sexta-feira, 21 de abril de 2006

Os chicos-espertos, o petróleo e os relatórios

Várias instituições nacionais e internacionais divulgaram, nos últimos dias, análises sobre o estado da economia nacional. O relatório mais badalado foi o da OCDE, porque vindo de uma instituição independente, foi também bastante pormenorizado. E, verdade seja dita, nós gostamos de saber o que é que "outros" dizem de nós. E se disserem muito mal, mais destaque lhes damos. Mas não foi o caso. O relatório acabou por dizer o mesmo que todos os outros. Falta equilibrar as contas públicas, melhorar a educação e a qualificação. Considera, no entanto, que o governo está demasiado optimista e deve implementar as medidas já, custe o que custar. De facto, análises teóricas feitas em gabinetes dourados de instituições supranacionais só podem dar nisto. Os custos e os riscos de uma ruptura social nunca são levados em conta. E o facto de por trás dos números haver pessoas, é pouco relevante. Mas, um ponto interessante referido foi o da qualificação. A organização por certo se referia à falta dela. Mas será que os "iluminados", ou seja os tais "quadros qualificados" também são de qualidade? Vejamos o caso da GALP. Horas depois do preço do barril de petróleo ter tocado nos 74 dólares, aumentam os preços dos combustíveis. É público que os actuais preços por barril nos mercados internacionais são para entrega em finais de Maio. Tomar essa medida é ser um bom gestor? Em Espanha, a mesma GALP não fez isso. Aqui o litro da gasolina 95 custa 1,329 euros e em Espanha 1,066 euros. Nos mesmos postos da GALP. Porquê? Talvez porque lá "hay gobierno". No entanto, essa empresa é considerada de sucesso e das mais "competitivas" neste país. Talvez por fazer coisas destas é que António Mexia foi considerado um gestor excelente. E acabou por ser convidado para o governo dos chicos-espertos de Santana Lopes. Mas ele é apenas mais um chico-esperto à portuguesa, a quem ninguém apertou os calos. A concertação dos preços da gasolina entre as principais gasolineiras instaladas em Portugal é um facto e ninguém faz nada. Será este perfil de gestor que falta neste país? Penso que não. Mas para se ser "qualificado" por cá continua a ser fundamental estar no partido certo e poder contar com amigos que mexem cordelinhos.

Quero dançar contigo!


Me Gustas Tu

¿Qué horas son mi corazón?
Te lo dije muy clarito
Doce de la noche en la Habana, Cuba
Once de la noche en San Salvador, El Salvador
Once de la noche en Managua, Nicaragua

Me gustan los aviones, me gustas tu.
Me gusta viajar, me gustas tu.
Me gusta la mañana, me gustas tu.
Me gusta el viento, me gustas tu.
Me gusta soñar, me gustas tu.
Me gusta la mar, me gustas tu.

Que voy a hacer, je ne sais pas.
Que voy a hacer, je ne sais plus.
Que voy a hacer, je suis perdu.
Que horas son, mi corazón.


Me gusta la moto, me gustas tu.
Me gusta correr, me gustas tu.
Me gusta la lluvia, me gustas tu.
Me gusta volver, me gustas tu.
Me gusta marijuana, me gustas tu.
Me gusta colombiana, me gustas tu.
Me gusta la montaña, me gustas tu.
Me gusta la noche, me gustas u.

Que voy a hacer, je ne sais pas.
Que voy a hacer, je ne sais plus.
Que voy a hacer, je suis perdu.
Que horas son, mi corazón.

Doce un minuto

Me gusta la cena, me gustas tu.
Me gusta la vecina, me gustas tu.
Radio
Me gusta su cocina, me gustas tu.
Un minuto
Me gusta camelar, me gustas tu.
Me gusta la guitarra, me gustas tu.
Me gusta el reggae, me gustas tu.

Que voy a hacer, je ne sais pas.
Que voy a hacer, je ne sais plus.
Que voy a hacer, je suis perdu.
Que horas son, mi corazón.

Me gusta la canela, me gustas tu.
Me gusta el fuego, me gustas tu.
Me gusta menear, me gustas tu.
Me gusta la Coruña, me gustas tu.
Me gusta Malasaña, me gustas tu.
Me gusta la castaña, me gustas tu.
Me gusta Guatemala, me gustas tu.

Que voy a hacer, je ne sais pas.
Que voy a hacer, je ne sais plus.
Que voy a hacer, je suis perdu.
Que horas son, mi corazón.
(x3)

A la bin, a la ban a la bin bon ba
A la bin, a la ban a la bin bon ba
Obladi Obladá Obladidada
A la bin, a la ban a la bin bon ban

No todo lo que es oro brilla
Remedio chino es infalible


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Esta letra foi retirada do site Letras.mus.br

quinta-feira, 20 de abril de 2006

Soneto de Separação


Ilustração de Ivone Ralha


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinícius de Moraes

O Teatro Extremo acolhe na sua sala a Oficina de Teatro de Almada



Nos próximos dias 21 e 28 de Abril, 6 e 12 de Maio, pelas 21.30horas, a Oficina de Teatro de Almada apresenta as suas mais recentes produções: “Mãe? Companheira? Escolhe!”, a partir de textos de Dario Fo e Franca Rame e “Como é diferente o riso em Portugal” – recital de poesia satírica de autores portugueses.

O espectáculo “Mãe? Companheira? Escolhe!”, foi estreado nos Recreios da Trafaria, durante a última edição da Mostra de Teatro de Almada e conta com a interpretação de Sandra Quá.
Neste espectáculo falamos da descaracterização crescente do ser humano.
A mulher que sonha com o trabalho e a mulher que vive o pesadelo de ter um filho que foi mandado para uma guerra, serão a mesma pessoa?...
O teatro não deve nunca distrair, nem abstrair (-se), pode divertir mas tem sempre um fundo, uma mensagem que passa. Daí a nossa escolha de Dario Fo.

Como é diferente o riso em Portugal”, é um espectáculo – recital construído com textos de vários poetas portugueses. Com interpretação de Pedro Bernardino e Fernando Rebelo, este recital foi estreado na última edição da Quinzena da Juventude, em Almada, no Ponto de Encontro.

Bilhetes: 2 espectáculos: Público em geral – 7€; jovens até 25 anos, 3ª idade, grupos de 10 ou mais pessoas – 5€;
1 espectáculo: Público em geral – 5 €; jovens até 25 anos, 3ª idade, grupos de 10 ou mais pessoas – 3€.

Informações/ Reservas:
Teatro Extremo, R. Serpa Pinto, nº16, 2801-801 Almada, Portugal
Tel. 1 21 272 3660 || Fax. 21 272 3669

teatro@teatroextremo.com

www.teatroextremo.com/



Peças em cerâmica de Reinata
Exposição na Perve Galeria, Lisboa
*
Reinata Sadimba nasceu em 1945, em Moçambique, numa aldeia do Planalto de Mueda, na província nortenha de Cabo Delgado. Filha de camponeses macondes, recebeu uma educação tradicional, que incluía o fabrico de objectos utilitários em barro. Depois da independência em 1975, começa a pôr de lado os métodos tradicionais e começa a trabalhar a cerâmica de forma mais criativa. Os novos objectos foram então considerados como peças de “formas estranhas”. A guerra civil obrigou-a a refugiar-se na Tanzânia, em 1980. Regressa em 1992 e leva para Maputo uma técnica mais apurada, cujos trabalhos começaram a despertar o interesse no meio das artes. Depois veio o reconhecimento nacional e internacional. Expõe regularmente em Moçambique e no estrangeiro, e o seu nome é cada vez mais conhecido.
Os seus trabalhos podem ser vistos na Perve Galeria, na Rua das Escolas Gerais, em Lisboa, até 13 de Maio.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Em nome dos "meninos"

A nova táctica comunicacional do governo Sócrates: tudo dizer como se estivesse a ajudar os pobrezinhos. Exemplos: o ministro da Saúde anuncia o fecho de maternidades. Razão? "A falta de condições das existentes". A ministra da Educação fecha escolas. Porquê? Pela "falta de condições" das escolas, em nome do interesse dos "meninos" (a ministra da Educação é mestre nesta estratégia). As soluções são assim apresentadas como inquestionáveis; e quem se atrever a sugerir alternativas está, é bom de ver, contra o interesse dos "meninos". Assim se leva a cabo a desqualificação de serviços públicos essenciais com o único objectivo de poupar dinheiro do Orçamento do Estado, perdão, de servir os interesses dos "meninos". Se as maternidades tem poucos médicos não se contratam médicos: fecham-se. Se as escolas tem poucas condições não se investe nas escolas: fecham-se. Isto, claro está, em nome do nosso interesse que, facilmente se vê, é mesmo esse, o de ter cada vez menos escolas e hospitais abertos.

Não nego a necessidade de
alguma reorganização na rede escolar. Mas questiono o método, e o principio que lhe subjaz, que é o da poupança cega. Concelhos do interior com UMA escola primária? Crianças de seis anos a 40 km da escola mais próxima? De um governo socialista esperava-se um mínimo de noção do que é o interesse público.

Breaking News. Breaking News

Indústria automóvel na India emprega já 10 milhões de operários

Cavaco a visitar hospitais de criancinhas, Sócrates a iludir-se com o Simplex e o mundo a crescer sem parar, sobretudo no Sudeste asiático e na Indía. O NY Times trazia hoje um artigo aterrador: a indústrial de montagem automóvel indiana engloba já 10 milhões de operários. E as possibilidades de crescimento disparam. A BMW, Hyundai e a General Motors aumentam a área das suas fábricas. A Intel e a Nokia seguem-lhe o exemplo. Mais de 75 zonas especiais de economia estão a ser construídas, 1/6 das quais entraram já em serviço de oferta. Uma política talentosa de salários baixos atrai as multinacionais, receosas da dependência chinesa, refere o artigo. Experts admitem, no entanto, que pode haver partilha no dispositivo das off-shores de fabricação: A China fica com a produção primária de brinquedos, artigos electricos e televisores; enquanto que a India se encarregará das produções médias com incomes técnicos sofisticados próprios. Por exemplo, a famosa marca de sapatos Clarks- que produziu em Portugal durante décadas- instalou-se em Madras e produziu 1 milhão de pares no ano passado.

FAR

"Rua da Judiaria" recorda massacre

O blogue "Rua da Judiaria", de Nuno Guerreiro, convida todos a concentrarem-se hoje às 19:00 no Rossio, em Lisboa, em memória dos 4000 judeus mortos no massacre de Lisboa de 1506. Este acontecimento, que em termos históricos nunca teve grande destaque, é impressionante pela sua crueldade.
A iniciativa está também a ser divulgada pela comunicação social, mesmo vindo de um blogue cujo titular não é um comentador politico nem nenhuma figura pública com grande visibilidade. É um exemplo do poder crescente dos blogues, que se impõem cada vez mais no espaço mediático público.
*
Como vozes que teimam em emergir de entre as poeiras da História, cronistas como Damião de Góis e Samuel Usque deixaram relatos detalhados dos motins sangrentos. Contam os testemunhos que tudo terá começado na Baixa, no dia 19 de Abril de 1506, um domingo, na Igreja de São Domingos, quando alguém gritou ter visto o rosto do Cristo crucificado iluminar-se inexplicavelmente no altar. Em redor, gente que rezava pelo fim da seca prolongada que grassava pelo país clamou que era milagre. Entre eles, um judeu convertido à força terá tentado explicar que a luz que emanava do crucifixo era apenas um reflexo de um raio de sol que entrava por uma fresta. Terão sido as suas últimas palavras. Arrastado para a rua, o marrano e um irmão seu foram espancados até à morte. Os seus corpos mutilados foram arrastados para o Rossio e queimados em frente dos Estaus – onde décadas depois foi instalada a Inquisição. Eles eram apenas os primeiros de entre mais de 4 mil mortos – anussim, judeus portugueses, homens, mulheres e crianças, assassinados em três dias sangrentos. (...)
Para ler mais é só clicar no texto.

Pintura de Luís Ralha


Roubam-me Deus
Outros o diabo
Quem cantarei

Roubam-me a Pátria
e a humanidade
outros ma roubam
Quem cantarei
(...)

Jorge de Sena

terça-feira, 18 de abril de 2006

Da capital do Império

Olá!
Era só para vos escrever na próxima semana sobre arrotos, peidos, hemorróidas, alergias e Viagra que são a dieta da televisão americana à hora do jantar. Mas terá que ficar para as próximas semanas porque a visita de Hu Jintao trouxe ao de cima algo que creio deve ser lido por uma certa classe de pensantes aí do outro lado do oceano.
Já ouviram falar de Wang Jisi? Ou de Zheng Bijian? Aposto que não. Mas se alguma vez tornarem a ouvir esses nomes prestem atenção. O seu realismo e a sua capacidade de análise são impressionantes e são algo que eu com todos os meus preconceitos julgava incapaz em produtos de escolas ideológicas do PC chinês. Mas afinal e pelos vistos na China não há a doença infantil do pós comunismo que é o anti-americanismo primário ou mesmo qualquer sinal de “sindroma de Bushite”, a incapacidade de se raciocinar quando o nome George Bush é mencionado.
Comecemos com Wang. É deão da Escola de Estudos Internacionais na Universidade de Pequim e director do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais na escola central do Partido Comunista da China. Credenciais ideológicas das mais puras portanto. Eis algumas citações de um artigo que ele escreveu para o jornal dessa escola:
“Os Estados Unidos são actualmente o único país com a capacidade e ambição de exercerem primazia global e vão continuar a sê-lo por muito tempo”.
“…os Estados Unidos são o líder global na economia, educação, cultura, tecnologia e ciência. A China tem portanto que manter relações próximas com os Estados Unidos se quiser alcançar sucesso nos seus esforços de modernização”.
“…Tenham em consideração que os Estados Unidos continuam a liderar outros países desenvolvidos em crescimento económico, inovação tecnológica, produtividade, investigação e desenvolvimento e a capacidade de cultivar o talento humano. Apesar de graves problemas tais como recentes deficits comerciais e fiscais, imigração ilegal, cuidados de saúde inadequados, crime violento, grandes disparidades de rendimentos, sistema educacional em declínio e um eleitorado profundamente dividido, a economia americana é saudável… Caso não haja uma grande queda económica inesperada, o tamanho da economia americana como proporção da economia global vai continuar a crescer por muitos anos”.
“…só o declínio económico de Washington pode reduzir a força de Washington e aliviar a pressão estratégica sobre Pequim. Essa queda contudo irá também danificar a economia chinesa…. Se por exemplo a influência de Washington no Médio Oriente diminuísse, isto poderia levar à instabilidade nessa região o que poderia ameaçar os fornecimentos de petróleo à China. Paralelamente o aumento do fundamentalismo religioso e o terrorismo no sul e centro da Ásia poderão ameaçar a própria segurança da China….”.
E agora as palavras do camarada Zheng Bijian. Ocupou “destacados postos em organizações partidárias” da China e elaborou relatórios para cinco congressos do partido comunista chinês. Depois de falar dos sucessos da China (que todos nós conhecemos) escreveu:
“O crescimento económico só por si não fornece o retrato total do desenvolvimento de um pais. A China tem uma população mil e trezentos milhões de pessoas… e a população da China ainda não atingiu o seu máximo; não está projectada a começar a cair até alcançar mil e quinhentos milhões de pessoas em 2030. Para além disso a economia da China é apenas um sétimo do tamanho da economia dos Estados Unidos e um terço da economia do Japão. Em termos per capita, a China permanece um país em desenvolvimento de baixo rendimento, colocado mais ou menos em centésimo lugar. O seu impacto na economia mundial é limitado”
“…Vai levar outros 45 anos – até ao ano 2050 – antes da China poder ser descrita como um pais desenvolvimento de nível meio e modernizado”.
“… até ao final de 2020…o PIB per capita da China deverá alcançar os três mil dólares”.
“A decisão estratégica mais significativa feita pela China foi abraçar a globalização económica em vez de nos afastarmos dela”.
“…nos anos de 1990…. A decisão da China de participar na globalização económica fez face a sérios desafios. Mas pesando cuidadosamente as vantagens e desvantagens da abertura económica e tirando historias da história recente, Pequim decidiu abrir a China ainda mais, ….”
Faz pensar não é? Eu cá por mim que tinha e ainda tenho algumas dúvidas sobre a possibilidade de sustentação do actual regime chinês vou passar a levá-los muito mais a sério.
Do vosso amigo,
Aqui na capital do império aguardando a chegada do Hu,

Jota Esse Erre

Zimbabué na idade das trevas

A 18 de Abril de 1980, a Rodésia mudava de mãos e de nome. A transição acontecia quinze anos depois da minoria branca ter declarado unilateralmente a independência. Foi a Robert Mugabe que coube a tarefa de reafirmar a sua independência, desta vez sob o nome de Zimbabué. Passados 26 anos, o país atravessa uma grave crise económica e alimentar, iniciada com a reforma agrária, que expropriou 4.500 fazendeiros brancos. Rapidamente Mugabe passou de libertador a ditador. O Zimbabué é hoje um país sem liberdade, onde os partidos da oposição são perseguidos e a imprensa reprimida, muitas vezes à bomba. De acordo com um relatório da Organização Mundial da Saúde, agora tornado público, o Zimbabué é actualmente o país com a expectativa de vida mais baixa do mundo. Trinta e sete anos para os homens e trinta e quatro para mulheres. E não foi há muito tempo que o Zimbabué tinha um dos mais elevados níveis de vida do continente africano e era considerado o celeiro da região. Foi só há 20 anos. Hoje é dos países mais pobres do mundo. Para a comunidade internacional o culpado por esta situação tem um nome: Mugabe. Só nos últimos sete anos, a economia do país afundou-se 40%, e a queda continua, até quando, ninguém sabe. O que todos sabem é que a recuperação do país e a sua integração na comunidade internacional, só será possível quando Mugabe for derrubado.

segunda-feira, 17 de abril de 2006

Documento-pesquisa de Franz-Olivier Giesbert marca data

Duelo Villepin-Sarkosi ensanguenta final de mandato de Chirac


O tonitruante F-O Giesbert acaba de publicar um documento-pesquisa sobre os 20 anos de vida política de Jacques Chirac-" La tragedie du president - Scènes de la vie politique 1986/2006", Edit. Flammarion. O feroz e heterodoxo jornalista pariseense - coqueluche nos anos 70 do Nouvel.Obs e hoje director do Le Point-revela e narra pormenores caústicos do trajecto político de Chirac, desde o início da sua primeira coabitação com Mitterrand até ao final do traumatizante reinado, a poucos meses do seu términus.

O duelo Villepin-Sarkosi ganha novos contornos e é alvo de uma análise estrutural desassombrada.Chirac é "o pai e tutor" dos seus herdeiros desavindos e ambiciosos, que travam uma luta de vida e de morte pela conquista do poder." Sem dúvida, ele foi com Mitterrand um dos maiores mentirosos da V° República ", aponta F-O.Giesbert logo no início para enquadrar o personagem que, adianta," viu a conduzir bêbado e a cantarolar em russo, Les bateliers du Volga, na Côte d´Azur, e mesmo quase ébrio nos Champs-Elysees "...

" Há uma maldição Chirac , escreve na pág.5. " É preciso que ele não cesse de correr, porque foge de qualquer coisa. Um vazio, uma angústia, não sei o quê. Ele sente-se muito mal na sua pele para ficar parado( relata V.G. d´Estaing ao jornalista) ". E FO-Giesbert acutilante estigmatiza: "A vários títulos, Chirac assemelha-se ao duque de Orleans retratado por Saint-Simon: Uma das infelicidades deste príncipe foi o de ser incapaz de dar seguimento a um projecto...".

Giesbert arquivou mais de vinte anos de diálogos e confissões com Chirac e todos os tenores da classe política francesa. O livro de 406 páginas acumula ,pois, milhares de dados e reflexões políticas, mundanas e canalhas... de alto nível. Trata-se de um instrumento para profissionais e amantes da vida política francesa. O jornalista desdobrou os factos com análises políticas e uma perfomance extraordinária: Sem fretes nem golpes sujos, no entanto. Se bem que, se insinue subtilmente uma certa afeição pela teoria da ruptura " incarnada por Nicolas Paul Stéphane Sarközy de Nagy-Bocsa, herdeiro da realeza húngara exilada em Neuilly nos anos cinquenta.

Sobre Dominique de Villepin, F-O. Giesbert não hesita em o tratar de " espião sagaz " e de" aldabrão -de -feira", revelando o contéudo deste desabafo do actual PM feito há nove anos atràs: " O presidente não me pode mandar embora. Jamais. Introduziu-me no âmago de todo o sistema. Sei muitas coisas. Ora ,tornar-me-ia uma bomba ao retardador se fosse posto fora ". A separação do casal Cecília/Nicolas Sarkosi e a tentativa de envolvimento do ministro de Estado e do Interior no escândalo Cairstream suscitam também a maior das perplexidades...

Em contraponto, sobre Nicolas Sarkosy, o retrato- sucessivamente elaborado e diversificado igualmente dezenas de vezes- contém pérolas deste jaez:Jerôme Monod, amigo e cúmplice de Chirac desde a adolescência, observa que, " se Chirac o descobriu, Sarko nunca foi um dos seus acólitos. Fez-se só como um grande político,à força de pulso.(...)Ele nunca suportou os métodos de trabalho de Chirac".

FAR

A história da cegonha


"A história até é bonita e romântica, mas nunca percebi bem como é que o bico da cegonha entra na chaminé, a fazer concorrência com o Pai Natal".
Marta Crawford, Notícias Sábado, 15 de Abril de 2006

Algarve: o dinheiro é quem mais ordena

O Algarve vai estar este ano em foco nas comemorações do 25 de Abril. A escolha foi da Associação 25 de Abril, que decidiu homenagear os 30 anos de poder autárquico. É irónico. Dava para rir se o assunto não fosse sério. Se há uma região onde o poder autárquico pode ser apontado como um mau exemplo é aquele rectângulo no sul do país. Sendo uma das regiões mais favorecidas pela natureza em Portugal, o Algarve é hoje um amontoado anárquico de prédios, onde os interesses de empresários sem escrúpulos se confundem com o poder local. Ao ver as vivendas Mariani, os prédios tipo J.Pimenta, as casas de luxo em cima das falésias e as construções na areia, dá para se ter uma ideia do que foi a acção do poder autárquico no Algarve. O caos no trânsito automóvel no verão, ou nos feriados ao longo do ano, é mais uma prova da falta de planificação nas últimas décadas. Se hoje se pagam os erros do passado, o futuro não se apresenta risonho. Basta ver com atenção o que se passa na região. Existe uma faixa estreita junto ao litoral onde a construção continua a crescer como cogumelos. E resta um interior que mais parece um filme dos anos 40. A falta de vontade política para planear continua a ser notória, excepto nos resorts de luxo. O dinheiro dos neo-patos bravos ainda é quem mais ordena. Haverá razões para comemorar? O quê?

domingo, 16 de abril de 2006

Vestido elegante, México, 1997
Fotografia de Flor Garduño
*
"A astúcia tem muitos vestidos;
a verdade gosta de andar nua".
Thomas Fuller

sábado, 15 de abril de 2006


Ilustração de Ivone Ralha

Eu não peço desculpas e nem peço perdão
não, não é minha culpa
essa minha obsessão
já não aguento mais ver o meu coração
como um vermelho balão
rolando e sangrando
chutado pelo chão
psicótico, neurótico, todo errado
só porque eu quero alguém que fique
vinte e quatro horas do meu lado
no meu coração eternamente colado.

Todo Errado
Caetano Veloso e Jorge Mautner

Contos da Primavera .2

Tempo de renovação. Tempo de escolhas. De OPAS e contra-opas. De economia de mercado. De reivindicações políticas. De protestos sindicais. Procurar um emprego? Continuar a estudar? O mundo está difícil. Há uns anos tudo era mais fácil. É verdade que era mais nova. Como tudo mudou! Lembro-me do Gustavo, emérito sindicalista. Na 1ª euforia bolsista portuguesa investiu as suas economias numas acções. Perdeu. Hoje diz mal do capitalismo e do cavaquismo. Tivesse lido e permanecido fiel a Marx! Sindicalista era para mim uma palavra bonita. Hoje é cinzenta e gasta como o velho Gustavo. Não me vou precipitar. Continuo a viver à custa da família. Vejo para que lado sopram os ventos da globalização e logo decido quando for mais velha. Coisas de ciclos?

Josina MacAdam

sexta-feira, 14 de abril de 2006


«A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. (…) Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da ‘ideia de Europa’».

George Steiner, A Ideia de Europa.

Vamos andar de triciclo!


Não gosto de quem só gosta de cães e gatos.
Não gosto de quem não gosta de putos.
Não suporto grupos dinamizadores de bairro!

Uma taberna britânica vista de dentro


É um bar com retoques ingleses dirigido a apreciadores de cerveja. Situado em pleno Cais do Sodré, está aberto até às duas da manhã. Oscila entre o muito cheio e o ar aluado do empregado que serve às mesas. Nestas, o tempo de espera é imprevisível. Mas o ambiente não deixa de ser acolhedor, principalmente por causa da malta e do malte. Desde o principio do século que o British Bar está de portas abertas. Por ali passaram muitas histórias de faca e alguidar, contrabandistas, espiões falidos, candidatas a Mata Hari e cineastas à procura da hora certa. Hoje a saudade não é um dos pontos fortes da clientela, que oscila entre a meia-idade e a idade-meia. O que quer dizer que alguns proto-punks já podem entrar. Há empregados, desempregados e mal-empregados. O conflito entre os três grupos varia consoante a espuma dos dias e a trajectória dos fumos. As mulheres que frequentam o espaço, ou que apenas por lá passam, são sempre vistas com muito carinho. É definitivamente um lugar women friendly. A política e o futebol são temas obrigatórios, mas as referências a vidas passadas em terras distantes são sempre temas recorrentes. O cheiro a caril, ao sentir da festa e da maresia, são muitas vezes pontos prévios da agenda diária. Maputo, Paris, Suécia e o jornal El País são citados com alguma frequência. Por vezes Wittenstein é usado como fundamento para uma boa discussão, e outras vezes como arma de arremesso no bar concorrente do outro lado da rua, o Americano. Um último destaque para a cerveja. É boa, têm boas marcas e vem sempre bem gelada. Um grande Hare Krishna para vocês.

Cais do Sodré pela voz do fadista

O cais do Sodré não é
só bares de prostitutas
também é gente a alombar
caixa de peixe e de fruta
não é só o mal que passa
na kandonga do Japão
também é cais onde embarca
quem busca no mar o pão.

O cais do Sodré não é
só rusga que vai e vem
também é gente que mora
num largo que há muito ali tem
gente com filhos mulheres
e a renda da casa em dia
gente que apenas trabalha
e no trabalho confia.

O cais do Sodré não é
só refúgio de falsários
também é gente, guindastes
movidos pelos operários
não é só amor que passa
na Kananga do Japão
também é cais onde embarca
quem busca no mar o pão.

Ai cais do Sodré
mais vale parecer
que ser o que é
ai cais do Sodré
nem todo o sapato
te serve no pé.
Rodrigo

Da Capital do Império

Olá!
Na Segunda-feira foi dia de manifestações aqui na capital do império e através de todo este vasto país imperial.
Mas que diferença das manifestações da velha França. Aqui na capital do império o ambiente era festivo, a língua mais falada era o espanhol (com sotaque colonial bem sei) e o principal foco dos manifestantes era este: Queremos trabalhar, queremos o direito àquele documento que nos dá o direito a trabalhar.
Na Europa, diz Diana Furtchtgoot Roth, uma economista, os franceses querem “mais protecção dos seus empregos”. Aqui “ninguém pede protecção contra ser despedido”.
Não há “direito” ao emprego nos “states”. Os americanos (e pelos vistos os imigrantes que aqui chegam) olham para as empresas onde trabalham do ponto de vista económico, os europeus como uma fonte de benefícios. É uma das grandes diferenças culturais que talvez explique a incredulidade e risos de surpresa dos yankee com o conceito de quatro ou cinco semanas de férias e 14 meses de ordenado. (Noto as vezes uma certa inveja no entanto, principalmente entre a malta mais jovem)
Aqui na capital do império a manifestação de Segunda-feira era um mar de bandeiras americanas (imagine-se!), salpicadas aqui e ali por bandeiras de El Salvador, da Guatemala de onde vem a maior parte dos imigrantes legais e ilegais que chegam a esta cidade. Noutras partes dos Estados Unidos são do México, da Bolívia ou mesmo do Braziu.
Em todas essas cidades muitos desses imigrantes amontoam-se pela manhã em certas esquinas à espera de serem abordados por capatazes de construção, firmas de jardinagem e outras para trabalharem durante um dia ou semana ou mês.
Outros vão para estados como as Carolinas do norte e do sul onde os aviários e a industria da carne de porco passaram no espaço de dez anos a ser quase que totalmente monopólio de trabalhadores da América Latina.
Com a economia quase que a pleno emprego há sede de trabalhadores aqui na sede do império e eles chegam legal e ilegalmente aos milhões. O ano passado os serviços de fronteira capturaram um milhão e duzentos mil ilegais a tentarem atravessar a vasta fronteira com o sul. Quantos entraram? Ninguém sabe. As estimativas são de que há neste momento nos Estados Unidos 11 milhões de ilegais. Legalmente imigraram para os estados Unidos em 2003 pouco mais de 600 mil pessoas um dos números mais baixos dos dez anos anteriores. (Em 1991 o numero foi de 1,8 milhão). Mais de 31 milhões dos habitantes dos Estados Unidos nasceram no estrangeiro. É 11,1% da população do país
Há problemas claro. De integração, de municipalidades que se vêm subitamente “invadidas” por um exército de estrangeiros que não sabem a língua, com filhos a terem que ir para a escola, a precisarem de assistência médica.
Mas aqui a flexibilidade é notória. Municipalidade tem escolas primárias e secundarias especializadas em fornecer ensino “em inglês como segunda língua” e há cursos universitários para professores do ensino secundário especializados em ensinar pessoas de “uma segunda língua”.
A polícia, as empresas, as repartições públicas procuram avidamente pessoas bilingues para responder a essa necessidade. Falar espanhol hoje aqui é uma vantagem no mercado de trabalho. Basta olhar para os anúncios. No meu banco as caixas automáticas são em inglês e espanhol. Grande número dos empregados são “hispanicos” porque vivo numa zona de grande penetração salvadorenha.
A mobilidade é algo de vislumbrante. O número de negócios nas mãos de “hispanicos” cresceu 31 por cento entre 1997 e 2002 gerando 222 mil milhões de dólares de rendimentos em 2002.
São números que devem fazer pensar. Aqui e principalmente aí.
Que fazer de imigração? Dentro de 25 anos o número de europeus em idade de trabalho vai cair em sete por cento enquanto o número de pessoas com mais de 65 anos de idade vai aumentar 50%.
Sendo o mercado de trabalho para pessoas com mais de 60 anos de idade muito pequeno uma possibilidade seria aumentar a idade de reforma mas isso, nem pensar. É olhar para o que se passou recentemente na Franca.
A possibilidade de mais imigração para resolver o problema não será para já apoiada por ninguém aí. Culturalmente os países europeus nunca se identificaram como países de imigrantes, enquanto aqui o debate centra-se em redor em saber como é que “um país de imigrantes” pode impedir a entrada de mais imigrantes. Ao fim e ao cabo os primeiros europeus a chegarem aqui não tinham visa de entrada….
Mas aí é preciso começarem a perguntar: Que fazer? Estatísticas da União Europeia indicam que até ao ano 2010 as mortes vão exceder os nascimentos na União Europeia.
Até 2013 a população de Itália vai começar a entrar em declínio; no ano seguinte será a vez da população da Alemanha começar a cair.
Uma estatística interessante é que aquele que diz que entre 1991 e 2002 o número de imigrantes franceses nos Estados Unidos subiu 44 por cento para 88.287. Mas isso é o número oficial. Ninguém acredita nele. A diplomacia francesa diz que na verdade neste momento nos estados Unidos há 267 mil franceses. Indicando que na verdade o aumento da imigração francesa para os “states” é muito maior do que os 44% oficiais.
Outro dia uma estação de rádio local transmitiu uma reportagem sobre o crescente número de imigrantes holandeses (!) em Nova Yorque.
Faz pensar, não é? Eu entretanto já estou a aprender espanhol…é o único meio de falar com o carpinteiro que me veio arranjar o telhado. E com o canalizador que veio outro dia e vejam lá não era polaco. Era salvadorenho e todos aqui na vizinhança gostam muito dele.
O vosso amigo na capital do império,

Jota Esse Erre.

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Pequenas coincidências

No dia em que o petróleo, pela primeira vez, ultrapassa os 70 dólares por barril, não será demais lembrar que este boom dos preços acontece por razões estritamente políticas, e que coincidem com uma administração dos EUA em que quase todos estão ligados ao negócio petrolífero.

Os extremos não se tocam

O Ministério das Finanças fez hoje saber que, em 2005, nunca se cobraram tantas dívidas fiscais. Atingiu um recorde: 1,4 mil milhões de euros.
Ainda hoje, também o petróleo atingiu o valor máximo de sempre. Em Nova Iorque o preço do barril cotava-se a 69,17 dólares. Em Londres, o Brent, que não quis ficar atrás, atingiu o valor mais elevado da sua história, e chegou aos 69,71 dólares.
Ao chegar a casa, dirigi-me à minha caixa do correio. Tinha uma carta, só uma, meia avermelhada. Era do BCP Millenniun. Lá dentro a noticia não podia ser pior. O saldo da minha conta estava no vermelho, com um mínimo histórico.
Há qualquer coisa que não vai lá muito bem ou sou eu que estou a passar uma fase má?

Beckett, ano 100

Samuel Beckett
Nasceu a 13 de Abril de 1906
*
"O hábito é o balastro que prende o cão ao seu vómito. Respirar é um hábito. A vida é um hábito. Ou melhor, a vida é uma sucessão de hábitos, porque o indivíduo é uma sucessão de indivíduos. Hábito é pois o termo genérico para os inúmeros contratos celebrados entre os inúmeros sujeitos que constituem o indivíduo e os seus inúmeros objectos correlativos. Os períodos de transição que separam as consecutivas adaptações, representam as zonas perigosas na vida do indivíduo, perigosas, penosas, misteriosas e férteis, em que, por um momento, o tédio de viver é substituído pelo sofrimento de ser."
Samuel Beckett, in "À Espera de Godot", 1952

quarta-feira, 12 de abril de 2006


Ilustração de Ivone Ralha

(...)
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
(...)

António Carlos Jobim e Vinicius de Moraes

Os espinhos de Romano Prodi

Mesmo com a vitória da esquerda, a Itália continua longe da pacificação. A fractura social e partidária continua visível e longe de se atenuar. Logo que Romano Prodi tome posse, espera-se que tome medidas para lutar contra as grandes disparidades entre níveis de desenvolvimento regional e de riqueza. No entanto, não terá tarefa fácil. L`Unione, a coligação liderada por Prodi, é um melting pot estranho. Vai desde os católicos centristas de Ruteli, passa pela Rifondazione Comunista, e vai até aos radicais de Emma Bonino. Isto só para falar em alguns dos grupos coligados. Orçamento e política fiscal são à partidas dois pontos que podem gerar discórdia. De recordar que a Itália tem défices orçamentais excessivos há quatro anos. Em 2005, foi de 4,1% e em 2007 termina o prazo para colocar o défice nos 3%. Como se vai convergir sem abrir brechas na coligação é uma incógnita.
Como nota de rodapé, Berlusconi já pode voltar aos prazeres da carne. Em Janeiro passado, na Sardenha, prometeu a um padre local abster-se de qualquer actividade sexual, até ao desfecho eleitoral. Mas ao não querer aceitar os resultados do plebiscito, das duas uma: ou não lhe apetece voltar para o leito conjugal e está bem com a coelhinha que entretanto arranjou, ou toda esta confusão eleitoral consumiu-lhe completamente a libido. Em breve se conhecerão mais detalhes, ou não seja ele o Alberto João Jardim italiano.

terça-feira, 11 de abril de 2006

segunda-feira, 10 de abril de 2006

Villepin não quis ter o fim dos Beatles

Paul McCartney anunciou o fim dos Beatles no mesmo dia em que Dominique de Villepin anunciou o fim do CPE. O 10 de Abril de 1970 foi um dia triste para uma geração que cresceu ao som dos quatro de Liverpool. A 10 de Abril de 2006 o dia é de alegria para os milhões de jovens franceses que viram a sua luta sair vitoriosa. Em 1970, Yoko, que não ia muito à bola com Linda por a achar demasiado straight, acusou-a de dividir o grupo não ter oferecido a John uns uppers quando em Fevereiro esteve internado numa clinica de desentoxicação. Na mesma linha está a mulher de Nicolas Sarkozy, que não morre de amores pela cara metade de Villepin E já começou a experimentar roupas novas a condizer com o cargo de primeira dama. Só para sentir o Feeling, um impulso que lhe deu virado para uma música muito popular nos anos 70, mas que nada tinha a ver com as quatro cabeleiras do pós-calipso. Estes já deixaram duas viúvas, os outros ainda não, mas já têm o resto da velhice assegurada.
Give Peace a Chance.

Pintura de João Azevedo

domingo, 9 de abril de 2006

ASSASSINOS

Nestes últimos anos apareceu uma nova classe social, os fumadores passivos, que subitamente descobriu que anda a ser bárbara e friamente assassinada pelos fumadores activos. Esta novidade, como todas as que fazem o mundo pular e avançar, nasceu nos Estados Unidos, onde rapidamente se impôs. A Europa, sempre renitente ao progresso, demorou a aceitar esta realidade. Pé ante pé, as sofredoras vítimas europeias foram ganhando espaço, até conseguirem ter voz nos media e na sociedade abstémia de nicotina. De repente, viúvas que sempre conviveram com defuntos fumadores em paz e harmonia, com a única queixa de serem obrigadas a lavar as cortinas com mais frequência, descobriram que afinal estiveram casadas com frios assassinos, e deixam no ar a suspeita que, se não fosse este convívio, não morreriam aos 90 anos, mas teriam a vida eterna garantida. A Irlanda, a Itália, o Reino Unido, a Espanha comovidas com tão silencioso sofrimento lá adoptaram medidas, umas mais vigorosas que outras, para defenderem as suas vítimas. Agora chega a vez de Portugal. A acreditar no que se lê, do cérebro sempre fervilhante do Dr. Correia de Campos sairá legislação que confinará os fumadores à rua e ao lar. Esta magnanimidade da legislação deve ser usufruída, enquanto é tempo. Virá o dia, em que a técnica de trabalhos domésticos se queixará das condições sub humanas de trabalho, intoxicada pelo fumo mortal da entidade patronal. Qualquer Tribunal de Trabalho aceitará a queixa e sentenciará pesada indemnização por danos irremediavelmente sofridos. Nessa altura só será possível fumar nas salas de chuto, que o ministro da Saúde fará proliferar por todo o território, usando os impostos dos assassinos, os fumadores.

MALOUD

Ella, na Malaposta. A não perder.

O Teatro da Rainha está no palco da Malaposta, em Odivelas, com a peça "Ella". Hoje é o último dia. Fernando Mora Ramos recorda a barbárie nazi a partir de um texto do dramaturgo alemão Herbert Achternbusch. Na próxima semana e no mesmo local, o Teatro da Rainha sobe de novo ao palco, desta vez com "Desconcerto Gin-Fónico", de Mário-Henrique Leiria.
Fly, Yoko Ono, 1970
Courtesy of Lenono Photo Archive
*
Mountains may move
River may run
But you make me be myself
You make me be
How do I tell you
How do I tell
You're the one
(Yoko Ono)
*
From: John Lennon, "Milk And Honey", 1984

sábado, 8 de abril de 2006

O submundo do mercado de trabalho

O destaque do Expresso de hoje não deixa de ser interessante. Denuncia o facto dos dados de contas bancárias de clientes do Totta estarem a ser processadas por tarefeiros, em regime de recibo verde, a trabalharem para uma empresa do grupo Reditus. Um deles disse ao jornal que tinha tratado “contas de figuras públicas, nomeadamente de Isaltino Morais e de Valentim Loureiro e tinha acesso a nomes completos, moradas, número de contribuinte, todos os movimentos de conta, etc.” Num país onde tudo se pode desvendar, bastando para tal saber mexer os cordelinhos junto de gente bem posicionada com contratos de tempo indeterminado, e onde o segredo de justiça é ignorado sistematicamente, isto mais parece uma não-notícia. Mas não é. No entanto, quando é revelada a relativa facilidade com que as empresas utilizam o chamado recibo verde como forma de contratação, vem-nos à memória os tempos em que Cavaco Silva era primeiro-ministro. Nessa altura, milhares de trabalhadores da Função Pública, empresas públicas e privadas eram mão-de-obra barata através da utilização sistemática dos tais recibos. Mesmo sabendo que era ilegal, uma vez que não havia uma prestação de serviços, mas sim trabalho subordinado. Ao que parece esses tempos estão a voltar. A Inspecção de Trabalho deve andar a fazer uns trabalhinhos para a Direcção-Geral de Impostos, talvez também a recibo, agora branco, à procura fugas ao fisco e de receitas para o Estado. E tudo indica que as aves de rapina do mercado de trabalho continuam em forma, a usar de forma vergonhosa quem anda à procura do primeiro emprego ou quem está desempregado.

sexta-feira, 7 de abril de 2006

Boulevard Duderot, Paris, France, 1968
Fotografia de Henri Cartier-Bresson
*
La Bruyère dizia que o homem que vive na indiferença,
é aquele que ainda não viu a mulher que deve amar.
Se quiser que alguém lhe faça o desenho, vá AQUI
e tire a sua conclusão.

Berlusconi:

Sono un coglione.

Daqui vai um abraço para Prodi.
John Kerry: ou há governo de Unidade Nacional no Iraque
ou devemos retirar-nos imediatamente


Democrata aponta para a saída das tropas "até finais deste ano"
aconteça o que acontecer...

O ex-candidato presidencial norte-americano ,John Kerry, escreveu um artigo no NY Times ontem onde desafiava a administração Bush a tomar a decisão de abandonar o Iraque, caso os líderes políticos daquele país não formem um governo de Unidade Nacional até 15 de Maio próximo; e, por outro lado, a segunda deadline aponta para- no caso positivo de formação do governo multipartido- a elaboração de um calendário prescritivo e monitorizado do processo de retirada das tropas americanas até ao final deste ano.

Kerry compara a situação dramática que se vive no Iraque hoje com o Vietname." Mais de metade dos militares mortos no Vietname- e que se encontram recordados para a posteridade no Memorial Wall- foram-no depois de os nossos generais saberem que a nossa estratégia militar não podia funcionar. Foi imoral nessa altura e torna-se imoral hoje se persistirmos em apostar na mesma quimera ", frisa.

O responsável democrata yankee aponta, por outro lado, que " os nossos generais já disseram que a guerra não pode ser vencida militarmente. Deve ser vencida políticamente. Nenhum soldado americano deve ser sacrificado por causa da recusa dos políticos iraquianos em resolverem os seus diferendos étnicos e políticos ".

Jonh Kerry diz que se trava uma terceira guerra no Iraque, no espaço de menos de quatro anos." A primeira foi contra Saddam Hussein e as suas supostas ADM. A segunda contra os terroristas porque, segundo a administração Bush referiu, era preferível combatê-los aqui do que nos EUA. Agora deparamos com as nossas tropas no meio de uma escalada de guerra civil".
Centrando a sua tese principal, o ex-líder democrata aponta: " Os políticos iraquianos devem ser informados de que devem formar um governo unitário até ao dia 15 de Maio, ou, caso contrário, devemos retirar imediatamente as nossas tropas. Se passados cinco meses das eleições legislativas ainda não se puseram de acordo, é porque talvez não o desejem realizar. A guerra civil só criará ainda mais dificuldades, e nós não temos outra solução senão partir".

FAR

quinta-feira, 6 de abril de 2006

 
Foto de José Carlos Mexia Posted by Picasa
The Supremes
Lourenço Marques, Rua Araújo, anos 60
Fotografia de Ricardo Rangel
*
Mas há vida para além de Barcelona e do défice. Há que seguir em frente. Mas para piorar as coisas, recebi hoje um e-mail de um credor, a pedir que o pagamento das contas em atraso. Respondi-lhe que estava em recuperação depois de uma forte angústia que ontem tomou conta de mim. Pedi uma dilação do prazo. Respondeu-me com uma citação enigmática de Juan Vives: "Infeliz o homem que não tem quem o admoeste quando precisa". Cheguei à conclusão que ainda não recuperei de Camp Nou. Vou-lhe dar nos cornos, pedir um atestado médico e meter baixa psiquiátrica. Ele antevendo que algo estava mal manda-me outra citação enigmática: "os ricos têm angústias, os pobres inquietações". Fiquei fulo. Ainda por cima insulta-me e chama-me pobre. Agora já não posso ter angústias, só inquietações? Desta é que o gajo não se safa. Vou pedir ajuda aos No Name Boys.

quarta-feira, 5 de abril de 2006

Foram 90 minutos dolorosos, frente a um televisor que teimava em dar as imagens que eu não queria. Qualquer treinador de sofá que se preze, sofre muito. Todos os meus colegas sabem disso. Hoje, vou adormecer assim.

Pintura de João Azevedo

Contos da Primavera .1

A Primavera para mim era o Bambi, o Flor e o Tambor. Hoje essa memória foi inquinada pelo tempo. Lembro-me de mais uma história alarve. Era Primavera. A Patrícia, o Luís, o Armando e o Emanuel embebedavam-se juntos, o que não deixava de ser habitual. A temperatura subia, pelo menos nos corpos. Da época, da idade, da estação, do álcool? A Patrícia, já muito desinibida, resolve saltar para cima do Luís. O Luís contrariado lá vai respondendo. Teria preferido ficar nos copos, à conversa com os amigos. Relutantemente e por preguiça deixa-se ficar por baixo. Bem sei que é Primavera. Não é tempo de voyeurismo. O conto termina aqui. O Emanuel e o Armando ajudaram como puderam o amigo. Quando o rabo da Patrícia subia enfiavam-lhe, à vez, um dedo no ânus. Não torno a ver o filme! O Disney é imoral.

Josina MacAdam

terça-feira, 4 de abril de 2006

La France, en colère

Entre un et trois millions de personnes ont manifesté dans toute la France contre le CPE, mardi 4 avril, soit des chiffres comparables à ceux de la mobilisation du 28 mars(...)

Près d'un Français sur deux (45 %) souhaite la démission du premier ministre, Dominique de Villepin, selon un sondage BVA à paraître jeudi dans L'Express.

LEMONDE.FR 04.04.06

Bolonha: entre os velhos do Restelo e a residência espanhola

A partir do próximo ano o chamado Processo de Bolonha já vai chegar a mais de metade dos cursos universitários e politécnicos públicos. Os reitores já entregaram as propostas de adequação à tutela. Foram entregues 284 propostas de adequação de cursos, num total de 550 licenciaturas existentes. Chega assim, por via administrativa, uma reforma que os governos e instituições responsáveis portuguesas nunca tiveram a coragem de fazer. Ninguém percebe porque é que ainda hoje se tira um curso de Direito sem se ter um processo nas mãos e sem se saber lidar com os aspectos práticos da ciência jurídica. Não se percebe porque razão nos cursos de Comunicação Social, os alunos levam anos a estudar matérias periféricas para depois se irem “especializar” no Cenjor, um centro de formação não universitário.
O processo de Bolonha vai acabar com esta confusão. Vai ser por certo um ensino mais pragmático e que vai mexer com o establishment das universidades. Há quem goste e há quem não concorde. Mas a mudança começa já no próximo ano. Resta agora saber como vai ser feita a transição. Mais uma vez, desconfio que será “à portuguesa”, ou seja, uma balda com discursos rendilhados.
Por esclarecer está ainda a questão das propinas. Os alunos ao fazerem cadeiras em instituições diferentes, em países diferentes, ainda não sabem se as propinas devem ser pagas no curso de origem ou em cada local onde se estuda.
Mas o grande risco é outro. Há o perigo de se introduzir um ensino superior europeu a duas velocidades, muitas vezes coincidente com o desenvolvimento económico de cada país. Entra-se assim na competição da escola-empresa do ensino superior. Que terá um fim já conhecido. Os países mais avançados tecnologicamente vão acabar por ser os grandes beneficiários e os mais atrasados manter-se-ão na periferia do sistema. Há quem considere que, por exemplo, Portugal vai manter a franja do ensino primário e secundário e alguns cursos do primeiro ciclo do processo de Bolonha. Tudo o resto, mais as especializações que englobam os mestrados, doutoramentos e investigação, vão inevitavelmente cair nas escolas dos países mais desenvolvidos, que daí vão retirar obviamente grandes vantagens financeiras e científicas, passando a ser, cada vez mais, as “universidades de referência”.

Ilustração de Ivone Ralha


vinte e seis

entre a vigília e o sono a vaga e a calmaria
poder seguir réptil mundo abaixo profundo
acima de tudo e de nada sou um enviado
de mim dos anjos-fantasma que me sitiam
dos mudos vultos donde nascem os ventos

merece-se o mundo?
mede-se o tempo?

é efémero o presente perpétuo o passado
as aves migram a vida e a morte sucedem
na calada da dor nasce luz tamanho esplendor

Guita Jr. Poeta moçambicano
“Os Aromas Essenciais”. Editorial Caminho

segunda-feira, 3 de abril de 2006

O cinto, os furos e outros apertos

Foi com surpresa que li a notícia sobre as dificuldades económicas e financeiras dos portugueses. Estava na Suiça, bem longe dos problemas que fazem a manchete no DN de hoje. Como é possível que 56%, ou seja mais de metade dos portugueses, não consigam fazer poupanças e 46,5% seja obrigada a comprar cada vez menos coisas para pagar empréstimos bancários? A situação no resto da Europa comunitária não é assim tão má. E, quanto ao seu futuro, até os suíços são bem mais optimistas do que os portugueses. Depois de tantas medidas governamentais, conselhos e operações de marketing político, pensei que tudo estivesse melhor. Mas ao que parece, enganei-me. Como já estava com meia hora de atraso para picar o ponto no emprego, pedi rápidamente a conta do pequeno almoço, negociei o pagamento do galão e do croissant misto em três prestações, saí da Suiça e fui apanhar o metro do Rossio.
"Mostrando que está sempre ao lado do povo, Jerónimo de Sousa deu uma longa entrevista ao "Público" sobre a causa que resta aos comunistas ortodoxos: a vitória do Benfica."
Daniel Oliveira, Expresso, 1 de Abril de 2006

Foto de José Carlos Mexia

Thomas L. Friedman: a última chance do Iraque

«A derrapagem inacreditável numa barbárie medieval já começou»

O NY Times deste fim de semana contém um artigo de fundo de um dos mais consagrados e escutados jornalistas da actualidade. Friedman apela com o sentido dramático da emergência para a formação de um governo de Unidade nacional tripartido, por forma a ser evitada a guerra civil inter-étnica e confessional. A situação descontrolada já vivida nos bairros sunitas da capital, fazem prever o pior." A confusão conflituosa entre os americanos, o exército iraquiano e o Ministério do Interior está a criar um clima onde as pessoas deixaram de acreditar no dispositivo de segurança, não distinguindo se estão garantidos ou ameaçados por amigos, inimigos, terroristas ou por simples criminosos ou ladrões. Toda a gente usa os mesmos uniformes", refere ,citando um blogue de um colega em Bagdad, AndrewSullivan .E o fundista vai mais longe e sintetiza:"A comunidade shiita tem demonstrado um notável sangue-frio perante as provocações mortíferas dos gangs islâmico-nihilistas durante os três últimos anos. Mas a paciência tem limites. Tornou-se agora evidente que algumas milícias sunitas estão dispostas a combater os sunitas-nihilistas,taco-a-taco e mortalmente.Portanto,a derrapagem inacreditável numa barbárie medieval já começou ".

FAR

domingo, 2 de abril de 2006

antónio oliveira

Chinatown, New York City, 2005
F0tografia de António Oliveira

Pintura de João Azevedo

Terminal de sons

O rapto da lua

aqui deste terminal de sons
amanheço como o pássaro caído
e remoo de silêncio e marés repescadas
o meu tempo de pés e escamas
nesse ponto a adolescência
tinha ritmos de gala galas
e como todos sabem era vermelha
e de coração pleno
este não estalava ainda desengonçado
os músculos à flor da pele
gritavam intensas e impensadas alegrias
desafiando como espadas rápidas qualquer ar obtuso


digo-vos que por muitos caminhos
corre a formiga desde que é formiga
e quando é que uma formiga tem tamanho não se sabe
enigma que não resolvi em muitos passeios extenuantes e peripatéticos
à beira de lagos que mais pareciam nuvens arrependidas
e que
apareciam quando necessitávamos de uma sombra que nos incluísse
e acolhesse protectora
como por vezes acontece nas vertigens mais inclinadas
porque digo-vos que chegam quando não se espera
e instalam-se como carraças nos neurónios mais desatentos
o preço de ser distraído é alto

mas isso é depois da adolescência
nela ainda se dão pontapés em latas
e as grainhas não atrapalham
não há receio de sermos o pasto de videiras
e a ideia de a vide reverdecer nos pavilhões auriculares não nos ocorre
nem a planta brotar do silêncio da pele
verde como caule de palmeira juvenil
e isso acontece às ninfas quando estrumam vidas
viram jardins suspensos e voam como prados inconscientes
e aos anjos caídos nas coisas comezinhas
no pequeno almoço por exemplo
no dentista por exemplo
na lista de espera de um compêndio telefónico
convertido em bíblia de muitos incontinentes verbais


aos putos pode acontecer até crescerem-lhes maçãs no rosto
bravo de esmolfe ou reineta
quando lhes acontece azular de rosas correrias
e ofegantes
é surpreendente apanhá-los em entardeceres de múltiplos pores de sol
que como sabem habitam Áfricas de mambas
essas víboras de pau preto mole
e costumam lamber feridas a partir cada um da sua caverna erguendo-se
porque é lá que vivem e é lá que não se pode chegar
nem à distância de muitos faróis nos máximos
ou de campos de futebol
essa medida para imaginar latifúndios que todos conhecem


estes pores de sol são como uma espécie de vulcões sem magma
apenas compostos de luz e partículas solares
que é como se pode dizer uma coisa do mesmo tipo
do que compõe a fala e também não se vê
quem é que já viu palavras suportadas por andaimes
a viajar a caminho de ouvidos desatentos que nem cabeças desaparafusadas curto circuitadas mesmo
não brinquem comigo
o outro dia vinha no jornal que o tal telescópio
- um microscópio de grandes dimensões
ainda por cima num ponto alto
é sempre esta mania de tocar a lua com o dedo indicador
mais valia fazê-lo crescer como o nariz de Pinóquio
e não andar para aí convencidos que com uma escada magirus se chega lá
quando nem sequer se salvam os prédios da baixa pombalina
da inevitável artrose
consumidos por chamas alimentadas de pinheiros seculares
e roubados às naus do pinhal lá de Leiria -


não chegava o vidro para metê-los em ampulhetas próprias
gigantes e à prova de incandescências
ideal para sóis a pôr-se nas linhas do horizonte
já meigos em liquefacção
também elas múltiplas como matemáticas efervescentes
sabe-se que o vidro come fogo e não estala
o vidro é circense e caminha lado a lado com leões
sem quebrar
o que não se sabe é se a matéria que compõe o sol tem ácaros
na adolescência este tipo de coisas discute-se com paixão
entre a hora da asma e o futebol
para aí junto dos sonhos atirados às três pancadas
para o recanto das sapatilhas
aí onde as mães se habituaram a ir à horta de mão aberta


mas retomando o caminho
estava aí a meio da vida
a prótese já chiava
e o país eram só eucaliptos instalados em camarotes
à beira dos asfaltos de todas as
ÀS UNS e DOIS e VINTE E QUATROS ardidas
os eucaliptos eram a nossa esperança
por esta altura nas hortas apenas se cultivavam sacos de plástico
em hastes de caniço liofilizado
e os cães tinham perdido a memória
não ladravam
os peixes circulavam na contra mão a uma distância estudada do asfalto
e as criaturas irmanavam-se em bandos
tentando aprender com os pandas o segredo da folha de eucalipto
a esperança desaparecera
e corria um inquérito parlamentar em sua busca
o tráfico era uma memória vaga
e os agarrados não tinham automóveis para arrumar
injecções de ar respirável ainda se davam a crianças
com provadas lesões pulmonares
e olheiras profundas de ameixa roxa
já ninguém usava saias nem os escoceses o tilt
o silêncio era esquecido
a roda do mundo
um rumor constante a computadores na andropausa
assim como:
não sei se se lembram
assim como...
o eco
de viaturas de quatro rodas quatro rodas vejam lá
nas pontes sobre baías caixas de ecos
mas ecos multiplicados pela debilidade dos tímpanos
agora desprovidos de tímpanos
e expostos a céu aberto
como depois de esquecidos os romanos
quando os bairros de lata invadiram o mundo
a céu aberto também
e a ONU desatou a fazer planos directores para os favelados do planeta
tentando organizá-los em contigentes de pedintes de farinha
expostos como cadáveres que olham um sol inclemente
obrigatório como a tropa
e transparentes de negras peles e peles baças e branco sujo e castanhos
havia muitos castanhos por esse tempo amontoados em espaços sem nada
e arame
( são visitáveis estas criaturas )
essa altura foi muito complicada
e a adolescência já se fora

de lá para cá
é este alimento para a qual não há estômago
resta-me o cachimbo mas não há tabaco
o odor a fumo no céu palatal brinca ao esquecimento também
apenas folhas de eucalipto nas lojas se vendem
a indústria de papel faliu
não se escreve
para quê
se todos apenas sabem a língua dos papagaios
mesmo os bancos deixaram de semear OPAS
e semeiam couves
foi o que me disseram
eu sei que é um pouco estranho mas foi o que me disseram
e espero que acreditem na minha palavra
não há crédito
nem habitações para a populaça
apenas esqueletos de prédios
e os banqueiros fazem nos telhados dos prédios fortificados hortas de couves policiadas por agentes privados especificamente preparados para as exportarem e escoltarem para as novas colónias
a lua é uma espécie de Vilamoura
e o pessoal das revistas rosa e estilistas vai a banhos logo ali
na curva da perda da gravidade vulgo bidé das marquesas
e há mesmo outros modos de esbracejar

assim à cão
estão a ver
à cão
parece ser o que pegou

e estes privilegiados ladram quando lhes chegamos perto
correndo-nos do seu metro cúbico
podemos vê-los em dias de quase eclipse
se os olhos abrirem nesse dia
há que poupá-los
e como se sabe nos dias ímpares estão fechados
cerradas as pálpebras metálicas
não se abrem
sob pena de multa
mas nos pares podemos olhá-los no ecrã cósmico
nadando e cosendo a sua novela
noite de facas longas qualquer coisa assim
e linguados lentos
mas muito profissionais
sem saliva
a novela dos heróis do espaço filhos de banqueiros
e despidos à moda
proprietários de naves iates espaciais
equipadas para levitar nas zonas de pouca atracção da lua
como se sabe também doente
bicos de papagaio e crateras inférteis
a lua é um problema
com tanto pré fabricado a tentar invadi-la
a comer-lhe as partículas
corre o risco de ter uma paragem aluado-cardíaca
por essa altura teme-se que o lobby dos eucaliptos desate a eucaliptá-la
a lua
e esta sem as suas defesas


dizem que há zapatistas com o propósito de raptá-la
e de instalá-la em Chiapas
em condições ainda deslumbrantes
de floresta luxuriante
junto a um riacho em que corre uma água límpida
à velocidade da alegria

f.arom