma cidade dos automóveis mais do que para uma cidade das pessoas?
Será uma cidade inteligente a que necessita da multiplicação dos policiamentos na rua?
Será uma cidade inteligente a que a qualquer quantidade de água responde com a multiplicação dos lagos espontâneos a fazer de nós primatas anfíbios?
Será uma cidade inteligente a que multiplica os signos de uma tradição vazia para turista ver, mais logotípica que vida própria?
Será uma cidade inteligente a que não irradia o ruído interminável da primeira ponte, ruído dos rodados sobre a conhecida grelha metálica, a multiplicar a agressão sonora constante pela bacia fora do rio que o reflecte em toda a cidade ribeira?
E onde uma cidade dos afectos expansíveis? Do prazer da polémica em longos trajectos de silêncio feitos a pé? Dos passeios sem limite que não sejam os passeios determinados como passeios numa lógica mais de zoo humano que de liberdade cívica e de passos errantes? Uma cidade em que a vida se misture com a inteligência criativa e dela se não distinga como o próprio prazer que se cria numa nova arquitectura de relações surpreendentes.
Será uma cidade inteligente a que não permite a inteligência, mas produz a irritabilidade e, por assim dizer, legitima a cólera e o atropelo constantes?
E onde há cidades inteligentes? Elas existem. Já vimos grandes metrópoles em que o espaço para respirar é um espaço real e o fluxo da vida não produz constantemente o registo agressivo e xenófobo.
Valha-nos certamente o Bristish Bar, onde o tremoço ainda faz bandeira e a polémica vital é uma postura de todas as famílias que o frequentam.
FMR
Será uma cidade inteligente a que cria uma fronteira entre a cidade e o rio?
Será uma cidade inteligente a que produz a amálgama humana indiferenciada nas horas de ponta ao ponto do corpo automático, da mecânica desistente, do cérebro embotado de esforço resistente?
Será uma cidade inteligente a que tem milhares de casas desabitadas e milhares de cidadãos sem habitação condigna?
Será uma cidade inteligente a que está sempre em obras e que sem obras não vive porque certamente já não se revê nem conhece?
Será uma cidade inteligente a que vê cair casas antigas como cogumelos nascendo em período de humidades férteis?
Será uma cidade inteligente a que esvazia humanamente os centros históricos, deixando a pedra bela entregue à corrosão do vazio?
Será uma cidade inteligente a que não cria uma vida cultural integrada e exposta à escolha inteligente de cada um no trajecto de vida diária dos seus afazeres e pausas?
Será uma cidade inteligente a que vive mais do marketing que a promove do que da vida que cria e confunde vida com “animação”(insuflada ginástica autárquica de flores de plástico)?
Será uma cidade inteligente a que multiplica parques de estacionamento ao ponto de caminharmos para uma cidade dos automóveis mais do que para uma cidade das pessoas?
Será uma cidade inteligente a que necessita da multiplicação dos policiamentos na rua?
Será uma cidade inteligente a que a qualquer quantidade de água responde com a multiplicação dos lagos espontâneos a fazer de nós primatas anfíbios?
Será uma cidade inteligente a que multiplica os signos de uma tradição vazia para turista ver, mais logotípica que vida própria?
Será uma cidade inteligente a que não irradia o ruído interminável da primeira ponte, ruído dos rodados sobre a conhecida grelha metálica, a multiplicar a agressão sonora constante pela bacia fora do rio que o reflecte em toda a cidade ribeira?
E onde uma cidade dos afectos expansíveis? Do prazer da polémica em longos trajectos de silêncio feitos a pé? Dos passeios sem limite que não sejam os passeios determinados como passeios numa lógica mais de zoo humano que de liberdade cívica e de passos errantes? Uma cidade em que a vida se misture com a inteligência criativa e dela se não distinga como o próprio prazer que se cria numa nova arquitectura de relações surpreendentes.
Será uma cidade inteligente a que não permite a inteligência, mas produz a irritabilidade e, por assim dizer, legitima a cólera e o atropelo constantes?
E onde há cidades inteligentes? Elas existem. Já vimos grandes metrópoles em que o espaço para respirar é um espaço real e o fluxo da vida não produz constantemente o registo agressivo e xenófobo.
Valha-nos certamente o Bristish Bar, onde o tremoço ainda faz bandeira e a polémica vital é uma postura de todas as famílias que o frequentam.
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segunda-feira, 15 de março de 2010

Parque Nacional do Limpopo. Ndope comunidade do distrito de Mabalane (Posto).Provincia de Maputo. Novembro de 2009
Foto Sérgio Santimano
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Sérgio Santimano
Da Capital do Império
Eu sei que a memória tem a sua própria verdade. Selecciona, elimina, altera, exagera, minimiza, glorifica e claro está calunia. Há quem diga que o acabado de publicar “calhamaço” do Sérgio Vieira é bem exemplo disso.
Mas de qualquer modo acho que Pedro Pires, antigo maquisard, hoje presidente devia escrever as suas memórias. Digo isto porque outro dia, quase que despercebidamente Pires falou no seu país e abordou aquilo que em meados da década de 1970 deixou pasmado os revolucionários (entre aspas talvez?) que tinham tomado o poder no Maputo e em Luanda.
Ao fim e ao cabo o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo verde, o PAIGC, tinha-se apresentado na luta de libertação nacional como um partido seguindo uma linha política de combate e ideologia semelhante à da Frelimo em Moçambique. Contudo após a tomada do poder em Cabo Verde o PAIGC seguiu uma via que causou inquietação entre os revolucionários ( entre aspas talvez?) mas que resultou hoje tantas décadas depois em que o país saído oficialmente da lista internacional de países pobres. Um dos poucos países africanos em que na verdade se avançou
Pois Pires disse a semana passada que quando o PAIGC assumiu o poder em Cabo Verde cedo se apercebeu que o país “reunia todas as condições para que não desse certo” tanto em termos de “condições materiais, como em termos de factores objectivos e naturais”.
“Naquele momento depois da independência precisávamos para a direcção do país de homens do estado,” disse Pires para depois acrescentar:
“Há uma diferença entre o chamado revolucionário e o homem de estado.”
Recordando que ele e os outros dirigentes do PAIGC tinham “chegado pela via revolucionária” Pires descreveu depois o revolucionário como alguém “impaciente e que tem um mal de fundo”.
“É um irrealista. Não pensa nas consequências dos seus actos ou se os seus desejos mais nobres são realizáveis ou capazes de execução,” disse.
Para Pedro Pires o verdadeiro estadista é aquele que é “paciente, realista e sensato” e ainda “persistente”.
Para Pires havia pois uma diferença entre que aqueles que pensavam “ que é possível mudar o mundo de um dia para o outro” e aqueles que sabem que “é preciso construir o futuro passo a passo, degrau a degrau com desafios acrescidos todos os dias”.
Pedro Pires recordou que o PAIGC era “uma elite política” mas cedo se apercebeu que tinha que ir “buscar a parte técnico/operativa” para poder pôr o país a funcionar.
“Só havia um sítio onde a ir buscar: na administração colonial,” disse o actual presidente.
“Daí a nossa opção de guardar no país todos os funcionários públicos que quisessem cá ficar. Se não tivéssemos feito isso teríamos o estado mas não teríamos a administração do estado. São esses quadros que estão na base da construção do estado de Cabo Verde e principalmente da administração pública,” acrescentou.
Pedro Pires foi diplomata quanto aos outros PALOP.
“Cada processo é um processo. Não somos donos da verdade,” disse ele.
Para Pedro Pires a pergunta a fazer é “se descobrimos em Cabo Verde homens de estado” que conseguiram dar prioridade “aos interesses comuns”.
Boa pergunta. Que talvez se deva estender a outros PALOP. É por isso que estou desejoso de ler o “calhamaço” do Sérgio Vieira para ver o que é que ele revela a este respeito sobre si mesmo.
Abraços,
Da Capital do Império
Jota Esse Erre
Mas de qualquer modo acho que Pedro Pires, antigo maquisard, hoje presidente devia escrever as suas memórias. Digo isto porque outro dia, quase que despercebidamente Pires falou no seu país e abordou aquilo que em meados da década de 1970 deixou pasmado os revolucionários (entre aspas talvez?) que tinham tomado o poder no Maputo e em Luanda.
Ao fim e ao cabo o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo verde, o PAIGC, tinha-se apresentado na luta de libertação nacional como um partido seguindo uma linha política de combate e ideologia semelhante à da Frelimo em Moçambique. Contudo após a tomada do poder em Cabo Verde o PAIGC seguiu uma via que causou inquietação entre os revolucionários ( entre aspas talvez?) mas que resultou hoje tantas décadas depois em que o país saído oficialmente da lista internacional de países pobres. Um dos poucos países africanos em que na verdade se avançou
Pois Pires disse a semana passada que quando o PAIGC assumiu o poder em Cabo Verde cedo se apercebeu que o país “reunia todas as condições para que não desse certo” tanto em termos de “condições materiais, como em termos de factores objectivos e naturais”.
“Naquele momento depois da independência precisávamos para a direcção do país de homens do estado,” disse Pires para depois acrescentar:
“Há uma diferença entre o chamado revolucionário e o homem de estado.”
Recordando que ele e os outros dirigentes do PAIGC tinham “chegado pela via revolucionária” Pires descreveu depois o revolucionário como alguém “impaciente e que tem um mal de fundo”.
“É um irrealista. Não pensa nas consequências dos seus actos ou se os seus desejos mais nobres são realizáveis ou capazes de execução,” disse.
Para Pedro Pires o verdadeiro estadista é aquele que é “paciente, realista e sensato” e ainda “persistente”.
Para Pires havia pois uma diferença entre que aqueles que pensavam “ que é possível mudar o mundo de um dia para o outro” e aqueles que sabem que “é preciso construir o futuro passo a passo, degrau a degrau com desafios acrescidos todos os dias”.
Pedro Pires recordou que o PAIGC era “uma elite política” mas cedo se apercebeu que tinha que ir “buscar a parte técnico/operativa” para poder pôr o país a funcionar.
“Só havia um sítio onde a ir buscar: na administração colonial,” disse o actual presidente.
“Daí a nossa opção de guardar no país todos os funcionários públicos que quisessem cá ficar. Se não tivéssemos feito isso teríamos o estado mas não teríamos a administração do estado. São esses quadros que estão na base da construção do estado de Cabo Verde e principalmente da administração pública,” acrescentou.
Pedro Pires foi diplomata quanto aos outros PALOP.
“Cada processo é um processo. Não somos donos da verdade,” disse ele.
Para Pedro Pires a pergunta a fazer é “se descobrimos em Cabo Verde homens de estado” que conseguiram dar prioridade “aos interesses comuns”.
Boa pergunta. Que talvez se deva estender a outros PALOP. É por isso que estou desejoso de ler o “calhamaço” do Sérgio Vieira para ver o que é que ele revela a este respeito sobre si mesmo.
Abraços,
Da Capital do Império
Jota Esse Erre
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domingo, 14 de março de 2010
Homens que Matam Cabras só com o Olhar
A mim já nada me anima. Apenas o meu Sporting, sob o efeito Costinha, me pode tirar deste ambiente depressivo em que vive o País e o meu pai. Deixemos o futebol de lado. Ponhamos também de parte a política (o Congresso do PSD, com os Três Estarolas, seria para rir não fosse a necessidade de uma Oposição com gente de bom senso). Passemos ao meu pai. Lembram-se que aqui há tempos vos contei que estava a viver uma “fairy-tale” familiar. Pois é, o sonho acabou. O meu pai apaixonou-se e saiu de casa. Acreditam que pensou em mim ou no meu irmão? Do estado em que ficou a madrasta nem vos falo. Mas graças a uma espécie de justiça divina está a pagar o seu desvario. Ainda não dorme debaixo da Ponte 25 de Abril, mas sem grande esforço lá chegará. Incompatibilizado com a paixão (bem feito), que o expulsou de casa, está a viver numa mansarda da Baixa de Lisboa. Eu, que fiquei a viver na casa da família que ele abandonou, vou de quando em vez, durante o dia, tomar um café com ele ao tasco da esquina. O meu irmão, por imperativo da regulação do poder paternal, fica com ele de 15 em 15 dias e já deve conhecer muito bem o “bas-fond” e as noites sórdidas da capital. Claro que a mãe do meu irmão se insurgiu com o actual estado das coisas e escreveu a meu pai. Acontece que burro velho não aprende línguas e a misoginia é um traço de carácter da geração que nasceu nos anos 50 do século passado. Para mim é pré-história. Meu pai respondeu-lhe de uma forma curta dizendo que era o pai que podia ser, mas que era pai. (Aqui até lhe dou razão porque me parece que além de ter sido um bom pai para mim, também o foi para o meu irmão e para ela própria, que era muito novinha quando casaram). Disse ainda que o lugar onde vivia tinha uma beleza poética, segundo a Gabriela, uma esteta amiga dele. E quase concluiu a jogada apresentando a prova dos seus dotes paternos. Tinham ido pai e filho ver o filme: Homens que Matam Cabras só com o Olhar. Por último rematou: “Infelizmente não tenho poderes paranormais”. Valha-nos o Costinha!
Josina MacAdam
Post dedicado ao Luís Filipe, ao Parcídio e ao Severo e ainda à memória do Zé Manel e do Zé Maria
Josina MacAdam
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Como é diferente o riso em Portugal - 18 de Março nos Anos 60

ANOS 60
5ª feira, 18 de Março, pelas 22:30 horas
A Oficina de Teatro de Almada apresenta:
Como é diferente o riso em Portugal
Um recital de poesia composto por textos de:
Alberto Pimenta, Jorge de Sena, Mário – Henrique Leiria, Abade de Jazente, João de Deus, Mendes de Carvalho, Ruy Belo, Mário Cesariny, Armando Silva Carvalho, Ary dos Santos, Almada Negreiros, Fernando Assis Pacheco, Bocage, Luiz Pacheco e Bernardo Guimarães.
De que nos rimos, nós portugueses?
O que é que nos provoca o riso?
Uma coisa é certa: o riso em Portugal é mesmo diferente.
Bar Anos 60 – Largo do Terreirinho, nº 21, na Mouraria de Lisboa (à Rua dos Cavaleiros, junto ao Martins Moniz)
Espectáculo integrado nas comemorações do II Aniversário da Associação Renovar a Mouraria.
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Fernando Rebelo,
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Poesia
As manchetes, os jornalistas e o rigor
Era de esperar. As escutas do processo Face Oculta, a abortada tentativa de entrada da PT no capital da empresa proprietária da TVI, as dúvidas instaladas sobre a relação do primeiro-ministro com esse negócio e as audições no Parlamento têm dominado os títulos da imprensa nas últimas semanas e dividido os comentadores e a opinião pública. Os leitores deste jornal não são excepção e mostram-se particularmente atentos ao modo como, em títulos e textos, têm vindo a ser noticiados estes temas.
Recebi várias reclamações a este respeito, e tratarei hoje da primeira, que é anterior à minha entrada em funções, mas merece ser recuperada. Refere-se à manchete da edição de 12 de Fevereiro, a data em que o semanário Sol saía à rua com citações particularmente sensíveis de escutas obtidas no processo Face Oculta, apesar da providência cautelar que visava impedir a sua publicação. “Primeira tentativa em 30 anos de censura prévia a um jornal falhou” – rezava o principal título da capa, por cima de uma fotografia de José Sócrates.
A leitora Ana Pereira não gostou e disse-o em termos curtos e fortes: “A manchete (…) do PÚBLICO é mesquinha por colocar uma foto de alguém que nada tem a ver com a notícia. É mentirosa, porque esquece que existem casos de providências cautelares semelhantes muito frequentemente. É ainda confrangedora, porque mostra que o corpo editorial do PÚBLICO não percebe os fundamentos básicos do Estado de Direito”.
A meu pedido, o director adjunto Nuno Pacheco, que acompanhara o fecho dessa edição, reflectiu sobre as três acusações, concordando que “a manchete em causa tem vários problemas”.
Em primeiro lugar, a fotografia escolhida. Considera que “devia ter sido mudada”, porque “podia dar a ideia, errada, de que teria sido José Sócrates o autor da tentativa de calar o Sol, o que não era verdade”. Explica que a foto “tinha sido escolhida antes de a manchete ter sido escrita, porque a relevância das escutas deriva do facto de envolverem o primeiro-ministro”, mas que, “quando a manchete se centrou na providência cautelar”, deveria ter sido substituída, por exemplo, por “uma foto de Rui Pedro Soares”. Atenuante: “Mesmo assim, não é possível dizer que a foto de Sócrates é de alguém que nada tinha a ver com a notícia”, até porque a capa do Sol, como se dizia a abrir o texto da manchete, tinha “o perfil de José Sócrates a negro sobre um fundo vermelho e um grande título a branco: “O polvo”".
Quanto à questão de esta ter sido ou não “a primeira tentativa em 30 anos” de “impedir a publicação de uma notícia” através de uma providência cautelar, o director adjunto admite o erro (“não foi” de facto a primeira), mas sublinha que esses casos também “não acontecem “muito frequentemente”, como a leitora dá a entender”. Motivo do erro: tanto na redacção como entre fontes consultadas nessa data, “havia o convencimento” de que tratava do primeiro caso deste tipo, e só depois se verificou existirem precedentes, entre os quais uma providência cautelar dirigida ao extinto O Independente.
Na sua terceira crítica, a leitora referia-se presumivelmente ao facto de uma providência cautelar não poder ser descrita como “censura prévia”. Nuno Pacheco assim o entendeu e admite que “censura prévia devia ter vindo entre aspas”, pois “era uma classificação comparativa, não uma descrição literal”. Mas discorda da leitora na referência “aos fundamentos básicos do Estado de Direito”. A sua argumentação não pode, por falta de espaço, ser aqui reproduzida (valerá a pena ser colocada on-line), mas conduz à seguinte conclusão: “O uso e abuso desta figura jurídica [providência cautelar visando impedir a publicação de uma notícia] no caso da imprensa acabará por funcionar, a prazo, como uma espécie de censura prévia dentro das margens estritas da lei”.
Aqui chegados, perguntará o leitor o que penso eu de tudo isto. Pois bem, acho que a leitora fez críticas justificadas (que o responsável editorial citado aceita na maior parte) num caso que teria exigido melhor atenção às soluções encontradas para a capa do jornal. A escolha da fotografia é até, a meu ver, o único ponto discutível. Admito que pudesse “dar a ideia” de que teria sido o primeiro-ministro a promover a providência cautelar, mas bastaria ler o texto que a enquadrava para afastar essa ideia. Acresce que a ligação de Sócrates ao tema noticiado não era gratuita. Quanto à afirmação sobre o ineditismo da providência cautelar, não era verdadeira e deveria, a bem do rigor, ter sido prontamente corrigida.
Mas, a meu ver, a falta de rigor menos aceitável foi a que levou a falar de censura prévia. O conceito tem uma carga política e histórica, de anulação das liberdades de expressão e de imprensa, que não pode ser confundida com o direito de um cidadão a procurar contrariar, por via judicial, a publicação de matérias que considere poderem causar-lhe dano grave, para mais tratando-se, como era sabido, da intercepção de conversas privadas, cuja divulgação seria sempre de legalidade pelo menos duvidosa. A censura prévia é própria de uma ditadura, o direito em questão é natural num Estado de Direito.
Não é relevante, para a clareza desta distinção, o que cada um pense sobre a pertinência da interposição da providência cautelar (eu penso que é um problema do seu autor), sobre o mérito da decisão judicial (com os dados disponíveis, creio que foi uma má decisão) ou sobre a interpretação do “interesse público” que levou o Sol a trazer ao conhecimento geral o que a decisão judicial visava impedir que fosse divulgado (acho que foi uma interpretação legítima). São opiniões que não contendem com o que está em discussão: do ponto de vista do rigor jornalístico, uma providência cautelar aceite por um juiz não é, de modo algum, censura prévia.
Convém salientar que na peça para que a manchete remetia, nessa edição do PÚBLICO, nada se escrevia que permitisse sustentar o que se afirmava no título de capa, à excepção de uma opinião (não consensual, como resultava da própria notícia) escutada a um jurista. Em contrapartida, o editorial desse dia – que, sendo um texto não-assinado, é visto como representando a posição do jornal – tendia a sustentar a tese expressa na capa.
Não creio que faça sentido sugerir que o “abuso” de providências cautelares dirigidas à imprensa poderá conduzir a uma situação de censura (para mais quando se afirma que foi o primeiro caso e que viu falhado o objectivo). Nem vejo razão para presumir que, colocados perante um hipotético recurso epidémico a essa figura jurídica, os juízes portugueses iriam decidir, por sistema, contra a liberdade de imprensa. Em suma, a manchete criticada representa uma opinião, certamente legítima, mas não é, a meu ver, aceitável no plano da informação independente e rigorosa.
José Queirós, Provedor do leitor – “Público” 14 Mar 2010
Com a devida vénia ao Jugular
Recebi várias reclamações a este respeito, e tratarei hoje da primeira, que é anterior à minha entrada em funções, mas merece ser recuperada. Refere-se à manchete da edição de 12 de Fevereiro, a data em que o semanário Sol saía à rua com citações particularmente sensíveis de escutas obtidas no processo Face Oculta, apesar da providência cautelar que visava impedir a sua publicação. “Primeira tentativa em 30 anos de censura prévia a um jornal falhou” – rezava o principal título da capa, por cima de uma fotografia de José Sócrates.
A leitora Ana Pereira não gostou e disse-o em termos curtos e fortes: “A manchete (…) do PÚBLICO é mesquinha por colocar uma foto de alguém que nada tem a ver com a notícia. É mentirosa, porque esquece que existem casos de providências cautelares semelhantes muito frequentemente. É ainda confrangedora, porque mostra que o corpo editorial do PÚBLICO não percebe os fundamentos básicos do Estado de Direito”.
A meu pedido, o director adjunto Nuno Pacheco, que acompanhara o fecho dessa edição, reflectiu sobre as três acusações, concordando que “a manchete em causa tem vários problemas”.
Em primeiro lugar, a fotografia escolhida. Considera que “devia ter sido mudada”, porque “podia dar a ideia, errada, de que teria sido José Sócrates o autor da tentativa de calar o Sol, o que não era verdade”. Explica que a foto “tinha sido escolhida antes de a manchete ter sido escrita, porque a relevância das escutas deriva do facto de envolverem o primeiro-ministro”, mas que, “quando a manchete se centrou na providência cautelar”, deveria ter sido substituída, por exemplo, por “uma foto de Rui Pedro Soares”. Atenuante: “Mesmo assim, não é possível dizer que a foto de Sócrates é de alguém que nada tinha a ver com a notícia”, até porque a capa do Sol, como se dizia a abrir o texto da manchete, tinha “o perfil de José Sócrates a negro sobre um fundo vermelho e um grande título a branco: “O polvo”".
Quanto à questão de esta ter sido ou não “a primeira tentativa em 30 anos” de “impedir a publicação de uma notícia” através de uma providência cautelar, o director adjunto admite o erro (“não foi” de facto a primeira), mas sublinha que esses casos também “não acontecem “muito frequentemente”, como a leitora dá a entender”. Motivo do erro: tanto na redacção como entre fontes consultadas nessa data, “havia o convencimento” de que tratava do primeiro caso deste tipo, e só depois se verificou existirem precedentes, entre os quais uma providência cautelar dirigida ao extinto O Independente.
Na sua terceira crítica, a leitora referia-se presumivelmente ao facto de uma providência cautelar não poder ser descrita como “censura prévia”. Nuno Pacheco assim o entendeu e admite que “censura prévia devia ter vindo entre aspas”, pois “era uma classificação comparativa, não uma descrição literal”. Mas discorda da leitora na referência “aos fundamentos básicos do Estado de Direito”. A sua argumentação não pode, por falta de espaço, ser aqui reproduzida (valerá a pena ser colocada on-line), mas conduz à seguinte conclusão: “O uso e abuso desta figura jurídica [providência cautelar visando impedir a publicação de uma notícia] no caso da imprensa acabará por funcionar, a prazo, como uma espécie de censura prévia dentro das margens estritas da lei”.
Aqui chegados, perguntará o leitor o que penso eu de tudo isto. Pois bem, acho que a leitora fez críticas justificadas (que o responsável editorial citado aceita na maior parte) num caso que teria exigido melhor atenção às soluções encontradas para a capa do jornal. A escolha da fotografia é até, a meu ver, o único ponto discutível. Admito que pudesse “dar a ideia” de que teria sido o primeiro-ministro a promover a providência cautelar, mas bastaria ler o texto que a enquadrava para afastar essa ideia. Acresce que a ligação de Sócrates ao tema noticiado não era gratuita. Quanto à afirmação sobre o ineditismo da providência cautelar, não era verdadeira e deveria, a bem do rigor, ter sido prontamente corrigida.
Mas, a meu ver, a falta de rigor menos aceitável foi a que levou a falar de censura prévia. O conceito tem uma carga política e histórica, de anulação das liberdades de expressão e de imprensa, que não pode ser confundida com o direito de um cidadão a procurar contrariar, por via judicial, a publicação de matérias que considere poderem causar-lhe dano grave, para mais tratando-se, como era sabido, da intercepção de conversas privadas, cuja divulgação seria sempre de legalidade pelo menos duvidosa. A censura prévia é própria de uma ditadura, o direito em questão é natural num Estado de Direito.
Não é relevante, para a clareza desta distinção, o que cada um pense sobre a pertinência da interposição da providência cautelar (eu penso que é um problema do seu autor), sobre o mérito da decisão judicial (com os dados disponíveis, creio que foi uma má decisão) ou sobre a interpretação do “interesse público” que levou o Sol a trazer ao conhecimento geral o que a decisão judicial visava impedir que fosse divulgado (acho que foi uma interpretação legítima). São opiniões que não contendem com o que está em discussão: do ponto de vista do rigor jornalístico, uma providência cautelar aceite por um juiz não é, de modo algum, censura prévia.
Convém salientar que na peça para que a manchete remetia, nessa edição do PÚBLICO, nada se escrevia que permitisse sustentar o que se afirmava no título de capa, à excepção de uma opinião (não consensual, como resultava da própria notícia) escutada a um jurista. Em contrapartida, o editorial desse dia – que, sendo um texto não-assinado, é visto como representando a posição do jornal – tendia a sustentar a tese expressa na capa.
Não creio que faça sentido sugerir que o “abuso” de providências cautelares dirigidas à imprensa poderá conduzir a uma situação de censura (para mais quando se afirma que foi o primeiro caso e que viu falhado o objectivo). Nem vejo razão para presumir que, colocados perante um hipotético recurso epidémico a essa figura jurídica, os juízes portugueses iriam decidir, por sistema, contra a liberdade de imprensa. Em suma, a manchete criticada representa uma opinião, certamente legítima, mas não é, a meu ver, aceitável no plano da informação independente e rigorosa.
José Queirós, Provedor do leitor – “Público” 14 Mar 2010
Com a devida vénia ao Jugular
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sábado, 13 de março de 2010
O Soldado Vigilante

Start Time: Thursday, March 25, 2010 at 9:30pm
End Time: Friday, March 26, 2010 at 12:30am
Location: Beco do Forno
O espectáculo continua em cena no dia 26 de Março, às 21h30 e apresentar-se-á no dia 27 de Março, Dia Mundial do Teatro, às 12h00 e 21h30, e conta com a colaboração do Restaurante Pachá, que promoverá terá no dia 27 de Março às 12h00 uma prova de vinhos.
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Uma dell’artização do entremez
Eu explico-me. A Commedia dell’arte é uma técnica teatral – foi um modo de vida e uma economia nos séculos XVI E XVII, em Itália e pela Europa fora – que deve tudo à teatralidade, o teatro sem o texto como disse Barthes, e menos portanto ao texto em cena. Teatro de imagens e da corporalidade, assenta numa trama simples – o “canovachio” – e nas capacidades gestuais, incluindo vocais, dos actores e actrizes (teatro de actores), além de ser um teatro de arquétipos e personagens em embrião, sempre fixos, Arlequim, Pantaleão, o Doutor, o Capitão, Columbina e o sempre elencado par de amorosos, sempre contrariados e sempre vencedores.
O soldado vigilante é um entremez de Cervantes e pertence àquela literatura que hoje se chama de marginal. Tal como surgiu aliás a Commedia dell’arte, teatro de ar livre, amigo de estrebarias e estalagens, ambientes onde a virtude não fazia o quatro e a noite era fértil em gozos e desatinos. São portanto da mesma família, o entremez e a dell’arte. Nada anormal em casá-los numa mesma escrita e estética. São também coetâneos como se sabe. O entremez, arremedilho, burlaria, muitos outros nomes, nasceu bastardo, fora dos territórios fechados da respeitabilidade literária e entalado entre género maior, chamado comédia, na altura tão importante que designava o teatro. Com a literatura de latrina, os versos de pé quebrado e o surrealismo primitivo, tem horror às academias e vive livre e vadio a sua aversão à domesticidade burguesa, pequena, média e grande, à reverência cultural, não se intimidando com os clássicos, frequentando-os e tendo horror ao mesmismo retórico que exorciza através da palavra doutoral farsificada.
O que mancha o entremez não fará dele literatura de salão, seja qual for o salão, aristocrata burro ou provinciano, com ou sem sanefas. Não há que ter-lhe respeito mais do que pede, há que irmanarmo-nos do espírito que respira e entremear também, que é petiscar, sabe-se. O entremez não é nunca aliás prato principal, é intervalo, e porventura poderá ser entrada ou saída. Aqui, neste Soldado, quisemo-lo prato principal, parte inteira. Coitado, promovido a peça em actos, mais desacatos.
Resolvemos então pegar no entremez pelo que diz fundo – a farsa tem um reverso. Um soldado de amores perdido dentro de si, combatendo um sacristão lúbrico, os dois atrás de uma menina que está em idade casadoira e a quem, um sapateiro calça o peito do pé com denodo oficinal e calçadeira. Com a dona da casa presente, uma estranha criatura híbrida – na moda de hoje portanto – um casório parece desenhar-se. Mas isso é no espectáculo, se quiserem. Se não quiserem tudo bem. Este, como todo o entremez, é rápido e meio amanhado, desimportante, portanto vai bem com um bom copo na mão.
E o que fizemos? Pensando que na farsa há tragédia quisemos desenvolver a teatralidade implícita no entremez, escrevendo-o através de um conjunto de referências a desgraçados teatros irmãos e ao mesmo tempo revelar o avesso do próprio soldado, a humanidade que só se adivinha na figura por imaginação contraposta do espectador, ele que é um primo remoto dos sonâmbulos bipolares com que nos cruzamos hoje.
Reteatralizámo-lo portanto com outros teatros populares entremeados, mantendo como referência assumida estruturante a Commedia dell’arte, particularmente assumida na figura do soldado protagonista e fio condutor. Nada que muitos criadores teatrais não tenham sonhado no seu tempo, Copeau e Meyerhold, por exemplo.
E que teatros? As marionetas, a “boçalidade” revisteira, a tradição declamatória, os palhaços e as suas “clowneries”, o fado – nada mais português e teatral, com toda a panóplia de convenções, poses rituais e mesmo fundo caracterial – e finalmente, esse teatro maior que é o prazer lúdico, o da imitação imediata, esse teatro espontâneo das crianças. Temos assim um objecto multicultural a que não falta sequer um “preto”. Multicultural abrangente portanto, de uma universalidade quase espontânea, pura antropologia lúdica – que obviamente já lá estava, quem mais universal que Cervantes, vida e obra, mundo e invenção?
E esta opção levou-nos a uma reconfiguração dos tipos, cirurgia cénico-dramática total, segundo uma ambiguidade muito contemporânea, aquela que nos fragmenta, multiplica e híbrida, como tipos e aparências.
Assim o soldado é poeta soldado e soldado poeta, frustrado militante e jogando a palavra como arma e a espada como extensão gestual da palavra amorosa, repisada obcecadamente a cada gesto, numa contradição insolúvel e autêntica.
E o Sacristão? Talvez lembre o frade das Caldas, mas não é de louça e é mesmo inteiro, como diz, e tem uns arranques que faz pensar nos zanis da dell’arte primitiva, espécie de diabos repentinos na gestualidade imprevista e animal.
Surge também um “preto” mascarado que não chegamos a saber de onde vem mas que vende pau de Cabinda – virá de Cabinda? -, entre rendas portuguesas, num bazar portátil inesquecível.
E aparece um sapateiro, homem de ofício como os antigos e que fala de calçar a menina de um modo que só pode levantar o moral dos espectadores. Revela-se também, além de criatura de contas certas, poeta e amoroso, o que para sapateiro dá mais nas mãos mesmo que rime com as solas. Que lhe terá sucedido?
Mas mais estranho, neste painel humano um pouco zoológico, é a Ama de Cristina, a menina casadoira, que não chegamos a perceber como convive com o seu hermafroditismo conatural. A auto-suficiência finalmente? É portanto um teatro de aberrações que vos propomos.
Mas, e digo mas, reticências, não falta ao entremez encenado a cereja no topo da torta mal parida, como desagradava aos antigos e aos fanáticos da proporção e simetrias direitas: Cristina, a menina casadoira, é a mãe de todos os quiproquós. Por ela todos se batem. Será que algum a vê? E ela, ela mesma, o que deseja mais que a liberdade de libertar o corpo?
Felizmente, para bem das nossas angústias e a favor da moral e da gente séria que ainda resta neste mundo, o final feliz repõe tudo onde deve estar. Cristina casará…
Fernando Mora Ramos
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Sérgio Santimano
sexta-feira, 12 de março de 2010
anaCrónicas 7
Um conhecido meu, dirigente do PS – conheci-o, boémio e marxista, nas tascas de Roma – contava-me aqui há uns anos que, no seu partido, os votos se compravam. E de duas maneiras: uma, era essa forma conhecida de pagar as quotas de militantes passivos, verdadeiramente não praticantes, ressuscitados para efeito votante em cada acto a preço de saldo votando no que fosse sinalizado pelos mandantes, a outra, complementar, era a de vender o próprio lugar na lista – ou melhor, comprar – dando-me como exemplo, se bem me lembro, os oito mil contos (na moeda antiga é mais nítido) que teria custado um lugar europeu. Não sei se era ficção, se era luta interna, se era um golpe baixo – creio que no interior dos partidos a Técnica política dos golpes baixos é mesmo única – ou se era mesmo verdade. O que é facto é que me disse isto e que me referiu que a coisa se passava lá numa terrinha longínqua, na serra. O que é facto é que os partidos, esse primeiro alicerce das democracias, são realidades opacas, escondidas, não escrutináveis e que dentro deles se passam coisas inomináveis e permanentemente escondidas, financeira e humanamente inadmissíveis – aliás os partidos são definidos por Umberto Cerroni, no seu magnífico livro, Teoria do partido Político, como partidos de interesses, partidos empresa, tendo desaparecido, corpo em agonia lenta, o partido de ideais.
Aquilo que deveria ser objectiva e publicamente observável como uma prática da transparência, por exemplo os processos eleitorais internos (já que são candidatos ao poder governativo, geral e são subvencionados por dinheiros públicos) não é senão um jogo escondido entre grupos de poder à procura da conquista desse primeiro poder, a caminho da conquista do poder político governativo e na sua sequência, do conjunto dos poderes. Ninguém duvida que é nos grupos partidários, muitos deles bem colocados nas grandes empresas e no sistema bancário, numa sequência organizativa transversal, que todas as trocas e baldrocas se combinam e conspiram, como ninguém duvida que são grupos, partidários e interpartidários, que dispõem do stock público de cargos apetecíveis como moeda de troca para todo o tipo de jogos de poder e benesses.
Nunca isso foi tão claro, como nunca foi tão clara a impotência das diversas justiças, dos tribunais às polícias de investigação, para repor a democracia nas suas verdadeiras regras de verdade e equilíbrio, que, mesmo nunca sendo uma realidade finalizada – a utopia democrática como perfeição igualitária e pureza transparente -, será tendencialmente uma realidade mais democrática numas conjunturas do que noutras – temos hoje saudades das chamadas social-democracias, reais certamente, por estranho que pareça. O que tem que se sentir é que prevalece a democracia no sistema e não o contrário, a corrupção e o abuso de poder como regra.
A chegada de Hitler ao poder relativizou, para sempre, o sistema do voto em democracia. Também – também, reparem - pelo voto, foi o caso, se caminhou para o campo de concentração e de extermínio. A questão do voto não está só em quem se vota, como sabemos hábil na arte do disfarce (Mussolini foi socialista), mas também no condicionamento ideológico do votante, e as ideologias são amálgamas incontroláveis, preconceito arreigado e estruturado sob a forma de potencial violência sectária e burocrática, de uniformidade de olhares, de prática social monstruosa tida como normal.
Se a justiça funcionasse a classe política seria outra, a virtude premiada e o mérito um bem reconhecido. Em Itália temos o exemplo caricatural, brutal no traço grosso, do que cá sucede. É falso que vivamos em democracia, vivemos num simulacro de democracia, numa amputação particularmente grave nesta conjuntura, porque na realidade as liberdades, culturalmente expressas numa espiritualidade difusa e laica, reguladora e vigilante qualificadamente como pressão de uma maioria esclarecida, não são poderes inscritos numa sociedade cada vez mais fechada a transformações que não conduzam ao mesmo e que, sob o paleio da igualdade de oportunidades, vem construindo o fosso, a discrepância, uma nova sociedade: a dos condomínios versus favelas, a das massas fast-fúdicas e absolutamente expostas na sua vida nua versus elites intocáveis e sempre protegidas pelos seguranças privados.
Na Índia chamam intocáveis aqueles que no fundo da escala não têm sequer direito a estar num mesmo espaço com outros, nem sequer a olhá-los e qualquer um que não seja intocável pode agredir um intocável. Por cá os Intocáveis vivem nas quintas das Marinhas, frequentam colégios privados de renda impossível para os demais e na altura devida são empregados nos grandes bancos em que os papás são grandes accionistas e administradores. E não importa que tenham subido a pulso ou que já lá estivessem – o mérito, nem a ética, são qualidades intrínsecas do chamado sucesso -, importa que servem, num caso e noutro, a regra da perpetuação do abismo fracturante.
Fernando Mora Ramos
Aquilo que deveria ser objectiva e publicamente observável como uma prática da transparência, por exemplo os processos eleitorais internos (já que são candidatos ao poder governativo, geral e são subvencionados por dinheiros públicos) não é senão um jogo escondido entre grupos de poder à procura da conquista desse primeiro poder, a caminho da conquista do poder político governativo e na sua sequência, do conjunto dos poderes. Ninguém duvida que é nos grupos partidários, muitos deles bem colocados nas grandes empresas e no sistema bancário, numa sequência organizativa transversal, que todas as trocas e baldrocas se combinam e conspiram, como ninguém duvida que são grupos, partidários e interpartidários, que dispõem do stock público de cargos apetecíveis como moeda de troca para todo o tipo de jogos de poder e benesses.
Nunca isso foi tão claro, como nunca foi tão clara a impotência das diversas justiças, dos tribunais às polícias de investigação, para repor a democracia nas suas verdadeiras regras de verdade e equilíbrio, que, mesmo nunca sendo uma realidade finalizada – a utopia democrática como perfeição igualitária e pureza transparente -, será tendencialmente uma realidade mais democrática numas conjunturas do que noutras – temos hoje saudades das chamadas social-democracias, reais certamente, por estranho que pareça. O que tem que se sentir é que prevalece a democracia no sistema e não o contrário, a corrupção e o abuso de poder como regra.
A chegada de Hitler ao poder relativizou, para sempre, o sistema do voto em democracia. Também – também, reparem - pelo voto, foi o caso, se caminhou para o campo de concentração e de extermínio. A questão do voto não está só em quem se vota, como sabemos hábil na arte do disfarce (Mussolini foi socialista), mas também no condicionamento ideológico do votante, e as ideologias são amálgamas incontroláveis, preconceito arreigado e estruturado sob a forma de potencial violência sectária e burocrática, de uniformidade de olhares, de prática social monstruosa tida como normal.
Se a justiça funcionasse a classe política seria outra, a virtude premiada e o mérito um bem reconhecido. Em Itália temos o exemplo caricatural, brutal no traço grosso, do que cá sucede. É falso que vivamos em democracia, vivemos num simulacro de democracia, numa amputação particularmente grave nesta conjuntura, porque na realidade as liberdades, culturalmente expressas numa espiritualidade difusa e laica, reguladora e vigilante qualificadamente como pressão de uma maioria esclarecida, não são poderes inscritos numa sociedade cada vez mais fechada a transformações que não conduzam ao mesmo e que, sob o paleio da igualdade de oportunidades, vem construindo o fosso, a discrepância, uma nova sociedade: a dos condomínios versus favelas, a das massas fast-fúdicas e absolutamente expostas na sua vida nua versus elites intocáveis e sempre protegidas pelos seguranças privados.
Na Índia chamam intocáveis aqueles que no fundo da escala não têm sequer direito a estar num mesmo espaço com outros, nem sequer a olhá-los e qualquer um que não seja intocável pode agredir um intocável. Por cá os Intocáveis vivem nas quintas das Marinhas, frequentam colégios privados de renda impossível para os demais e na altura devida são empregados nos grandes bancos em que os papás são grandes accionistas e administradores. E não importa que tenham subido a pulso ou que já lá estivessem – o mérito, nem a ética, são qualidades intrínsecas do chamado sucesso -, importa que servem, num caso e noutro, a regra da perpetuação do abismo fracturante.
Fernando Mora Ramos
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Dando seguimento à experiência do Paulo Ferreira
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Baile dos Bombeiros.1
Estou do lado de fora de Portugal. Que é dizer, na fronteira entre o Rectângulo e o Resto do Mundo, como acertadamente a hodierna politologia lusitana divide o planeta. Mais, o meu olhar sobre a res publica é assumidamente cândido. Avivado pela singular leitura das análises do camarada Táxi Pluvioso.
Para mim, qb para uma advertência prévia. Espreitemos a Cage aux Folles, como também é reconhecido o nosso Rectângulo.
Mais uma vez, o afortunado Portugal dá lições ao Resto de um Mundo que continua cativo da política pós-moderna. Numa demonstração inequívoca do seu alinhamento com a doutrina pós-pós-moderna, a tribo laranja atirou às urtigas a telegenia e o, chamemos-lhe, substancialismo. A orangerie vai escolher de entre três pretendentes aquele que haveria de derrotar o simulacro socrático que os apouca há cinco anos.
É só votar. Naquele que parece o Manelinho, da “Mafalda”de Quino, ou naquele que parece um lemur constipado ou, pior, naquele que parece um intelectual chippendale. Sem chip.
O baile promete. E a primeira dança está prometida: Marceau botará MãoNela.
Fabuloso rectângulo este, onde ainda poderá assistir a performances e frequentar fenómenos dignos respectivamente de um Houdini e do marreco de Mafra. Uma sugestão: Promoção da cartilha neoliberal, do endividamento cantante e do desnorte das contas públicas por...Jerry Pires Coxe. Acompanhado pelo coro conjunto das agências de notação, da banca islandesa e da internacional das remessas informais.
Fabuloso rectângulo de regresso às bases. Back to Basics. Alfaias agrícolas de madeira, sombra e água fresca.
JSP
Para mim, qb para uma advertência prévia. Espreitemos a Cage aux Folles, como também é reconhecido o nosso Rectângulo.
Mais uma vez, o afortunado Portugal dá lições ao Resto de um Mundo que continua cativo da política pós-moderna. Numa demonstração inequívoca do seu alinhamento com a doutrina pós-pós-moderna, a tribo laranja atirou às urtigas a telegenia e o, chamemos-lhe, substancialismo. A orangerie vai escolher de entre três pretendentes aquele que haveria de derrotar o simulacro socrático que os apouca há cinco anos.
É só votar. Naquele que parece o Manelinho, da “Mafalda”de Quino, ou naquele que parece um lemur constipado ou, pior, naquele que parece um intelectual chippendale. Sem chip.
O baile promete. E a primeira dança está prometida: Marceau botará MãoNela.
Fabuloso rectângulo este, onde ainda poderá assistir a performances e frequentar fenómenos dignos respectivamente de um Houdini e do marreco de Mafra. Uma sugestão: Promoção da cartilha neoliberal, do endividamento cantante e do desnorte das contas públicas por...Jerry Pires Coxe. Acompanhado pelo coro conjunto das agências de notação, da banca islandesa e da internacional das remessas informais.
Fabuloso rectângulo de regresso às bases. Back to Basics. Alfaias agrícolas de madeira, sombra e água fresca.
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Da Capital do Império
Alguém disse uma vez. Já não sei quem:
“Qualquer pessoa que tenha estado envolvida numa causa política - e coitado daquele que não tenha estado – conhece as pressões que o ardor político causa à honestidade intelectual. Quando se separa o universo em partes e se escolheu uma das partes, o melhor sinal de honestidade intelectual são as expressões de compreensão pelo outro lado e de antipatia pelo seu próprio lado”.
Tomei nota. Há muito tempo. Mas não tomei nota de quem o disse.
Abraços,
Da capital do Império
Jota Esse Erre
“Qualquer pessoa que tenha estado envolvida numa causa política - e coitado daquele que não tenha estado – conhece as pressões que o ardor político causa à honestidade intelectual. Quando se separa o universo em partes e se escolheu uma das partes, o melhor sinal de honestidade intelectual são as expressões de compreensão pelo outro lado e de antipatia pelo seu próprio lado”.
Tomei nota. Há muito tempo. Mas não tomei nota de quem o disse.
Abraços,
Da capital do Império
Jota Esse Erre
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Citações
"Aquele que controla o passado controla o futuro.
Aquele que controla o presente controla o passado"
In Ingsoc
Aforismos (1)
A intuição primeira da Filosofia é a de que o nosso ponto de vista é problemático. Não só causador de problemas pela sua insuficiência, como (o mais importante) ele próprio é um problema. O que é surpreendente (ou talvez não, se pensarmos um bocado sobre o assunto), é que isto que foi pensado logo no princípio ainda não tenha sido percebido completamente. Aliás, que nunca mais tenha sido percebido tão bem como quando se percebeu pela primeira vez.
quinta-feira, 11 de março de 2010
Do Amor à Escola e aos professores
anaCrónicas 6
Tem razão o Fernando Rebelo em protestar contra tanta água. Eu próprio, que sou peixe, me estou a passar. Explico-me: peixe de signo. O que apesar de tudo, não por ser filho de Março mas por no-la atirarem à cara os que, é o seu direito de expressão, querem encontrar nessas coisas um caminho de compreensão do que não percebem mas sentem muito. Na realidade quantas vezes nos perguntam o tal do signo? Mas como fui sendo sempre peixe na boca dos outros – salvo seja – lá fui incorporando umas guelras inconscientes, uma barbatana dorsal sem grande esplendor e mesmo aquela característica dos peixes que é mais óbvia e menos se vê e que é aquele olho que já vem morto, na nossa percepção mais comum, no prato ou perto dele. Um olho míope extraordinário, capaz de ver para dentro como nenhum outro. Os peixes são como o Jaime Gama, pelo menos os das águas profundas, conspiram muito enquanto podem. Antes que a esclerose avance, irremediável, sem regresso.
Pois é Fernando, esta coisa da água, passados os recordes de Alqueva que festejámos com a pátria apesar de, como foram dizendo técnicos e agricultores, ser água sem destino útil na sua escala – as obras são feitas para serem grandes mas antes não se cuidou do recheio que as preencha – é de facto uma chatice mais que cinzenta, é cinzenta no que chove dentro e parece prolongar-se no tempo tornando-o indiferenciado, insuportavelmente o mesmo. E nós somos viciados de sol e Primavera, dinâmicos na letargia de Agosto. Portugal, o sol, as praias, o peixe, o Algarve, a vida feita no exterior, a vida sem interior que não seja o da objectivação nessas condições naturais (estarão em extinção?) que os suecos invejam – também nos davam jeito aquelas capacidades que eles desenvolvem e que só a vida nos interiores propicia. Já pensaram numa sardinhada interior? Eles não pensam noutra coisa mas ainda não inventaram o exaustor específico.
A solução é levar o signo a sério e como o insecto do Kafka se irmanou da insignificância, irmanarmo-nos da água, metamorfose mais simpática. Uma poupança em impermeáveis e guarda-chuvas, que nunca resistem a um vento maior e muito menos a esta moda do granizo. É que a chuva também está diferente e vem de paragens que não eram as anteriores. E tudo por causa do anticiclone dos Açores que resolveu deslocar-se do seu sítio natural. Pode ser que Portugal também saia do sítio e desça mais um bocado no mapa cósmico. Não seria pior.
Olha Fernando, vou dar um pulo a Marrocos. Lá não chove. Não levo a barbatana, claro.
FMR
Pois é Fernando, esta coisa da água, passados os recordes de Alqueva que festejámos com a pátria apesar de, como foram dizendo técnicos e agricultores, ser água sem destino útil na sua escala – as obras são feitas para serem grandes mas antes não se cuidou do recheio que as preencha – é de facto uma chatice mais que cinzenta, é cinzenta no que chove dentro e parece prolongar-se no tempo tornando-o indiferenciado, insuportavelmente o mesmo. E nós somos viciados de sol e Primavera, dinâmicos na letargia de Agosto. Portugal, o sol, as praias, o peixe, o Algarve, a vida feita no exterior, a vida sem interior que não seja o da objectivação nessas condições naturais (estarão em extinção?) que os suecos invejam – também nos davam jeito aquelas capacidades que eles desenvolvem e que só a vida nos interiores propicia. Já pensaram numa sardinhada interior? Eles não pensam noutra coisa mas ainda não inventaram o exaustor específico.
A solução é levar o signo a sério e como o insecto do Kafka se irmanou da insignificância, irmanarmo-nos da água, metamorfose mais simpática. Uma poupança em impermeáveis e guarda-chuvas, que nunca resistem a um vento maior e muito menos a esta moda do granizo. É que a chuva também está diferente e vem de paragens que não eram as anteriores. E tudo por causa do anticiclone dos Açores que resolveu deslocar-se do seu sítio natural. Pode ser que Portugal também saia do sítio e desça mais um bocado no mapa cósmico. Não seria pior.
Olha Fernando, vou dar um pulo a Marrocos. Lá não chove. Não levo a barbatana, claro.
FMR
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In memoriam. José Maria Gomes aka Zeca Diabo
Memória bem guardada entre os que mais de perto privaram com o José Maria Gomes, durante a sua transitória frequência do enclave ‘português’ no Rio das Pécoras, merece jus divulgação nesta injusta inoportunidade obituária. Escrevemos memória com o intuito de desanimar os que habitualmente as treslêem como segredos mais ou menos ciosamente desguardados. Nada disso.
Memória do que deveria ser oportunamente dito sobre o Zeca Diabo. Como afectuosa e privadamente referiam os que oficinaram nos 80 meados os jornais a que deu alma e corpo. Primeiro o Correio, depois o Oriente.
Por respeito aos altos padrões de modéstia e inabalável confiança axiológica nos princípios da Igualdade e da Fraternidade a que o Zé Maria se obrigava, propomos, tão só, uma síntese e uma estória.
Por que nos falta o talento do aforismo na mesma medida em que desconhecemos o patois moderno apropriado, ficamo-nos por uma visitação nobre: gentil-homem.
Um homem bom, uma pessoa tranquila, um cidadão perenemente incomodado e inconformado com a exploração, a injustiça e todos os arbítrios. O Zé Maria era genuinamente assim, sem alardes, sem crispações. Quem se não lembra daquele jeito peculiar de discordar semisorrindo: “Nãããão”. Ou quando o disparate do interlocutor era confrangedor, um compreensivo: “Nããão sócio, não sócio”.
Jornalista escrupulosamente honesto, o Zeca Diabo sucedeu, no quadro desfavorável de responder por veículos escritos ditos pró-governamentais, em apresentar produtos tecnicamente limpos, rigorosos.
“Espírito de missão”, justificava, e por aí ficava a explicação da missão. O espírito, esse, revelava-se no sacrifício de suportar golpes baixos dos adversários, que os havia, e até se autodesignavam de oposição.
Pois a estória foi mais ou menos a seguinte. Soprado sobre uma vaga intenção governamental de ressuscitar o dossiê caminhos-de-ferro, nada mais nada menos do que o modus operandi adequado a quem quer encomendar estudos e consultorias várias- chamemos-lhe o método do raccord histórico ou do precedente auspicioso-, o Zé Maria verteu prosa investigada sobre comboios em Macau. Propósito nada fácil, uma vez que nunca houve comboios por estas bandas, pelo menos de natureza ferroviária.
O nosso Zeca não se deixou limitar por essa inconveniência e tratou de desencantar, sim, desencantar, um achado etimológico e um filão semântico, uma “Gazeta dos Caminhos de Ferro”, publicada em 1902, em Lisboa. A gazeta repescava uma ‘cacha’do Morning Leader de Londres, que anunciara a formação de um “syndicato” português para financiar e construir a linha de caminho de ferro entre Macau e Cantão.
A percepção desta possibilidade seria qb, mas o Zé Maria reforçou-a com a irrefutabilidade do material circulante: numa pequena pedreira da Ilha da Taipa era, fôra, possível observar o afã das pequenas vagonetas de cascalho, para cá e para lá, sobre carris.
Os tais adversários, acima introduzidos, não enjeitaram a oportunidade para ‘desancar’ o Zé Maria, o “Oriente”, associando o “delírio” dos comboios à deriva mental e financeira do governo. No mais duro estilo madeirense, chegaram ao ponto de insinuar que o Zé Maria teria sido visto, madrugada alta, junto à dita pedreira, com uma cavilha numa mão e uma garrafa de mao tai na outra.
Foi a gota de água. “Sócio, puta que os pariu, fechamos o jornal e vamos para o Skylight, para o Mermaid, para o Ritz, para o Kin Dô, para qualquer sítio”.
(continua)
JSP
Memória bem guardada entre os que mais de perto privaram com o José Maria Gomes, durante a sua transitória frequência do enclave ‘português’ no Rio das Pécoras, merece jus divulgação nesta injusta inoportunidade obituária. Escrevemos memória com o intuito de desanimar os que habitualmente as treslêem como segredos mais ou menos ciosamente desguardados. Nada disso.
Memória do que deveria ser oportunamente dito sobre o Zeca Diabo. Como afectuosa e privadamente referiam os que oficinaram nos 80 meados os jornais a que deu alma e corpo. Primeiro o Correio, depois o Oriente.
Por respeito aos altos padrões de modéstia e inabalável confiança axiológica nos princípios da Igualdade e da Fraternidade a que o Zé Maria se obrigava, propomos, tão só, uma síntese e uma estória.
Por que nos falta o talento do aforismo na mesma medida em que desconhecemos o patois moderno apropriado, ficamo-nos por uma visitação nobre: gentil-homem.
Um homem bom, uma pessoa tranquila, um cidadão perenemente incomodado e inconformado com a exploração, a injustiça e todos os arbítrios. O Zé Maria era genuinamente assim, sem alardes, sem crispações. Quem se não lembra daquele jeito peculiar de discordar semisorrindo: “Nãããão”. Ou quando o disparate do interlocutor era confrangedor, um compreensivo: “Nããão sócio, não sócio”.
Jornalista escrupulosamente honesto, o Zeca Diabo sucedeu, no quadro desfavorável de responder por veículos escritos ditos pró-governamentais, em apresentar produtos tecnicamente limpos, rigorosos.
“Espírito de missão”, justificava, e por aí ficava a explicação da missão. O espírito, esse, revelava-se no sacrifício de suportar golpes baixos dos adversários, que os havia, e até se autodesignavam de oposição.
Pois a estória foi mais ou menos a seguinte. Soprado sobre uma vaga intenção governamental de ressuscitar o dossiê caminhos-de-ferro, nada mais nada menos do que o modus operandi adequado a quem quer encomendar estudos e consultorias várias- chamemos-lhe o método do raccord histórico ou do precedente auspicioso-, o Zé Maria verteu prosa investigada sobre comboios em Macau. Propósito nada fácil, uma vez que nunca houve comboios por estas bandas, pelo menos de natureza ferroviária.
O nosso Zeca não se deixou limitar por essa inconveniência e tratou de desencantar, sim, desencantar, um achado etimológico e um filão semântico, uma “Gazeta dos Caminhos de Ferro”, publicada em 1902, em Lisboa. A gazeta repescava uma ‘cacha’do Morning Leader de Londres, que anunciara a formação de um “syndicato” português para financiar e construir a linha de caminho de ferro entre Macau e Cantão.
A percepção desta possibilidade seria qb, mas o Zé Maria reforçou-a com a irrefutabilidade do material circulante: numa pequena pedreira da Ilha da Taipa era, fôra, possível observar o afã das pequenas vagonetas de cascalho, para cá e para lá, sobre carris.
Os tais adversários, acima introduzidos, não enjeitaram a oportunidade para ‘desancar’ o Zé Maria, o “Oriente”, associando o “delírio” dos comboios à deriva mental e financeira do governo. No mais duro estilo madeirense, chegaram ao ponto de insinuar que o Zé Maria teria sido visto, madrugada alta, junto à dita pedreira, com uma cavilha numa mão e uma garrafa de mao tai na outra.
Foi a gota de água. “Sócio, puta que os pariu, fechamos o jornal e vamos para o Skylight, para o Mermaid, para o Ritz, para o Kin Dô, para qualquer sítio”.
(continua)
JSP
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Aforismos Blogosféricos (4)
Se a vida fosse um espelho da blogosfera, a pulhice, a vileza, a pobreza de espírito, seriam a regra e não a excepção. Ou será ao contrário?
quarta-feira, 10 de março de 2010
Uma experiência do Paulo Ferreira
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Os putos são porreiros

Os putos são porreiros, disse a mãe sem olhar para a amiga. Com a ganza na mão esquerda e o isqueiro na direita, deixou a chama tocar ao de leve na bolinha esverdeada. Ao de leve, para não a queimar. Ya, disse a amiga. Não sei como há pessoas que não curtem crianças. A mãe esfarelou a pedra e misturou-o ao tabaco com a ponta dos dedos. Os adultos são materialistas, ‘tás a topar? E a outra: Ya, não entendem a inocência dos putos. O aroma do haxe chegou até ao quarto, até ao miúdo sentado à secretária. Tinha à frente um caderno, e copiava as frases escritas na ficha. O gato pediu um saco ao seu novo amo. Lá fora a tarde ia radiosa, o sol entrava pela janela, batia em cheio na folha branca. A luz era tão forte que feria os olhos. Uma mosca esvoaçava às cegas de encontro ao vidro, a zunir. O gato foi à floresta apanhar uma lebre. A mãe enrolou o charuto, acendeu-o e passou-o à amiga. Depois estendeu a mão para a aparelhagem e subiu o volume. O miúdo conhecia bem aquela música, a mãe punha-a sempre que tinha visitas. Curtes este som? A amiga fez que sim com a cabeça mas não disse nada. Inspirava fundo, fechando os olhos para sentir a pedrada. Uma, duas, três vezes. Devolveu o charro e recostou-se nas almofadas indianas. Pela porta entreaberta, o rapazinho espreitou para a sala. A mãe tinha os olhos fechados e acompanhava o compasso da música com um balanço repetido do tronco. A amiga também tinha os olhos fechados, mas erguera os joelhos à altura do queixo, num movimento que lhe expunha as coxas. Pela fresta, o puto ficou de olhos postos no triângulo branco das cuecas, marcado pelo sulco da racha. A mãe disse qualquer coisa, mas a música estava alto e o miúdo não ouviu. A amiga ouviu, e respondeu. E ao responder moveu-se e baixou os joelhos. A atenção do puto voltou-se para a mosca pousada na vidraça. Amolecida pelo calor, não teve tempo de levantar voo. Num gesto súbito, o rapazinho aprisionou-a no punho cerrado, mas sem apertar, para não a esmagar. Com mil cautelas, não fosse ela fugir, segurou-a entre os dedos da outra mão e ficou um instante a observá-la. Depois, com gestos minuciosos, arrancou-lhe as asas, uma após outra, e pousou-a na folha do caderno. O bicho, na agonia, contorcia-se e rodopiava em arabescos loucos, deixando um rasto sanguinolento no branco do papel. O puto ficou-se a vê-la durante um bocado, até que a música acabou e a voz da mãe chegou da sala. Querido, já acabaste os trabalhos? Está quase, mamã. Num gesto seco, abateu a palma da mão sobre o insecto e esborrachou-o. Então acaba, e depois vem lanchar. O miúdo limpou a mão aos calções e ouviu a mãe a perguntar à amiga: Não queres um chá? Chá preto? Não, chá preto nunca bebo. Excita muito. Este é de flor de tília, lúpulo e lavanda. Bué de relaxante.
José Pinto de Sá
anaCrónicas 5
«Aquele que pertence verdadeiramente ao seu tempo, o verdadeiro contemporâneo é o que não coincide perfeitamente com ele nem adere às suas pretensões, definindo-se, neste sentido, como inactual.
A contemporaneidade é portanto uma relação singular com o seu próprio tempo, a que se adere preservando as suas distâncias; ela é a relação com o tempo que lhe adere pelo desfasamento e pelo anacronismo; Aqueles que coincidem excessivamente com a sua época, que se lhe adequam perfeitamente em todos os seus pontos, não são contemporâneos porque, por estas mesmas razões, não chegam a vê-la. Não conseguem fixar o olhar que lhe dirigem.»
Agamben escreve isto em 2008.
A sensação que tenho depois de um sem número de teses sobre a ditadura do presente, é que, de facto, os nossos modernos – eles atiram a palavra modernidade quando, por uma razão qualquer, necessitam de falar do futuro diante de um par de microfones apontados como armas; modernidade, dizem logo como passe de magia verbal e dizem que para lá caminhamos, sendo portanto essa modernidade vindoura o que nos espera para a frente, o futuro portanto, uma imprevisibilidade cada vez mais obscura a que não se quer reconhecer nem a obscuridade e muito menos diagnosticar as causas profundas e próximas naquilo que contém de opaco, invisível, irracionalidade alimentada, nevoeiro compacto sem Sebastião possível – são não só pessoas actualizadíssimas, portanto aderindo ao seu tempo sem desfasamento, coincidindo com ele, como não têm sequer tempo para pensar o que dizem, de tal modo o dizem sem o desfasamento que qualifica o pensamento como tal, sem tomarem distâncias para além do jogo interpartidário do poder e dos poderes. Diante, só têm mesmo os votos, as sondagens constantes exercendo a sua função de arma política e a manchete mais relevante da hora. Para além disso têm obviamente a dívida pública, mascote do regime. Como se depreende falo de líderes, esses visionários de serviço ao sistema como presente absoluto.
FMR
A contemporaneidade é portanto uma relação singular com o seu próprio tempo, a que se adere preservando as suas distâncias; ela é a relação com o tempo que lhe adere pelo desfasamento e pelo anacronismo; Aqueles que coincidem excessivamente com a sua época, que se lhe adequam perfeitamente em todos os seus pontos, não são contemporâneos porque, por estas mesmas razões, não chegam a vê-la. Não conseguem fixar o olhar que lhe dirigem.»
Agamben escreve isto em 2008.
A sensação que tenho depois de um sem número de teses sobre a ditadura do presente, é que, de facto, os nossos modernos – eles atiram a palavra modernidade quando, por uma razão qualquer, necessitam de falar do futuro diante de um par de microfones apontados como armas; modernidade, dizem logo como passe de magia verbal e dizem que para lá caminhamos, sendo portanto essa modernidade vindoura o que nos espera para a frente, o futuro portanto, uma imprevisibilidade cada vez mais obscura a que não se quer reconhecer nem a obscuridade e muito menos diagnosticar as causas profundas e próximas naquilo que contém de opaco, invisível, irracionalidade alimentada, nevoeiro compacto sem Sebastião possível – são não só pessoas actualizadíssimas, portanto aderindo ao seu tempo sem desfasamento, coincidindo com ele, como não têm sequer tempo para pensar o que dizem, de tal modo o dizem sem o desfasamento que qualifica o pensamento como tal, sem tomarem distâncias para além do jogo interpartidário do poder e dos poderes. Diante, só têm mesmo os votos, as sondagens constantes exercendo a sua função de arma política e a manchete mais relevante da hora. Para além disso têm obviamente a dívida pública, mascote do regime. Como se depreende falo de líderes, esses visionários de serviço ao sistema como presente absoluto.
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Em viagem de férias (25)
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terça-feira, 9 de março de 2010
anaCrónicas 4
A guilhotina tem a marca do terror. Contra livros parece então o cúmulo da desvergonha, principalmente quando quem manda guilhotinar é quem edita. Como pode quem tem supostamente o amor dos livros dar cabo deles? Mas é assim, já o mesmo acontece às maçãs e ao peixe quando o excesso traz na oferta a quebra dos preços. Eles lá sabem porque raio é que acham que isso é lei a respeitar na economia básica? No meio desta regra há quem a ela não pertença e ao lado tenha fome. O mesmo para o livro, embora, no caso, esse tipo de fome seja menos perceptível e muitas vezes o faminto nem se dê conta dada a omnipresença da fome de primeiro tipo, a do estômago. Nunca o livro esteve tão claramente reduzido à sua expressão comercial, como nunca ouve tanta capa a despropósito da substância literária interior – vende-se para o olho.
Robespierre certamente que mandaria para a guilhotina não os livros mas quem guilhotinasse livros. E no meio de tanto novo analfabetismo em expansão ficamos de facto surpresos - ele há estatísticas para tudo portanto será difícil que tudo nelas, nas várias, não venha provar a senda constante do progresso (o puguesso como dizia o Cavaco mais primitivo) em direcção ao progresso ou se preferirem, à modernidade, essa galdéria que está em todas as bocas.
Como é possível? Na Itália, quando Berlusconi, esse supra-sumo da estética capilar requentada, entre outras aquisições, comprou a Mondadori, mandou as completas do Goldoni armazenadas já não sei onde pelo mesmo caminho, a guilhotina. O armazenamento, explicam, é mais importante que o livro e certamente mais importante que os leitores. Importância medida pela relação espaço versus pilim – como nos estacionamentos, essa mina de ouro certo. Os livros na realidade estão estacionados. Na altura pareceu-me que a façanha estava à altura do bicho. E pensei que viria bem ao mundo se o guilhotinassem a ele, talvez mesmo entre as partes – é uma metáfora, claro, já que não guilhotinam tomates. Mas aqui, com a tradição miserável que o livro e a leitura têm, guilhotinar livros do Sena, do Eugénio de Andrade, da Sofia? De facto tem razão o Luís Fernandes quando no Público clamou para que não lessem as coisas da Leya, essa editora que, entre outros tops, tem o Saramago. Será que o Nobel vai fazer ouvir a sua voz ou, tratando-se do patrão, a calará? Era uma boa ocasião para sair da editora e eventualmente fundar outra, alternativa e não monopolista. Mas isso obviamente obrigaria a ir contra a lógica best seller.
FMR
Robespierre certamente que mandaria para a guilhotina não os livros mas quem guilhotinasse livros. E no meio de tanto novo analfabetismo em expansão ficamos de facto surpresos - ele há estatísticas para tudo portanto será difícil que tudo nelas, nas várias, não venha provar a senda constante do progresso (o puguesso como dizia o Cavaco mais primitivo) em direcção ao progresso ou se preferirem, à modernidade, essa galdéria que está em todas as bocas.
Como é possível? Na Itália, quando Berlusconi, esse supra-sumo da estética capilar requentada, entre outras aquisições, comprou a Mondadori, mandou as completas do Goldoni armazenadas já não sei onde pelo mesmo caminho, a guilhotina. O armazenamento, explicam, é mais importante que o livro e certamente mais importante que os leitores. Importância medida pela relação espaço versus pilim – como nos estacionamentos, essa mina de ouro certo. Os livros na realidade estão estacionados. Na altura pareceu-me que a façanha estava à altura do bicho. E pensei que viria bem ao mundo se o guilhotinassem a ele, talvez mesmo entre as partes – é uma metáfora, claro, já que não guilhotinam tomates. Mas aqui, com a tradição miserável que o livro e a leitura têm, guilhotinar livros do Sena, do Eugénio de Andrade, da Sofia? De facto tem razão o Luís Fernandes quando no Público clamou para que não lessem as coisas da Leya, essa editora que, entre outros tops, tem o Saramago. Será que o Nobel vai fazer ouvir a sua voz ou, tratando-se do patrão, a calará? Era uma boa ocasião para sair da editora e eventualmente fundar outra, alternativa e não monopolista. Mas isso obviamente obrigaria a ir contra a lógica best seller.
FMR
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segunda-feira, 8 de março de 2010
Em viagem de férias (24)
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anaCrónicas 3
Diante do gordo do Preço Certo acontece-nos descobrir o que sempre intuíramos mas o que nunca pensáramos. Este tipo, se decide fazer uma dieta, vai para o desemprego. A obesidade, a tal que se combate licenciando os sistemas de engorda da comida rápida nas praças da alimentação e nas escolas públicas é a razão do êxito. Sim, porque um emprego de luxo é uma forma específica de sucesso, já que a outra é ser parte da tal corrupção que, segundo mais de sessenta por cento dos portugueses, não é assim uma coisa tão má, porque nalguns casos, é redistribuída, reinvestida dizem. Portanto o ladrão que rouba para reinvestir é amigo do povo e o branqueamento de capitais uma das actividades morais mais destacadas dos narcotraficantes – por cá também há, como havia a ETA, ali, no paraíso obidense, vila postal a dois passos da pirotecnia criativa.
Aquela história do Brecht quando falava de demitir o povo e não o ministro perdeu o sentido. A massa é massa e vem-lhe o faro da oportunidade com ávida coerência própria, mistura de inveja e forte desejo de ascensão clicável. E à criatura massiva cheira que não lhe calhando o totoloto lhe pode calhar em alternativa o que reste, em notas voadoras, do saque de um multibanco próximo. Até dará uma ajudinha.
É assim o pão e circo, a vida actual no circo globalizado do mundo, a realidade constantemente espectacularizada – dizem-na também virtualizada para a tornar mais neutra – necessita das suas aberrações (os índios talvez tivessem alma, Bartolomeu de Las Casas bateu-se pela alma deles e, em Woizeck, o cavalo fazia que sim com a cabeça e não era lusitano) para que o espectáculo prenda os sentidos dos espectadores planetários com eficácia imperial e faça salivar a mente quando o fetiche, muitas vezes um automóvel, brilha sob a luz dos projectores em consonância com o clímax sonoro num verdadeiro horizonte cantante.
Diz-se: o teatro é grego, o espectáculo é romano. O gordo do preço certo tem garantida a sua posição de renda, como acontece em qualquer loja dos trezentos a um gordo que ofereça fetiches de uso quotidiano cujo valor multiplique trezentos pela precariedade geral em que somos olhos e barriga ávidos de propriedade. Assim como têm emprego certo, por contraposição, as boazonas que ajudam a decorar as mercadorias com o esbelto par de pernas mais o sorriso obrigatório, outra razão de competência específica para emprego certo. O gordo que se acautele, porque o gigante de Manjacaze lá morreu de uma altura que não parava de disputar o cimo da copa das árvores, o que às árvores seculares não agrada, pois mais alto, de direito autenticado pela tradição, só os pássaros e os arranha-céus de betão imortal. Um dia o corpo não poderá suportar o tamanho em crescimento constante – oxalá isso acontecesse à economia, dirão os preocupados com a pátria. O gordo, com aquelas piadas estafadas, só engorda mais. É o preço certo da própria dignidade animal, o culto da banha alimentada e mantida como uma amante no tempo antigo das amantes mantidas – também está em extinção, não as amantes, mas esta forma especificamente económica, já que não é um investimento, nem sequer um roubo eticamente apoiado na visão vulgar, não rende, é puro défice.
E a ração do gordo não é, por certo, qualquer uma.
FMR
Aquela história do Brecht quando falava de demitir o povo e não o ministro perdeu o sentido. A massa é massa e vem-lhe o faro da oportunidade com ávida coerência própria, mistura de inveja e forte desejo de ascensão clicável. E à criatura massiva cheira que não lhe calhando o totoloto lhe pode calhar em alternativa o que reste, em notas voadoras, do saque de um multibanco próximo. Até dará uma ajudinha.
É assim o pão e circo, a vida actual no circo globalizado do mundo, a realidade constantemente espectacularizada – dizem-na também virtualizada para a tornar mais neutra – necessita das suas aberrações (os índios talvez tivessem alma, Bartolomeu de Las Casas bateu-se pela alma deles e, em Woizeck, o cavalo fazia que sim com a cabeça e não era lusitano) para que o espectáculo prenda os sentidos dos espectadores planetários com eficácia imperial e faça salivar a mente quando o fetiche, muitas vezes um automóvel, brilha sob a luz dos projectores em consonância com o clímax sonoro num verdadeiro horizonte cantante.
Diz-se: o teatro é grego, o espectáculo é romano. O gordo do preço certo tem garantida a sua posição de renda, como acontece em qualquer loja dos trezentos a um gordo que ofereça fetiches de uso quotidiano cujo valor multiplique trezentos pela precariedade geral em que somos olhos e barriga ávidos de propriedade. Assim como têm emprego certo, por contraposição, as boazonas que ajudam a decorar as mercadorias com o esbelto par de pernas mais o sorriso obrigatório, outra razão de competência específica para emprego certo. O gordo que se acautele, porque o gigante de Manjacaze lá morreu de uma altura que não parava de disputar o cimo da copa das árvores, o que às árvores seculares não agrada, pois mais alto, de direito autenticado pela tradição, só os pássaros e os arranha-céus de betão imortal. Um dia o corpo não poderá suportar o tamanho em crescimento constante – oxalá isso acontecesse à economia, dirão os preocupados com a pátria. O gordo, com aquelas piadas estafadas, só engorda mais. É o preço certo da própria dignidade animal, o culto da banha alimentada e mantida como uma amante no tempo antigo das amantes mantidas – também está em extinção, não as amantes, mas esta forma especificamente económica, já que não é um investimento, nem sequer um roubo eticamente apoiado na visão vulgar, não rende, é puro défice.
E a ração do gordo não é, por certo, qualquer uma.
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Yori Goodman
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À espera
A chuva teima em acinzentar-nos os dias e a amargar-nos a existência.
Não esquecemos os amigos. Mas as ruas conduzem-nos a casa. Encolhidos. Encharcados.
Saudosos do sol, com vontade de rever os amigos.
Conversas que estão à espera que as nuvens se dissipem, copos vazios esperando o momento do encontro.
Um abraço enxuto.
Não esquecemos os amigos. Mas as ruas conduzem-nos a casa. Encolhidos. Encharcados.
Saudosos do sol, com vontade de rever os amigos.
Conversas que estão à espera que as nuvens se dissipem, copos vazios esperando o momento do encontro.
Um abraço enxuto.
domingo, 7 de março de 2010
Jeux Interdits
Com a devida vénia ao Kitanda
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Da Capital do Império
Com a Europa irritada com a recusa de Barack Obama em participar na cimeira anual EU/EUA dando preferência a uma deslocação à Ásia, importa dizer que aqui em Washington o impensável começa a ser mencionado: desligar os Estados Unidos da NATO.
Não que isto seja moeda corrente ou que vá acontecer já no próximo ano, mas o facto de essa possibilidade ser agora mencionada por analistas credíveis e de passado militar reflecte um crescente mal-estar, senão mesmo irritação de Washington com a falta de vontade dos países europeus de assumirem na generalidade maiores gastos com a defesa e em particular um maior papel na guerra no Afeganistão.
“Os dirigentes da Europa precisam de dizer a si próprios – e aos seus eleitores – a verdade. A guerra no Afeganistão não envolve apenas a segurança da América. É também uma questão de negar santuários à Al Qaeda que também já levou a cabo ataques mortíferos na Europa”, em editorial do Washington Post no passado dia 25 de Fevereiro.
Deste lado do Atlântico reconhece-se agora que a “desmilitarização” ou “pacificação” da Europa é uma realidade que para alguns vai inevitavelmente resultar na “finlandização” da Europa., uma entidade que em palavras se assume como parte da Aliança Atlântica mas que na prática e por diversas razões é incapaz de assumir posições que a possam levar a assumir riscos e gastos militares.
“A desmilitarização da Europa – com grandes sectores do público em geral e da classe política contrários ao conceito de força militar e aos riscos que isso inclui -- transformou-se de uma bênção no século 20 para um impedimento em se alcançar uma segurança real e uma paz duradoira no século XXI,” disse no final do mês passado aqui em Washington o Secretário de Defesa Robert Gates.
Gates – um homem que continua a acreditar no futuro da NATO -- fez notar que muitos dos países da NATO não estão dispostos a cumprir os seus deveres quanto à aquisição de aviões de transporte, de reabastecimento, helicópteros e mesmo na aquisição de “intelligence”.
A NATO, disse ele, tem que fundamentalmente mudar o meio como “estabelece as suas prioridades e o uso de recursos” para poder continuar “relevante” numa nova situação estratégica.
“A NATO precisa de reformas imediatas, sérias, de grande alcance para fazer face uma crise que é um produto de vários anos,” acrescentou.
Mas Andrew Bacevich, um antigo oficial de alta patente do exército Americano, e actual professor universitário em Boston disse já este mês de Março que na sua opinião “a pacificação da Europa deverá provar ser irreversível”, algo que contudo ele vê como “uma oportunidade extraordinária”.
Para Bacevich os Estados Unidos querem transformar a NATO num “instrumento de projecção de poder” e o Afeganistão é o “indicador mais importante” das tentativas de Washington de transformar a NATO.
O analista militar considera que a expansão da NATO criou uma falta de coesão agravada pelo facto de apenas quatro países europeus respeitarem o acordo de gastarem pelo menos dois por cento dos PIB em gastos militares. O comandante geral da NATO, disse ele, “tem agora tanta importância como o presidente de uma universidade de tamanho decente”.
Para Bacevich a NATO só poderá ter um futuro se voltar às suas origens, nomeadamente “garantir a segurança das democracias europeias”.
Para isso “os Estados Unidos devem atrever-se a fazer o impensável: permitir à Nato voltar a ser uma organização europeia dirigida por europeus para servir interesses europeus, garantir a segurança e bem-estar de uma Europa unida e livre”.
O problema com esta análise, dizem outros especialistas, é que países europeus como a Polónia, Republica Checa e Lituânia não têm qualquer confiança na França e Alemanha como garantes das suas liberdades preferindo garantir a sua segurança numa NATO ancorada nos EUA e na Grã-Bretanha.
Lembram esses analistas que aquando a guerra nos Balcãs (Bósnia e Kosovo) houve quem em Bruxelas tivesse declarado que isso era “um problema europeu a ser resolvido pelos europeus”. Acabou por ser a força aerea dos Estados Unidos que levou Slobodan Milosvic à rendição face à incapacidade militar dos países europeus de lidarem com a situação de modo efectivo.
A NATO está actualmente a elaborar um novo Conceito Estratégico para definir o seu futuro, mas aqui todos se recordam que aquando do 50 aniversário da NATO isso foi também discutido em grande detalhe
Caso o novo Conceito Estratégico não aprove mudanças operacionais e institucionais concretas não vai valer o preço do papel onde fôr escrito. Quem o diz não sou eu. É Robert Gates.
Da Capital do Império,
Jota Esse Erre
Não que isto seja moeda corrente ou que vá acontecer já no próximo ano, mas o facto de essa possibilidade ser agora mencionada por analistas credíveis e de passado militar reflecte um crescente mal-estar, senão mesmo irritação de Washington com a falta de vontade dos países europeus de assumirem na generalidade maiores gastos com a defesa e em particular um maior papel na guerra no Afeganistão.
“Os dirigentes da Europa precisam de dizer a si próprios – e aos seus eleitores – a verdade. A guerra no Afeganistão não envolve apenas a segurança da América. É também uma questão de negar santuários à Al Qaeda que também já levou a cabo ataques mortíferos na Europa”, em editorial do Washington Post no passado dia 25 de Fevereiro.
Deste lado do Atlântico reconhece-se agora que a “desmilitarização” ou “pacificação” da Europa é uma realidade que para alguns vai inevitavelmente resultar na “finlandização” da Europa., uma entidade que em palavras se assume como parte da Aliança Atlântica mas que na prática e por diversas razões é incapaz de assumir posições que a possam levar a assumir riscos e gastos militares.
“A desmilitarização da Europa – com grandes sectores do público em geral e da classe política contrários ao conceito de força militar e aos riscos que isso inclui -- transformou-se de uma bênção no século 20 para um impedimento em se alcançar uma segurança real e uma paz duradoira no século XXI,” disse no final do mês passado aqui em Washington o Secretário de Defesa Robert Gates.
Gates – um homem que continua a acreditar no futuro da NATO -- fez notar que muitos dos países da NATO não estão dispostos a cumprir os seus deveres quanto à aquisição de aviões de transporte, de reabastecimento, helicópteros e mesmo na aquisição de “intelligence”.
A NATO, disse ele, tem que fundamentalmente mudar o meio como “estabelece as suas prioridades e o uso de recursos” para poder continuar “relevante” numa nova situação estratégica.
“A NATO precisa de reformas imediatas, sérias, de grande alcance para fazer face uma crise que é um produto de vários anos,” acrescentou.
Mas Andrew Bacevich, um antigo oficial de alta patente do exército Americano, e actual professor universitário em Boston disse já este mês de Março que na sua opinião “a pacificação da Europa deverá provar ser irreversível”, algo que contudo ele vê como “uma oportunidade extraordinária”.
Para Bacevich os Estados Unidos querem transformar a NATO num “instrumento de projecção de poder” e o Afeganistão é o “indicador mais importante” das tentativas de Washington de transformar a NATO.
O analista militar considera que a expansão da NATO criou uma falta de coesão agravada pelo facto de apenas quatro países europeus respeitarem o acordo de gastarem pelo menos dois por cento dos PIB em gastos militares. O comandante geral da NATO, disse ele, “tem agora tanta importância como o presidente de uma universidade de tamanho decente”.
Para Bacevich a NATO só poderá ter um futuro se voltar às suas origens, nomeadamente “garantir a segurança das democracias europeias”.
Para isso “os Estados Unidos devem atrever-se a fazer o impensável: permitir à Nato voltar a ser uma organização europeia dirigida por europeus para servir interesses europeus, garantir a segurança e bem-estar de uma Europa unida e livre”.
O problema com esta análise, dizem outros especialistas, é que países europeus como a Polónia, Republica Checa e Lituânia não têm qualquer confiança na França e Alemanha como garantes das suas liberdades preferindo garantir a sua segurança numa NATO ancorada nos EUA e na Grã-Bretanha.
Lembram esses analistas que aquando a guerra nos Balcãs (Bósnia e Kosovo) houve quem em Bruxelas tivesse declarado que isso era “um problema europeu a ser resolvido pelos europeus”. Acabou por ser a força aerea dos Estados Unidos que levou Slobodan Milosvic à rendição face à incapacidade militar dos países europeus de lidarem com a situação de modo efectivo.
A NATO está actualmente a elaborar um novo Conceito Estratégico para definir o seu futuro, mas aqui todos se recordam que aquando do 50 aniversário da NATO isso foi também discutido em grande detalhe
Caso o novo Conceito Estratégico não aprove mudanças operacionais e institucionais concretas não vai valer o preço do papel onde fôr escrito. Quem o diz não sou eu. É Robert Gates.
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sábado, 6 de março de 2010
anaCrónicas 2
Os pais desavindos com a primeira palavra a ensinar depois do leite militante entraram em ciclotimia de afectos. Quase nem se falavam. Ela queria mamã talvez – segundo uma fonte mais ou menos credível – e ele queria papá – segundo outra fonte mais ou menos credível. Tudo um pouco primário mas perfazendo o pleno das emoções, essa sensação de estar vivo, equivalente, pela negativa, à do bandulho cheio, essa sensação de ser jibóia. Recorreram portanto ao tribunal familiar. Mas tudo ficou sem saída, já que as partes se dividiam por fronteiras sanguíneas e por afectos politicamente correctos, resultando tudo numa igualdade de braços no ar – a família era da esquerda arcaica, enraizada em terra de sequeiro lá para os lados onde o horizonte não é coxo. De regresso ao lar e para não lhes acontecer o mesmo que aos outros que se esqueceram de alimentar o bebé, que morreu, enquanto jogavam online o jogo da filha virtual a tempo inteiro, resolveram dar o biberão à criança, o que o pai fez pois era a sua vez, sendo que ela tinha optado pela fralda que viesse. E a vida continuou desavinda, amuos, olhares carregados, dores de cabeça, náuseas inexplicadas e mesmo longas desistências mergulhadas na banheira em osmose de amores com a água quente pelas bordas do topo.
Andaram assim meses até que no mesmo sonho – era um casal muito unido no sono e com a crise, que a todos vem tocando, sonhavam mais barato sonhando o mesmo sonho – uma voz silenciosa, subliminar lhes derramou para o ouvido interno a palavra do desejado consenso: e porque não ensinar à criança a palavra défice? E os dias rosa do leite mamado em directo voltaram.
FMR
Andaram assim meses até que no mesmo sonho – era um casal muito unido no sono e com a crise, que a todos vem tocando, sonhavam mais barato sonhando o mesmo sonho – uma voz silenciosa, subliminar lhes derramou para o ouvido interno a palavra do desejado consenso: e porque não ensinar à criança a palavra défice? E os dias rosa do leite mamado em directo voltaram.
FMR
Em viagem de férias (23)
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sexta-feira, 5 de março de 2010
anaCrónicas 1
A propósito de touros, e bravos, veio-me à mona o bode do Mário Henrique Leiria. No conto do Leiria o bode é uma máquina devoradora de papel selado, requerimentos, dossiês, peixes de prata – lindo nome para iguaria (eles comem-no, os bárbaros, como as baratas) tão reles – lombadas amarelecidas de nostalgia cultivada, livros angustiados à espera do toque dos dedos que os folheiem, silêncios ocos sob a caliça que se desprende de paredes esquecidas do viço da cal virgem e outros elementos característicos dos paraísos esverdeados da burocracia. O bode foi aliás condecorado por serviços relevantes prestados à pátria. Eis que agora o touro bravo saiu, sob a forma de candidato a cadáver – esperam-no as bandarilhas e os bandarilheiros sob o olhar ávido dos vampiros consumidores encartados de pão e circo –, no Diário da República, como motivo protagonista de constituição de uma secção especializada do Conselho Nacional de Cultura, organismo tirado da cartola da sua letargia antiga de nobilitados membros do pedestal da República. É a pura da verdade: a República dispõe, a partir desta publicação em Diário da República, de uma secção cultural especializada em tauromaquia, com um elenco de fazer inveja à maior peça de Shakespeare, em número que não em diversidade humana caracterial, claro. Quando mais evoluímos mais nos enredamos no fado de uma suposta identidade moldada em atavismos e arcaísmos. E para mais espanto, tal decisão, foi tomada pela pianista Ministra que, ao que parece, se tornou aficionada lá para os Açores aquando de um Congresso, certamente mundial, de touros. Nada me move contra os touros, como não sou contra o bitoque, as guerras serão outras, mais complexas e a maior parte delas nem sequer escolhidas.
É claro que tudo isto integra a sociedade do espectáculo e que quem se mede na política diariamente, calculando a sua temperatura de popularidade, está sempre em condição de definição do seu estado estatístico, o que significa estatuto, sempre instável por certo naquilo que aproxima o Ministro do Primeiro-Ministro. Será isto a política hoje?
A mim só me choca ver o touro ribatejano no Diário da República misturado com a fila de licenciados a empoleirar-se no que der e vier. É que merecia mais a companhia dos chaparros, o ar livre do montado e o amargo doce da bolota, tal como ao javali agrada. Nada contra os licenciados, entenda-se, mais que proletários no país centro comercializado, e tudo pela liberdade.
FMR
É claro que tudo isto integra a sociedade do espectáculo e que quem se mede na política diariamente, calculando a sua temperatura de popularidade, está sempre em condição de definição do seu estado estatístico, o que significa estatuto, sempre instável por certo naquilo que aproxima o Ministro do Primeiro-Ministro. Será isto a política hoje?
A mim só me choca ver o touro ribatejano no Diário da República misturado com a fila de licenciados a empoleirar-se no que der e vier. É que merecia mais a companhia dos chaparros, o ar livre do montado e o amargo doce da bolota, tal como ao javali agrada. Nada contra os licenciados, entenda-se, mais que proletários no país centro comercializado, e tudo pela liberdade.
FMR
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Discurso de Aceitação do Prémio Leya 2009

Desde tempos recuados que o continente africano se tornou famoso como fonte de matérias-primas. Por elas se matou e se morreu. No princípio foi o ouro da bíblica Ofir e do Mwenemutapa, depois o marfim, o corno de rinoceronte capaz de operar maravilhas no Oriente, e até a energia humana por meio do hediondo comércio de escravos e dos trabalhos forçados. África forneceu pois, ainda que de forma involuntária e nem sempre com proveito, o combustível das grandes revoluções que fizeram o mundo avançar para aquilo que é hoje. À medida que este avançava, novas matérias-primas nela foram sendo descobertas, assim como se apuraram novas maneiras de as pesquisar: o cacau e a borracha, o petróleo, os diamantes, e até o coltan, o chamado “ouro azul” do sul do Congo, sem o qual os notebooks e os telefones celulares não poderiam funcionar.
Todavia, há uma matéria-prima que desde sempre foi passando despercebida às pesquisas, apesar das esforçadas expedições, da sofisticação das análises e dos testes, dos radares e sondas, enfim, dos satélites.
A matéria-prima a que me refiro, em estado bruto parece uma pedra vulgar em nada distinta das outras pedras. É uma pedra feita das histórias das pessoas deste país Moçambique, e desta região: dos seus desejos e sonhos, das suas memórias e disputas, dos lugares que habitam e do que fazem no seu dia-a-dia – enfim, da vida que têm. Talvez (e porque é esta a ordem do mundo enquanto a não conseguirmos mudar), uma pedra mais despojada, mas ainda assim capaz de uma beleza e força singulares.
A par de me desbravar os meus próprios interiores e de me confrontar com a minha própria língua, entendo a escrita literária como o ofício de polir essa pedra. Todavia, dado que para polir cada pedra há primeiro que achá-la, é um ofício que depende também, em grande medida, de mestres garimpeiros. No meu caso tem havido muitos, e quero deixar aqui o nome de três.
O primeiro nome é o de Joaquim Soto, velho camponês das montanhas de Chimanimani, que em certa data do longínquo ano de 1970 que já não consigo precisar, me abrigou de uma chuva torrencial na sua palhota, comigo partilhou o seu milho assado, me ofereceu uma esteira e uma capulana com que passar a noite, ao mesmo tempo que me chamava de seu neto. Revelando-me como vivia e como pensava, entregava-me, com paciência e generosidade infinitas, uma pequena pedra para que eu a polisse.
O segundo nome é o de Suzé Mantia, que no início da década de 1980, nas aldeias de Mavago, Chilolo e Nkalapa, me ensinou o significado do som de cada tambor e como se montava a armadilha dos pássaros; e me indicou a específica rocha, junto ao rio, onde Samora e Josina se sentaram a descansar, a meio da difícil marcha para sul. Em palavras cantantes de uma minúcia real e ao mesmo tempo imaginária, descreveu-me os acontecimentos todos que couberam dentro desse dia. Lenhador fortíssimo, capaz de derrubar uma árvore grossa com três machadadas, era também o marceneiro exímio que fabricava uma porta com pormenores de espantosa subtileza. Homem de um riso límpido como nunca vi igual, e que infelizmente a malária levou.
O terceiro nome é o de Joaquina Mboa, camponesa e sacerdotisa da aldeia de Bawa, que em meados da década de 1990 me contou a saga do Kanyemba, velha de mais de cem anos, com uma precisão que os documentos de arquivo só vieram comprovar – facto que ainda hoje não deixou de me intrigar.
São inúmeros os exemplos destes meus mestres garimpeiros, tantos que é impossível enumerar. Muitos deles provenientes até da imaginação.
Tal como são inúmeros os mestres ourives que, a partir das pedras que lhes chegaram ou chegam às mãos se têm dedicado a minucioso polimento, com isso ajudando a entender os meandros do ofício de que falo: o Craveirinha, a Noémia, o Knopfli, o Luís Bernardo, o Mia, a Paulina, o Ungulani, o Patraquim, o White, o Suleiman. E, em particular, o jornalista e escritor João Albasini, que me levou pela mão a espreitar segredos antigos desta cidade, alguns dos quais este livro, indiscreto, revela.
Tantos são os mestres ourives que é pois também difícil enumerar. Estes e outros por esse mundo fora, que ao longo dos tempos e nos mais diversos lugares nos têm oferecido à leitura as suas jóias particulares. Porque é de leitura que falo, dado que é através dela que podemos chegar à miríade de brilhos e reflexos que de cada jóia emana.
Este livro, “O Olho de Hertzog”, que o júri do Prémio Leya resolveu premiar, conta uma história que curiosamente gira também ao redor de uma pedra. Uma pedra que eu – ourives não de primeira, mas de recente viagem – formalmente hoje devolvo ao lugar onde a fui buscar. Pretendo que o gesto seja um contributo no esforço de tantos mestres garimpeiros e ourives que se dedicam a levantar a parede – que já vai alta – da literatura moçambicana. Desejo também que essa parede seja parte integrante e importante daquilo a que podemos chamar simplesmente a Casa da Literatura.
João Paulo Borges Coelho
Maputo, 4 de Março de 2010
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quinta-feira, 4 de março de 2010
Em viagem de férias (22)
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Aforismos blogosféricos (3)
Riem-se do Platão e contudo estão convencidos que a verdade está nas suas cabeças.
Da importância de pensar
O Filósofo percebeu logo no século IV A.C. (note-se há quanto tempo é que isto foi!) que o estado epistemológico do "senso comum" perante as "coisas que aparecem" é o da confusão. Isto quer dizer, antes de mais, que é preciso fazer uma merda de um esforço para perceber as coisas; e isso devia de algum modo (se as coisas fossem assim tão simples - ó se fossem!), "obrigar" a que, pelo menos os praticantes da Theoria (ou seja, nós, os ociosos que não temos mais nada que fazer), conseguissemos raciocinar um pouco além das adesões políticas. Acrescento que a questão das "adesões políticas" é, na minha modestíssima opinião, uma questão essencialmente estética. Entende-se ou não? Também eu sou e serei, para sempre e até ao momento da minha morte, de Esquerda!
Aforismos blogosféricos (2)
No melhor que agora é, a blogosfera é uma luta de galinhas; no pior, uma luta de galos.
A Cirurgia do Prazer
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quarta-feira, 3 de março de 2010
Aforismos blogosféricos (prólogo)
Ao fim e ao cabo, ora regressados, caímos em nós como verdadeiros veteranos da blogosfera. Este reconhecimento ontológico permite-nos assegurar, com algum grau de certeza, que temos algo a dizer sobre o assunto em si, o da própria blogosfera.
Seguem-se algumas reflexões, expostas em formato aforístico, sobre este mundo paralelo sem igual.
Homenagem

Porque não dei pela asfixia democrática no continente, mas acredito no peso da inquisição e do salazarismo, aqui deixo um abraço a O Jumento.
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terça-feira, 2 de março de 2010
“Se for caso…”

Foto Sol de Carvalho
Prometi que mandava um texto para a segunda série do 2+2, e aqui vai. Não era para ser isto, mas o que tem que ser pode muito. Esta manhã, mal acordei, recebi um sms de Maputo. Era o José Manuel: “Morreu Leopoldo Fernandes, madrugada de hoje”. Parece que agora não faço outra coisa senão escrever obituários. De há uns tempos para cá, desataram todos a morrer. Lembro-me do meu pai, aos setenta e tal anos, desterrado num apartamento em Vila Nova de Gaia, com vista para o pátio: “O mais triste na velhice é que os amigos estão todos mortos”. Cito de memória, e a memória já me vai traindo. Já não me lembro como conheci o Leopoldo. Sei que foi em 1985, porque ele figura no programa de uma peça que encenei com o Tchova Xita Duma pelos dez anos da Independência. Fui desencantar o programa e lá está ele na foto de grupo, franzino e sorridente, ao lado da Joaninha Zambeze, mais o Bartolomeu, a Ana Magaia, eu sei lá… Já na altura era um sobrevivente. Em 1977, com 24 anos, tinha ido parar ao campo de reeducação de Sakuzo, acusado de ser surumático. Mas não o reeducaram. Ao fim de três meses revistaram-lhe a enxerga e encontraram-lhe passa. Aplicaram-lhe cinquenta chambocadas, mas nem assim o reeducaram. Acabou por fugir e andou dias a corta-mato, às escondidas dos leopardos. E dos frelos, que eram mais perigosos. Felizmente há gajos assim, não há nada que os reeduque. Continuou a gostar de suruma, e de cerveja, e de mulheres. Continuou a parar pela esplanada do Goa, com a malta da pesada. Continuou amigo do Che, da Dorinha e da Gina China, que morreu de Sida na berma da Julius Nyerere. E continuou a cantar. Cantava bem, até ganhou um concurso no Rádio Clube, com o nome artístico de Tony Fernandes. Dei-lhe um fado para interpretar na peça, com letra escrita pelo Patraquim. Era um actor a sério. Tinha estudado teatro em Lisboa, com o Gutkin, mas a escola não lhe domou a exuberância. Manteve-se um actor à africana, como eu gosto, tão liberto do texto como um jazzman da partitura. Nunca o convenci a empinar um papel; nunca o vi gaguejar num improviso. Encontrei-me com ele pela última vez faz agora um ano, na sede da editora Ndjira, em Maputo. Eu tinha ido entregar o manuscrito de um livro, ele trabalhava lá como revisor. Tinha a barba grisalha, filhos ainda pequenos. Disse-me que gostava de voltar ao palco, e eu deixei no ar uma vaga promessa. Despedimo-nos, combinando um encontro para dias depois. Para matar saudades, para beber uns copos, “se for caso”, como ele dizia. Mas não. Não voltaremos a trabalhar juntos. Não voltarei a exasperar-me por ele me chegar grosso a um ensaio. Na semana passada queixou-se que não se sentia bem. Ontem pediu para o levarem ao hospital. Em Maputo era Verão, máxima 33, mínima 18, mas não foi sentar-se no muro de casa a apanhar fresco, diante do charco perene na esquina da Sekou Touré, onde antes era o lar dos Velhos Colonos e agora é outra coisa qualquer. Agora é sempre outra coisa qualquer. Ontem pediu para o levarem ao hospital, e foi lá que se apagou, de madrugada, entre a imundície e o cheiro a mijo. Sozinho, como morremos todos.
José Pinto de Sá
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Histórias de Amor e de Obsessão
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Rui Luís Pereira (Dudas) + Craig Green

3 Mar: 22h
Teatro Casa da Comédia
Endereço: Rua S. Francisco de Borja, 22
1200-843 Lisboa
Telefone: 213 959 417/8
Fax: 213 959 419
Internet: www.filipecrawford.com
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segunda-feira, 1 de março de 2010
alfabetu
Começar pelos pés
de cima vistos
numa hierarquia sem tensão
de mim para eu para eles
sem alter egos nem pose
apenas o mesmo mar que o mar e que conhecem
quando pousa lento na asa do pássaro morto a sua espuma final
O verbo corre pelas nervuras dos dedos em sílabas salinas
De louco no campo aberto do corpo
As unhas silenciadas
quando tentamos olhar para outro corpo no próprio
O voo abortado
Só com truque
Tirar os pés da cartola coelhos
Uma fragmentação não do eu mas do corpo
Os pés horizonte e tu de cima como soba nas nuvens e olhando após os peitos
Vacas de culto sagradas
Mas os pés não lembram a engenheiros
Enfiados na organização das suas estruturas
A vida a horas
e dois mais dois não são cinco
Um pináculo no sustento precário de uma certeza
Mais a ideia de que a arte é intangível
Como fazê-la sem um pouco de areia que ajude
E o nível
A pá
O cimento
E a merenda em sequências e equações
Impressão de tinto digital
Pego no silêncio que está parado sobre o peito do pé esquerdo
E coloco-o sobre o peito do pé direito
Calo-me
Os ouvidos não têm a cera do hábito accionada
e o hálito deixou o corpo por um outro estatuto em cerimónia específica para vocábulos de exterioridade ostentada
Mas estão saturados do que soma nada a nada na paz que não mora
Bonança? Sombra no tempo de um baloiço de olhares embalado
Os pés
esquerdo direito a tropa
e não são os dias esquerdos raros tão diversos
êxtase no nome soletrado a lábios suspenso do trapézio da fala
e derramando letras de sabor a ela uma
e o tempo emaranhado de algas em parágrafos e maresia partilhada
Nunca o mesmo e no segundo seguinte
Um rumor de folha na brisa de uma fresta aberta no horizonte
O que não é metafísica mas pode ser uma pneumonia
Pneumonia a palavra seduz como deixar correr o marfim
Deixar correr o marfim tem uma luz de sangue
Um bando de vogais chilreando faz ninho entre os meus pés que se encontram estranhamente irmanados como menires indisciplinados no espaço
Ninguém faz ideia do que possa suceder
Mas não há jornalistas por perto
Nem há qualquer tentativa de performance e de durar no tempo essa impossibilidade de o pássaro quebrar a casca num directo original
Criar pardais entre os polegares
É circo
Já com as vogais é diferente
Como é diferente atar latas aos peixes nas caudas como a gatos
Desenho umas letras como fogo acenando para longe
Esboroam-se cadentes no espelho fugaz da imagem tempo
Faço oscilar o eco de que disponho à mão
Sons ecoados com perícia subjectiva
Fazem um teatro de sombras nos olhos dos ouvidos
Na viagem foram-se os pés
Nas mãos veios nas palmas alinham a vida por um fuso mais prescrito
Ervas deitadas sem pai nem deus nem chefe
Caiem caroços sobre o papel que explode à vista
Florações incandescentes nos interstícios que o ecrã possa arborizar
Mas a pele de onde vem sem que venhas
Alfabeto o corpo teu no rosto comum
f.arom
de cima vistos
numa hierarquia sem tensão
de mim para eu para eles
sem alter egos nem pose
apenas o mesmo mar que o mar e que conhecem
quando pousa lento na asa do pássaro morto a sua espuma final
O verbo corre pelas nervuras dos dedos em sílabas salinas
De louco no campo aberto do corpo
As unhas silenciadas
quando tentamos olhar para outro corpo no próprio
O voo abortado
Só com truque
Tirar os pés da cartola coelhos
Uma fragmentação não do eu mas do corpo
Os pés horizonte e tu de cima como soba nas nuvens e olhando após os peitos
Vacas de culto sagradas
Mas os pés não lembram a engenheiros
Enfiados na organização das suas estruturas
A vida a horas
e dois mais dois não são cinco
Um pináculo no sustento precário de uma certeza
Mais a ideia de que a arte é intangível
Como fazê-la sem um pouco de areia que ajude
E o nível
A pá
O cimento
E a merenda em sequências e equações
Impressão de tinto digital
Pego no silêncio que está parado sobre o peito do pé esquerdo
E coloco-o sobre o peito do pé direito
Calo-me
Os ouvidos não têm a cera do hábito accionada
e o hálito deixou o corpo por um outro estatuto em cerimónia específica para vocábulos de exterioridade ostentada
Mas estão saturados do que soma nada a nada na paz que não mora
Bonança? Sombra no tempo de um baloiço de olhares embalado
Os pés
esquerdo direito a tropa
e não são os dias esquerdos raros tão diversos
êxtase no nome soletrado a lábios suspenso do trapézio da fala
e derramando letras de sabor a ela uma
e o tempo emaranhado de algas em parágrafos e maresia partilhada
Nunca o mesmo e no segundo seguinte
Um rumor de folha na brisa de uma fresta aberta no horizonte
O que não é metafísica mas pode ser uma pneumonia
Pneumonia a palavra seduz como deixar correr o marfim
Deixar correr o marfim tem uma luz de sangue
Um bando de vogais chilreando faz ninho entre os meus pés que se encontram estranhamente irmanados como menires indisciplinados no espaço
Ninguém faz ideia do que possa suceder
Mas não há jornalistas por perto
Nem há qualquer tentativa de performance e de durar no tempo essa impossibilidade de o pássaro quebrar a casca num directo original
Criar pardais entre os polegares
É circo
Já com as vogais é diferente
Como é diferente atar latas aos peixes nas caudas como a gatos
Desenho umas letras como fogo acenando para longe
Esboroam-se cadentes no espelho fugaz da imagem tempo
Faço oscilar o eco de que disponho à mão
Sons ecoados com perícia subjectiva
Fazem um teatro de sombras nos olhos dos ouvidos
Na viagem foram-se os pés
Nas mãos veios nas palmas alinham a vida por um fuso mais prescrito
Ervas deitadas sem pai nem deus nem chefe
Caiem caroços sobre o papel que explode à vista
Florações incandescentes nos interstícios que o ecrã possa arborizar
Mas a pele de onde vem sem que venhas
Alfabeto o corpo teu no rosto comum
f.arom
Em viagem de férias (21)
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Sérgio Santimano
Regresso
O comeback mais esperado da temporada blogosférica aqui está: o 2+2=5 de regresso. Esperam-se mais polémicas ácidas, textos enternecedores, embirrações de estimação, engates on-line, anónimos e pseudónimos, e convites para jantaradas. O costume, supõe-se. O que for, será.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Los Santeros e Mad Dog no Maxime
(ouvir tracks 18 e 19)
DJOM PÓ-DI-PILOM
Mi própi qu’ê Djom,
Djom Pó-di-Pilom,
qu’ê dono di tchom,
tamanho, largom,
co midjo, rolom,
mandioca, fijom,
batata, mamom,
barnela, cimbrom
co pé di polom!
Mi própi qu’ê Djom,
Djom Pó-di-Pilom,
fadjado, roscom!
Casa, quintalom,
co pato, pintom,
galinha, frangom,
tchiquêro, litom
co roda fogom,
co tcheu calderom
ê‘Nhor Deus qui pô!
Mi própi qu’ê Djom,
Djom Pó-di-Pilom,
qui djunta tistom
contado na mom,
tó qu´intchi cerom,
saco, garrafom,
caxa papelom
co três balaiom,
pa mi co nh’irmom!
Mi própi qu´ê Djom,
Djom Pó-di-Pilom,
fadjado, roscom,
qu´ê dono tchom,
qui tem tcheu tistom
má qui ca ladrom!
Jorge Pedro Barbosa. 1958
(Poema musicado por Mad Dog & Los Santeros)
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