Carta Aberta a Hu Jintao
Marcelo Mosse*
Camarada Jintao
Nos últimos anos, em Moçambique temos estado a operar uma transição para a democracia aceite de mãos abertas pelos todos. Também encentamos uma viragem para a economia liberal, a custo de muito esforço. A democracia de Moçambique tem ainda muitos espinhos; precisa de ser melhorada. É uma democracia mínima. Mas a democratização tem permitido que apreendamos uma nova cultura política. Instituições como liberdade de expressão e de imprensa e pluralismo político são como que bandeiras desse processo. As liberdades de expressão e associação consagradas na nossa Constitução da República permitem-nos que exigamos e defendamos o respeito pelos direitos humanos.
Reconhecemos e agradecemos o apoio da China à libertação de Moçambique da dominação colonial. Depois dessa libertação, Moçambique sofreu inúmeros desastres naturais e uma guerra fracticida de 16 anos, a qual destruíu infraestruturas básicas de educação, saúde, transportes e comunicação. Há 15 anos iniciamos a reconstrução do Estado. Não se tem tratado apenas de reerguer infra-estruturas; trata-se também de estabelecer novas instituições, sistemas, regras de transparência e normas de gestão de recursos naturais. Enfim, novos valores na gestão do bem público.
O nosso Estado, camarada Jintao, está em processo de reforma, vamos dizer de modernização. E muitos destes processos têm tido o apoio da comunidade internacional ocidental bilateral, do Banco Mundial (FMI) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Somos um país pobre, dependente, como deve saber, e precisamos desse apoio.
Somos pobres, mas não somos cegos; e gostamos de nós!! Por isso, ao longo destes anos, criticamos os doadores ocidentais pelos aspectos negativos que a sua “cooperação” implicava; criticamos a destruição da anterior indústria do caju; o reendividamento com a “assistência técnica”; o rigor excessivo no controlo da despesa pública; as privatizações (desastrosas) impostas; as tecnologias inadequadas; a chamada “tied aid” (que a China hoje promove); as unidades de implementação de projectos; o disempowerment do Estado; os capacity buildings cíclos e ineficazes, etc.
Muito dinheiro, crédito e donativos, foram gastos nesses processos. Podíamos estar melhor, é certo. Não estamos. Contudo, o país tem mudado de face; temos mais escolas, hospitais, melhores comunicações, estradas, instituições em amadurecimento, etc. Em suma, apesar dos aspectos negativos dessa cooperação, há muitos ganhos visíveis. No entanto, continuamos dependentes.
Camarada Jintao
Uma das nossas grandes guerras é, pois, vencer a dependência externa. Isso pode ser alcançado se gerirmos melhor o nosso bem público, os nossos recursos e melhorarmos os termos de troca com o estrangeiro.
Ainda persistem condicionalismos na cooperação com o ocidente, é certo, mas eles tem sido removidos através do diálogo político que se faz no âmbito do apoio orçamental que recebemos. São condicionalismos de que não nos podemos queixar: a transparência e o combate à corrupção, a independência e eficiência do judicário, a melhoria da gestão financeira do Estado, o respeito pelos direitos humanos, etc, ajudam-nos a melhorar a gestão do nosso bem público.
Nos últimos anos, a sua China tornou-se um actor de relevo na economia mundial, tendo reforçado a cooperação com África, essencialmente virada para a captação de matéria-prima. A sua China procura em Africa não mercados para os seus produtos, mas matéria-prima, recursos naturais. Moçambique, que também precisa da ajuda da China, é um dos vossos alvos preferenciais. Os moçambicanos aceitam, de braços abertos, a cooperação com a China. Ela é necessária. Mas gostariam que essa cooperação fosse transparente, equilibrada, e que os termos de troca fossem equitativos.
Uma das nossas grandes guerras é vencer a dependência externa; não apenas a dependência ocidental. Isso significa que a cooperação com a China não tem de ser uma cooperação de dependência e, pior, clientelar. Não queremos transferir a dependência do ocidente para a China, queremos eliminá-la; não queremos que a Hidroelétrica de Cahora Bassa tenha um novo dono estrangeiro; não queremos que as empresas chinesas ganhem falsos concursos nas obras públicas e maltratem impunemente os nossos cidadãos; não queremos um novo ciclo de endividamento externo, principalmente quando não aplicado no sector produtivo e sobretudo quando aplicado em bens supérfluos como palácios; não queremos que cidadãos chineses entrem em Moçambique sem documentação nenhuma, quando repatriamos tanzanianos e congoleses nas mesmas condi- ções; não queremos, sobretudo, esta delapidação sem paralelo dos nossos recursos florestais.
Não queremos ser um “Dumba-Nengue” chinês. Ou “take away”, como no passado colonial. A China pode nos construir estádios de futebol, oferecer bolsas de estudos, erguer pontes, apoiar no combate à malária, mas essa generosidade não pode ter como moeda de troca a promoção da riqueza fácil para as nossas elites, do vandalismo ambiental, da pirataria nas obras públicas, da precarização do emprego, da des-resconstrução das instituições que temos vindo a reconstruir. Por isso, gostaríamos de vê-lo a anunciar não a construção de um novo palácio presidencial, mas a deixar claro às empresas chinesas que Moçambique é um país com regras, instituições e leis (incluindo de gestão ambiental) democráticas que devem ser respeitadas.
Camarada Hu Jintao
Somos pobres, mas gostamos de nós. Uma das coisas que temos tentado fazer é constuir um Estado de Direito. Isso passa pelo funcionamento pleno do nosso aparato legal, da nossa administração pública. A China e os chineses devem respeitar isso. Muito gostariamos de vê-lo a ordenar os seus concidadãos a terminarem o saque desenfreado aos nossos recursos. A China não tem o direito de promover uma cooperação que, a longo prazo, vai custar caro aos moçambicanos, mais caro do que aquela cooperação que se diz condicionalizada.
Moçambique precisa do IDE chinês, precisa de acordos comerciais equilibrados, relações laborais justas e créditos concessionais para o sector produtivo. Mas sabemos que não há almoços grátis. E também não basta dizer que é uma cooperação sem condicionalismos, pois pior que colocar condicionalismos em cima da mesa, é encenar montanhas de caridade cujo substracto assenta numa nova relação de dependência e subordinação politica e económica, onde o nosso único papel é alimentar de recursos as empresas e a economia do seu país.
* Coordenador Executivo de Centro de Integridade Pública
Marcelo Mosse é Jornalista e pesquisador independente; Pós-graduado em Estudos de Desenvolvimento e Mestrando em Estudos Africanos no ISCTE/Lisboa. Já foi editor do Metical e do MediaFAX. É co-autor da foto-biografia de Samora Machel (Maguezo Editores, 2001), co-autor, a par de Paul Fauvet, da biografia de Carlos Cardoso (Ndjira, 2003; Double Storey, 2004; Caminho, 2004). Escreveu, juntamente com Peter Gastrow, o estudo “Mozambique: Threats Posed by Criminal Networks” (2001, Institute for Security Studies).
8 comentários:
Ponto de vista!
O futuro industrial mundial ficará concentrado na China,
na Índia e em África, onde
há muita gente e mão d'obra barata. Os chineses precisam de matéria prima para as suas industrias. E
precisam de montar fábricas
em pontos estratégicos. E precisam de colocar os seus
produtos. E precisam de se
estender por esse Mundo afora! São inteligentes...
pacientes. Olho neles!!!
J.F.
Meus caros: A China acaba de mudar na sua política de cooperação internacional, sobretudo para os países de África.
Apercebendo-se do drama do Darfour, manipulado por burocratas-gansgsters, os warlords, a China decidiu intimar o Sudão e a Somália a sentarem-se à mesa das negociações para que a tragégia inhumana que se vive no Darfur termine. Foi esta semana anunciado em Pequim, segundo o NY Times.
O texto do Marcelo Mosse tem imensas qualidades e um só defeito: o apostar no papel redentor do Estado, essa violência organizada ao serviço do mais forte e do mais preparado, mesmo e apesar de pletórico de injustiça e corrupção. Moçambique podia tentar a auto-gestão e a descentralização económica e social acelerada. Marcelo Mosse deve estar a par dos caprichos inevitáveis das burocracias latentes, que reproduzem os mesmos esquemas de exploração e segregação dos colonialistas e dos neo-colonialistas enroupados em pseudo-ideologias de libertação. FAR
A carta aberta deveria ser dirigida ao Guebuza e seus apaniguados. Afinal quem gere (ou devia gerir) os destinos de Moçambique? São os chineses? Os chinocas apenas fazem o seu papel, cabe aos moçambicanos impedir que os seus recursos sejam saqueados por quem quer que seja. O problema é outro, mas deve haver falta de coragem para o combater. O Carlos Cardoso teve essa coragem, mas infelizmente não há "continuadores" à altura...
A acção da China "humanitária" em relação a Darfour é uma falácia. Só para inglês ver. Os chineses fizeram melhor, porque têm um plano B, ou seja estão em Angola, e em grande força, e ficam no Sudão até ao limite máximo, ou seja em bom português, "até aquilo dar o peido". Aliás a acção dos chineses fora das fronteiras deles lembram-me aqueles povos extra terrestres dos filmes de ficção cientifíca, que invadem a terra só para consumirem até à exaustão todos os bens do planeta, e que depois querem espatifar esta brincadeira toda. A culpa ? É nossa, claro. As reservas em "hard currency" da China propositamente "mal utilisadas", o fecho do mercado chinês ás exportações ocidentais e a quebra de contratos comerciais na subcontratação atiravam para a miséria total a economia ocidental. Estamos reféns desses fdp, mas na minha opinião, o que pode dar alguma luz de esperança à economia não chinesa, é último relatório acerca do desempenho das empresas chinesas no estrangeiro, que é no minímo catastrófico, porque o crédito mal parado é similar ao PIB de alguns países. Para os chinocas investirem "lá fora", têm que pedir emprestado "lá dentro", e nestas contas de merceeiro, as instituições bancárias chinesas estão à beira de um ataque de nervos, a ver crescer um buraco colossal com tanto investimento no estrangeiro feito abaixo do preço de custo, ganhar também concursos muito abaixo do preço de custo, ou seja a vulgar compra de encomendas para entrar nos mercados, e tudo feito numa eficácia muito duvidosa. Óptimismo é palavra que não existe em certos círculos do poder chinês. Estão a espetar o "ferrão" neles próprios.
Anónimo das 12.02 AM: Boa perspectiva, no meu modesto entender. Só que a economia dos USA, por exemplo,precisa dos capitais chineses que compram os bónus do Tesouro Federal, imprescindíveis para que flutue e o dólar se mantenha na corda-bamba; e, por outro lado, precisa de estar no mercado...chinês, sabe-se lá com que intenções e a que preço(s). Porque nele estão cada vez mais o Japão e a União Europeia moribunda e ineficaz( por vassalagem imbecil ao Tio Sam?). FAR
Wá canga wánáná, randa Moçambique
O NY Times trazia ontem uma extensa reportagem sobre a visita do Presidente Hu Jintao por doze países de Africa. Entre muitas coisas, os sindicatos sul-africanos de Pretória protestaram contra a instalação selvagen de comerciantes chineses na capital, que lhe deram cabo de tudo. Na Zambia, o PR chinês foi muito mal recebido também por causa da imprevidência dos operários chineses a trabalhar nas minas de cobre. No Zimbawe mais manifestações contra a desgraça causada pela concorrência desleal dos chineses no comércio retalhista.Juntiao prometeu na Namíbia uma espécie de Segurança Social para os cooperantes do seu país... E isto é uma ponta do iceberg, pois o grande jornal sul-africano,The Star, publicou páginas de análises críticas sobre a " invasão " chinesa, que é a terceira em número de participantes, ao longo dos tempos, atràs dos USA e da Europa. Vamos avançar na qualidade e profundidade, ou vamos marcar passo na laracha e no tribalismo despudorado da má consciência do antigo colonizador? Eu quero avançar, pois. FAR
O Carlos Cardoso foi morto porque ja naquela altura os seus "colegas" nao tinham os coisos no sitio para usarem a sua profissao como uma arma. Os jornais mocambicanos comprovam isso. Uma cambada de lambe cus cheios de cagaco.
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