sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Lições do 15 de Outubro (2- As vanguardas)

Eu tinha aqui escrito, no meu apelo à participação no 15 de Outubro, sobre como, muito naturalmente, e cito-me,  esperava "irritar-me mais uma vez com os tiques da extrema-esquerda folclórica, exasperar-me com alguns que para lá irão competir na sua pequenina liga radical, e discutir o irrelevante, se o melhor é o consenso ou a maioria, que as doutrinas que seguimos nos obrigam a fazê-lo deste ou daquele modo" . É claro que há coisas que nunca mudam. Seja no passeio em frente à Assembleia da República, seja nas "reuniões", "assembleias populares", ou como as queiram chamar, seja, claro, por essa blogosfera fora, o que se discute agora é se "os anarquistas" estão a sabotar o movimento com as suas formas de acção "infantis", ou se, pelo contrário, é a organização do 15 de Outubro que se pretende tornar em "vanguarda" de um movimento que pretenderá excluir dele quem discorda deste ou daquele método e desta ou daquela resolução. Dando de barato o facto de ser muito discutível existir sequer "um movimento" sobre o qual se devam produzir estas asserções, a mim oferecem-se-me as seguintes três ideias sobre o caso: primeira, que ambos tem razão: é de facto difícil decidir se é mais infantil quem pretende "invadir" a Assembleia da República e desbaratar todo um capital político de uma grande manifestação para satisfação dos seus desejos de "justiça popular", ou para tirar satisfações da polícia por causa de acontecimentos passados; ou se quem acha que tal "movimento", a existir, pode ou deseja ser liderado por uma vanguarda de "dirigentes esclarecidos" doutrinados na pior versão do marxismo pronto-a-vestir, que não representam nada nem ninguém senão a habitual meia-dúzia. Segunda, que o facto de ambos terem razão quanto aos outros mas total incapacidade de entender as críticas que lhes são feitas é a grande tragédia deste tipo de acção política em Portugal, e não é de agora mas de há muitos anos. E terceira, e o mais importante, é que estas conversetas entre os habituais mais não fazem que debilitar o capital político desta manifestação de 15 de Outubro, e por uma razão muito simples, meus caros: é que a grande maioria dos que lá estavam não se reconhece nessas opções políticas, nesses métodos de acção, e muito menos nesses debates inconsequentes. Passe o facto de eu estar tão mandatado para falar em nome dos que lá estavam como os que convocaram aquela manifestação para se tornarem "a organização" (e muito menos "a direcção") deste "movimento", aquilo de que não tenho dúvidas nenhumas é que o que a grande maioria de todos nós deseja e espera é um programa mínimo, sublinho mínimo, de acção, apoiado nas reivindicações com que todos concordamos, anarquistas, trotsquistas, bloquistas, comunistas, desalinhados, mesmo aqueles que, mais ou menos ingenuamente, se declaram "apartidários". Só para dar um exemplo, que muitos seriam possíveis, algo que pareceu unir toda aquela gente foi a ideia de fazer acompanhar, desta vez, a Greve Geral de uma grande manifestação (algo que, estranhamente ou não, incomoda sobremaneira o PCP), já que nós conhecemos muito bem e estamos fartos daquela conversa de que "fazem greve para ficar em casa a descansar", porque muitos de nós estamos desempregados ou proibidos de facto de fazer greve, e porque, o mais importante, a experiência diz-nos que é preciso radicalizar a Greve Geral e fazer dela algo mais que a habitual válvula de escape do sistema. Pois que se parta para isso. Organize-se isso. Esclareçam-se as pessoas, discuta-se, façam-se "assembleias populares" para isso e não para decidir se a organização é vertical ou horizontal, ou se devemos adoptar "acções de base", "pequenos boicotes", ou antes um grande "movimento de massas". Note-se: possa eu ter ou não maior simpatia por estes ou aqueles, o que nem Lenine nem Bakunine achariam ajuizado seria perder um "movimento" devido ao excessivo radicalismo da sua "vanguarda".

Lições do 15 de Outubro (1- Em registo cínico)

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Democracia Verdadeira, Quando?

O movimento que mundialmente está a tomar forma a partir de um mal-estar social generalizado contra o poder magnânimo que os mercados de capitais representam nesta fase do capitalismo avançado e que tenta recuperar a base do pensamento democrático — não como forma passiva de eleição de governos mas como forma ativa de construção de uma sociedade— encontra-se em Portugal resgatado por uma esquerda que se quer afirmar como vanguardista e se arroga ao direito de transportar a bandeira da verdadeira democracia (mesmo que os mais recentes comportamentos manifestados numa espécie de comité central para a manifestação que aconteceu no passado 15 de Outubro mostrem o contrário disto tudo). Conhecemos muita da mitologia que acompanha os ensinamentos sagrados desde a social democracia até à esquerda mais radical baseados na concentração da luta em organismos hierárquicos e burocráticos que lidam mal com a crítica e opinião não disciplinada. Apesar de não ter acompanhado todas as reuniões kafkianas que estão na base da formação deste “comité”, acompanhei muito de perto grande parte dos seus acontecimentos.
Para começar, esta manifestação teve um apelo internacional. E pela natural ligação ao movimento espanhol das acampadas, foi ao Rossio que a ideia chegou em Portugal, através de uma mesa redonda que aconteceu no LX Factory e que juntou diversas pessoas envolvidas em diferentes lutas com o mesmo carácter na Europa. Compreendendo que a problemática por detrás da construção de uma ideia de sociedade mais transparente e justa se encontra também ela globalizada e que a necessidade de um apelo também globalizado é a sequência lógica. Abraçado por esse espírito, um grupo de pessoas saiu dessa reunião para falar com diferentes movimentos cívicos com o intuito de os sentar à mesa e dar forma a este protesto. Semanas correram, algumas indefinições passadas sobre a quem interessaria encabeçar este movimento.
Aos poucos, alguns destes movimentos compreenderam que esta poderia ser a sua oportunidade para se afirmarem como capacitados para movimentar uma massa de pessoas não sindicalizada, não politizada e dificilmente mobilizada pelas diferentes máquinas partidárias, e, assim, apresentar-se como a nova vanguarda da esquerda portuguesa. Desenvolveram-se as primeiras reuniões das quais surge o manifesto que seria a forma congregadora desta mobilização. Nele podemos ver os velhos e novos mitos da esquerda — desde a precaridade do trabalho à nacionalização dos sectores estratégicos — mas não encontramos o signo de uma nova forma democrática. “Estes valores são a base da democracia de Abril” gritaram em uníssono incapazes de ver que se este sistema falhou, não foi apenas pelo seu perfume neoliberal mas também pela incapacidade de fazer vingar as tão deterministas concepções de Marx. Aquilo que ecoa da contestação global (se colocarmos de parte o natural aproveitamento ideológico de todas as facções da esquerda à direita que a ele se ligaram) é o desconforto de certas camadas da população: aquelas que não vivem de esquemas nem atreladas ao Estado ou à Oligarquia Capitalista de poderes instituídos. Para estas pessoas o Poder é o mal em si. Um pouco por todo o mundo, viram passar os governos mais sociais até aos mais liberais, viram passar as diferentes formas de organização económica, das diferentes políticas de incentivo produtivo ou educacional, à destruição dos aparelhos de garantia dos direitos que o Estado Social sugeria organizar e proporcionar, sempre com os mesmos resultados. Desse grito soa uma necessidade antes de mais de reconstrução do sistema: resgatá-lo das grandes corporações multinacionais, da acumulação de capital da banca, das diferentes formas de especulação sobre bens e propriedade, e construir uma sociedade em que a igualdade e a capacidade de intervenção na organização da nossa vida social fossem muito além da colocação de um voto numa urna.
Mas as dificuldades num país com fraca tradição de mobilização social e com um historial de autogestão quase inexistente levaram a que o chamado movimento das Acampadas passasse a ser visto de dois pontos de vista. Para uns era uma escola do processo democrático. Para outros era o terreno fértil para semear as suas ideias politizadas sobre o programa de salvação da classe operária ou para legitimar a utilização de ferramentas políticas. Não vou questionar a utilidade dessas ferramentas, até porque concordo com umas, desconfio da capacidade regeneradora de outras. Mas o que estes grupos nunca tiveram a humildade de fazer foi de compreender a necessidade de esclarecimento e informação, que havia sido maquiavelicamente deturpada pelos mass media no sentido da imposição de um plano ainda mais maquiavélico para anexar o sistema produtivo português. De que me serve que se consiga efectivar uma Auditoria Cidadã às Contas Públicas, ou acabar com os efeitos nefastos do trabalho tornado mercadoria, se não formos capazes de fundar esses mecanismos num processo emancipatório de crítica e participação consciente na vida colectiva? Chegámos ao ridículo de votar na assembleia popular de 15 de Outubro uma nacionalização da banca sem que sequer tivéssemos esclarecido como é que isso se faz e quais as suas consequências. Vale a capacidade oratória e enfática de pessoas muito rodadas e com muitas certezas sobre estes assuntos para fazer passar uma “proposta” destas. Sem sequer termos a capacidade de pensar que a única efectividade com que podemos considerar, para já, estas Assembleias é a do vínculo das pessoas com as propostas e não o seu suposto carácter legislativo. Ainda mais contraditório foi ver algumas da figuras de proa contestar a autonomia de uma nova Assembleia Popular organizada por algumas pessoas que se mantiveram em São Bento no dia 16 de Outubro. No final o que sobra é uma enorme mimese sobre o que se passa do outro lado do edifício à frente do qual estávamos concentrados (ou seja, da Assembleia da República). O princípio é o mesmo do da democracia representativa vigente. Ideias mais ou menos vagas são expostas como bandeira para a salvação nacional e nenhum processo de verdadeiro debate e esclarecimento sobre elas. Nenhum espaço para a exposição de diferentes pontos de vista e aperfeiçoamento dialético para a sua edificação. Muito mais o processo de eleger representantes legitimados para exercer a vontade soberana e muito menos o exercício dessa vontade autónoma para a construção de algo palpável.
Felizmente ao lado deste confuso processo, que já desmotivou muita gente nele envolvido, os laços que se criaram entre pessoas fora destes jogos políticos fazem crer que algo diferente poderá estar a surgir. Depois, há uma série de acontecimentos que saíram completamente do guião da manifestação e que deixam compreender que existe um grupo considerável de pessoas para quem as manifestações “ordeiras” e “organizadas” a horas marcadas não servem as suas ambições e preocupações. Esperemos que o processo histórico engula estas supostas vanguardas e as deixe fora de campo quando as aspirações daqueles que procuram meios alternativos para uma vida em sociedade se realizem.

Tiago Sousa

Legalizar a erva! Fora com o FMI

Legalizar a erva! Fora com o FMI
Perante a gravidade da situação do país e dos esforços que são exigidos aos portugueses, seria de esperar um pouco mais de criatividade no combate à crise do que as medidas de austeridade inscritas nos programas de ajustamento estrutural do FMI aplicados desde 1970. Infelizmente esquecemo-nos que podemos criar as nossas próprias medidas de combate à crise e dar uso ao que resta da chamada soberania nacional.
Portanto em vez de nos auto-empobrecermos para pagarmos os juros da dívida pública nas praças estrangeiras, porque não procuramos desenvolver produtos que tenham uma aplicação tanto no mercado doméstico como externo. Entre estes potenciais produtos devemos incluir a Cannabis Sativa, uma vez que detemos um clima ideal para cultivar esta espécie ao ar livre, como aliás durante o século XV e XVI.
A Cannabis rapidamente tornar-se-ia o nosso produto agrícola com maiores níveis de rentabilidade e criadora de mais-valias que podem ser aplicadas noutras áreas económicas. As suas múltiplas aplicações, para além do consumo recreativo, asseguram um potencial de novas aplicações que poderiam ser desenvolvidas em Portugal. Podíamos assim criar um nicho de inovação e exportação, por exemplo, a aplicação do cannabis na indústria farmacêutica tem crescido exponencialmente, sendo outro dos potenciais mercados legais a explorar.
Uma vez que a maioria do cannabis consumido em solo nacional é importado sobretudo de Marrocos, a legalização do cultivo nacional conduzirá a um processo de substituição de importações e a nossa balança comercial (pelo menos a ilegal) terá menos esse défice (o qual não deve ser assim tão reduzido).
Por outro lado, dadas as condições de excelência da penísula ibéria podemos bem exportar cannabis de alta qualidade para qualquer parte do mundo. Sendo estimado que o comércio de drogas ilegais tem um valor anual 321 biliões de dólares, só nos resta participar activamente num dos mercado onde detemos uma vantagem competitiva natural. Os alemães podem continuar a enviar os seus bmws e mercedes, nós enviamos erva nacional de qualidade imbatível e produzida ao natural!
O estado poderá taxar não só a produção como a comercialização desta planta, através de um enquadramento legal que assegurem a preservação da saúde pública. Se porventura legalizarmos os coffeeshops, Amesterdão será certamente destronado em termos de destino nº 1 e teriamos mais uma fonte de riqueza adicional! Quem quer ir fumar erva no frio, quando pode estar a apanhar sol com o produto orgânico nacional na mão!
Este debate não deve ser travado pelo novo “mito” que o cannabis conduz necessariamente a doenças do foro esquizófrenico, que tem estado bastante em voga nos meios de comunicação. Antigamente diziam que fumar uma passa era meio caminho para nos tornamos dependentes de heróina, o problema foi que a vasta maioria de pessoas que deu uma “passa” na vida não se tornou toxicodependente. Estudos recentes dizem-nos agora que aumentaram o seu risco pessoal de exposição a uma doença mental e creio que qualquer adulto poderá tomar essa decisão por si mesmo. Para mais informação existem alguns documentários interessantes da BBC: Cannabis the evil weed. Sobre o consumo de cannabis na Holanda, ver: http://www.cedro-uva.org/.
Cada um com janela, varanda, quintal ou terreno pode começar já na próxima Primavera!
Legalização da Erva para pagar a divída!
Referendo exige-se antes que cortem os subsídios!!!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Marginais VI

Eles vão aprender.
Que quando nos tirarem tudo, nada teremos a perder. E se nada tivermos a perder, nada teremos a temer.
Como um animal ferido, o nosso derradeiro ataque será o mais feroz. Quanto mais próximos da morte, menos assustadora ela nos parecerá.
O desespero invadir-nos-á, vaga após vaga, como um mar irado terra adentro, levando consigo, de cada vez, a fé e a esperança.
Não teremos outra escolha senão resistir. Atacar para nos defendermos de sermos atacados.
Aquele esforço, que suspeitaremos ser o último, será quase sobrenatural. Como se tivéssemos armazenado aquela força dentro de nós ao longo de toda a nossa vida. Para ser libertada, como num êxtase dourado, naquele momento final. Em que seremos livres. Em que estaremos mortos. Qualquer coisa, tudo menos isto.
Eles vão aprender. Mais cedo ou mais tarde. A bem ou a mal.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

Safe Area


 © Joe Sacco, Goražde

Esta posta vem na sequência da investida aos livros do Joe Sacco, que agora chegou ao fim com “Goražde”. Como seria de prever, a leitura foi-se prestando a pequenas reflexões, uma delas (e porque trabalho em fotografia) mais relacionada com o poder da imagem gráfica vs imagem fotográfica; outra afecta à minha repugnância pelos detalhe na descrição da violência, porque me continua a incomodar apesar do tanto que a história da humanidade tem de monstruoso… Não admira que seja difícil deste paraíso à beira-mar plantado imaginar o espectro de violência vivido em enclaves como o da Bósnia. Vivemos numa espécie de zona segura em que qualquer macaco se exalta e começa a gritar slogans pacifistas ao ver voar uma garrafa pelo ar. É ridículo! Estamos de tal forma apaziguados e conformados que julgamos que a violência é coisa de fracos e que a poderemos sempre evitar. Em vez de partirmos para acções conjuntas de boicote e luta concertada (deixando na prática de pagar portagens, consumir certos produtos, frequentar determinados espaços) não, partimos para mais uma greve geral, porque a palavra “democracia” é de tal forma sagrada que a pupila não se chega além. 

 © Ivor Prickett, from The Quiet after the Storm: Croatia’s displaced Serbs 
Laura Nadar

domingo, 16 de outubro de 2011

Por uma alternativa internacional e universal

Hoje dizem nos que a alternativa do PCP consiste em criar um projecto soberanista e patriótico.
Desde logo, a contradição entre a construção de um projecto patriótico e soberanista contradiz o mote dado por Marx and Engels: proletários de todo o mundo, uni-vos. Ignora uma vez mais que um projecto patriótico nacional entrará inevitavelmente em conflicto com o interesses dos trabalhadores doutros países. Esta contradição será explorada pelo grande capital em seu próprio proveito através do incitamento aos interesses particulares das classes trabalhadoras de cada país. Em vez de fomentar a união dos trabalhores, os projectos soberanistas e patrióticos apenas irão aumentar a divisão entre os trabalhadores e enfraquecer a luta pela redistribuição da riqueza ao nível mundial.
A luta nacional dos trabalhadores pela emancipação económica e política não deve ser assim separada da luta internacional. O desafio consiste em procurar os denominadores mínimos comuns entre os trabalhores dos diversos países e articulá-los numa luta conjunta em vez de separada por nações. Enquanto os trabalhadores não travarem uma luta global em contraponto à constante globalização do capital, a derrota será inevitável. O capital possuí a vantagem de ser altamente móvel, enquanto a maioria dos trabalhadores continuam presos ás suas fronteiras. .
Tal como foi proposto no passado, um projecto alternativo ao sistema dominante capitalista tem de ser assente no constante aproveitamento das contradições inerentes ao próprio desenvolvimento do sistema capitalista em vez de usar os métodos do século passado.

A luta nacional só poderá alcançar os seus objectivos quando articulada ao nível internacional, um movimento dialéctico caraterisado por inevitáveis tensões que exigem constante reflexão e novas soluções para as ultrapassar.

Um projecto internacional e universal é o desejado!
Islândia, Grécia, Irlanda, Portugal! A nossa luta é internacional!

Still nº1


Antes de me juntar à concentração de hoje reflecti sobre a incongruência em o fazer. Para aquele que é, e se tem esforçado por ser, anti-sistema (nas questões essenciais do reconhecimento da sua estrutura e dos lugares da dita “autoridade”), participar numa manifestação que sabíamos à partida ir acabar com uma série de discursos previsíveis e abstractos, podia resumir-se em dar um tiro no pé. Não o foi!
Concordo com o que o André Carapinha diz no texto de apelo à manif e foi uma reflexão parecida que me fez ir. A manif não é perfeita. O radicalismo não pode estar à espera de identificação. Mas há um primeiro momento singular desta manif que queria fazer notar. E, muito infelizmente, nada abona a favor da dita organização da dita assembleia popular marcada para o fim da tarde: no momento da tomada da escadaria, um jovem que se diz da organização grita em plenos pulmões e num tom desvairadamente imperativo para que o povo se sente, esquecendo-se ele tanto da posição que não ocupa como da plateia que não tem. O ridículo desta situação não faz com que deixe de me dirigir a uma próxima reunião, mas faz com que de facto me espante com a leveza com que se anda a falar de liberdade. E depois de horas naquela escadaria me questiono o que é que é preciso para que as pessoas ajam de acordo com aquilo que dizem. Centenas de pessoas reunidas a falar de propriedade, centenas a gritar que “esta casa também é nossa” (entenda-se a assembleia) e permanecemos agitados por um vento paralisante.

Foda-se que isto derruba qualquer sentido de liberdade! É no não reconhecimento da autoridade e na negação do medo que começa o caminho para a singularidade.  

Laura Nadar

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Às armas!

As nossas armas serão a demonstração das nossas opiniões, da nossa união, de que não esmorecemos, de que sabemos distinguir o essencial do acessório, de que conseguimos ver entre o nevoeiro mediático, de que estamos lúcidos e somos livres. Essa liberdade é a grande inimiga dos poderes de facto que ditam as ordens aos políticos-marionetas, e que literalmente nos vendem a ilusão da inevitabilidade. Não será uma manifestação perfeita; aliás, espero momentos de alguma desilusão, espero irritar-me mais uma vez com os tiques da extrema-esquerda folclórica, exasperar-me com alguns que para lá irão competir na sua pequenina liga radical, e discutir o irrelevante, se o melhor é o consenso ou a maioria, que as doutrinas que seguimos nos obrigam a fazê-lo deste ou daquele modo; e também com outros que para lá irão berrar contra "o governo", "o Passos Coelho", "o Sócrates", esperando outro e outro homem providencial, políticos mais "éticos", a cura do que é incurável. Mas porque é que a manifestação haveria de ser perfeita? Porque é que, agora, para nos manifestarmos exigimos tanto, reclamamos a perfeição de que não precisamos em tantas coisas da nossa vida em que a união é tão menos importante? Porque é que um não vai porque "não há programa definido", outro porque "são só esquerdistas", outro porque "vão para lá passear em vez de partir tudo", e ainda outro porque "depois de se queixarem vão votar nos do costume"? Que pureza, que virgindade, que inocência original deve ter uma manifestação, para que satisfaça quem tanto lhe exige? Isto quando os mesmos que assim objectam concordam na sua insatisfação, na sua revolta? Isso não deveria ser suficiente? Não é uma manifestação uma expressão da revolta popular?
Não será, obviamente, perfeita, mas esta manifestação será nossa, será dos que a fizerem, e por isso também terá algo de especial, livre de direcções centralizadoras e orientações tacticistas. Mas, acima de tudo, é uma manifestação essencial, urgente, porque é agora urgente como nunca demonstrar que não aceitamos tudo isto de ânimo leve, que não somos estúpidos e não gostamos que assim nos tomem, e que sabemos ver por dentro do nevoeiro. A nossa liberdade é a nossa arma. Às armas!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Alan Stoleroff: Em defesa da democracia indignada - uma réplica a Helena Matos

A dura crítica de Helena Matos do movimento de ‘indignados’ no Público (13 Out 2011) será certamente tomada por muita gente como apenas mais uma peça de propaganda na luta aguda sobre as saídas da crise actual. É e não é.
Partilho algumas das suas preocupações quanto à ‘democracia genuína’ e a sua valorização da democracia representativa e constitucional. Ela diz basicamente que a democracia legítima deriva das urnas e não da rua. Contudo, o seu argumento parece-me demasiadamente formalista e unilateral. Em primeiro lugar, há o problema da abstenção nos actos eleitorais. Pode-se afirmar que a abstenção é um exercício consciente expressando uma opção livre de participar ou não e, por isso, não põe uma entrave à legitimação das maiorias constituídas nos actos eleitorais. Mas isso é um argumento meramente formal e inválido sociologicamente. Existem dinâmicas de exclusão que produzem uma parte da abstenção e que fazem com que uma parte substantiva dos abstencionistas na nossa sociedade não a é inteiramente por opção de livre vontade. Existem dinâmicas dedisenfranchisement que operam mesmo sem o exercício de força.Assim, em determinados momentos a participação na vida politica do pais ocupa-se de outros palcos e arenas. Isto é sobretudo o caso de situações em que as clivagens de luta social são definidas não apenas por programas partidários elaborados para efeitos eleitorais mas por movimentos de protesto contra poderes instituídos.Na conjuntura actual de crise do sistema económico e financeiro e da implementação de  programas de austeridade, os próprios poderes instituídos – os poderes reais e não apenas formalmente constituídos – não possuem mais legitimidade democrática do que os movimentos de protesto. Não é preciso ser ‘marxista’ e ‘esquerdista’, como insinua Helena Matos, para avançar um argumento sério de que o poder real, que está a definir a crise da enorme maioria da nossa população, é o poder invisível do sistema financeiro capitalista globalizado e o poder visível dos homens que controlam as suas instituições e beneficiam da nossa miséria e insegurança. Numa situação de crise como a actual, a democracia representativa e constitucional não tem respostas adequadas para largas camadas da população e até cristaliza alianças políticas de interesses que actuam com o intuito de resolver a crise em conformidade com as suas preferências. Estamos numa situação única, de crise do sistema sócio-económico que está a produzir um conflito profundo entre camadas da população.Seria desejável que a crise pudesse ser resolvida pelo funcionamento normal das instituições da democracia representativa e constitucional. O problema é que os mandatos emergidos de um acto eleitoral podem não ter legitimidade efectiva e absoluta durante todo o prazo da sua vigência e podem nem sequer ser explícitos no seu conteúdo. Isso é de facto o caso de todos os últimos governos – que foram eleitos com base em programas eleitorais que foram contraditos praticamente no dia a seguir a sua tomada de posse. A nossa democracia representativa e constitucional simplesmente não é transparente. E na situação actual qual é o mandato que o nosso Governo está a traduzir nas suas politicas concretas: o mandato dos eleitores ou o entendimento com atroika constituída por entidades alheias e não eleitas? E, enquanto o Governo procura impor as reivindicações da CIP/AIP e os interesses privados esfomeados pelas migalhas do estado social – fazendo da concertação um palco para a exibição da sua prepotência anti-laboral e anti-social, aonde poderemos encontrar a legitimidade democrática?Helena Matos reflecte com bastante razão sobre os riscos envolvidos em situações em que existem reclamações antagónicas quanto à legitimidade do poder politico em nome da democracia ‘genuína’. As suas observações com base na história do PREC são relevantes – mas não neste contexto politico. As clivagens sociais e lutas produzidas pela crise actual não são bem equivalentes às clivagens ideológicas e politicas do PREC.É evidente que as manifestações internacionais e no nosso pais foram organizadas por gente ‘radical’ – entre a qual muitos eventualmente negariam a legitimidade da democracia representativa e constitucional em detrimento da mobilização da rua. Mas então? Isso é inteiramente normal – massas de pessoas não convergem espontaneamente a uma hora e num local sem o apelo de alguém. Todavia, o que caracteriza – pelo menos potencialmente – as manifestações dos ‘indignados’ e de ‘Occupy Wall St.’ nos EUA é, que apesar do ‘radicalismo’ dos protagonista e das suas palavras de ordem, elas têm encontrado eco e recepção positiva por grandes massas de pessoas – muitas das quais levadas à politica pela primeira vez, ou seja, pessoas normalmente passivas e abstencionistas. É o efeito inevitável desta crise histórica e do transparente desequilíbrio de poder real entre os detentores do capital financeiro e os seus agentes e a enorme massa das populações.Teremos que ver quem se manifesta no Sábado. Quem serão eles e elas? Serão apenas os radicais? Duvido. Irei e não me acho assim tão radical! Mas já agora, acho que os protagonistas radicais destas movimentações estão a fazer um grande serviço à democracia – sejam quais forem os seus motivos ideológicos (e espero que não impunham as suas perspectivas sobre os outros participantes). É que a democracia representativa e constitucional tende a esvaziar-se em tempos de crise se for apenas um palco de legitimação dos interesses do capital financeiro globalizado e precisa necessariamente da inflexão da luta social. 
Alan Stoleroff

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Marginais V

Apenas sabemos que estamos aqui.
As nossas mães foram os veículos que a Natureza utilizou para nos trazer para junto de si. Para dentro de si. Do seu útero quente e generoso, para que cresçamos robustos e saudáveis.
Nascemos devido a um imperativo cósmico, uma junção aleatória de elementos químicos, cuja combinação poderia ser prevista se todas as possibilidades pudessem ser calculadas.
As nossas famílias são inevitabilidades genéticas. Repositórios de psicopatologias latentes distribuídas mais ou menos equitativamente,  em que a incidência vai aumentando de forma exponencial a cada nova geração, ad infinitum.
Apenas sabemos que estamos aqui. Algures na vastidão da eternidade. Nunca iremos saber porquê. Por isso não queremos saber.

Marginais IV

É quando fechamos os olhos que vemos tudo claramente.
Para além de todas as mentiras contadas, incontáveis vezes. Mantras falaciosos cristalizados em dogmas inquestionáveis.
A crença enquanto demonstração de si mesma, que adormece os sentidos e entorpece o espírito, levando-nos a duvidar da própria realidade.
Lá fora, as cores do arco-íris vão do cinzento ao preto, destacando-se de encontro ao céu rubro, e os únicos pássaros que ainda se fazem ouvir são os abutres.
O rio corre como outrora, apesar de morto, um apocalipse fluvial a servir de lúgubre arauto do porvir.
Aqui e ali, deixamos partes de nós, tributo à divindade mecânica que preside sinistramente ao governo oculto da cidade. Inteligência subterrânea, cuja capacidade para nos iludir tem vindo a tornar-se superior à nossa capacidade de distinguir o verdadeiro do falso.
É quando fechamos os olhos que vemos tudo claramente. Somos espectadores de uma tragédia repetida tornada farsa.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Slavoj Zizek discursa no Occupy Wall Street


Do rio que tudo arrasta se diz que é violento

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.”
Bertold Brecht

Não me parece nada inocente que, após estas declarações de Passos Coelho, surja esta alegada fuga de informação, relativa a relatórios da polícia e do SIS alertando quanto à possibilidade de tumultos e violência tomarem as ruas. Não acredito que o receio se prendesse com a manifestação de dia 1 de Outubro, mas estou bastante convicto que o alvo das “preocupações” seja a manifestação de 15 de Outubro. Parece-me que estas notícias visam dois objectivos. Por um lado, existe um processo de criminalização deste tipo de manifestações não institucionais e inorgânicas, cujo fenómeno parecia arredado da nossa vida social - vimos um fenómeno semelhante quando, o ano passado, a reunião em Lisboa da NATO trouxe os fantasmas de Génova 2001 e a polícia militarizada encontrou toda a legitimidade para tratar todos os protestantes como criminosos organizados. Por outro lado, todos nós já conhecemos algumas táticas policiais que têm tomado lugar neste tipo de acontecimentos Europa fora, como foi bastante visível nas manifestações em Espanha, com agentes infiltrados servindo de instigadores de conflitos, legitimando a carga policial e ordem de dispersão. Não estamos em posição para ter ceticismo em relação à possibilidade deste tipo de acontecimentos no próximo sábado. Sabemos que o poder institucionalizado em todo o mundo está a começar a temer pela sua legitimidade e funcionamento. Com a própria narrativa da “luta de rua” a fugir das mãos de organismos, como sindicatos ou partidários da organização do movimento revolucionário de massas. 
Alguns dos protagonistas que tomaram de assalto a palavra desta manifestação, que deveria ser uma voz espontânea da indignação e um processo de procura por novas soluções para o “processo político”, cedo se apressaram a dizer alto e bom som que esta manifestação tinha um carácter pacífico e sabemos bem por que o fazem. A última coisa que querem é sair com a sua imagem manchada e correr o risco de perder o papel de alunos bem comportados, quando tiverem de apertar a mão aos órgãos institucionais que lhes servem de modelo. O seu objectivo é tudo menos revolucionário. Talvez, por isso, pareçam um pouco despropositadas estas preocupações e se o SIS estivesse assim tão bem informado, teria pouco a temer.

Tiago Sousa

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Marginais III


Não queremos viver.
Vergados sob o peso da nossa subnutrição. Permitindo que nos subtraiam o que não pode ser subtraído de nós, sem que isso nos custe a própria vida.
Onde secretas polícias adivinham pensamentos subversivos no nosso modo de arrastar os pés pelas ruas da cidade.
Como anjos violentos em queda perpétua. Banidos de uma Atlântida há muito esquecida. Num regime de subvivência do mais fraco, vítimas de caridade obscena, a gratidão como um cancro a corroer a nossa dignidade.
Os sonhos que sonhámos tornaram-se pesadelos que se tornaram reais. A existência tomou o lugar da essência. Não nos reconhecemos em nós mesmos, como se habitássemos os corpos de estranhos que não nos querem dentro de si.
Não queremos viver. Assim.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Marginais II

Somos um tipo especial de prisioneiro. Andamos à solta. Não há nada que nos impeça de sair, seja de onde for. Há sítios, porém, onde não nos é permitido entrar.
O nosso canto é o do capitão enlouquecido de uma embarcação fantasma. À deriva no espaço. Numa ópera barroca de ácidos e reagentes. Com uma tripulação de milhares de milhões.
As pontes multiplicam-se. Com o objectivo de nos isolar ainda mais do resto do mundo.
Usados que somos pela roupa que vestimos, desempenhamos o papel que já era o nosso. Antes de nos ter sido usurpado.
Não é que tenhamos nascido no lado errado. Não nascemos ainda sequer. Somos embriões perdidos no caos genético. Fósseis de uma era futura.
Somos um tipo especial de prisioneiro. Aquele que é o seu próprio carcereiro.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Socialismo ou barbárie


Muitas pessoas com a melhor das intenções confiam em demasia na racionalidade do sistema. Crêem que da crise virão os ajustes (a palavra é exacta: é uma crença), como se existisse num sistema social algo para lá da vontade dos agentes. Contudo, no topo da pirâmide encontram-se tipos que, por crença e ideologia (os "liberais") ou por puro interesse (estes sem dúvida a maioria), defendem que a conjugação das vontades egoístas origina o "equilíbrio", e que esse egoísmo é o que de mais justo e "livre" existe. Isto, seja também uma crença ou puro cinismo, mesmo que a realidade os desminta a todo o passo. Objectam-nos com os indicadores como a esperança média de vida, a taxa de mortalidade infantil, lembram-nos a democracia que parece estender-se inexoravelmente, esta internet que nos põe todos em comunicação... Sobre isto, primeiro notar que só o facto de estarmos inevitavelmente condenados ao nosso ponto de vista nos impede de entender que outros locais há em que estes indicadores estão agora muito pior que antes; e mais importante que isso: não basta dizer que se progrediu, que a esperança média de vida aumentou; é preciso entender 1- em que direcção se progrediu e 2- quais as condições objectivas que proporcionaram essa progressão. Se tempos houve em que se alargou a riqueza e o poder político para a base, e isto não por nenhuma racionalidade intrínseca ao sistema, mas porque a base o exigiu e conquistou, tempos em que "consciência de classe" não era um conceito demodé, hoje em dia vivemos tempos de sinal contrário: a riqueza e o poder concentram-se cada vez mais numa super-casta superior. Objectivamente, o capitalismo está-se a transformar num capitalismo de casta. Isto, além de ser algo que deve ser combatido por motivos éticos e políticos, e também por motivos de interesse de classe, causa perigos enormes à própria sobrevivência do sistema, porque, pasme-se, o sistema é na verdade completamente irracional, já que assenta na ideia imbecil de que o egoísmo descontrolado origina o equilíbrio.
Uma questão adicional é a da crescente complexidade do sistema. Isto é um problema porque nos levou a um paradigma em que dificilmente se encontra maneira de introduzir racionalidade no sistema: os estados já não o controlam, nem as instituições internacionais ou os bancos centrais; e os que efectivamente detêm o poder, ou não tem o mínimo interesse em alterar seja o que for, ou estão eles mesmos enredados numa teia sistemática. Portanto, no preciso momento em que dispomos das ferramentas mais poderosas da História para modificar os equilíbrios sociais em direcção a uma maior humanização, democracia, bem-estar de todos os cidadãos, verificamos que elas de nada nos valerão se não tivermos a noção clara de que é necessário alterar profundamente o paradigma, e que para isto acontecer dependemos exclusivamente de nós; o sistema não se regenerará espontaneamente, como na ilusão "liberal", nem o topo da pirâmide fará o que for para alterar as coisas. Aquilo que é necessário, como recuperar conceitos como os de "propriedade social", "utilidade pública", "interesse comum", só acontecerá se nós, como agentes da História, forçarmos a mudança. A frase de Marx (a propósito: pode-se olhar para Marx sem preconceitos?), "socialismo ou barbárie", define a encruzilhada destes tempos.

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

(Mais) correio interno


André,

            “Há 20% de pessoas que votam nos anarquistas que são mesmo anarquistas. Não são como os nossos.  Temos esses esquerdóides, coitados, a gente dá-lhes um copo e eles ficam contentes. Não! Os anarquistas gregos são me’mo anarquistas”, nesta rasante, até ao miolo, diferenciação entre portugueses e gregos, o gabaritado economista, João César das Neves, delineou o mapa cor-de-rosa do comportamento contestatário dos próximos anos. Algumas manifestações – esses gigantescos divãs de psicanalista, onde o povo transfere, para a atmosfera, os nós da sua alma e vai dormir, quase curado –, porque são festas populares que queimam muita energia e dinamizam o envolvente comércio da mini e das sandes, e do refrigerante para as senhoras. Greves, poucas, pois prejudicam a economia e, além disso, os funcionários públicos serão cada vez menos e poucos restarão para fazer greves. De um maneira geral, os portugueses têm a noção de que nada conseguirão com manifestações e greves. Fazem-se por tradição. E porque há partidos mantenedores essa tradição e, mesmo fora desse circuito, em sectores da sociedade mais updated – os célebres utilizadores de redes sociais – usam-nas, para convocar a… manifestação: festa, cartazes, irreverência, bejecas, garrafas de whisky, ganzas, e descarregamento (download) de energia, e carregamento (upload) de História para contar aos netos através de fotos no Flickr.
            As redes sociais serão mais úteis na informação do que na manifestação. Quando o cidadão está a ser atacado pelo Estado, que lhe reclama cada vez mais parte de leão do seu rendimento, justificando-se numa enorme dívida para pagar, a questão principal é mesmo o vil metal. E o cidadão – reduzido a contribuinte – tem que exigir informação sobre dinheiros. Querem privatizar a RTP? Tudo bem! Então qual é o bolo da taxa de tv cobrada e como é ela fatiada pelos vários canais e rádios da empresa? Quanto ganham dirigentes e funcionários? Quantos são? E por que razão subirá a taxa depois de privatizado um canal? E a exigência fundamental de toda a informação sobre os felizardos que comprarão o canal. Dívida da Madeira? Tudo bem! Então que seja explicado euro a euro o seu montante, não basta atirar números, isso é atirar poeira no buraco, “buraquinho”, segundo Alberto João, não diz nada. E as empresas envolvidas? Nome dos gestores, vencimentos, relações familiares e filiação partidária, etc.
              As redes sociais têm essa utilidade: de permitir colocar as perguntas certas aos gestores do Estado. A boa gestão das sociedades atuais já não é uma questão de políticos, mas de povo organizado, isto é, informado, como contribuinte, eleitor, consumidor e todos os outros papéis que lhe permitam representar. No entanto, as redes sociais têm um grande inconveniente. Termina o anonimato. Nas manifestações, ainda se pode encobrir a cara e, talvez, talvez, não haja reconhecimento. Na Internet, o IP é a cara do utilizador. O cidadão terá que se responsabilizar pelos seus atos. Se for para o Facebook de Cavaco clicar “curtir” à parva ou comentar sem decoro, poderá receber uma visita das secretas.

            Um abraço,
            Maturino Galvão

O que é uma super-casta?

737 donos do mundo controlam 80% das empresas mundiais.

sábado, 24 de setembro de 2011

Correio interno

André,


            “Aqui onde a terra se acaba e o mar começa”, um mar de gente, gente com dívida lá dentro, e o fórceps certo para de suas emprenhadas profundezas a arrancar: o Governo certo, na governação certa. Povo pobre tem de pagar as suas contas, não vale a pena chorar sobre crédito derramado: ó aqueles malditos empréstimos nos anos 90 para Bimbys e férias em Ibiza voltaram para nos atormentar. Não sendo ricos fez-se vida de rico, povo e Governos folgaram, as estradas alcatroaram-se, as casas eletrificaram-se, as sanitas migraram indoors. E agora os verdadeiros ricos não estão dispostos a financiar quem, numa economia anémica, não poupou e gastou, nem papam a desculpa da pressão da sociedade de consumo, nem o facto de terem enriquecido com o esbanjamento dos consumidores, ávidos por rolhas e promoções de Skip e, para complicar também não se pode saquear a casa de Bragança para pagar as contas. (D. João II, nas lonas, ordenou a decapitação do 3º duque de Bragança, D. Fernando, na praça do Giraldo, em Évora, para lhe rapinar, para a casa real, a sua imensa fortuna, por exemplo. Mas também, em 1640, os conjurados propõem o trono ao duque de Bragança, o futuro D. João IV, por ser o único no país com cabedais suficientes para suportar uma guerra contra Castela).
Se Paris valia uma missa, escrevia Norman Mailer, Lisboa, como centro de poder, vale várias novenas. O Governo de Sócrates não foi um caso político, mas um espantoso fenómeno sociológico, para teses universitárias, que se deem ao trabalho de contar quantas notícias negativas foram publicadas no seu mandato e qual o seu efeito na mente coletiva. E vem provar, pela forma como os autodenominados mais espertos e intelectuais aparvalharam, que em Portugal, opinião publicada e opinião pública são idênticas, não há opinião pública sem ser opinião publicada. Em 2008, a “crise” atraca na Europa, os Bancos europeus estão falidos, em Portugal, orgulham-se os nossos banqueiros de que são exímios gestores de ponta e que estão à frente de instituições sólidas. Os nossos Bancos não são contaminados pela “crise”, ó Nossa Senhora estava do nosso lado e ainda tínhamos o cabelo de Fábio Coentrão. Que povo bafejado! Em 2009 os fortes Bancos portugueses vão à falência, os banqueiros, de mão estendida pelos mercados, ninguém lhes empresta uma moedinha, e gozam-lhes com o corte do fato e os modelos dos carros e citavam-lhes o “Auto do escudeiro”: “Ò diabo que t'eu dou / que tão má cabeça tens / não tem mais de dois vinténs / que lhe hoje o cura emprestou”. Voltam-se para o poder político, afinal ele está lá para os servir, visto que eles também o servem, sacrificando-se na compra de dívida pública a juros estapafúrdios.
Na altura Portugal pululava de pastorinhos de Oh!bama. Muitos o viram em cima de uma azinheira, e de mãos postas ao céu, rezavam: ó meu Deus que se faz História! É a segunda vinda do Salvador! E Sócrates era um desses pastorinhos, como político europeu, sonha em americano. E perante a “crise” imitou Oh!bama: lançou dinheiro sobre a economia: aval do Estado para os Bancos, vamos fazer bricolage nas escolas e nas estradas, apoiar os desempregados, obras públicas is the solution, que se lixe o défice, não é altura de pensar em défices, a economia precisa do Estado e o Estado responde: quanto é? Só que Portugal não é a América, não tem dinheiro para lançar sobre a economia, e a conta, (mais muitas outras no fundo das gavetas), está aí para pagar e foi distribuída equitativamente pelos contribuintes.

Um abraço,

Maturino Galvão

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Mistérios das ilhas

O Presidente da República, Cavaco Silva, vetou o estatuto da Região Autónoma dos Açores, e ainda interrompeu o nosso jantar para uma "comunicação ao país" sobre tão decisivo assunto. Após alterações efectuadas na AR, voltou a vetar o documento. Quanto à descarada aldrabice das contas da Região Autónoma da Madeira, e a ver vamos qual o real paradeiro de muitos desses milhões (se lá chegarmos, calma, que estamos em Portugal), ainda nada se ouviu ao sr. Presidente da República, nem se viu qualquer gesto com o dramatismo dos acima mencionados. Porque será que o nosso Cavaco, o supra-partidário, demonstra tão díspar comportamento sobre os problemas das duas regiões autónomas deste Atlântico português?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Time after time blow up

© Ori Gersht, Time After Time: Blow Up No. 14, 2008

Aquando de preparar aulas esbarro na fantasiosa ideia de que “posso fazer alguma coisa por estes putos”, que de facto os posso ajudar a encontrarem uma identidade, ou pelo menos um ou dois motivos para se entusiasmarem com a ideia de tomarem consciência de si próprios. 
No curso desta divagação os pensamentos dão nós e detenho-me a pensar na questão do grupo e como tanto daquilo que julgamos ser a nossa Identidade nos é imposto pelos outros, ou pelo menos pela sua percepção. É realmente como se fossemos um objecto, um bocado de matéria espelhada que tudo reflecte e muito pouco absorve. 
Entretanto ocorre-me trazer à baila as questões da Identidade política, mas os dedos tomam as rédeas do tempo e deparo-me com mais uma notícia sobre um episódio de violência contra os ciganos, desta vez na República Checa e embora pudesse(mos) ficar aqui a discutir questões de emi- e imi-gração o que fica deste e doutros artigos é o perfeito desequilíbrio de adrenalina desta gente (não comparável à que circulava nos motins de Londres, basta ver pelos corpos destas bestinhas e talvez pela roupagem). Como generaliza a elite intelectual de esquerda o problema de toda esta violência descompassada é a falta de sentido de pertença, a ideia de “worldless”, mas continuo sem conseguir ligar directamente a pobreza, a falta de oportunidades, o desemprego, o tédio, ao culto do corpo, ao ideal da força física e do sucesso, e muito menos aos “ideais” de extrema-direita, sobretudo se me lembrar de uma das teorias do Michael Hardt de como a pobreza pode estar na origem de um movimento de amor (como conceito político, no sentido de partilha e sentido de comunidade), mas talvez isso só se aplique na América do Sul...
Laura Nadar

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Uma discussão exemplar...

Para que se entenda a tortuosa "argumentação" dos estalinistas (por exemplo, como Orwell era um bufo sem perdão, os processos de Moscovo uma necessária purga da conspiração nazi-trotskista, e como foram os anarquistas que chacinaram os comunistas em Espanha, apesar de, curiosamente, o resultado final ter sido o aniquilamento dos primeiros e a sobrevivência dos últimos). Aqui:

Lições de Londres (4)

Vítimas colaterais do medo de se perder o pouco que se tem: a lucidez, a solidariedade, o humanismo, os valores, a consciência do outro, a civilização.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Lições de Londres (3)

A grande maioria das pessoas acha genuinamente que se deve respeitar os direitos humanos. Mas quanto aos "criminosos" dos subúrbios, as soluções que defendem são: mais polícia, mais repressão, uma escola mais dura, o regresso aos "bons velhos valores" - como se não houvesse contradição entre uma coisa e a outra!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Frases curtas

© Chih-Chien Wan, Newspaper Wrap, 2004
 

Retomando o percurso há uns meses deixado em lume brando dou com esta posta início a uma reflexão mais detalhada (e/ou/mas também tão esporádica quanto necessária) sobre o tema da Autenticidade que se escusará aos leitores com pouco interesse nesta questão do que é ser-se autêntico.

O enquadramento aplicar-se-á tão à actualidade quanto me for possível acompanhar a realidade, também de forma a evitar o campo minado em que a temática se esconde, tão cheio de contra-sensos e relativismos capazes de deixar qualquer um à beira do golpe baixo da relativização.

Espero manter-me à altura e não contribuir para essa luta desenfreada entre o hemisfério sentimental e o contrato social. Ao mesmo tempo espero também que vá ficando claro que esta reflexão não pretende ser uma incursão ao mundo das impossibilidades de se ser livre mas antes à ideia da responsabilização de se ser um Eu próprio. Porque esta última assusta qualquer um cá andamos; a maioria a sofrer de normalidade e uns outros tantos de contas mal feitas com a loucura.

Termino esta introdução deixando cair a única conclusão que prevejo tirar sobre o assunto (lembrar-me-ei de me esforçar por não tirar mais nenhuma), a mesma de que a literatura nos convence: na sociedade contemporânea, é impossível o binómio de um ser autêntico e um ser funcional. Para a avistar, contudo, exige-se apenas que se escolha um caminho e que por ele se seja responsável. Exige-se porque se pode, cada um que pique as pedras como lhe convir.

Laura Nadar

Lições de Londres (2)

A maioria das pessoas está genuinamente convencida que os pobres só o são porque querem - porque não querem trabalhar, gostam de viver de subsídios, do crime ou o que seja. O que dá muito jeito para se elevarem da sua própria miséria e mediocridade, comparando-se com um outro "feio, porco e mau". Paradoxalmente, toda a gente gosta de comparar os "vândalos" com outros que lá viverão, muito honestos, e que serão as "vítimas" dos primeiros.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Este ano, em Sines



Tocaram este ano no Festival Músicas do Mundo. Quem não viu, aprecie o que perdeu...

Lições de Londres (1)

Acontecimentos como os de Inglaterra são perfeitos para assistirmos a autênticos festivais de primarismo, aqui como em outros sítios. Tudo é diferente quando somos "nós" os ameaçados; os nossos bairros, as nossas lojas, os nossos cafés. Aí, vai-se a consciência social, a solidariedade, a fraternidade ou o que os foda, e o outro torna-se um vândalo, criminoso, uma ameaça, a ser presa, deportada, exterminada, o que for preciso para nos manter em segurança.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Regresso

Está na altura de regressar ao activo. Desde o momento em que interrompi a minha participação aqui, muita coisa foi acontecendo, como sempre acontece; Pedro Passos Coelho foi dando provas, se necessário fosse, que a ideologia neoliberal chegou de uma vez por todas ao governo (como eu, aliás, já tinha previsto aqui); em Londres, a raiva de alguns criou um curioso fenómeno, do qual devemos tirar, sobretudo, lições sobre as reacções que provocou, e ao qual voltarei muito em breve; não menos importante, alguns eméritos ex-membros deste blogue lançaram o Javali Sentado, um novo projecto a acompanhar, e onde podemos apreciar, por exemplo, os excelentes textos do Fernando Mora Ramos. Time to roll on!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Passageiros em Casa

Caminhos. Traços riscados na maresia do tempo. Um encontro infinito no mar.
Na soturna roda dentada da vida, vislumbras a falésia, azenha reescrita na
intrépida viagem em que embarcas. Partes desde os flancos da Ocidental
memória, até ao mais secreto lugarejo de África. Diante dos teus olhos, um
oásis pleno de silêncios. Choras secretamente e sem pudor na noite de estrelas
cintilantes. Estás perdido há longas jornadas, mas reencontras-te finalmente.
Sabes que o teu lugar sempre foi aqui, como outros, na filigrana do mundo.

Percebes o que te quero dizer, quando digo que o silêncio é o futuro? E que
o presente é um ruído enganoso, uma melopeia breve e intensa, cheia de
atavismos e grãos de areia na memória? O presente é insidioso, fácil e resplandecente.
Brilha na ociosidade do mundo. O presente é sedutor e acalenta a nossa vã esperança
do eterno. O presente brinda-nos com o fulgor energético da vivência. O aqui e agora
é uma brisa que sopra alarvemente na cabeça dos humanos, que tem a soberba de
recusar todas as outras hipóteses. Sem ele, mais ninguém. O presente é um bicho
solitário e inconsequente. No presente morre-se sempre. O presente é um não-lugar.

Anotei no meu diário de bordo, o fim-de-linha da viagem. Perscrutei no futuro as rotas
possíveis. Dilemas por resolver no percurso em que decido embarcar. Uma vida náufraga
na procura do invisível, as marcas no chão do silêncio pacificador. Diz o provérbio turco:
"Antes de me amares, tens de aprender a correr na neve sem deixar pegadas". Sem
o rasto do cansaço acumulado no limbo das paixões, sem a vaidade occipital dos
eufemismos. Com toda a graça do glaciar de Aletsch, subir e deixar-se envolver no
mundo sensível, sem olhar para trás e sem deixar visíveis marcas de arrependimento.
A viagem das nossas vidas é só de ida e o gelo derrete-se na ausência dos afectos.
Sempre foi assim e o percurso vai de etapa em etapa, até ao prémio de montanha
em que podemos finamente respirar o ar rarefeito da criação do pensamento.

Finalmente, a hora da dança em narrativas por desbravar, estórias marítimas de
andanças e casa-abrigo do nosso eu. Somos passageiros. Andamos a descobrir
qual a casa de cada um. No horizonte vasto da felicidade.