quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Salazar, um César liberal

(ou o que se pode perder na blogosfera por estar de férias)

Salazar, quer dizer, Pedro Arroja, voltou à blogosfera. Nesta sua nova encarnação, a criatura revela-se em todo o seu esplendor, despido que está dos necessários pruridos que a estada em blogues de grande dimensão obriga, quando se pretende evangelizar os homens. Ele, se duvidas houvesse, prova, post após post, ser um Santo Doutor, a quem muito devemos na busca da Verdade Revelada. Descobriu Deus na sua magnificiência, nas areias do Porto Santo. E descobriu também que, «a instituição que nos últimos dois séculos mais danos produziu nos países predominantemente católicos do sul da Europa e nos seus descendentes por toda a América Latina, [foi] a democracia». Devemos dar graças ao santo pela revelação. Ficamos então a saber, graças a Deus, que «durante este espaço de 200 anos, os melhores períodos destes países, em termos de prosperidade económica, social e até cultural, não foram conseguidos sob condições democráticas, mas sob a autoridade de um césar. Para mencionar alguns exemplos, Salazar em Portugal, Franco em Espanha, Pinochet no Chile, Peron na Argentina.» «Um césar que repunha alguma ordem». É evidente. Por exemplo, a proibição da edição de livros ou discos, de exibição de filmes, concertos, exposições, só pode aumentar a "prosperidade social" de um povo. Para quê o contacto com essa arte do Demo, que tudo corrompe? A Santa Igreja sabe o que é melhor para nós. Do mesmo modo, o analfabetismo crónico, ou o exílio de cérebros, evidentemente aumentam a "prosperidade social" do mesmo povo. Para quê o saber? O ideal é que meia dúzia de génios orientem todo um povo puro e trabalhador, na direcção da sua felicidade. Ou pensam que o povo se quer dar ao trabalho de pensar? Mais vale que pensem pelo povo, que assim se pensa melhor. Numa outra perspectiva, não menos importante embora algo oposta, porque os designios de Deus, se formos a ver bem, fazem-se por múltiplos caminhos, não foi no tempo do Salazar que surgiram o Zeca Afonso e o Adriano? E a Mercedes Sosa, na Argentina, o Chico, o Caetano, a Elis e tantos outros no Brasil não escreviam música contra a ditadura? Já estão a ver: não foram as ditaduras, e nenhum destes génios se teria revelado em tanto esplendor. Também a "prosperidade económica" é inegável. A "prosperidade económica", para quem não sabe, consiste em manter o povo em economia de subsistência no sector primário, a comer uma sardinha por dia e umas açordas, que é a melhor dieta, e foi o Salazar que a inventou. Para que se quer mais? Não são os ares do campo os melhores para se viver? Pelo contrário, esta miserável época não é capaz de produzir um génio como o Zeca, insiste em encher as universidades de burros, quando deviam ser redutos da élite, e vive obcecada com bens materiais, quando a espiritualidade é o que importa, e dos pobres será o reino dos céus. Valha-nos o Arroja para nos iluminar. Amén.

1 comentário:

Igor Caldeira disse...

Se eu soubesse que ele ía a Porto Santo teria espalhado umas bíblias chamuscadas quando por lá estive há três semanas. Aquilo de facto é um paraíso. Era escusado ele querer estragá-lo.