A Cauda e a Europa
Há uma clara aversão à cauda no imaginário político português. É o estamos na cauda por oposição a estar no pelotão da frente. Da metáfora animal passamos ao ciclismo sem descarrilar, obra de grande e criativa desconexão referencial. Nunca entendi tanto desprezo pela cauda, por qualquer cauda, já que à cauda, não se juntando o animal específico, apenas podemos pensá-la palavra sonora, dita para dentro, gozando as mais que estimulantes ressonâncias sensuais.
Experimente, diga baixinho, só para si, cauda, ouviu? O que sentiu?
Repita um pouco mais alto, diga mesmo cauda ao espelho, na casa de banho, enquanto pisca o olho. Que tal? Não sentiu algo a puxá-lo para baixo, uma respiração mais ofegante, vontade de embarcar para a Caudilândia e cantar com os plenos pulmões dos ?
Para além desse desprezo difuso, injustificado e provavelmente só jornalístico, a palavra cauda, identificada em contextos verbais concretos, pode, de facto, ser o clic que porventura falta a uma vida, o início de uma nova aventura, o fim de uma triste conjugalidade de sofá.
Comecemos pela cauda de um piano, de um piano de cauda, de um piano de meia cauda, já imaginou com que tristeza um piano é vertical?
Não lhe parece que um piano de cauda é evidentemente um valor cósmico, mais ainda se estiver de cauda subida e o pedal no fundo, as teclas a saltar-lhe da alma num jazz definitivo e orgiástico, copulando inadvertidamente, sem camisa nem vénus, no pleno voo inebriante de um sax soprano?
E agora outras: já sentiu a cauda sonora de uma cascavel? Que me diz?
Já pensou num leão sem cauda, num macaco sem cauda, num épico vestido de noite sem cauda? Que seria da noite!
São tristes amputações da realidade, um pudim sem ovos, um mar sem água, uma amor sem amor, ou mesmo uma presidência sem fitas.
Não me diga que já claudicou e aderiu à visão vulgar, aquela que gramsci distinguia do senso comum, visão de alguma lucidez, mesmo que empírica?
Tenho feito um esforço e não chego ao busílis da questão. Não durmo a pensar nas caudas que por aí andam, de beiça triste, tão maltratadas são por todos os olhares, mesmo pelos mais atentos ou sobretudo por esses, habilmente disfarçados de míopes, topam tudo.
Há mesmo, diria, uma xenofobia baseada no ódio às caudas, que as atira para essa posição terrivelmente frustrante e que qualquer cauda sonha em pesadelo e que é ser-se: a cauda de uma cauda, um limite indesejado e trágico.
Se nos dissessem que estamos no traseiro da Europa, embora também discutível pois nesta matéria há olhares variadas e não posso plebiscitar o meu sem mais nem ontem, creio que poderíamos aceitar que há mundos talvez melhores. Repito que esta tese é controversa, não pensem portanto que não respeito a diversidade com toda a correcção política necessária, de acordo com a letra e espírito da constituição, a primeira, sem revisão nenhuma.
O que é verdade é que me parece mais feliz, para dizer o que diz, a expressão cú do mundo que a expressão cauda da Europa. Aliás, talvez seja a hora de esperar uma síntese satisfatória. Vejamos: Que será que se vê de qualquer cauda, que é uma fenda e que, mesmo fechada, pode prejudicar qualquer nariz aberto? Esta adivinha, como repararam, de dificuldade um numa escala de dois mais dois igual a cinco, podia ser objecto de análise nas quartas classes. Creio que resolveria a nossa inexorável caminhada, nossa, de portugueses, em direcção à ciclotimia nacional, essa bandeira sem cores, nem verde vermelha, nem vermelha verde, que nos torna campeões do atraso, mas campeões, dado que é justamente interessante estar na cauda por se estar perto do cú e que mais vale ser consensual que colocar cú e cauda em concorrência desleal. Lá viria a Alta Autoridade e nem cú nem cauda, tudo para o xadrez. O que talvez educasse o pessoal e o tornasse competitivo ou qualificado, como se diz para não dizer letrado, cultivado, palavras miseráveis, em desuso, caudíófilas.
Mas vírgula meus caros outra vírgula meus caros digam-me: o que é que tem assim de tão desastroso ser a cauda, ou estar na cauda, da Europa, que é aliás uma moça redonda e gosta de raptos?
O problema, a meu ver, é que não estamos na cauda, porque nela estando estaríamos no corpo, no corpo da Europa e isso é que é uma profunda inverdade. Na realidade estamos em nenhures, num litoral prenhe de interioridades, na falésia invejando gaivotas e grilos, definitivamente continentais e porventura sem os tomates do padre Bartolomeu de Gusmão, o da passarola.
f.arom
quarta-feira, 21 de dezembro de 2005
terça-feira, 20 de dezembro de 2005
segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Foto de Sérgio Santimano
Como eu não possuo
Olho em volta de mim. Todos possuem ---
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
(...)
Mário de Sá-Carneiro

Foto de Ivone Ralha
domingo, 18 de dezembro de 2005
O REVÓLVER DE TRAZER POR CASA

Fotos de Ivone Ralha
Querem fazer de mim o revólver de trazer por casa,
Fizeram já de mim o revólver de trazer por casa,
Aquele que toda a gente, uma, duas vezes na vida,
Encosta por teatro a um ouvido
Que acaba por se fechar envergonhado.
Um bom revólver domesticado:
Algumas noções de pré-suicídio, mas não mais,
Que a vida está muito cara e a aventura
Nem sempre devolve o barco que lhe mandam.
Quem espera por mim não espera por mim
E talvez me encontre por um acaso distraído.
Mas no meu obsceno mostruário de gestos,
Guardo o mais obsceno
Para quando a ilusão se der...
Alexandre O’Neill
No Reino da Dinamarca
Contos de Natal .5
O meu pai é um irresponsável. Certamente já tiraram essa conclusão. Bem lhe deixo preservativos pela casa a lembrar-lhe que o sexo deve ser seguro. Não sei se as namoradas dele são cuidadosas. E, o palerma deve-lhes obedecer em tudo. Não me desviando do meu último conto de Natal, queria-vos contar o meu desejo: Do ascetismo cristão guardei a imagem do sacrifício. Neste Natal, não quero nada para mim, nem para a cadela. Quero uma madrasta! O meu pai sem uma mulher ao lado afunda-se. Acreditem que é um grande sacrifício. Conheci várias madrastas. Excepto uma com idade aproximada, odiei as outras. Questões de ciúme, que não tenho espaço para, aqui, agora, relatar. Não vos vou falar da que comprava brinquedos para ela. Eu é que era a criança. O parvalhão não tomava partido Nem daquela que alterou a ordem lá de casa. Até o faqueiro teve outra disposição. Muito menos da outra que nos obrigou a uma despesa faraónica com a lavandaria. Nada, moita carrasco! Neste Natal venha uma nova madrasta! UM BOM NATAL PARA TODOS! PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE! Até sempre! Gostei muito de estar convosco. Coitado do meu pai!
Josina MacAdam
Josina MacAdam
sábado, 17 de dezembro de 2005
Ó amigos que andais fardados...
No passado dia 13 entregaram-me, em Lisboa, uma carta “dos militares ao povo português”. Guardei-a no bolso e resolvi lê-la enquanto passava para Almada.
Iniciada a travessia do Tejo pus-me à leitura.
Não enjoei porque parecia mal. Mas aquela carta deu-me a volta ao estômago.
Então não é que as “Associações Profissionais de Militares”, tratando-me por ‘caro concidadão’ se me dirigem numa lamúria pejada de expressões como “sacrifícios”, “sacrifício”, “os militares, (...), ligam a sua própria existência à existência da Nação”, “os militares são os únicos de entre os cidadãos que asseguram, em última instância, com o sacrifício da própria vida...” e etc.
Perante tanto sacrifício guardei a missiva no bolso.
Os nossos militares são uns sacrificados, diria mais: uns mártires.
Não estivessem eles em alerta permanente, constante e sacrificado 24 sobre 24 horas e já teríamos sido invadidos não sei bem quantas vezes; é graças à sua esforçada e sacrificada acção que Portugal não deixa entrar fronteiras dentro nem um grama de haxixe, quanto mais de ‘coca’, muito menos de heroína e etc.
Durmo muito mais tranquilo desde que sei que os militares se encontram presos a um juramento. Aliás, passei a olhar a instituição militar com outros olhos: as nossas Forças Armadas são a única instituição com pessoas vivas que, em pleno século XXI, se prestam a práticas medievais. Aqui vai uma ideia, gratuita: sendo o turismo uma das poucas fontes de receita deste país, que tal construir roteiros turísticos que incluíssem visitas guiadas a unidades militares?... Aproveitem.
Pois é, a cartita estava catita mas a malta não perdeu de todo a memória.
Ó amigos que andam de farda, enxerguem-se.
Privilégios é uma palavra que vos está interdita.
Sabem que sim, que os tiveram e não foram tão poucos como isso.
A meu ver, alienavam-se as instalações militares, vendiam-se os materiais que ainda não enferrujaram e reconvertiam-se os militares com direito a opção, a saber:
1. Reforma antecipada;
2. Ir para a polícia;
3. Ir para os Bombeiros.
O Estado encaixava uma boa soma, reforçavam-se as polícias (que, mais tarde, a meu ver, seriam banidas) e os bombeiros (que dão imenso jeito...).
A vossa carta, amigos que escolheram passar a vossa jornada de trabalho envergando um farda, não colhe. Nem venham com essa do 25 de Abril de 1974. Trinta anos depois as coisas estão quase iguais, à excepção da guerra e das prisões por delitos políticos.
Não precisamos desses serviços, dos quais não se vêem resultados nenhuns. Só através da acção de um ‘lobby’ poderoso podemos continuar a dar-nos ao luxo dispendioso de manter três ramos das Forças Armadas. Precisamos mais escolas e universidades, mais investimento na área da investigação, da Saúde, da formação e qualificação profissional. Aí é que deverá o nosso país investir de forma séria. Não numa instituição tão tacanha e obsoleta como as Forças Armadas.
A vossa missão – e, de resto, ninguém deve ter missões na vida... – seria despir a farda e dizer onde poderiam ser realmente úteis, enquanto cidadãos e trabalhadores, ao vosso país.
Iniciada a travessia do Tejo pus-me à leitura.
Não enjoei porque parecia mal. Mas aquela carta deu-me a volta ao estômago.
Então não é que as “Associações Profissionais de Militares”, tratando-me por ‘caro concidadão’ se me dirigem numa lamúria pejada de expressões como “sacrifícios”, “sacrifício”, “os militares, (...), ligam a sua própria existência à existência da Nação”, “os militares são os únicos de entre os cidadãos que asseguram, em última instância, com o sacrifício da própria vida...” e etc.
Perante tanto sacrifício guardei a missiva no bolso.
Os nossos militares são uns sacrificados, diria mais: uns mártires.
Não estivessem eles em alerta permanente, constante e sacrificado 24 sobre 24 horas e já teríamos sido invadidos não sei bem quantas vezes; é graças à sua esforçada e sacrificada acção que Portugal não deixa entrar fronteiras dentro nem um grama de haxixe, quanto mais de ‘coca’, muito menos de heroína e etc.
Durmo muito mais tranquilo desde que sei que os militares se encontram presos a um juramento. Aliás, passei a olhar a instituição militar com outros olhos: as nossas Forças Armadas são a única instituição com pessoas vivas que, em pleno século XXI, se prestam a práticas medievais. Aqui vai uma ideia, gratuita: sendo o turismo uma das poucas fontes de receita deste país, que tal construir roteiros turísticos que incluíssem visitas guiadas a unidades militares?... Aproveitem.
Pois é, a cartita estava catita mas a malta não perdeu de todo a memória.
Ó amigos que andam de farda, enxerguem-se.
Privilégios é uma palavra que vos está interdita.
Sabem que sim, que os tiveram e não foram tão poucos como isso.
A meu ver, alienavam-se as instalações militares, vendiam-se os materiais que ainda não enferrujaram e reconvertiam-se os militares com direito a opção, a saber:
1. Reforma antecipada;
2. Ir para a polícia;
3. Ir para os Bombeiros.
O Estado encaixava uma boa soma, reforçavam-se as polícias (que, mais tarde, a meu ver, seriam banidas) e os bombeiros (que dão imenso jeito...).
A vossa carta, amigos que escolheram passar a vossa jornada de trabalho envergando um farda, não colhe. Nem venham com essa do 25 de Abril de 1974. Trinta anos depois as coisas estão quase iguais, à excepção da guerra e das prisões por delitos políticos.
Não precisamos desses serviços, dos quais não se vêem resultados nenhuns. Só através da acção de um ‘lobby’ poderoso podemos continuar a dar-nos ao luxo dispendioso de manter três ramos das Forças Armadas. Precisamos mais escolas e universidades, mais investimento na área da investigação, da Saúde, da formação e qualificação profissional. Aí é que deverá o nosso país investir de forma séria. Não numa instituição tão tacanha e obsoleta como as Forças Armadas.
A vossa missão – e, de resto, ninguém deve ter missões na vida... – seria despir a farda e dizer onde poderiam ser realmente úteis, enquanto cidadãos e trabalhadores, ao vosso país.
METRO menos que quadrado
No Senhor do Roubado as carruagens para Odivelas no cais de lá chinfrineiram-me os miolos. De cá umas miúdas eriçadas vão emaranhando os cabelos numa profusão de tranças do género pernas de um polvo seco num sol torrencial de trópico. O meu olhar persa vai fazendo uma panorâmica pelos rostos circundantes, tão inverosímeis na sua realidade e incrivelmente diversos, uma bochecha caída, um queixo interior, umas olheiras sulcadas à jardineiro, uma testa e tal, uma cara sem rosto, esquecida no tempo, sem traços nem origem, mesmo um latido em pele mais caída, a meio de uma lágrima que não pára de cair e não sai do sítio. Ao lado um rapazola entregou os tímpanos a uma fonte de surdez militante e dá ao pé, numa cadência que exibe calças e calcanhares como o cavalo de Alter em dias patrióticos faz continência aos quase novecentos anos de história perante o olhar impávido de bois bravos e ganadeiros. Estão a ver?
Lá entramos na geringonça, toda pós moderna na velocidade e ruído, aos sacões, batatas de um saco atirado para o topo de uma carga. A metáfora das sardinhas em lata tem a meu ver o inconveniente de suscitar salivares imediatos, para além do que, dentro da lata acachapadas, cumprirem um ideal de felicidade, comunidade de irrecusáveis físicos afectos e bandeira que são.
Vou a medo, a prótese faz sinais de impaciência no arranque, a perna não se cala, não me estatele naquele chão andante e me descomponha, me decomponha – também tenho a minha máscara, ou pose: passe-me lá a perna por favor, é estranho apesar de nada já ser estranho, menos ainda a morte, tão corriqueira.
Lá pouso e pauso, cuassentado, de pé ficam os mais marinheiros e o pessoal que está escorado em ampla sacaria natalícia. Um pinheiro esquartejado?
Aqueles rostos perseguem-me como se os esculpisse, vocação de demiurgo que não me liberta e já me sinto mergulhado em silêncio obrigatório, ocupado pelo ruído em sentido militar, sangue sonoro a correr-me veias e artérias em circulação de sentido único. Já pensaram: o coração a bombar ruído, ingénuo?
Que tristeza, que circunspecção tão de medo e inexpressão vai naquelas desalmas. Escola de solidão em massa. O ruído é tal que a voz da hospedeira não rompe as rodas. A chiadeira podia ser light como a coca, ou não? (A coca, a cola, a que desentope). A voz parece dizer qual a estação mais próxima, mas nem lhe vejo o sexo. Tipo? Tipa? O contraste é total quando a coisa stopa: voz maviosa, cheia de afã informativo, decalcando as letras como os lábios da moura guedes naquela dança ampla – que pena vai-se embora!-, silabando uma dicção de tropa, letras escritas no ar com a evidência de um giz branco escarrapachado na velha ardósia preta.
O pessoal vai pardacendo cada vez mais à medida que a coisa se eterniza – já imaginaram ir de metro para Estocolmo?, a luz neónica torna as coisas mais irreais, como se fizesse dos rostos palco de bactérias, trajecto de formigas: zombis de óculos escuros, habitantes criados em aviária hora de ponta.
Apenas umas ciganas fazem praça na carruagem, não há tristeza que lhes dê.
Afinal que pandemia será esta? E ainda falam da gripe das aves.
f. arom
Lá entramos na geringonça, toda pós moderna na velocidade e ruído, aos sacões, batatas de um saco atirado para o topo de uma carga. A metáfora das sardinhas em lata tem a meu ver o inconveniente de suscitar salivares imediatos, para além do que, dentro da lata acachapadas, cumprirem um ideal de felicidade, comunidade de irrecusáveis físicos afectos e bandeira que são.
Vou a medo, a prótese faz sinais de impaciência no arranque, a perna não se cala, não me estatele naquele chão andante e me descomponha, me decomponha – também tenho a minha máscara, ou pose: passe-me lá a perna por favor, é estranho apesar de nada já ser estranho, menos ainda a morte, tão corriqueira.
Lá pouso e pauso, cuassentado, de pé ficam os mais marinheiros e o pessoal que está escorado em ampla sacaria natalícia. Um pinheiro esquartejado?
Aqueles rostos perseguem-me como se os esculpisse, vocação de demiurgo que não me liberta e já me sinto mergulhado em silêncio obrigatório, ocupado pelo ruído em sentido militar, sangue sonoro a correr-me veias e artérias em circulação de sentido único. Já pensaram: o coração a bombar ruído, ingénuo?
Que tristeza, que circunspecção tão de medo e inexpressão vai naquelas desalmas. Escola de solidão em massa. O ruído é tal que a voz da hospedeira não rompe as rodas. A chiadeira podia ser light como a coca, ou não? (A coca, a cola, a que desentope). A voz parece dizer qual a estação mais próxima, mas nem lhe vejo o sexo. Tipo? Tipa? O contraste é total quando a coisa stopa: voz maviosa, cheia de afã informativo, decalcando as letras como os lábios da moura guedes naquela dança ampla – que pena vai-se embora!-, silabando uma dicção de tropa, letras escritas no ar com a evidência de um giz branco escarrapachado na velha ardósia preta.
O pessoal vai pardacendo cada vez mais à medida que a coisa se eterniza – já imaginaram ir de metro para Estocolmo?, a luz neónica torna as coisas mais irreais, como se fizesse dos rostos palco de bactérias, trajecto de formigas: zombis de óculos escuros, habitantes criados em aviária hora de ponta.
Apenas umas ciganas fazem praça na carruagem, não há tristeza que lhes dê.
Afinal que pandemia será esta? E ainda falam da gripe das aves.
f. arom
Kok Nam, somewhere in New York City, May 2005Fotografia de António Oliveira
*
É um amigo de longa data, de longas lutas e de caminhadas vermelhas. É mais popular do que Confúncio ou Sun Tzu em terras africanas abaixo do equador. É um homem de guerra e paz. Nasceu com o eclodir da segunda guerra mundial. Durante muito tempo ficou á espera que alguém lhe oferecesse uma máquina fotográfica nos seus anos. Mais tarde vingou-se. É actualmente considerado um dos melhores fotógrafos da África Austral. As máquinas que mais gosta são ainda do tempo da II luta armada. Foi mais próximo de Samora do que do vizinho de cima da sua casa em Maputo. Mesmo assim, nunca gostou que o chamassem de camarada. "É pá, eu sou o Kok", diz. Muitos chamam-lhe Joe. E ele ri-se. Maningue. Faz anos nesta altura, quando o ano começa a pensar em terminar. Quanto às datas, a doutrina divide-se. Pode ser 12. Pode ser 25. Talvez por isso, inicia as comemorações mais cedo. Normalmente no principio do ano e termina com o surgimento do ano seguinte. Como não podiamos deixar passar esta efeméride em branco, aqui está ele, numa fotografia a cores e tudo, próximo do local onde 50 Cent surgiu para a música. Ou foi o 1.25 USD. Não sei. Biografias de rappers é a especialidade do Kok. Um abraço de parabéns da equipa do 2+2=5 e, tenho a certeza, de muitos dos nossos associados.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Fotos de Ivone Ralha
CLARA
Clara, loura e capitosa
como uma taça de espumante seco,
dizem-me que já pintas...
Dizes-me com que tintas?
Rui Knopfli
quarta-feira, 14 de dezembro de 2005
A festa do século
Caríssimos amigos e amigas de todo o mundo, magnos membros da confraria duquesiana, camaradas: é com grande prazer que anunciamos o evento por que todos esperam, imploram e suspiram: a super-mega-ultra festa de anos dos convivas e bloggers André Carapinha e Armando Rocheteau, na próxima 4ª feira, 21 de Dezembro. Só serão aceites verdadeiros duros à antiga e à portuguesa. O imperdível programa começará com um mega-jantar no Duques do Cais, ao Cais do Sodré, pelas 19h30m; a partir das 23h a festa muda-se de armas e bagagens para a Discoteca Europa, também ao Cais, junto dos bares Jamaica e Tokio. Ali, espera-nos um concerto onde e espírito do Delta se reunirá com o grease mexico-punk. Concretamente: primeira parte com Mad Dog Clarence, mítico bluesman da zona portuária lisboeta, acompanhado de banda. De seguida, os deuses descerão novamente à terra e os também míticos Los Santeros brindar-nos-ão com o seu mariachi-trash-punk-surf-western-operático, acompanhado de doses extra de performance e doses cavalares de decadência. Todos os leitores do 2+2=5 estão convidados. Os concertos são grátis, e o restaurante oferece uma óptima relação qualidade/preço. Devido ao limite de lugares do Duques do Cais, pedimos aos que queiram jantar que se inscrevam enviando mail para o endereço do blogue. Arriba!!!!!Dois interessantes posts...
...Sobre a questão da pena de morte, a partir de um editorial de Nuno Pacheco no PÚBLICO, são este do Tiago Mendes no Aforismos e Afins, e este do João Galamba no Metablog. Aproveito para destacar estes dois blogues de grande interesse. Especialmente, e apenas por maior proximidade ideológica, que não pela qualidade, os textos de João Galamba no Metablog. Alguns são imperdíveis.
Sumo do cajueiro de Carlos Cardoso
É um nome apelativo: Mártires da Machava. É um destino que não se constrói: Metical. Há um nome que faz cruzamento entre a Mártires da Machava e o Metical. É uma tragédia em três actos: cajueiros e indústrias de caju, falcatruas nos bancos e um homem que foi assassinado na Mártires da Machava por ser mártir das suas próprias convicções. Avenida Mártires da Machava, 22 de Novembro, cajueiros, e uma legenda que diz assim: “Jornalistas, não nos acobardemos”. O que é que significa não nos acobardarmos? Porque, no fundo, não é o Carlos Cardoso sozinho. Há o Raul Zunguza, morto por ter dito que a Operação Produção era uma estupidez. E o governador residente, nessa altura, em Niassa, era o poeta, Sérgio Vieira. E o Abel Faife? E o Joca Santos? E o Zeca? Quando a televisão ainda era experimental (TVE).A ÚNICA COISA que respeito na memória do Carlos Cardoso é o cajueiro, que alguém se lembrou de plantar na Avenida Mártires da Machava, onde, num princípio de noite de 22 de Novembro, ele foi assassinado.
O MECÂNICO DIZ QUE NÃO FUI EU. A da Cossa diz que também não fui eu. O Escurinho diz assim: escuro eu? Eu sou castanho.
O QUE É IMPORTANTE é que o Cardoso lutou pela soberania do caju, do Metical, da vida, dos bigodes, da barba e do consumo racional da soruma. Para uma pessoa que pensa, com pensamento de um gerente de uma padaria, isso é grave. Ou seja: defender a liberdade é crime.
NAQUELE LUGAR alguém plantou um cajueiro. Coisa generosa. O cajueiro do Cardoso, do nosso sangue, da nossa pobreza (pobreza do bolso porque cérebro temos bué), o cajueiro está florido e se ele quiser, daqui a dois meses, vamos beber sumo de caju na Mártires da Machava...
A OUVIR TIMBILA...
A VER A ISABEL CASIMIRO, amiga, amiga, a Nina Berg, viúva mas não desconsolada, a Milena Cardoso, de capucho na cabeça...
E O EDUARDO CONSTANTINO, secretário-geral do Sindicato Nacional de Jornalistas, em posse de discurso. Desde quando é que um sindicalista usa fato de linho, põe as mãos em cima do casaco e faz discurso com um cartaz ao fundo que diz: jornalistas, não nos acobardemos. Veja-se. Quem está atrás do dito cujo? O modesto e íntegro editor do jornal SAVANA, Fernando Gonçalves. Putz...
E O CARDOSO? Barbudo, defensor oficioso do uso da THC, não como marijuana para ser consumida, mas como matéria-prima para fazer calças, jeans para os povos pobres, deste planeta todo.
Ou seja: de ti, brother.
Vê lá a cara do Cardoso: Soruma? Eu nunca fumei....
*
Fernando Manuel
In "SAVANA, semanário independente", Maputo 09.12.2005
In "SAVANA, semanário independente", Maputo 09.12.2005

Foto de Sérgio Santimano
Era assim:
era assim:
queres?
queres algo?
queres desejar?
desejas querer?
desejas-me?
desejas querer-me?
queres desejar-me?
queres querer-me?
queres que te deseje?
desejas que te queira?
queres que te queira?
quanto me queres?
quanto me desejas?
ah quanto te quero
quando te quero
quando me queres...
Ana Hatherly
um calculador de improbabilidades
Quimera
A Inocência das Idades (3)

“Dimensão Quatro”
Este desaire do “Progresso” não nos liquidou a esperança e conseguimos ver aceite um pedido feito à Direcção da Associação dos Naturais de Moçambique, situada na Avenida 24 de Julho e onde pontificavam alguns vultos da cultura moçambicana como José Craveirinha, Eugénio Lisboa, Rui Knopli, entre outros.
Esse pedido consistiu na elaboração de um Suplemento Juvenil no Jornal “Voz de Moçambique”, editado pela referida Associação e a que demos o nome de “Dimensão Quatro” porque pretendemos dar continuidade à Comissão Directiva do “Progresso”, constituída por quatro pessoas.
Mas, decididamente, estávamos em Maré de azar. Logo no primeiro suplemento fizemos uma primeira página com uma fotografia de graduados da Mocidade Portuguesa em saudação fascista e com uma legenda elucidativa: “ Levados, levados sim!”
A falta de humor da “PIDE” determinou a apreensão daquela edição do Jornal “Voz de Moçambique”, bem como do primeiro suplemento juvenil que terminou também.
Capítulos seguintes
Depois destas peripécias, o Mário José Fernandes e o Luís Carlos Patraquim deram o salto para a Suécia onde, suponho, pediram asilo político e só voltaram a Portugal e a Moçambique depois do Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974.
Eu continuei a estudar e fiz o curso de Jornalismo na Escola Superior de Meios de Comunicação Social em Lisboa. Iniciei a profissão de jornalista a 1 de Junho de 1976 no semanário “Tempo”, passando depois pelo C1 da RTP, Jornal Novo, Teledifusão de Macau (TDM) e RTP-Açores, onde me aposentei por doença em 1997.
O Luís Carlos Patraquim regressou a Moçambique e, meu caro Armando Rocheteau, faz o favor de completar o resto e de acrescentar ou alterar o que achares conveniente.
Sassoeiros, 8 de Dezembro de 2005
Victor Pereira
segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Foto de Ivone Ralha
A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.
(...)
Mário Sá Carneiro
As grandes manobras do ouro negro
O petróleo caro para sempre induz alterações políticas maiores no conjunto dos grandes países produtores- Irão, Iraque e Ásia Central, sobretudo-por efeito do investimento tecnológico necesssário nas infra-estruturas de extracção e transporte, primo, e pelo afluxo financeiro ganho na comercialização posterior via exportação. Trata-se, efectivamente, do maior meccano político e social das próximas décadas, com consequências geopolíticas incalculáveis para a manutenção dos mais variados tipos de regimes no poder actualmente. O NY Times abriu recentemente um debate e o grande politólogo francês, Alexandre Adler, publicou páginas decisivas sobre as grandes manobras do ouro negro, que acarretará pelo menos o enfraquecimento da aliança " populista e altaneira " da Arábia Saudita e da Venezuela; e, por alternativa, a consolidação do eixo turco-iraniano vital por laços confessionais evidentes.
O desenvolvimento " simbiótico e combinado " do mundo chiita- englobando o Irão, o conjunto caucasiano, a Ásia Central ( Azeiberjão e Cáspio) e o Iraque, a antiga rota da seda, despoleterá uma complementaridade total entre o " vasto mercado turco ligado à Europa e os trunfos energéticos do Irão", que colocarão Bruxelas como cliente privilegiado e porão a Rússia em continência para não subir preços e conter as ambições territoriais no Extremo-Oriente russo dos chineses ávidos de petróleo.
Portanto, a força negocial da Turquia é imensa e parece incontornável a sua entrada na UE a prazo, alterando todas as relações de força geopolíticas mundiais. No entanto, avisa Adler," a vitória arrepiante de Ahmadi-Nedjad na corrida presidencial iraniana rejeita, por algum tempo,o enquadramento indispensável entre a postura internacional e o equilibrio nacional do Irão ".O que pode agravar os equilibrios precários em todo o Médio Oriente e colocar o preço do barril de petróleo em 120 dólares fatais, e que confirmariam a aposta de Zgbiniew Brzezinski sobre o " arco da crise " médio-oriental como pesadelo maior e incontornável para o futuro do modelo democrático ocidental. Poutine anda à procura de sucessores e nacionalizou opacamente todas as empresas de energia. E Hu Jintao só deseja manter a economia aberta e a benéfica mundialização por acordo tácito com os neo-conservadores de Washington, à bout de souffle.
O colóquio do NY Times apontava esta súmula: " Vamos viver num mundo cada vez mais turbulento, em que depararemos, não só com golpes em termos de preços e volume energético, como, por outro lado, sofrendo das interacções entre o caos metereológico e os recursos energéticos- quer seja gelo numa linha de alta tensão de Ohio ou uma série de tornados no Golfo do México, por causa da tensão política no Médio Oriente ou pela preferência de Hugo Chavez pelo chinês em detrimento do inglês ". E, como nota curiosa, foi ventilada a hipótese do Iraque ter mais reservas de petróleo do que a Arábia Saudita.
FAR
O desenvolvimento " simbiótico e combinado " do mundo chiita- englobando o Irão, o conjunto caucasiano, a Ásia Central ( Azeiberjão e Cáspio) e o Iraque, a antiga rota da seda, despoleterá uma complementaridade total entre o " vasto mercado turco ligado à Europa e os trunfos energéticos do Irão", que colocarão Bruxelas como cliente privilegiado e porão a Rússia em continência para não subir preços e conter as ambições territoriais no Extremo-Oriente russo dos chineses ávidos de petróleo.
Portanto, a força negocial da Turquia é imensa e parece incontornável a sua entrada na UE a prazo, alterando todas as relações de força geopolíticas mundiais. No entanto, avisa Adler," a vitória arrepiante de Ahmadi-Nedjad na corrida presidencial iraniana rejeita, por algum tempo,o enquadramento indispensável entre a postura internacional e o equilibrio nacional do Irão ".O que pode agravar os equilibrios precários em todo o Médio Oriente e colocar o preço do barril de petróleo em 120 dólares fatais, e que confirmariam a aposta de Zgbiniew Brzezinski sobre o " arco da crise " médio-oriental como pesadelo maior e incontornável para o futuro do modelo democrático ocidental. Poutine anda à procura de sucessores e nacionalizou opacamente todas as empresas de energia. E Hu Jintao só deseja manter a economia aberta e a benéfica mundialização por acordo tácito com os neo-conservadores de Washington, à bout de souffle.
O colóquio do NY Times apontava esta súmula: " Vamos viver num mundo cada vez mais turbulento, em que depararemos, não só com golpes em termos de preços e volume energético, como, por outro lado, sofrendo das interacções entre o caos metereológico e os recursos energéticos- quer seja gelo numa linha de alta tensão de Ohio ou uma série de tornados no Golfo do México, por causa da tensão política no Médio Oriente ou pela preferência de Hugo Chavez pelo chinês em detrimento do inglês ". E, como nota curiosa, foi ventilada a hipótese do Iraque ter mais reservas de petróleo do que a Arábia Saudita.
FAR
A Inocência das Idades (2)
A Associação Académica e a FNI
Nesta época do Jornal “Progresso” existia já uma incipiente actividade política centrada na Associação Académica de Moçambique e na chamada Frente Nacional Integracionista (FNI), desenvolvida por estudantes universitários.
O grupo da Associação Académica de Moçambique era liderado pelo Ivo Garrido, na altura Presidente da A.A.M. e hoje médico e Ministro da Saúde do governo moçambicano, e conotado com o que na altura se chamava “os do contra”.
Através do SIPE, Serviço de Informação e Propaganda Estatística, a Associação Académica editava documentos políticos poli copiados na velha “Stencil” e que eram ou distribuídos gratuitamente ou comprados, como foi por exemplo o caso do “Processo Histórico” de Juan Clemente Zamora, editado semanalmente em fascículos clandestinos.
A “FNI” era um grupo de Direita ou mesmo de Extrema-Direita, alinhado com o Governador-geral da Província e, nomeadamente, com o general Kaulza de Arriaga, Chefe de estado-maior na Província de Moçambique e que coordenava toda a acção política e militar na guerra contra os então chamados terroristas da Frelimo.
A “FNI” era liderada pelo Gonçalo Mesquitela, já falecido, e que era filho do Dr. Mesquitela, deputado de Salazar e Caetano e com assento, por nomeação, na “União Nacional” e, mais tarde, na “Assembleia Nacional Popular”, ambos Partidos Políticos únicos, uma vez que se vivia em Ditadura.
Com excepção do “Nampula” que era Comandante de Bandeira da Mocidade Portuguesa, todos os outros membros do grupo fundador do Jornal “Progresso” estavam mais ligados ao grupo da Associação Académica do que à “FNI”, mas o próprio “Nampula” nada tinha a ver com a “FNI”.
Por isso, foi com naturalidade que pedimos alguma colaboração à “A.A.M.”, na pessoa do Ivo Garrido, no sentido de ocuparem algum espaço nas páginas do “Progresso” e enriquecerem o conteúdo do jornal. E foi a partir daí que a porca começou a torcer o rabo.
A “FNI” apercebeu-se da ligação do “Progresso” ao grupo da Associação Académica e quis também integrar o grupo de colaboradores do jornal.
Uma reunião aterrorizante!
Foi, então, marcada uma reunião com a “FNI” para se conversar sobre a colaboração deles e juntámo-nos no apartamento do Gonçalo Mesquitela, localizado num dos prédios da antiga Avenida António Enes, próximo do local onde terminava a Avenida Pinheiro Chagas.
A reunião foi à noite, o andar era alto, e nela participaram eu próprio, o “Nampula”, o Luís Carlos Patraquim e o Mário José Fernandes, ou seja, a Comissão Directiva do “Progresso” em peso, estando a representar a “FNI” o Gonçalo Mesquitela, um indivíduo de apelido Belmonte (que não conhecíamos) e o Guilherme da Silva Pereira, a quem apelidámos de “mata-hari” porque já o tínhamos visto participar em eventos da Associação Académica, o que pressupunha ser um espião que jogava nos dois tabuleiros da actividade política universitária.
A reunião foi dirigida pelo Gonçalo Mesquitela que se dirigiu a nós sempre em tom intimida tório. Refira-se, a propósito, que o Gonçalo era um indivíduo de forte compleição física e cinturão negro de “karaté”.
Começou por nos ameaçar com a “PIDE” e por nos dizer que estávamos metidos em maus lençóis por nos relacionarmos com o grupo da Associação Académica de Moçambique, contestatários ao governo e relacionados com os “turras”.
As ameaças subiram de tom e, confesso, estávamos todos verdadeiramente amedrontados, par não usar expressão mais vernácula, com o que se estava a passar e o meu pavor era tanto maior quantas as vezes que o Gonçalo se levantava e se dirigia à varanda, espreitando lá para baixo. Cheguei a temer que íamos ser atirados dali a baixo!
Às tantas é-nos lançada a seguinte ordem proibição da colaboração da Associação Académica de Moçambique nas páginas do jornal e só a “FNI” poderia publicar os textos que entendesse.
Ainda ripostámos e concedemos ceder igual espaço nas páginas do “Progresso” à “FNI” e à “A.A.M.”, mas não aceitámos a exclusão da Associação.
A “FNI” engrossou ainda mais o tom intimida tório e para nos mostrar a gravidade da situação decidiram, ali mesmo e connosco presentes, telefonar ao general Kaulza de Arriaga a quem disseram que os “rapazes” não aceitam desligarem-se do grupo da Associação.
A conversa entre a “FNI” e o general Kaulza de Arriaga durou alguns minutos e, depois de desligarem o telefone, informaram-nos que se persistíssemos na nossa posição seríamos convocados para a tropa e colocados em zona cem por cento de guerra.
Já quase sem voz na garganta, acabámos por dizer que íamos pensar melhor no assunto e que voltaríamos para nova reunião.
É preciso, talvez, recordar que a Comissão Directiva do “Progresso” rondava a faixa etária dos dezassete/dezoito anos e que éramos todos alunos do sétimo ano do liceu António Enes.
O ir para a tropa significava não só enfrentar uma guerra com que discordávamos, mas também a interrupção dos estudos, para além da preocupação que isso causava, naturalmente, às nossas famílias.
Quando descemos o elevador e nos apanhámos na rua, a nossa reacção foi desatar a correr pela Pinheiro Chagas acima e só parámos no velho “Tico-Tico”, ponto de encontro da malta da Associação Académica.
Numa das mesas do “Tico-Tico” lá estava o Ivo Garrido com alguns colegas e amigos em animada cavaqueira e que, o verem-nos completamente encharcados em suor e com ar aterrorizado, nos perguntaram o que tinha acontecido?
Nós contámos, eles ficaram muito indignados e depois de umas catembes bem bebidas e de uns pregos trinchados, a noite acabou par ali.
No dia seguinte fomos chamados ao gabinete da reitora que, na presença da vice-reitora, nos informou que o Jornal tinha acabado, afinal sem nunca ter vindo a público!
Os nossos Encarregados de Educação foram, dias depois, também convocados para se responsabilizarem pelas despesas que já tinham sido feitas pela empresa da Revista “Tempo” e que na altura orçavam, salvo o erro, trinta contos em moeda moçambicana.
Sei que o meu pai se recusou a assumir essa responsabilidade e que perguntou à Dr.ª Maria José Salema porque razão não tinha convocado os Encarregados de Educação quando autorizou os alunos a fazerem o referido Jornal e os convocava só agora?
Ainda hoje não sei se essas despesas foram ou não pagas, mas posso assegurar que, caso o Jornal tivesse sido publicado, a receita da publicidade era mais do que suficiente para cobrir as despesas existentes.
Entre nós, miúdos, o ambiente era de revolta que foi ainda agravada quando, passados mais uns dias, entra na aula de Latim da professora Ana Jacob o contínuo que lê um comunicado da reitoria que dizia mais ao menos o seguinte “…na sequência das actividades relacionadas com a criação de um Jornal deste Liceu são aplicadas sanções disciplinares de um dia de suspensão e sete dias de repreensão registada aos alunos Victor Pereira, Luís Carlos Patraquim e Mário José Fernandes e repreensão registada ao aluno Emílio Luz Branco. Inacreditável! Levantámo-nos e saímos logo da sala de aula, depois de autorizados pela Dr.ª Ana Jacob, e dirigimo-nos ao Gabinete da Reitora para apresentarmos o nosso protesto, mas não fomos recebidos.
Mais tarde, o Mário José Fernandes e o Patraquim encontraram a reitora Maria José Salema na rua, junto ao edifício do BNU na antiga Avenida República e insultaram-na e ainda lhe deram uns bem merecidos encontrões.
Na sequência disso, o Mário Fernandes e o Luís Carlos Patraquim viram a pena agravada para um ano de suspensão das aulas.
Victor Pereira
(continua)
Nesta época do Jornal “Progresso” existia já uma incipiente actividade política centrada na Associação Académica de Moçambique e na chamada Frente Nacional Integracionista (FNI), desenvolvida por estudantes universitários.
O grupo da Associação Académica de Moçambique era liderado pelo Ivo Garrido, na altura Presidente da A.A.M. e hoje médico e Ministro da Saúde do governo moçambicano, e conotado com o que na altura se chamava “os do contra”.
Através do SIPE, Serviço de Informação e Propaganda Estatística, a Associação Académica editava documentos políticos poli copiados na velha “Stencil” e que eram ou distribuídos gratuitamente ou comprados, como foi por exemplo o caso do “Processo Histórico” de Juan Clemente Zamora, editado semanalmente em fascículos clandestinos.
A “FNI” era um grupo de Direita ou mesmo de Extrema-Direita, alinhado com o Governador-geral da Província e, nomeadamente, com o general Kaulza de Arriaga, Chefe de estado-maior na Província de Moçambique e que coordenava toda a acção política e militar na guerra contra os então chamados terroristas da Frelimo.
A “FNI” era liderada pelo Gonçalo Mesquitela, já falecido, e que era filho do Dr. Mesquitela, deputado de Salazar e Caetano e com assento, por nomeação, na “União Nacional” e, mais tarde, na “Assembleia Nacional Popular”, ambos Partidos Políticos únicos, uma vez que se vivia em Ditadura.
Com excepção do “Nampula” que era Comandante de Bandeira da Mocidade Portuguesa, todos os outros membros do grupo fundador do Jornal “Progresso” estavam mais ligados ao grupo da Associação Académica do que à “FNI”, mas o próprio “Nampula” nada tinha a ver com a “FNI”.
Por isso, foi com naturalidade que pedimos alguma colaboração à “A.A.M.”, na pessoa do Ivo Garrido, no sentido de ocuparem algum espaço nas páginas do “Progresso” e enriquecerem o conteúdo do jornal. E foi a partir daí que a porca começou a torcer o rabo.
A “FNI” apercebeu-se da ligação do “Progresso” ao grupo da Associação Académica e quis também integrar o grupo de colaboradores do jornal.
Uma reunião aterrorizante!
Foi, então, marcada uma reunião com a “FNI” para se conversar sobre a colaboração deles e juntámo-nos no apartamento do Gonçalo Mesquitela, localizado num dos prédios da antiga Avenida António Enes, próximo do local onde terminava a Avenida Pinheiro Chagas.
A reunião foi à noite, o andar era alto, e nela participaram eu próprio, o “Nampula”, o Luís Carlos Patraquim e o Mário José Fernandes, ou seja, a Comissão Directiva do “Progresso” em peso, estando a representar a “FNI” o Gonçalo Mesquitela, um indivíduo de apelido Belmonte (que não conhecíamos) e o Guilherme da Silva Pereira, a quem apelidámos de “mata-hari” porque já o tínhamos visto participar em eventos da Associação Académica, o que pressupunha ser um espião que jogava nos dois tabuleiros da actividade política universitária.
A reunião foi dirigida pelo Gonçalo Mesquitela que se dirigiu a nós sempre em tom intimida tório. Refira-se, a propósito, que o Gonçalo era um indivíduo de forte compleição física e cinturão negro de “karaté”.
Começou por nos ameaçar com a “PIDE” e por nos dizer que estávamos metidos em maus lençóis por nos relacionarmos com o grupo da Associação Académica de Moçambique, contestatários ao governo e relacionados com os “turras”.
As ameaças subiram de tom e, confesso, estávamos todos verdadeiramente amedrontados, par não usar expressão mais vernácula, com o que se estava a passar e o meu pavor era tanto maior quantas as vezes que o Gonçalo se levantava e se dirigia à varanda, espreitando lá para baixo. Cheguei a temer que íamos ser atirados dali a baixo!
Às tantas é-nos lançada a seguinte ordem proibição da colaboração da Associação Académica de Moçambique nas páginas do jornal e só a “FNI” poderia publicar os textos que entendesse.
Ainda ripostámos e concedemos ceder igual espaço nas páginas do “Progresso” à “FNI” e à “A.A.M.”, mas não aceitámos a exclusão da Associação.
A “FNI” engrossou ainda mais o tom intimida tório e para nos mostrar a gravidade da situação decidiram, ali mesmo e connosco presentes, telefonar ao general Kaulza de Arriaga a quem disseram que os “rapazes” não aceitam desligarem-se do grupo da Associação.
A conversa entre a “FNI” e o general Kaulza de Arriaga durou alguns minutos e, depois de desligarem o telefone, informaram-nos que se persistíssemos na nossa posição seríamos convocados para a tropa e colocados em zona cem por cento de guerra.
Já quase sem voz na garganta, acabámos por dizer que íamos pensar melhor no assunto e que voltaríamos para nova reunião.
É preciso, talvez, recordar que a Comissão Directiva do “Progresso” rondava a faixa etária dos dezassete/dezoito anos e que éramos todos alunos do sétimo ano do liceu António Enes.
O ir para a tropa significava não só enfrentar uma guerra com que discordávamos, mas também a interrupção dos estudos, para além da preocupação que isso causava, naturalmente, às nossas famílias.
Quando descemos o elevador e nos apanhámos na rua, a nossa reacção foi desatar a correr pela Pinheiro Chagas acima e só parámos no velho “Tico-Tico”, ponto de encontro da malta da Associação Académica.
Numa das mesas do “Tico-Tico” lá estava o Ivo Garrido com alguns colegas e amigos em animada cavaqueira e que, o verem-nos completamente encharcados em suor e com ar aterrorizado, nos perguntaram o que tinha acontecido?
Nós contámos, eles ficaram muito indignados e depois de umas catembes bem bebidas e de uns pregos trinchados, a noite acabou par ali.
No dia seguinte fomos chamados ao gabinete da reitora que, na presença da vice-reitora, nos informou que o Jornal tinha acabado, afinal sem nunca ter vindo a público!
Os nossos Encarregados de Educação foram, dias depois, também convocados para se responsabilizarem pelas despesas que já tinham sido feitas pela empresa da Revista “Tempo” e que na altura orçavam, salvo o erro, trinta contos em moeda moçambicana.
Sei que o meu pai se recusou a assumir essa responsabilidade e que perguntou à Dr.ª Maria José Salema porque razão não tinha convocado os Encarregados de Educação quando autorizou os alunos a fazerem o referido Jornal e os convocava só agora?
Ainda hoje não sei se essas despesas foram ou não pagas, mas posso assegurar que, caso o Jornal tivesse sido publicado, a receita da publicidade era mais do que suficiente para cobrir as despesas existentes.
Entre nós, miúdos, o ambiente era de revolta que foi ainda agravada quando, passados mais uns dias, entra na aula de Latim da professora Ana Jacob o contínuo que lê um comunicado da reitoria que dizia mais ao menos o seguinte “…na sequência das actividades relacionadas com a criação de um Jornal deste Liceu são aplicadas sanções disciplinares de um dia de suspensão e sete dias de repreensão registada aos alunos Victor Pereira, Luís Carlos Patraquim e Mário José Fernandes e repreensão registada ao aluno Emílio Luz Branco. Inacreditável! Levantámo-nos e saímos logo da sala de aula, depois de autorizados pela Dr.ª Ana Jacob, e dirigimo-nos ao Gabinete da Reitora para apresentarmos o nosso protesto, mas não fomos recebidos.
Mais tarde, o Mário José Fernandes e o Patraquim encontraram a reitora Maria José Salema na rua, junto ao edifício do BNU na antiga Avenida República e insultaram-na e ainda lhe deram uns bem merecidos encontrões.
Na sequência disso, o Mário Fernandes e o Luís Carlos Patraquim viram a pena agravada para um ano de suspensão das aulas.
Victor Pereira
(continua)
domingo, 11 de dezembro de 2005
Contos de Natal .4
Nesta época de amor universal lembro-me sempre de uma conversa entre os amigos do meu pai. Estavam aos altos berros, em fim de noite, em grandes confidências. Falavam de paixões. Tinha já um deles a santola no prato, parafraseando O’Neill, isto é, estava já a conquista no vale dos lençóis entre suspiros, quando ela lhe pede que ele lhe chame nomes. Os amigos do meu pai são uns cavalheiros. Muito solícitos ante os pedidos da amada. Vai daí ele: “minha p. do c., racho-te a c.” e outros mimos que, estranhamente, deixam a apaixonada lamuriosa. Não é que os nomes por que queria ser chamada eram outros. Mais do tipo: meu amor, minha flor. Não consegui escutar mais, nem sei como acaba a história. As gargalhadas e o naco de conversa ouvidos fizeram-me descrer da humanidade.
Josina MacAdam
Josina MacAdam
sábado, 10 de dezembro de 2005

Foto de Sérgio Santimano
Anda vem...
Anda vem..., porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,
Porque esmoreces,
Boca vermelha --- rosa de lume?
Se a luz do dia
Te cobre de pejo,
Esperemos a noite presos num beijo.
Dá-me o infinito gozo
De contigo adormecer
Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor
Da tua carne, meu amor!
E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
--- Nem todo o prazer
Tem vileza ou tem pecado!
Anda, vem!... Dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos...
Tenho saudades da vida!
Tenho sede dos teus beijos!
António Botto
Sem "Dulceza", Lady Rice
Afinal, ela é dessas! Condoleezza Rice tanto vai a Paris tocar os “Nocturnos” de Chopin na sala Pleyel , como brandir os mais descarados avisos e ameaças a quem não aceitar os métodos da CIA no auto-designado combate ao terrorismo.
Que o macabro matabicho no Iraque consista na morte diária de dezenas e dezenas de pessoas, que o escândalo de Guantánamo persista à revelia do Direito Internacional – mas será que ele existe mesmo? – nada disso incomoda a brilhante especialista em assuntos do “ex-Leste”.
Tortura outsourcing? Nem pensar! “Madame La Douce” chega a Paris e a Berlim e abre o jogo: as regras, os métodos, a definição mesma do que é ou não terrorismo, os alvos, tudo isso cabe aos Estados Unidos definir. Com busheana inteligência, elegância e requinte, diga-se. Com compassion, observaria, curial e subtil, um dos “Duponts”. Senhora de si, Rice acrescenta uma insinuação, dirigida às hipocrisias das políticas e dos políticos europeus: vocês sabem como se faz. Sim, sure. Há o manto diáfano dos princípios, essa bela encenação – todos sabem como termina “O Lago dos Cines” - e depois há a razão pragmática, instrumental. As técnicas, claro. As chamadas boas consciências têm é medo de admiti-lo. Quem não gosta de arroz de cabidela desde que não veja a galinha a ser morta?
Partilho da dilacerante dúvida do senhor director da CIA, em declarações recentes, sobre o que seja a tortura. Já Salazar a negava e, paternal, lembrava que uns tabefes a tempo evitavam muita chatice. Aliás, a verdadeira política é saber dar umas estaladas a tempo.
E quem dúvida que os Estados Unidos respeitam tudo? O pormenor despiciendo de não aceitarem integrar o Tribunal Penal Internacional, à revelia da sua própria tradição, que entronca numa certa utopia wilsoniana e na jurisprudência que ajudaram a erguer em Nuremberga, é mesmo um pormenor.
Lady Rice, em Berlim, Paris, Bucareste e Kiev, veio lembrar-nos as verdades e a sabedoria do “Eclesiastes”, a de que há um tempo para tudo: tempo para nos deliciarmos com os “Nocturnos” do delicado tísico polaco, tempo para os gambitos do xadrez estratégico internacional, tempo para a água e tempo para o fogo.
O que não lhe ocorre é a regressão disto tudo. Quando se põe, sequer, a hipótese de que a tortura pode ser discutida, de que existem gradações e escalas a considerar na avaliação que se possa fazer, quando se admite que o palco da acção política ou repressiva comporta zonas de luz e de sombra, é a uma certa Idade Média que estamos a regressar.
Vai um homem num autocarro a caminho da Macedónia e, como Elias, no relato bíblico, é “arrebatado”, neste caso para o inferno de uma cadeia no Afeganistão. Regressa muitos meses depois, atirado para outra estrada, algures na Albânia. O estupor instala-se. Mas para a senhora Rice trata-se de um lamentável engano.
Acham que isto é criticável? Não sabem que o Estado de Direito se pode enganar? Não estão a ver a força da Lei a manifestar-se na sua comovente exuberância, agora que o dito homem, cidadão alemão, resolveu accionar os mecanismos legais para processar o governo americano? Querem melhor?
E os de Guantánamo – os privilegiados! -, atirados depois como sacos de batatas para uma qualquer rua de Cabul, sem nunca terem sabido porque foram parar ao recanto tropical das Caraíbas?
O facto de não lhes ter ocorrido, sequer, fazer queixa é culpa deles e do Afeganistão, pois claro. Povo que não se sabe governar, sempre em guerra, que aceita talibans e cujo território está onde está, no centro do “grande jogo”, de que fala Ahmed Rachid.
Embora não tenha jeito nenhum para empresário, sugiro à senhora Rice que faça como o mediterrânico e simpático Sílvio Berlusconi, ex cancenotista de variedades: porque não editar em CD a sua interpretação dos “Nocturnos”? Mais. Atrever-se a perfomaces de maior fôlego. Como Secretária de Estado não lhe será difícil convocar a Filarmónica de Filadélfia e executar o concerto para piano de Brahms ou, no silêncio da respeitável sala parisiense, onde Chopin tocou para George Sand, atacar as “Variações Goldberg”, de Bach. Com interdição do espaço aéreo, por questões de segurança. Talvez que, nessa noite sublime, os aviões da CIA não cruzassem os céus da Europa e do mundo.
Luís Carlos Patraquim
“SAVANA”/ À Esquina do Tempo
Que o macabro matabicho no Iraque consista na morte diária de dezenas e dezenas de pessoas, que o escândalo de Guantánamo persista à revelia do Direito Internacional – mas será que ele existe mesmo? – nada disso incomoda a brilhante especialista em assuntos do “ex-Leste”.
Tortura outsourcing? Nem pensar! “Madame La Douce” chega a Paris e a Berlim e abre o jogo: as regras, os métodos, a definição mesma do que é ou não terrorismo, os alvos, tudo isso cabe aos Estados Unidos definir. Com busheana inteligência, elegância e requinte, diga-se. Com compassion, observaria, curial e subtil, um dos “Duponts”. Senhora de si, Rice acrescenta uma insinuação, dirigida às hipocrisias das políticas e dos políticos europeus: vocês sabem como se faz. Sim, sure. Há o manto diáfano dos princípios, essa bela encenação – todos sabem como termina “O Lago dos Cines” - e depois há a razão pragmática, instrumental. As técnicas, claro. As chamadas boas consciências têm é medo de admiti-lo. Quem não gosta de arroz de cabidela desde que não veja a galinha a ser morta?
Partilho da dilacerante dúvida do senhor director da CIA, em declarações recentes, sobre o que seja a tortura. Já Salazar a negava e, paternal, lembrava que uns tabefes a tempo evitavam muita chatice. Aliás, a verdadeira política é saber dar umas estaladas a tempo.
E quem dúvida que os Estados Unidos respeitam tudo? O pormenor despiciendo de não aceitarem integrar o Tribunal Penal Internacional, à revelia da sua própria tradição, que entronca numa certa utopia wilsoniana e na jurisprudência que ajudaram a erguer em Nuremberga, é mesmo um pormenor.
Lady Rice, em Berlim, Paris, Bucareste e Kiev, veio lembrar-nos as verdades e a sabedoria do “Eclesiastes”, a de que há um tempo para tudo: tempo para nos deliciarmos com os “Nocturnos” do delicado tísico polaco, tempo para os gambitos do xadrez estratégico internacional, tempo para a água e tempo para o fogo.
O que não lhe ocorre é a regressão disto tudo. Quando se põe, sequer, a hipótese de que a tortura pode ser discutida, de que existem gradações e escalas a considerar na avaliação que se possa fazer, quando se admite que o palco da acção política ou repressiva comporta zonas de luz e de sombra, é a uma certa Idade Média que estamos a regressar.
Vai um homem num autocarro a caminho da Macedónia e, como Elias, no relato bíblico, é “arrebatado”, neste caso para o inferno de uma cadeia no Afeganistão. Regressa muitos meses depois, atirado para outra estrada, algures na Albânia. O estupor instala-se. Mas para a senhora Rice trata-se de um lamentável engano.
Acham que isto é criticável? Não sabem que o Estado de Direito se pode enganar? Não estão a ver a força da Lei a manifestar-se na sua comovente exuberância, agora que o dito homem, cidadão alemão, resolveu accionar os mecanismos legais para processar o governo americano? Querem melhor?
E os de Guantánamo – os privilegiados! -, atirados depois como sacos de batatas para uma qualquer rua de Cabul, sem nunca terem sabido porque foram parar ao recanto tropical das Caraíbas?
O facto de não lhes ter ocorrido, sequer, fazer queixa é culpa deles e do Afeganistão, pois claro. Povo que não se sabe governar, sempre em guerra, que aceita talibans e cujo território está onde está, no centro do “grande jogo”, de que fala Ahmed Rachid.
Embora não tenha jeito nenhum para empresário, sugiro à senhora Rice que faça como o mediterrânico e simpático Sílvio Berlusconi, ex cancenotista de variedades: porque não editar em CD a sua interpretação dos “Nocturnos”? Mais. Atrever-se a perfomaces de maior fôlego. Como Secretária de Estado não lhe será difícil convocar a Filarmónica de Filadélfia e executar o concerto para piano de Brahms ou, no silêncio da respeitável sala parisiense, onde Chopin tocou para George Sand, atacar as “Variações Goldberg”, de Bach. Com interdição do espaço aéreo, por questões de segurança. Talvez que, nessa noite sublime, os aviões da CIA não cruzassem os céus da Europa e do mundo.
Luís Carlos Patraquim
“SAVANA”/ À Esquina do Tempo
Presidenciais: o fim do lume brando
Foi um debate mais animado do que os outros. Francisco Louçã esteve claramente ao ataque e obrigou Cavaco Silva a ter de se justificar várias vezes. Pela primeira vez vi alguma dinâmica num debate vinda do lado dos candidatos. Mais propriamente de um. Foi notório que para isso acontecer, Louçã teve de quebrar o espartilho imposto pelos três canais televisivos. Penso estar provado que o estilo norte-americano, que os três directores de informação consideram o supra-sumo da batata frita, falhou. E joga a favor de Cavaco, uma vez que a sua estratégia é falar o menos possível e evitar polémicas. Um debate a dois não são, nem podem ser, duas entrevistas paralelas, como tem sido até agora. Os candidatos devem questionar-se entre si. Afinal, são apenas dois, bolas. Se fossem cinco ainda se compreendia que fosse mais difícil de gerir. O emprego, ou a falta dele, foi um dos temas fortes. Cavaco admitiu que houve uma maior flexibilização nos despedimentos durante os seus governos. Essas medidas posibilitaram, no entanto, a criação de mais empregos. Mas não conseguiu explicar a Louça porque é que o actual director da sua campanha defende a liberalização total dos despedimentos. Para o líder do Bloco de Esquerda, foram as políticas erradas dos governos de Cavaco Silva que aumentaram o fosso entre ricos e pobres. E lembrou que a média do défice dos seus dez anos de governo foi de 5,7%. Just for the record. Cavaco considerou as críticas injustas. Quanto à subida da idade da reforma, Louçã manifestou-se contra. Já Cavaco deixou a possibilidade em aberto, caso a esperança de vida aumente para os 80-85 anos. Esta linha de pensamento vai ao encontro das suas declarações feitas ao Público em Março de 2002, quanto à redução dos funcionários públicos: ”como nos vamos livrar deles? Reformá-los não resolve, porque deixam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações e diminui as receitas de IRS. Só resta esperar que acabem por morrer". Fotografia de Flor Garduno
*
*
Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã
à névoa do outo dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.
António Gedeão
António Gedeão
Senhor Aprígio (2)
E, com efeito, Aprígio ganhou novos, por assim dizer, contornos. Passou a querer copiar em tudo o seu ídolo.
Deixou, por exemplo, de se peidar, como era seu hábito, enquanto subia as escadas que o conduziam ao seu apartamento num 3º andar suburbano; sempre que se sentia na iminência de largar um gás, galgava os degraus dois a dois, abria a porta num ápice e dava uma breve corrida até à casa de banho onde se aliviava estrepitosamente, evitando olhar-se ao espelho.
O senhor Aprígio considerava, no mais fundo da sua alma simples, que o prof. Cavaco não se peidava, nem nas escadas, nem em parte alguma. Para o senhor Aprígio estava fora de questão que alguma vez na vida o prof. fora capaz de cometer tão indecoroso acto. Aquelas descargas das ventosidades que se acumulavam nos intestinos eram próprias de gentes sem moral nem bons costumes.
Baseado neste pensamento e na análise atenta das imagens do prof., que Aprígio guardava religiosamente num álbum, desenvolveu toda uma teoria: o prof. Cavaco, como as imagens revelavam cabalmente tinha a pose e o ‘ríctus’ facial de quem, estando à beira de largar uma flatulência, se contém no último instante e evita, assim, o estampido sonoro, normalmente acompanhado de um odor fétido. Olhando aquele esgar de sorriso, o senhor Aprígio, apreciava a contenção do prof. Cavaco num esforço quase homérico para reter o gás, matéria volúvel e difícil de segurar, como todos sabemos. Ao constatar esta evidência, banharam-se de lágrimas sinceramente comovidas os olhos de Aprígio.
« Só um espírito superior poderia submeter-se a tal esforço... », considerou ele fechando, lacrimejante, o álbum.
No sábado seguinte, a casa de massagens/relax que o senhor Aprígio agora frequentava foi sacudida por uma terrível discussão.
O senhor Aprígio exigia, num alto e desusado tom de voz, à dona Matilde o seu dinheiro, pago antecipadamente, de volta. Atarantada, a pobre senhora tentava acalmá-lo enquanto consultava com um olhar fuzilante a Vanessa, uma brasileira recém-chegada.
« Tive culpa não, siôra... Ele veio pidindo aqueli négócio di bunda e eu dei prá ele.. Só qui ná hora di eli botá, eu, sabi cum’é qui é... , respirei fundo e aquilo mi saíu... E num é qui o cara começa a mi xingar... Não fiz nada dimais, não... Um peido é coisa natural, óxente!... »
O senhor Aprígio não se conteve e declarou alto e bom som:
« Pois fique a menina sabendo que o senhor professor nunca o faria!»
E saiu, esquecido dos 30 euros que tinha desembolsado, de peito erguido. Nessa mesma tarde visitou a sede da candidatura e lá deixou os seus contactos « para o que fosse preciso... ».
À noite, no remanso do seu apartamento, folheou o álbum com um sorriso recatado, porém firme: a sua teoria estava certa – um homem como o prof. Cavaco jamais seria capaz de se peidar. Havia de escrever uma longa carta ao prof. na qual explanaria de forma pormenorizada toda a sua teoria e havia ainda de propor-lhe o lançamento de uma dieta alimentar que excluísse todos os produtos alimentícios susceptíveis de causar ventosidades. Imaginou-se mesmo no lugar de um Conselheiro para as Questões de Ventosidades e Afins.
O senhor Aprígio chegou mesmo a sorrir de uma forma franca quando passou pelas sentinelas do Palácio de Belém, dirigiu-se para a cama em passo firme e decidido e sonhou que comia pastéis de Belém nos jardins do Palácio com a primeira-dama.
(Há-de continuar)
Fernando Rebelo-Dez.05
Deixou, por exemplo, de se peidar, como era seu hábito, enquanto subia as escadas que o conduziam ao seu apartamento num 3º andar suburbano; sempre que se sentia na iminência de largar um gás, galgava os degraus dois a dois, abria a porta num ápice e dava uma breve corrida até à casa de banho onde se aliviava estrepitosamente, evitando olhar-se ao espelho.
O senhor Aprígio considerava, no mais fundo da sua alma simples, que o prof. Cavaco não se peidava, nem nas escadas, nem em parte alguma. Para o senhor Aprígio estava fora de questão que alguma vez na vida o prof. fora capaz de cometer tão indecoroso acto. Aquelas descargas das ventosidades que se acumulavam nos intestinos eram próprias de gentes sem moral nem bons costumes.
Baseado neste pensamento e na análise atenta das imagens do prof., que Aprígio guardava religiosamente num álbum, desenvolveu toda uma teoria: o prof. Cavaco, como as imagens revelavam cabalmente tinha a pose e o ‘ríctus’ facial de quem, estando à beira de largar uma flatulência, se contém no último instante e evita, assim, o estampido sonoro, normalmente acompanhado de um odor fétido. Olhando aquele esgar de sorriso, o senhor Aprígio, apreciava a contenção do prof. Cavaco num esforço quase homérico para reter o gás, matéria volúvel e difícil de segurar, como todos sabemos. Ao constatar esta evidência, banharam-se de lágrimas sinceramente comovidas os olhos de Aprígio.
« Só um espírito superior poderia submeter-se a tal esforço... », considerou ele fechando, lacrimejante, o álbum.
No sábado seguinte, a casa de massagens/relax que o senhor Aprígio agora frequentava foi sacudida por uma terrível discussão.
O senhor Aprígio exigia, num alto e desusado tom de voz, à dona Matilde o seu dinheiro, pago antecipadamente, de volta. Atarantada, a pobre senhora tentava acalmá-lo enquanto consultava com um olhar fuzilante a Vanessa, uma brasileira recém-chegada.
« Tive culpa não, siôra... Ele veio pidindo aqueli négócio di bunda e eu dei prá ele.. Só qui ná hora di eli botá, eu, sabi cum’é qui é... , respirei fundo e aquilo mi saíu... E num é qui o cara começa a mi xingar... Não fiz nada dimais, não... Um peido é coisa natural, óxente!... »
O senhor Aprígio não se conteve e declarou alto e bom som:
« Pois fique a menina sabendo que o senhor professor nunca o faria!»
E saiu, esquecido dos 30 euros que tinha desembolsado, de peito erguido. Nessa mesma tarde visitou a sede da candidatura e lá deixou os seus contactos « para o que fosse preciso... ».
À noite, no remanso do seu apartamento, folheou o álbum com um sorriso recatado, porém firme: a sua teoria estava certa – um homem como o prof. Cavaco jamais seria capaz de se peidar. Havia de escrever uma longa carta ao prof. na qual explanaria de forma pormenorizada toda a sua teoria e havia ainda de propor-lhe o lançamento de uma dieta alimentar que excluísse todos os produtos alimentícios susceptíveis de causar ventosidades. Imaginou-se mesmo no lugar de um Conselheiro para as Questões de Ventosidades e Afins.
O senhor Aprígio chegou mesmo a sorrir de uma forma franca quando passou pelas sentinelas do Palácio de Belém, dirigiu-se para a cama em passo firme e decidido e sonhou que comia pastéis de Belém nos jardins do Palácio com a primeira-dama.
(Há-de continuar)
Fernando Rebelo-Dez.05
sexta-feira, 9 de dezembro de 2005
A Inocência das Idades (1)
O bosque é, por vezes, tão extenso e denso que deixa as pequenas árvores vegetarem sem o entendimento da realidade onde se integram.
Bastam-lhes as raízes saudavelmente firmadas no solo, a chuva, o sol, a lua e o vento que lhes asseguram os ciclos de vida, como garantia da missão aparentemente acometida pela Mãe-Natureza.
É como quem deixa a vida passar, sem perceber que também tem de passar pela vida.
Talvez o mesmo se possa aplicar à interpretação de um episódio ocorrido há trinta e cinco anos e que gira à volta de um Jornal que não chegou a ser: - O “Progresso”.
Na passagem do final dos Anos Sessenta para o início dos Anos Setenta formou-se um grupo que, na antiga cidade de Lourenço Marques, pretendeu fundar o Jornal “Progresso” como veículo de expressão juvenil e participação activa na vida sócio-político e económica não só do País, mas sobretudo da antiga Província Ultramarina de Moçambique.
Vivia-se, então, o tempo da Guerra Colonial e sentiam-se também os primeiros sinais da pretensiosa “Primavera Marcelista” que, per si, justificaram o imediato e, porque não, entusiástico apoio de Maria José Salema, na época reitora do Liceu António Enes.
Alguns contributos para a História
Curiosamente ou não, o núcleo inicial era constituído por alunos da Alínea E que propiciava a admissão à Faculdade de Direito, então inexistente em Moçambique por ser entendida como potencial foco subversivo do “status quo”, apesar de já existir a Universidade de LM, sucedânea dos “Estudos Gerais” e implantada pelo Professor Doutor Veiga Simão, seu primeiro Reitor e, mais tarde, Ministro da Educação do Governo de Marcelo Caetano e Ministro da Defesa do Governo de António Guterres no início do Século XXI.
Quem terminava a Alínea E teria assim e se pudesse, rumar a outras cidades da Metrópole porque também não existia a Licenciatura em Direito nas restantes Províncias Ultramarinas, não fosse o Diabo tecê-las.
E desse núcleo inicial fundador do projecto “Progresso” faziam parte Victor Nogueira Pereira, Luís Carlos Patraquim, Mário José Fernandes e Emílio Luz Branco, mais conhecido por “Nampula”, alcunha que provavelmente lhe estava associada à terra de origem.
A ideia deste projecto surgiu nas conversas que usualmente tínhamos nos intervalos das aulas (dez minutos entre cada disciplina) e cimentou-se em reuniões pós-horário escolar, começando por se criar uma Comissão Directiva que integrou os referidos nomes do núcleo fundador.
Cedo percebemos que a tarefa era aliciante mas de trabalhosa e difícil execução por dois motivos principais e facilmente entendíveis: - por um lado era necessário mobilizar colaboração redactorial com qualidade q.b. e, por outro lado, era também preciso assegurar a viabilidade económica do Jornal.
Com dezassete anos de idade nada parece impossível e até a Lua está mesmo ali à mão.
É claro que o Jornal, sendo do Liceu, só seria possível se fosse autorizado pela reitoria e esse passo foi, como já se disse, realizado e apoiado não só pela Reitora Maria José Salema como também pela Vice-reitora Inês Calisto que se reuniram connosco.
Dado este primeiro passo “oficial”, passámos ao contacto directo com algumas empresas da cidade que acolheram com agrado a ideia e contratualizaram verbalmente
a publicação de anúncios num montante que não só suportava os custos de produção e distribuição, como sobrava ainda verba para nos aventurarmos a sonhos mais altos, nomeadamente admitir a hipótese de fazer circular o “Progresso” e receber colaboração para o Jornal de todos os Liceus do País, desde o Minho a Timor, como então se dizia.
Contrariamente ao que e pudesse imaginar, até foi muito fácil garantir suporte económico, via publicação de anúncios das empresas locais.
Como não era suposto investirmos em meios gráficos próprios, valeu-nos o apoio da empresa proprietária e editora da Revista “Tempo”, dirigida por Rui Cartaxana e que, como jornalista profissional, nos foi dando algumas instruções sobre o processo de fabrico de um jornal. Com ele, passámos algumas tardes no seu gabinete de trabalho e com ele definimos o formato tablóide do “Progresso”, paginado a seis colunas e ilustrado com fotografias a preto e branco.
Lembro-me que chegou a ser impresso e distribuído um cartaz a anunciar o nascimento do jornal, cartaz esse desenhado pelo nosso colega Firmino Sousa.
Quanto à colaboração de outros alunos do Liceu, também não foi tarefa difícil e, por isso, logo se conseguiu matéria suficiente para compor e paginar o primeiro exemplar e passá-lo a “offset”, fase que antecede a impressão no papel, o que não chegou a acontecer como se verá.
Tudo parecia correr bem, o ânimo era elevado quando, afinal, surge a primeira pedra na engrenagem.
(continua)
Victor Pereira
Bastam-lhes as raízes saudavelmente firmadas no solo, a chuva, o sol, a lua e o vento que lhes asseguram os ciclos de vida, como garantia da missão aparentemente acometida pela Mãe-Natureza.
É como quem deixa a vida passar, sem perceber que também tem de passar pela vida.
Talvez o mesmo se possa aplicar à interpretação de um episódio ocorrido há trinta e cinco anos e que gira à volta de um Jornal que não chegou a ser: - O “Progresso”.
Na passagem do final dos Anos Sessenta para o início dos Anos Setenta formou-se um grupo que, na antiga cidade de Lourenço Marques, pretendeu fundar o Jornal “Progresso” como veículo de expressão juvenil e participação activa na vida sócio-político e económica não só do País, mas sobretudo da antiga Província Ultramarina de Moçambique.
Vivia-se, então, o tempo da Guerra Colonial e sentiam-se também os primeiros sinais da pretensiosa “Primavera Marcelista” que, per si, justificaram o imediato e, porque não, entusiástico apoio de Maria José Salema, na época reitora do Liceu António Enes.
Alguns contributos para a História
Curiosamente ou não, o núcleo inicial era constituído por alunos da Alínea E que propiciava a admissão à Faculdade de Direito, então inexistente em Moçambique por ser entendida como potencial foco subversivo do “status quo”, apesar de já existir a Universidade de LM, sucedânea dos “Estudos Gerais” e implantada pelo Professor Doutor Veiga Simão, seu primeiro Reitor e, mais tarde, Ministro da Educação do Governo de Marcelo Caetano e Ministro da Defesa do Governo de António Guterres no início do Século XXI.
Quem terminava a Alínea E teria assim e se pudesse, rumar a outras cidades da Metrópole porque também não existia a Licenciatura em Direito nas restantes Províncias Ultramarinas, não fosse o Diabo tecê-las.
E desse núcleo inicial fundador do projecto “Progresso” faziam parte Victor Nogueira Pereira, Luís Carlos Patraquim, Mário José Fernandes e Emílio Luz Branco, mais conhecido por “Nampula”, alcunha que provavelmente lhe estava associada à terra de origem.
A ideia deste projecto surgiu nas conversas que usualmente tínhamos nos intervalos das aulas (dez minutos entre cada disciplina) e cimentou-se em reuniões pós-horário escolar, começando por se criar uma Comissão Directiva que integrou os referidos nomes do núcleo fundador.
Cedo percebemos que a tarefa era aliciante mas de trabalhosa e difícil execução por dois motivos principais e facilmente entendíveis: - por um lado era necessário mobilizar colaboração redactorial com qualidade q.b. e, por outro lado, era também preciso assegurar a viabilidade económica do Jornal.
Com dezassete anos de idade nada parece impossível e até a Lua está mesmo ali à mão.
É claro que o Jornal, sendo do Liceu, só seria possível se fosse autorizado pela reitoria e esse passo foi, como já se disse, realizado e apoiado não só pela Reitora Maria José Salema como também pela Vice-reitora Inês Calisto que se reuniram connosco.
Dado este primeiro passo “oficial”, passámos ao contacto directo com algumas empresas da cidade que acolheram com agrado a ideia e contratualizaram verbalmente
a publicação de anúncios num montante que não só suportava os custos de produção e distribuição, como sobrava ainda verba para nos aventurarmos a sonhos mais altos, nomeadamente admitir a hipótese de fazer circular o “Progresso” e receber colaboração para o Jornal de todos os Liceus do País, desde o Minho a Timor, como então se dizia.
Contrariamente ao que e pudesse imaginar, até foi muito fácil garantir suporte económico, via publicação de anúncios das empresas locais.
Como não era suposto investirmos em meios gráficos próprios, valeu-nos o apoio da empresa proprietária e editora da Revista “Tempo”, dirigida por Rui Cartaxana e que, como jornalista profissional, nos foi dando algumas instruções sobre o processo de fabrico de um jornal. Com ele, passámos algumas tardes no seu gabinete de trabalho e com ele definimos o formato tablóide do “Progresso”, paginado a seis colunas e ilustrado com fotografias a preto e branco.
Lembro-me que chegou a ser impresso e distribuído um cartaz a anunciar o nascimento do jornal, cartaz esse desenhado pelo nosso colega Firmino Sousa.
Quanto à colaboração de outros alunos do Liceu, também não foi tarefa difícil e, por isso, logo se conseguiu matéria suficiente para compor e paginar o primeiro exemplar e passá-lo a “offset”, fase que antecede a impressão no papel, o que não chegou a acontecer como se verá.
Tudo parecia correr bem, o ânimo era elevado quando, afinal, surge a primeira pedra na engrenagem.
(continua)
Victor Pereira
La Femme de Trente Ans

Foto de Ivone Ralha
Amarás
O meu nariz
Brilhante
As minhas estrias
Os meus pontos pretos
Os meus textos
Os meus achaques
E as minhas manias
E as minhas gatas
De solteirona
Ou não me amarás
Adília Lopes
Um dia com cinco homens quase normais
Tinha alguma expectativa que o debate de ontem fosse mais animado e que as diferenças ideológicas se acentuassem. Mas mais pareceu um encontro de meninas de colégio, em que o Mário Soares era o único que quebrava as regras por fumar às escondidas. Depois do debate Cavaco/Alegre, que se comportaram como as amigas da madre superiora, as minhas expectativas sobre algo diferente viraram-se todas para o Ferrero Rocher. Mas afinal, esses senhores que aparecem todos os dias nas televisões, o que é que andam a fazer? Fui dar uma vista de olhos nas suas agendas de ontem.Mário Soares não teve qualquer actividade. Não sei se foi para tratar da tosse ou ainda para digerir o que tinha dito no dia anterior: Que foi: “ter 81 anos é exactamente o mesmo que 18, com a diferença de ser ao contrário. Eu com 81 anos sinto-me com a mesma curiosidade pela vida”. Soares já não esconde o jogo. O seu objectivo não é a presidência mas sim a mandatária para a Juventude, Joana Amaral Dias. Não sei o que ela lhe fez, mas a tosse e o cansaço era evidente na noite do debate.
Cavaco Silva. Ontem esteve no Algarve e só trabalhou na parte da tarde. Às 17:30 inaugurou mais uma sede de candidatura em Faro. Aí disse a frase do dia: "no passado, Portugal foi um país de sucesso. Dizia-se mesmo que Portugal era a Califórnia da Europa. Porque é que não podemos voltar a esse tempo?" Será esta a costela surfista de Cavaco? Afinal ele estava a imitar Brian Wilson ao comer pão-de-ló da forma pornográfica como o fez? Ou será que anda a ver a repetição do Baywatch e a delirar com as mamas da Pamela no Canal Memória? Alguém já imaginou Cavaco um Beach Boy? Eu não. Só como Bitch Boi.
Francisco Louça andou por Coimbra. Visitou o Hospital Pediátrico e depois almoçou com apoiantes uns couratos e umas sandochas. Nas declarações que fez criticou o "consenso de acomodamento" que caracterizou a acção dos outros candidatos e exortou os portugueses de esquerda a uma maior participação na campanha. Frase mais abrangente não seria possível. Ninguém percebeu. Será que está a reclamar contra a péssima alimentação e o mau alojamento a que está a ser sujeito durante esta penosa campanha?
Jerónimo de Sousa. Esteve ontem em Loures, onde visitou um lar e um centro de dia. E disse ao Público: “não estamos aqui com um estatuto de candidatura complementar de qualquer outra". Mas acrescenta que apoia o candidato de esquerda que passar à segunda volta. Só coisas importantes, que ninguém sabia. Será cassete, será CD? Talvez DVD! O meio é a mensagem. Uauu.
Manuel Alegre. Esteve em Beja. Inaugurou uma sede de candidatura e foi logo jantar. Chamem-lhe parvo. Era na Adega Típica 25 de Abril, ainda por cima. Aí bebeu uns copos e avança com umas ideias completamente inovadoras: "A minha candidatura, por ser transversal, é aquela que, no caso de haver uma segunda volta, está em melhores condições de poder enfrentar e derrotar o candidato da direita". Só que ela está a ser mais horizontal do que outra coisa. A alegria dos seus apoiantes parece estar a esmorecer.
Conclusão de um dia de campanha: Soares anda com uma fixação na Joana. Tarado. Cavaco tem a mania que é Bitch Boi, mas sabe que nenhum clube o aceita. Louça anda mal alimentado e as costas atormentam-no. Jerónimo tem saudades da dança da enguia. Já não sabe o que dizer. Alegre quer beber uns copos com os camaradas e lembrar tempos da Argélia e Paris. Oh, l´amour... Se eles são assim no dia-a-dia porque é que nós deveríamos esperar debates diferentes?
Solução: ´bora ver o Baywatch no Canal Memória?
PS. O Manuel Alegre não está no selo porque ficou em Beja, a escrever. Estava com inspiração. Afinal 2+2=5.
Teoria da conspiração
Os primeiros dois debates, Alegre/Cavaco e Soares/Jerónimo, foram tão mornos e sensaborões que desconfio que foram propositadamente os primeiros, para desmotivar o espectador quanto aos seguintes. Esta estratégia terá sido sugerida pelo staff de Cavaco.
A questão da Constituição
Tem-se ouvido bastante da boca do candidato do PCP Jerónimo de Sousa a palavra "Constituição". Repete-a várias vezes ao dia, e reduz o seu programa presidencial praticamente a "defender a Constituição da República Portuguesa". É, sem dúvida, uma opção estratégica, mas incorpora nela também uma questão de fundo. A meu ver, Jerónimo faz bem em chamar a Constituição à liça, assim a trazendo para o debate público e valorizando. De facto, "defender a CRP" não é um simples pro-forma, nem adoptar uma posição neutra, isto porque a CRP é um documento específico regido por um sistema de valores identificável, como serão, obviamente, todas as outras constituições. É até lógico que Jerónimo a defenda, uma vez que a CRP incorpora nela um claro "código genético" de Esquerda, e representa um (poderoso) mecanismo de resistência ao neoliberalismo.
É preciso aqui introduzir um parêntesis. A nossa CRP tem algumas especificidades; primeiro, é das mais recentes do mundo ocidental, e portanto será também das mais avançadas quanto aos desafios do tempo presente. Segundo, foi redigida num ambiente revolucionário de clara influência da Esquerda, e mesmo as seis revisões constitucionais não puderam alterar completamente os valores progressistas que lhe subjazem. Separam-se aqui as águas: sendo assim, é também uma das menos adequadas do ponto de vista dos interesses neoliberais. Um individuo que concorde com o neoliberalismo achará a nossa constituição "retrograda"- preferirá a constituição americana de 200 anos antes, que é acima de tudo simplificada e vaga, e que não incorpora ainda os chamados "direitos de 3ª geração": ao trabalho, à saúde, à habitação e à educação. Percebe-se porquê.
A posição de Jerónimo de Sousa tem o mérito de nos lembrar as virtualidades positivas que a CRP representa num momento de crise geral do sistema. Seria bom que não a esquecessemos, assim dificultando o trabalho aos arautos do messianismo liberal, para quem tudo está bem menos o que lhes cheire ainda que levemente a "socialismo".
quinta-feira, 8 de dezembro de 2005
O Senhor Aprígio
O senhor Aprígio é admirador confesso do Prof. Cavaco. Solteiro desde que nasceu, teve, em toda a sua existência, uma única namorada, da qual guarda umas quantas fotografias.
Empregado zeloso e cumpridor, o senhor Aprígio apresenta-se pontualmente ao trabalho, rigorosamente vestido. Tem muitas gravatas e come regularmente no mesmo restaurante há mais de vinte anos, apenas por que gosta de ouvir:
« É o costume, senhor Aprígio?...»
Esta frase é música para os ouvidos do senhor Aprígio. É um homem de hábitos e, acima de tudo, gosta de ouvir o seu nome gritado alto pelo empregado da “Flor das Torcatas”.
Um sorriso escorre-lhe pelos lábios finos enquanto devora o bitoque.
Fiel devoto do prof. Cavaco e do bitoque, o senhor Aprígio passa 15 dos seus 30 dias de férias anuais na Mexilhoeira Grande.
A vida do senhor Aprígio não é complicada. Lê o “Correio da Manhã” no café que fica perto da Repartição onde trabalha, enquanto bebe o seu ‘abatanado’ com meia torrada. Não fuma, vai ao cinema de quinze em quinze dias e masturba-se regularmente cada três dias por semana. Janta sempre em casa e, em seguida, vê televisão. Por vezes, ao domingo, vai à missa. Nunca se confessou, porém, por achar que «não tem que andar a contar a vida a um sacana de um padre...». Frequentou, em tempos idos, uma casa onde algumas senhoras praticavam sexo a troco de uma certa quantia. Lugar recatado e insuspeito, onde o senhor Aprígio era bem acolhido e desde cedo conseguiu « dar duas pelo preço de uma...».
O senhor Aprígio é, portanto, uma alma simples.
Indeciso, politicamente, o senhor Aprígio tinha votado no CDS, depois no PPD, a seguir, em Ramalho Eanes, em Galvão de Melo e nas autárquicas ficava aflito e acabava por ficar-se por casa e, assim, contribuir para a percentagem de abstencionistas.
Chegara a pensar votar no PS. Mas, no momento em que vestia o ‘blazer’ e se dispunha a votar, davam-lhe cólicas terríveis e passava horas a suar, sentado na sanita. Pobre senhor Aprígio... «Ao menos nas autárquicas...», pensava ele enquanto suava e sofria os horrores de uma diarreia.
Porque a grande esperança do senhor Aprígio era votar na esquerda moderada. Pelo menos uma vez. Só para experimentar.
Para o senhor Aprígio aquilo era como daquela vez em que pediu à Adélia – uma moça daquela casa que ele frequentava regularmente - que fizesse sexo anal.
Na hora de tão delicado pedido, a Adélia olhou-o friamente e disse: «Nem penses, filho.»
Foi então que o senhor Aprígio resolveu ir com a Célia, uma gorda que acendia a televisão enquanto ele se esforçava em cima dela.
Quando o prof. Cavaco se apresentou como candidato, o senhor Aprígio rejuvenesceu. Revia-se naquela figura a todos os níveis: passou a adoptar uma pose empertigada, falava com a língua por entre os dentes, piscava os olhos de 10 em 10 segundos e usava fatos completos todos os dias.
A alma simples que, até então, fora o senhor Aprígio transfigurara-se. Nem os próprios colegas de Repartição o reconheciam...
«Nunca mais hei-de querer votar na esquerda moderada, para mim, a partir de agora, só o prof. Cavaco.», disse Aprígio ao fim de deglutir a sua meia torrada.
Fernando Rebelo/ Dez.05
(Continua)
Empregado zeloso e cumpridor, o senhor Aprígio apresenta-se pontualmente ao trabalho, rigorosamente vestido. Tem muitas gravatas e come regularmente no mesmo restaurante há mais de vinte anos, apenas por que gosta de ouvir:
« É o costume, senhor Aprígio?...»
Esta frase é música para os ouvidos do senhor Aprígio. É um homem de hábitos e, acima de tudo, gosta de ouvir o seu nome gritado alto pelo empregado da “Flor das Torcatas”.
Um sorriso escorre-lhe pelos lábios finos enquanto devora o bitoque.
Fiel devoto do prof. Cavaco e do bitoque, o senhor Aprígio passa 15 dos seus 30 dias de férias anuais na Mexilhoeira Grande.
A vida do senhor Aprígio não é complicada. Lê o “Correio da Manhã” no café que fica perto da Repartição onde trabalha, enquanto bebe o seu ‘abatanado’ com meia torrada. Não fuma, vai ao cinema de quinze em quinze dias e masturba-se regularmente cada três dias por semana. Janta sempre em casa e, em seguida, vê televisão. Por vezes, ao domingo, vai à missa. Nunca se confessou, porém, por achar que «não tem que andar a contar a vida a um sacana de um padre...». Frequentou, em tempos idos, uma casa onde algumas senhoras praticavam sexo a troco de uma certa quantia. Lugar recatado e insuspeito, onde o senhor Aprígio era bem acolhido e desde cedo conseguiu « dar duas pelo preço de uma...».
O senhor Aprígio é, portanto, uma alma simples.
Indeciso, politicamente, o senhor Aprígio tinha votado no CDS, depois no PPD, a seguir, em Ramalho Eanes, em Galvão de Melo e nas autárquicas ficava aflito e acabava por ficar-se por casa e, assim, contribuir para a percentagem de abstencionistas.
Chegara a pensar votar no PS. Mas, no momento em que vestia o ‘blazer’ e se dispunha a votar, davam-lhe cólicas terríveis e passava horas a suar, sentado na sanita. Pobre senhor Aprígio... «Ao menos nas autárquicas...», pensava ele enquanto suava e sofria os horrores de uma diarreia.
Porque a grande esperança do senhor Aprígio era votar na esquerda moderada. Pelo menos uma vez. Só para experimentar.
Para o senhor Aprígio aquilo era como daquela vez em que pediu à Adélia – uma moça daquela casa que ele frequentava regularmente - que fizesse sexo anal.
Na hora de tão delicado pedido, a Adélia olhou-o friamente e disse: «Nem penses, filho.»
Foi então que o senhor Aprígio resolveu ir com a Célia, uma gorda que acendia a televisão enquanto ele se esforçava em cima dela.
Quando o prof. Cavaco se apresentou como candidato, o senhor Aprígio rejuvenesceu. Revia-se naquela figura a todos os níveis: passou a adoptar uma pose empertigada, falava com a língua por entre os dentes, piscava os olhos de 10 em 10 segundos e usava fatos completos todos os dias.
A alma simples que, até então, fora o senhor Aprígio transfigurara-se. Nem os próprios colegas de Repartição o reconheciam...
«Nunca mais hei-de querer votar na esquerda moderada, para mim, a partir de agora, só o prof. Cavaco.», disse Aprígio ao fim de deglutir a sua meia torrada.
Fernando Rebelo/ Dez.05
(Continua)
O dia em que a música morreu

Foi recentemente considerada a melhor capa de revista dos últimos 40 anos
*
Estava uma segunda-feira fria, naquela manhã do dia 8 de Dezembro de 1980. John Lennon e Yoko Ono acordam para mais um dia de promoção do seu novo disco, Double Fantasy. Na parte da manhã, uma entrevista para a Rolling Stone, seguida de uma sessão fotográfica com Annie Leibovitz. Ela desafiou Lennon a posar nú. Embora não estivesse muito para aí virado, Lennon aceitou. Foi árduo aturar aqueles tipos da Rolling Stone durante uma manhã completa. Mas, Lennon estava empenhado no seu regresso à música e, para ele, aquilo eram peanuts. Sai da sua casa pouco depois das duas da tarde. A Dakota House situa-se na orla do Central Park, e fica perto dos estúdios de gravação, para onde se dirige, juntamente com Yoko. Ainda ninguém sabe, mas já se prepara o sucessor de Double Fantasy. Vai chamar-se Milk and Honey. Acabam as gravações já perto das 10:30 da noite. Ainda pensam em comer na zona, mas o seu filho Sean está sozinho em casa, apenas com a assistente. Decidem regressar. Eram quase onze horas da noite, quando, ao entrarem no portão do prédio, John ouve alguém chamá-lo. Virou-se. Não teve tempo de pensar em mais nada. O eco dos cinco tiros disparados sobre si, transportaram-no para locais muitos distantes dali. Sentia algumas dores, não muito fortes. Uma ligeira fraqueza apoderava-se do seu corpo. "Tenho de me manter lúcido", pensou. Ouviu vozes agitadas. Pareceu-lhe escutar uma sirene de ambulância. Depois veio o vazio. Yoko gritava. O tipo que disparou afinal era o mesmo que tinha pedido um autógrafo a John, quando saíram de casa à tarde. Estava imóvel e assim ficou até chegar a policia, que o levou algemado. Chamava-se Mark Chapman. Pouco antes da meia-noite John Lennon morreu. O dia 8 de Dezembro de 1980 acabou logo a seguir. Talvez por solidariedade. Passado muito pouco tempo, alguém começa a cantar Give Peace a Chance. Aos poucos, outras vozes vão surgindo, vindas não se sabe muito bem de onde. Ao fim da manhã já eram milhões em todo o mundo.
OCCI DENTAIS
Meca por um canudo
Aprendemos que os bárbaros barbarizam
E que nós, civilizados, não
Da avó ao neto
Do padrinho ao bisneto
Quem pega na xícara assim?
Quem dobra o lençol de brancura
E alfazema geometricamente?
Quem mente com quantos dentes tem na mente
Disciplinando ares
Remetendo a inevitável impureza
Lá para o sovaco da existência clandestina periferia
Poupamos ao olfactolhar dos inocentes
O que não prima na humana matéria prima por virtude alguma
A beatificação de São Sovaco, neste contexto em que surge como testa de ferro e ocultador-mor do que no humano fede – que deuses usarão latrinas, perguntará Menipo?, essas criaturas a quem, mesmo o que fede não fede e o que fode fode, pois que, ao que consta, entre deuses a disfunção eréctil mesmo que caminhando sobre as ondas inexoravelmente a caminho de um destino não os mancha de inevitável e dolorosa incerteza – só pode coincidir com a unilateralidade papal, isto é, ou existe a evidência dos factos que fundamentam a beatificação e esta será científica, por assim dizer, ou o princípio do dogma sobrevalece e o que é, neste caso, É
Milagra-se, postalifica-se, perfuma-se, põe-se no altar
Descarnifica-se, Design-se, Desalma-se,
Descasca-se até ao nada pleno de semânticas flores como as que Perfumam o plástico nos pequenos horizontes domésticos
O nadoquini Vulvar que bomba respiratório a atmosfera exterior num fluxo que lembra as guelras dos peixes nos simpáticos aquários em movimento perpétuo até ao fim
De vison apenso humidisecante
Os seus lábios
Publicitados de sensualidades ostentatórias..... sindromaticamente imunodeficientes.... acenam frigidamente
O paradigma é:
A menos de meia haste a orgástica sens/acção
Ejaculacio prematura és mas não infecta loca
E aprendemos que o sangue
Quando o vertemos
Nosso é por heroicidade
E alheio é por maléfica génese do outro
Mouro, gentio, crioulo, baneane,
Caneco, guinéu ou verdeano
Violentos são eles
E nós brandos
Somos occidentais
Os outros vulgares demais
Os caninos nossos
Não esgaçam dos inocentes
Gentios Changanes Tupis
A carne cristalina que ri
Antes em Cnossos
O sangue desaparecido
São a curva da jarra
E o silêncio das pedras
Palavras marfinadas em papiro o atestam
Somos também dialogantes
Os outros intifodam
Entre nós não há fome
As sopas não são dos pobres
São legumes vitaminas são ferro e proteínas
Nem os pobres são pobres
São deserdados vadios
Sem abrigo e arredios
E ricos de enregelar são
Nas noites estreladas de liberdades
E se um CONSTIPÃO lhes dá
É de sua natural propensão
Malandros!
Estranhamos as casas dos outros
As nossas são assoalhadas
À prova de medo
E duplamente isoladas
À prova da fome e frio
Em paisagens de rios secos
Pantufam-nos contra a dor
Como quem nos naftalina
A menina no olho
No recanto do tersolho
Não olhamos para Meca
Antes a televiCão
Que o Cabo fará nossa esperança
Se o zapping nos levar
Que nada ladre nem a Cidade obscureça
E que o alterne fodogénico em directo nos favoreça
Com a sua milimétrica aberta censura do mundo
E a cloaca global prevista no ângulo montado,
Bagdad pintada a sangue e intervalada de um par de martinis sensuais
Nos punhete o som de gemidos gueixadesign?
Os chineses
A nadar em campos de arroz!!!
Não entendemos.
Menos ainda as mulheres da ilha
Enfarinhadas de branco msiro
Evas ordinárias sem saber nada da maçã
Somos todos também polémicos
E que inteligentes
Eurocentrados Egocêntricos Narcisómanos
Fast people workshópica e performativa isso sim
Oh ruínas de pizzas em velocípedes montadas a que eróticas coxas vos destinais onde andam as hecatombes?
Oh pobre Ulisses
Manhoso e guerreiro
A quem APENAS O VELHO CÃO RECONHECEU
Sai lá das páginas
E homera-nos de novo
Apartamentados televisioneses
A aventura e o mar
f. arom
Aprendemos que os bárbaros barbarizam
E que nós, civilizados, não
Da avó ao neto
Do padrinho ao bisneto
Quem pega na xícara assim?
Quem dobra o lençol de brancura
E alfazema geometricamente?
Quem mente com quantos dentes tem na mente
Disciplinando ares
Remetendo a inevitável impureza
Lá para o sovaco da existência clandestina periferia
Poupamos ao olfactolhar dos inocentes
O que não prima na humana matéria prima por virtude alguma
A beatificação de São Sovaco, neste contexto em que surge como testa de ferro e ocultador-mor do que no humano fede – que deuses usarão latrinas, perguntará Menipo?, essas criaturas a quem, mesmo o que fede não fede e o que fode fode, pois que, ao que consta, entre deuses a disfunção eréctil mesmo que caminhando sobre as ondas inexoravelmente a caminho de um destino não os mancha de inevitável e dolorosa incerteza – só pode coincidir com a unilateralidade papal, isto é, ou existe a evidência dos factos que fundamentam a beatificação e esta será científica, por assim dizer, ou o princípio do dogma sobrevalece e o que é, neste caso, É
Milagra-se, postalifica-se, perfuma-se, põe-se no altar
Descarnifica-se, Design-se, Desalma-se,
Descasca-se até ao nada pleno de semânticas flores como as que Perfumam o plástico nos pequenos horizontes domésticos
O nadoquini Vulvar que bomba respiratório a atmosfera exterior num fluxo que lembra as guelras dos peixes nos simpáticos aquários em movimento perpétuo até ao fim
De vison apenso humidisecante
Os seus lábios
Publicitados de sensualidades ostentatórias..... sindromaticamente imunodeficientes.... acenam frigidamente
O paradigma é:
A menos de meia haste a orgástica sens/acção
Ejaculacio prematura és mas não infecta loca
E aprendemos que o sangue
Quando o vertemos
Nosso é por heroicidade
E alheio é por maléfica génese do outro
Mouro, gentio, crioulo, baneane,
Caneco, guinéu ou verdeano
Violentos são eles
E nós brandos
Somos occidentais
Os outros vulgares demais
Os caninos nossos
Não esgaçam dos inocentes
Gentios Changanes Tupis
A carne cristalina que ri
Antes em Cnossos
O sangue desaparecido
São a curva da jarra
E o silêncio das pedras
Palavras marfinadas em papiro o atestam
Somos também dialogantes
Os outros intifodam
Entre nós não há fome
As sopas não são dos pobres
São legumes vitaminas são ferro e proteínas
Nem os pobres são pobres
São deserdados vadios
Sem abrigo e arredios
E ricos de enregelar são
Nas noites estreladas de liberdades
E se um CONSTIPÃO lhes dá
É de sua natural propensão
Malandros!
Estranhamos as casas dos outros
As nossas são assoalhadas
À prova de medo
E duplamente isoladas
À prova da fome e frio
Em paisagens de rios secos
Pantufam-nos contra a dor
Como quem nos naftalina
A menina no olho
No recanto do tersolho
Não olhamos para Meca
Antes a televiCão
Que o Cabo fará nossa esperança
Se o zapping nos levar
Que nada ladre nem a Cidade obscureça
E que o alterne fodogénico em directo nos favoreça
Com a sua milimétrica aberta censura do mundo
E a cloaca global prevista no ângulo montado,
Bagdad pintada a sangue e intervalada de um par de martinis sensuais
Nos punhete o som de gemidos gueixadesign?
Os chineses
A nadar em campos de arroz!!!
Não entendemos.
Menos ainda as mulheres da ilha
Enfarinhadas de branco msiro
Evas ordinárias sem saber nada da maçã
Somos todos também polémicos
E que inteligentes
Eurocentrados Egocêntricos Narcisómanos
Fast people workshópica e performativa isso sim
Oh ruínas de pizzas em velocípedes montadas a que eróticas coxas vos destinais onde andam as hecatombes?
Oh pobre Ulisses
Manhoso e guerreiro
A quem APENAS O VELHO CÃO RECONHECEU
Sai lá das páginas
E homera-nos de novo
Apartamentados televisioneses
A aventura e o mar
f. arom
quarta-feira, 7 de dezembro de 2005
Luas


Ilustrações de Ivone Ralha
LUA ADVERSA
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
(...)
Cecília Meireles
terça-feira, 6 de dezembro de 2005
A ler
Fernanda Câncio, no Glória Fácil, sobre a pseudo-questão dos crufixos: "Salazar, esse grande libertador", aqui.
P.S.- Uma indisponibilidade do Blogger ontem de noite deixou estes postadores sem acesso ao mesmo durante várias horas, que coincidiram com o timing do debate Alegre/Cavaco. De qualquer modo, o debate foi tão morninho que a única coisa que me ocorre dizer é que valeu pelas diferenças de estilo: Alegre parece uma pessoa, Cavaco parece um autómato. António Oliveira, onde estás para o comentário político? Este tema é para ti!

Foto de Sérgio Santimano
O meu amado chega e enquanto despe as sandálias de couro
marca com o seu perfume as fronteiras do meu quarto.
Solta a mão e cria barcos sem rumo no meu corpo.Planta árvores
de seiva e folhas. Dorme sobre o cansaço embalado pelo momento
breve da esperança.
Traz-me laranjas. Divide comigo os intervalos da vida.
Depois parte.
Deixa perdidas como um sonho as belas sandálias de couro.
Ana Paula Tavares
O Lago da Lua
CAMINHO
segunda-feira, 5 de dezembro de 2005
Crise? Só se for no meu bolso
Apesar de alguns profetas da desgraça que teimam em insistir que estamos em crise, aí estão os números (e bem gordos) para nos demonstrar o contrário. O nosso blogger Luis Palácios andou a investigar pelo portal negócios.pt e descobriu que crise, só mesmo se for no meu bolso. Em notícias publicadas entre Julho e Setembro deste ano, referentes ao primeiro semestre de 2005, ficamos a saber que os lucros do BCP subiram para 302,9 milhões de Euros; os do BPI aumentaram 22% para 107,3 milhões; o BES duplicou os lucros; os da Media Capital mais que duplicaram; a Impresa, para não ficar atrás, superou as previsões; os da Novabase subiram 6,8%; os da Brisa aumentaram 10,2% embora o tráfego tenha descido 3,7%; os da EDP ficaram-se por um aumento de 11%; mas a Mota-Engil subiu 39%; a Teixeira Duarte arrancou mais 54%; a Modelo-Continente subiu os lucros para 43 milhões de Euros; a Cofina sobe 10,3% para 6,9 milhões; e, por fim, a PT Multimédia aumentou os lucros em 18,1%. É bom saber que a nossa economia está de boa saúde, e que isso da crise não ser para todos não passa de uma mitomania da Esquerda esclerosada (e do meu bolso, infelizmente...)
USA: NY.Times declara guerra total a Bush
Há mais de três semanas que os editorialistas do NY Times tinham erigido os erros e percalços da estratégia de G.W. Bush na Guerra do Iraque como alvo principal das suas crónicas mundialmente famosas. De uma forma independente e inabalável, Frank Rich, Paul Krugman e Roger Cohen, e o incontornável especialista da geopolítica árabe Thomas L. Friedman, narraram os vícios e as ilegalidades que conduziram a dupla Bush II- Cheney à beira do colapso político e militar na condução da invasão e ocupação do segundo país mais rico em petróleo do mundo. " O record em faltas políticas é verdadeiramente notável. Parece que amiúde Bush e Cheney se parecem com o contrário do rei Midas : em tudo que tocam- da reconstrução do Iraque ao sofrimento de Nova Orleans,do fim da prescrição de prevenção da droga ao falhanço na captura de Bin Laden- tudo sai mal e em perdição", assinalava Krugman no início de Novembro. A Atlantic Review e o The New Yorker secundam a cruzada ético-política do maior diário do Mundo.
O estado de desorientação da opinião pública norte-americana, que as sondagens não desmentem, agravou a queda abissal de popularidade da presidência. Bush começou mesmo a dar a entender que Cheney lhe estava a fazer muito mal, por causa do escândalo provocado pela demissão do chefe de gabinete do vice ligado a uma guerra surda de intrigas contra a CIA, em que por comparação a famigerada telenovela Dallas parece rudimentar na textura e exploração dramática. Como pano de fundo, sobreposto e em espiral tecnicolor, a construção elaborada das justificações técnicas para a invasão do Iraque, o " Palmegate ", que levará ainda algum tempo a ser desmistificado na íntegra. Frank Rich escreveu sem tergiversar:" Mais cedo ou mais tarde- talvez em breve- estas desinformações embaraçosas serão expostas na praça pública. Porque o poder desencadeia esforços para ignorar ou suprimir os relatórios que contradizem a cruzada da guerra ".
Ninguém já acredita no sucesso americano na guerra do Iraque. Há graves deficiências logísticas,especialmente no que se refere ao reduzido stock de munições . E as grandes dificuldades na rotação do contingente yankee, foram denunciadas a nível interno e nacional pelo marine jubilado da guerra do Vietnam, John Murtha. Que sublinhou que os EUA podem perder não só a guerra mas ficar também sem exército. "Os nossos militares e as suas famílias estão exaustos com a guerra.Muitos dizem que o exército já está desfeito. Muitas das nossas tropas já entraram no seu terceiro periodo de envolvimento. As nossas tropas não tem material para continuar o combate ", reporta Bob Herbert das confidências de Murtha.
Thomas Friedman, o repórter-peregrino do Médio Oriente, vai mais longe e com toda a sua indiscutível autoridade moral e política resume: " Quando olho para Bush agora, penso, que parece um indíviduo que deseja uma 28.a claúsula na Constituição- apelidada de posso ir embora agora?´Parece-se com alguém que preferia fazer as malas e regressar ao seu rancho no Texas. Parece que está vazio de qualquer ideia relevante que mobilize a nação para o futuro ". Descreve que, se nada for feito," as futuras gerações irão responsabilizá-lo pelos erros deixados como pesada herança e pela mudança imposta pela passagem do Século Americano ao Século Chinês".
FAR
O estado de desorientação da opinião pública norte-americana, que as sondagens não desmentem, agravou a queda abissal de popularidade da presidência. Bush começou mesmo a dar a entender que Cheney lhe estava a fazer muito mal, por causa do escândalo provocado pela demissão do chefe de gabinete do vice ligado a uma guerra surda de intrigas contra a CIA, em que por comparação a famigerada telenovela Dallas parece rudimentar na textura e exploração dramática. Como pano de fundo, sobreposto e em espiral tecnicolor, a construção elaborada das justificações técnicas para a invasão do Iraque, o " Palmegate ", que levará ainda algum tempo a ser desmistificado na íntegra. Frank Rich escreveu sem tergiversar:" Mais cedo ou mais tarde- talvez em breve- estas desinformações embaraçosas serão expostas na praça pública. Porque o poder desencadeia esforços para ignorar ou suprimir os relatórios que contradizem a cruzada da guerra ".
Ninguém já acredita no sucesso americano na guerra do Iraque. Há graves deficiências logísticas,especialmente no que se refere ao reduzido stock de munições . E as grandes dificuldades na rotação do contingente yankee, foram denunciadas a nível interno e nacional pelo marine jubilado da guerra do Vietnam, John Murtha. Que sublinhou que os EUA podem perder não só a guerra mas ficar também sem exército. "Os nossos militares e as suas famílias estão exaustos com a guerra.Muitos dizem que o exército já está desfeito. Muitas das nossas tropas já entraram no seu terceiro periodo de envolvimento. As nossas tropas não tem material para continuar o combate ", reporta Bob Herbert das confidências de Murtha.
Thomas Friedman, o repórter-peregrino do Médio Oriente, vai mais longe e com toda a sua indiscutível autoridade moral e política resume: " Quando olho para Bush agora, penso, que parece um indíviduo que deseja uma 28.a claúsula na Constituição- apelidada de posso ir embora agora?´Parece-se com alguém que preferia fazer as malas e regressar ao seu rancho no Texas. Parece que está vazio de qualquer ideia relevante que mobilize a nação para o futuro ". Descreve que, se nada for feito," as futuras gerações irão responsabilizá-lo pelos erros deixados como pesada herança e pela mudança imposta pela passagem do Século Americano ao Século Chinês".
FAR
domingo, 4 de dezembro de 2005
Um Fiel Jardineiro ao seu dispor
Hoje vou ver “O Fiel Jardineiro”. É o filme de que quase toda a gente fala. Toda a metade do céu e mais alguns. É engraçado que quase todas as minhas amigas já o foram ver e tenho quase a certeza que nenhum dos meus amigos o viu. Percebo que elas têm mais mobilidade do que eles, que é mais trabalho, cervejaria, casa. Elas saltam a parte da cervejaria, logo ficam com a maior parte do tempo after job disponível. Mesmo tendo sempre muita coisa para fazer. Mas, no meio dos saldos, das livrarias, das visitas e agora dos presentes de Natal, ficam sempre com mais disponibilidade do que eles. Enfim. Questões genéticas. Mas voltando ao filme. Ainda não percebi se é de época ou de estação. Mas elas dizem só coisas boas. Lá no fim deixam escapar que tem a ver a indústria farmacêutica. Mas eu penso que há mais. Há romance. Mas não assumem que também foi pelo romantismo que gostaram do filme. O amor. Sempre o mesmo. De repente veio-me à cabeça a música da Rita Lee, amor e sexo. Mas passemos à frente. Embora seja um thriller escrito por John Le Carré, que dá à partida boas garantias de não ser um filme meloso, cheira-me que a análise delas tem uma forte carga romântica. E pelo sim pelo não, fui fazer uma pesquisa na net. Descobri que o filme acaba de ganhar o prémio da melhor película nos British Independent Film Awards 2005. Assim como ele e ela. Ou seja, Ralph Fiennes e Rachel Weisz. Mas como estes prémios só vão para filmes produzidos por empresas britânicas, não me dão garantias. Por isso confio mais no gosto das minhas amigas e lá vou eu. Eu sei que seria mais sensato ter escrito isto depois de ver o filme. Até para não as ouvir: eu não te disse? Mas, enfim, o perigo é a minha profissão.Contos de Natal .3
Foi o nosso “The Last Picture Show”. Tivemos um serão familiar. Estava a minha avó. Resolvemos ver um filme juntos. Fui buscar o “Pulp Fiction”. Gosto tanto destes momentos em família. De repente tudo se complica, Travolta , o curtidão das noites de Sábado, arma-se em filósofo e resolve interrogar-se sobre o piercing, na língua, de uma amiga. Quando ela lhe responde que era para melhor fazer mamadas, a minha avó dignamente levantou-se e, dando como pretexto não entender a linguagem usada, foi-se deitar. Eu e o meu pai trocámos um olhar cúmplice. Sorrimos. Não é que a seguir abandona ele a sala. Acabei de ver o filme sozinha. Acho que não voltamos a ver cinema juntos. Merda de educação que tive!
Josina MacAdam
Josina MacAdam
Dois casos citados por Christian Lacroix

Fotos de Ivone Ralha
Uma freira
passou a vida
a passajar
tom sobre tom
o mesmo avental
azul escuro
Um funcionário público
coleccionou
a vida inteira
a publicidade
que lhe metiam
na caixa do correio
Adília Lopes
A pergunta é:
Porque são esses tipos tão sensaborãos?
Conheci uma rapariga, a Morgadinha dos Canibais
Canibais são avós e pais
E Ai Mê André
Olá Marga Rida, teu marido foi à caça.
Tua marida.
Conheci uma rapariga, a Morgadinha dos Canibais
Canibais são avós e pais
E Ai Mê André
Olá Marga Rida, teu marido foi à caça.
Tua marida.

7:35 vou lá fora, Virgulino.
É triste não saber ler.
Este tipo não sabe onde estou, mas tem o meu casaco.
1-0 para o Benfica. Em fora de jogo
O tutano sugamos, mais uma vez não sabemos que
A hora da vida é a hora que por
Menos que a da morte, faz boom
(Toma lá as rédeas...)
8:12 Virgulino, és um gajo OK
Andas a postar coisas estranhas,
Coisas do Arco da Velha, sim ou não?
Tás doido, pá, esquece isso do Alentejo
Já se vê a casa, já lhe sinto o cheiro.
-Esse teu vinho é porreiro
-Essa será por inteiro
É triste um homem viver
Sem cama para fazer- pois é, resmungão!
Disse o Sultão do Afeganistão
8:35 Por outro lado, Virgulino, sabes que valeu a pena
O violoncelo, o belo, valeu a pena
Tu sabes que nasceu debaixo do contrabaixo
(é bonita toma lá mais rédea)
Ai mê André!, que vês tu aqui ao pé?
(Não acordes a menina)
Que procuras, tu encontra
Porque sou eu a do contra?
(ah que nos doi o corpo)
Coisas do Arco da Velha
Já estamos a tempo de entender.
[arre burra]
Já lá vai o sol
Já lá vai o dia
[anda bonita, anda burra]
Já me chega a noite
Já se vê a aldeia
[é bonita toma lá mais rédea]
[ah que nos doi o corpo]
A merenda é pouca
Já lhe sinto o cheiro
E a mulher à espera
E a menina está dormindo
[oh bonita]
Ai a menina está dormindo
O teu pai vem do trabalho
Meu amor vem da campina
Ao chegar o caldinho ao burralho
Para não acordar a menina
[arre burra]
Já lá vai o sol
Já lá vai o dia
[anda bonita, anda burra]
Já me chega a noite
Já se vê a aldeia
[é bonita toma lá mais rédea]
[ah que nos doi o corpo]
A merenda é pouca
Já lhe sinto o cheiro
E a mulher à espera
E a menina está dormindo
[oh bonita]
Ai a menina está dormindo
O teu pai vem do trabalho
Meu amor vem da campina
Ao chegar o caldinho ao burralho
Para não acordar a menina
sábado, 3 de dezembro de 2005

Foto de Ivone Ralha
Os caracóis e as carpas têm cornos
os caracóis e as carpas têm cornos
vês, eu não te dizia?
as carpas e os caracóis não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as caracoias e os carpos têm cornos
vês, eu não te dizia?
os carapoicos e os parcos não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as carapaias e os porcos têm cornos
vês, eu não te dizia?
os caracoicos e as parras não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as carassaias e os parcas têm cornos
vês, eu não te dizia?
os caracorpos e as praias não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as caracaias e os poicos têm
vês
Ana Hatherly
Um calculador de improbabilidades
Quimera
sexta-feira, 2 de dezembro de 2005
Cavalos de novo frescos
Patti Smith reeditou o álbum Horses, lançado em Novembro de 1975. Produzido por John Cale, foi o seu álbum de estreia e aquele que mais impacto e projecção teve na sua carreira. Considerado uma referência nos caminhos da música rock na segunda metade dos anos 70, a sua influência mantém-se ainda hoje. À reedição deram-lhe o nome Horses/Horses, são agora dois discos, com as músicas remasterizadas e mais uma série de bónus. Foi anteontem e foi ontem apresentado ao vivo em Nova Iorque, na Brooklyn Academy of Music. Patti Smith teve a seu lado o guitarrista Lenny Kaye, o baterista Jay Dee Daugherty, o baixista Tony Shanahan, e o guitarrista e também artista afamado Tom Verlaine. Os temas apresentados não se limitaram aos incluídos em Horses, mas o concerto acabou por ser uma viagem pela sua carreira. E uma festa. As criticas são francamente boas e a lotação da BAM esteve esgotada como era de esperar.Fotografia de Robert Mapplethorpe, 1975
quinta-feira, 1 de dezembro de 2005
Fotos de Ivone RalhaQUANTO PUDERES
E se não podes fazer a tua vida como a queres,
pelo menos procura isto
quanto puderes: não a aviltes
na muita afinidade com o mundo,
nos muitos movimentos e conversas.
Não a aviltes levando-a,
passeando-a frequentemente e expondo-a
em relações e convívios
da parvoíce do dia-a-dia,
até se tornar como uma estranha pesada.
Konstandinos Kavafis, ‘Os Poemas’
Trad. J.M.Magalhães e Nikos Pratsinis
Relógio D’Água
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