terça-feira, 13 de maio de 2008

A 13 de Maio Ana Cristina Leonardo confessa-se


Provavelmente já nem os implicados se lembram. Celebrava-se o 13 de Maio e o jornal era de extrema-esquerda. Bom, na altura de extrema já não teria muito mas a secção cultural do dito – da qual a humilde signatária deste post fazia parte, sim, que eu não sou como alguns que quando lhes lembram o passado se põem a assobiar para o alto dando-se ares de respeitáveis colunistas adeptos desde a mais tenra idade da «sociedade aberta» – adelante: a citada secção alimentava um saudável e semanal espírito anarquista que incluía socas lançadas à cabeça dos membros mais obtusos (que nós cultivávamos muito a inteligência e na altura usavam-se muito socas sendo portanto o que tínhamos à mão...), caralhadas e murros na mesa quando era preciso, tudo isto, julgo não mentir, regado apenas a café de saco que a malta nesses tempos vivia tesa embora feliz.
Celebrava-se, pois, o 13 de Maio e resolvemos fazermo-nos ao assunto. Publicaram-se vários textos – devidamente enquadrados por uma análise sociológica que pretenderia dar uma certa credibilidade à desbunda, a qual, análise, sairia assinada por conhecido arquitecto, na altura ilustre desconhecido, e cujo conteúdo retomaria apenas, penso não mentir, aqueles clichés da religião ser o ópio do povo, bla, bla, bla, que OVNIS não era assunto que um marxista se dignasse referir –, e é um desses textos que lembro sempre com particular clareza e distinção no 13 de Maio. Rezava assim (cito de cor):
Estavam três pastorinhos a pastorear muito sossegadinhos em Fátima quando, de súbito, avistam a Nossa Senhora em cima de uma azinheira (julgo que é uma azinheira mas se me estiver a enganar na árvore que isso fique por conta da minha ignorância dos meandros da coisa). Estupefactos, mantêm-se mudos e quedos até que um deles mais afoito (não recordo qual) avança e pergunta à aparecida, gargarejando a tirada do Frei Luís de Sousa:
– Quem és tu?
A senhora, sem se deixar intimidar pelos clássicos, responde:
– Sou a Nossa Senhora e venho trazer a verdade ao mundo.
É então que outro dos pastorinhos (e a este também não consigo nomea-lo), dá uma cotovelada para o lado (posso estar a inventar a cena da cotovelada) e comenta:
– Outra marxista!
Já não sei se o texto terminava assim mas sei que deu direito a carta de um leitor anónimo – que, por acaso, viemos mais tarde a identificar embora alguns anos antes dele se transformar num respeitável director dos nossos media (visto que também por lá andava mas era dos sérios, nada de socas...) – que se indignava com a falta de respeito demonstrada pela supracitada secção cultural pelos leitores católicos, carta a que respondemos, com coeso espírito de grupo, dizendo que o jornal não tinha leitores muito menos católicos. Depois separámo-nos todos e a maioria de nós fez-se à vida, com o anónimo a subir altíssimo na carreira.

5 comentários:

Anónimo disse...

Que maravilha de conto! So me admiro de na altura nao terem recebido tambem protestos dos marxistas. Os religiosos tendem a unir-se nestas coisas qualquer que seja a sua tendencia.
Jota esse Erre

Anónimo disse...

ACL: O conto tem mesmo piada. Mas os seus colegas eram muito proletarizáveis e hirsutos, convenhamos. Com forte pronúncia do Porto.E a ACL é do Sotavento algarvio, se bem o creio.

Eu conheci o Acácio Barreiros na fase do degelo, se bem me recordo. De qualquer modo, do ponto de vista jornalístico,logo a seguir ao 11 de Março 1975, se não estou em erro, o PRP/BR, a Luar e os neo-sartrianos- Jorge Almeida Fernandes, João Martins Pereira e afins- formaram a Gazeta, uma espécie de Libé, com uma redacção de luxo. O VJSilva, que já estava no " Continente", deve ter criado aí, a partir dessa situação de poder...tão alfacinha, aquele ódio de estimação ao JM Pereira, referência capital da geração da Crise Académica de 61, embora ele fosse do Técnico, onde germinaram os criadores do MES, do ex-GIS e o próprio Jorge Sampaio-que-deus-guarde.

Toda essa história de lutas, de clans, de linhas ideológicas e de modelos importados- o Serge July fez o mesmo com o Libération criado pelo Sartre, anos mais tarde- parece-me que está por fazer. Existem uns remendos. Acho que o blogue(s), os nossos dois, podiam orientar forças nesse sentido...da Nostalgia! FAR

Ana Cristina Leonardo disse...

So me admiro de na altura nao terem recebido tambem protestos dos marxistas

Jota Esse Erre, não percebi bem a referência aos marxistas mas, aqui para nós, acho mesmo é que ninguém nos lia

FAR
Eu nunca bufo nomes e não sei quem é esse com pronúncia do norte. só digo que o citado anónimo era cá mais para baixo, onde continua gordo e anafado

Anónimo disse...

No Página Um e na Gazeta- ambos da órbita das citadas forças revolucionárias da altura- " nasceu " o tonitruante e hipermediático, amigo do Carlucci, Artur Albarran. No jornal, A Voz do Povo, que deu glória, brilho e bons proveitos ao João Carlos Espada -mais tarde desembestado soarista-popperiano integrista e hoje conselheiro do prof AC Silva em Belém- apareceram muitos " viracasacos " mas como o Albarran nenhum, acho eu. O VJ Silva,que tinha fechado o" O Comércio do Funchal", veio para o Expresso. Ele, VJS, é todo um tratado: imitava a prosa do EPC e " adaptava " as revistas francesas da extrema-esquerda da época, em contraponto da Maria João Avillez que fazia um " figurão " com as entrevistas tipo L´Express ou à Orianna Falacci...Lembram-se!!!

O atraso português está patente nisso mesmo: sete anos apòs Maio-68, que foi o canto do cisne das organizações Marxistas-leninistas, os adeptos de Mao-Lénine e Staline nacionais assaltam os Média e alcançam posições dominantes. No Expresso, o João Isidro, MRPP fundador, teve um papel decisivo para o rumo liberal avançado da publicação. Hoje ainda lá escreve o Luís Marques, que tinha sido uma das revelações do jornal quase-diário do MRPP, o Luta Popular.

Tudo isto são notas esparsas, que necessitam verificação e análise aprofundada. O meu estilo é trabalhar com fontes ou back-grounds diversificados textuais. Há toda uma espantosa análise a realizar, portanto. FAR

Ana Cristina Leonardo disse...

FAR, continua a não acertar na mouche!