quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Da Capital do Império

Olá,

Peidos, arrotos, diarreia, hemorróides, arterite, alergias, gripes, diabetes, ranho no nariz, dificuldades em fazer xixi ou não controlar o xixi, calvície e impotência sexual. Esta é parte da dieta diária a que o pessoal aqui nos “states” é submetido à hora de jantar quando liga a televisão para ver os noticiários das grandes cadeias de televisão que transmitem à escala nacional.
Teoricamente meia hora de notícias. Na prática cerca de 20 minutos sendo os restantes 10 minutos reservados a anúncios. E por razões de “marketing” que têm que ver com a idade da audiência desses noticiários os anúncios estão virados para as insuficiências do corpo que aumentam com a idade ou com certas épocas do ano.
Por exemplo agora há uma série de anúncios sobre “mucus” no nariz. Na primavera aumentam os anúncios sobre como parar os espirros causados pelo pólen das flores.
Sempre em moda estão anúncios com uns gajos e gajas a mexerem-se com um ar de aflitos em cadeiras enquanto uma voz narrativa fala da “comichão” ou da dor que podem atacar a qualquer momento no fundo das costas, mas que tudo pode ser resolvido com … “Preparation H” ( O H é claro está é a inicial da palavra hemorróida). Ou então como o “crème Preparation H” que aparentemente “cools” o local afectado.
Os homens aparentemente podem ter dificuldades em fazer xixi a qualquer época do ano porque o anuncio para “Flomax” está sempre em moda, com uns tipos assim com o aspecto de terem mais de 50 anos mas magros e com um ar saudável a andarem de bicicleta e a rirem-se muito enquanto a voz off nos diz que com “Flomax” urinar é mais fácil. Outro dia tive quase a recomendar o Flomax a um amigo que se queixava que agora quando vai fazer xixi tem sempre que ter uma longa conversa com o instrumento antes da urina começar a fluir. Acabei por lhe dizer filosoficamente para ver os noticiários o que deixou …embasbacado.
Pelo que vejo nos anúncios as mulheres têm o problema oposto porque há diversas companhias com anúncios sobre umas fraldas para adultos e são sempre mulheres sorridentes que aparecem porque um certo tipo de fraldas oferece “protecção e conforto para que você possa continuar com a sua vida”. Presumo que se alguém tomar uma overdose de Flomax pode sempre fazer uso extra das fraldas “Serenety”.
“Sente-se inchado? Gas-X é a resposta”. Isto como vocês já devem ter adivinhado é para os peidos. Os americanos chamam-lhe gás. Há também um anúncio com um gajo com ar de infeliz a esfregar o peito e a queixar-se de azia. Às vezes usam um gajo com um ar de enjoado a olhar para umas pizza cheia de pepperoni no topo. E depois já com um ar todo sorridente a gabar-se de que a azia e os arrotos acabaram porque …”o meu médico disse Mylanta”.
À hora do jantar contudo nada mais apetecível de que ouvir um gajo a vender “Mucinex” que “solta o mucus no naris e dura 12 horas” ou de Listerine que “branqueia” os dentes, lava “entre e atrás dos dentes” e “acaba com o mau hálito”. Ou então aquele de um gajo no meio de uma reunião a ter que correr para a casa de banho porque está com diarreia ou então no meio de uma bancada de um estádio desportivo a ter que subitamente correr para ir à casa de banho
Hà anúncios sem fim para a arterite, para o colesterol, para o coração e até para combater os efeitos da quimioterapia quando se luta contra o cancro. (Este último tem sempre um velho a brincar com um garoto que deve ser o neto).
Por receio de acções em tribunal (isto é a América) muitos destes anúncios são acompanhados no seu final de uma voz a falar muito rapidamente dos efeitos secundários que alguns dos medicamentos podem ter e quase todos acompanhados sempre em voz alta da recomendação: “pergunte ao seu médico”. Os médicos não acham piada nenhuma porque muita malta vai agora ao médico para lhe exigir para receitar o medicamento tal e tal como viu na televisão.
O anúncio de Viagra esse tem um gajo e uma gaja assim de aspecto de meia-idade com um ar feliz e descansado a abraçarem-se e a sorrir ou então na praia todos contentes a beberem um copo de vinho branco pois encontraram a solução para a “disfunção eréctil”. A voz avisa no entanto que o medicamento pode ser perigoso para pessoas com problemas de tensão arterial, pode causar “uma diminuição de visão” (!) e avisa que se “uma erecção durar mais de quatro horas então chame o seu médico”. O que me surpreende pois se eu alguma vez tiver uma erecção que dure mais de quatro horas não chamo o médico. Convoco mas é de imediato uma conferência de imprensa….
Bem, desculpem lá estar a chatear com todos estes pormenores. São essenciais contudo porque para além de serem um indicativo da agressividade das companhias farmacêuticas (“Merck – os pacientes vêm primeiro”) reflectem também a epidemia de diagnósticos que assola este país e pelo que me apercebo começa também a afluir certas sociedades aí desse lado do charco. Quando se tosse depois de correr é porque se tem asma; quando um gajo acorda chateado com a vida ou com os “blues” é porque está deprimido. E coitado dos gajos que as vezes andam contentes e às vezes tristes, aparentemente são bipolares. Chegamos ao ponto hoje em que para a psiquiatria qualquer pessoa que se comporta de modo obnóxio é obviamente alguém que tem um problema psiquiátrico...até o contrário poder ser provado.
Em termos puramente médicos há agora aqui uma obsessão com números e padrões inflexíveis. A Dra Lisa Schwartz da faculdade de medicina de Darmouth disse que se todas as pessoas nos Estados Unidos tivessem que seguir à risca os padrões de colesterol, açúcar no sangue, gordura e diabetes então 75 por cento dos americanos seriam doentes.
Os fabricantes de medicamentos acham que sim e impigem mesmo através da publicidade as noções de novas doenças como (a minha favorita) o “sindroma da perna inquieta” para o qual já há um medicamento Requip, anunciado na hora dos jantar com o slogan “faça as pazes com a sua perna”. Um dos efeitos secundários desse medicamento, diz o anúncio, é que pode causar náusea e tonturas. Colmo a vida é difícil, sempre a forçar nos a tomar decisões. Há que fazer a escolha portanto: paz com a perna irrequieta ou náuseas e tonturas. Mas pensando bem há sempre um medicamento para náuseas e tonturas.
O “sindroma da perna irrequieta” é talvez prova que no país do marketing e comercialização de tudo não há nada melhor que inventar ou descobrir um produto (neste caso um sub produto de um medicamento contra a Parkinson), depois inventa-se a doença e o mercado et.. voilà.
Outro dia no noticiário de uma das três cadeias nacionais logo a seguir ao anúncio para o Requip mostraram uma reportagem com um campo de refugiados no Quénia com Somalis escanzelados e eu perguntei a mim mesmo: quantos deles é que sofrem de “sindroma de perna irrequieta” e não o sabem? Será que há crianças esfomeadas nos campos de refugiados que sofrem de “intolerância à lactose”?
Perguntas para a ONU formar umas comissões de investigação multilaterais de “personalidades eminentes”, não acham?
Um abraço e por amor de de Deus não se esqueçam: se sentem o pulso a bater… então estão doentes.

Jota Esse Erre

2 comentários:

Anónimo disse...

LOL !

Anónimo disse...

Eu tenho duas doenças crônicas: endometriose e síndrome da perna irrequieta. Posso dizer que é muito bom saber que aquilo que você tem, tem nome e outras pessoas também sofrem. Sofri dores fortíssimas até descobrir a endometriose. Não tinha acesso a bons médicos. Talvez eu estivesse entre os somalis. Posso dizer que a perna irrequieta não me faz sofrer como a endometriose mas me tira muitas noites de sono. Acho que a fome dos somalis faz com que eles não saibam que tem outros problemas. A fome está em primeiro lugar por um motivo óbvio, ela mata. A perna irrequieta, não.