sábado, 30 de outubro de 2010

Punk is not Daddy

É um título de que gosto muito. E é o mais recente filme de Edgar Pera, sobre a música moderna portuguesa, na década de 80. A não perder, para os verdadeiros melómanos. Mais informações, aqui:
http://crackinthecloud.blogspot.com/2010/10/punk-is-not-daddy-de-edgar-pera-hoje-no.html

A propósito, fui ontem ver O Filme do Desassossego, de João Botelho, baseado nos textos e excertos do Livro do Desassossego, de Bernardo Soares. Uma realização cuidada, imagens excelentes e um grande actor e amigo meu no papel do Bernardo Desassossegado, Cláudio da Silva. Fora isso, é um excelente filme que parece teatro, em que o rigor está na mais ínfima das cenas. O leque de actores é muito bom. Pela negativa, apenas Rita Blanco e Catarina Wallenstein. A primeira por fazer sempre dela própria (o que aqui choca com o ritmo e tom dos outros actores) e a segunda pela deficiente dicção e apressado ritmo do texto, embora os planos da cena principal em que participa sejam belíssimos. No entanto, um dos melhores filmes nacionais dos últimos anos, seguramente. Sobre o conceito de exibir este filme apenas em teatros, eis aqui uma pequena entrevista com o realizador.
http://dn.sapo.pt/gente/interior.aspx?content_id=1670706

E para quem tiver coragem, há o Mistérios de Lisboa, do Chileno Raúl Ruiz. Um filme de 4 horas e picos. (227 min.) Ainda não o vi, mas estou a preparar-me para a maratona! Diz quem viu que vale a pena! Eis o site: www.misteriosdelisboa.com/pt/
Boas Cinefilias!

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

"África em foco" - Bok & Bibliotek (Göteborg Book Fair), 23-26 de Setembro 2010 (1)

Lesego RAMPOLOKENG (África do Sul) - lírica
Foto de Sérgio Santimano

”África em foco” - Bok & Bibliotek (Göteborg Book Fair), 23-26 de Setembro 2010 (introdução)


Realizou-se em Gotemburgo mais um BokMässa (Feira Internacional do Livro).
Este ano como convidado principal vários países africanos com os seus escritores.
Na abertura oficial esteve a escritora Nigeriana Sefi Atta que viria a receber pelas mãos da ministra da cultura sueca Lena Adelsohn o prémio literário “Noma Award”; Carin Norberg, directora do Instituicão Nordica para África, também participou neste acto, abrilhantado depois com a presenca músical de Dobet Gnahoré (Costa do Marfim).
Pelo palco desta feira em Gotemburgo foram desfilando mais de 70 convidados, dez editores de 28 Países africanos, 62 seminários, entrevistas ou apresentações.
Um conhecido escritor dizia que de África, conhecemos as suas danças, os seus batuques, praias , hoteis de luxo, etc., mas sobre a sua intelectualidade pouco ou nada sabemos deste continente…
De uma maneira geral, pelas palestras por mim presenciadas, notava-se por parte de alguns escritores um certo desânimo sobre a realidade actual, interrogando-se as gerações que lutaram e se sacrificaram pelas suas idependencias e liberdades, se era isto que se vê nos dias de hoje o espelho das suas aspirações….?
Sem dúvida que este foi um grande passo para a divulgação dos escritores do nosso continente, muitos deles já com grande projecção internacional, e sempre com aquela vontade de a este estágio virem a chegar muitos mais, num futuro breve… Procurando aumentar mais o interesse pela literatura africana na “cena internacional”. Certamente que em quatro dias não se pode conhecer tudo sobre a literatura deste continente, mas um passo importanto foi já dado, não só o de trazer os escritores africanos como também as suas editoras, porque são estas, afinal, que tem a possibilidade de fazer a divulgação dos livros nos paìses nórdicos. Sem duvida que esta apresentacão da literatura africana nos paises nórdicos foi a maior de sempre!
O 2+2=5 irá a partir de agora publicar algumas fotos de participantes nesta feira.

Texto de Sérgio Santimano

sábado, 23 de outubro de 2010

Egoiste.



Os franceses, ou as francesas, nas suas acções gerais, sempre adoptaram o estilo burlesco, e sempre foram algo dramáticos.
Corre no sangue, ou, como quem diz, corre-lhes no champagne.
Anúncio televisivo da Chanel - Década de 90;

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Quero!

Quero uma casa com vista para o entulho. Uma frenética poeira nos
despojos do mundo. Quero um cartão onde possa dormir e um saco de
plástico para precaver da chuva insone. Quero uma chávena de chá
no deserto da minha paupérrima vida. Quero umas meias grossas
para combater a solidão do frio gélido. Só quero um amor para a
refrega dos sentidos. Quero tudo e o que quero é nada.

Um simples diapasão no ocaso da noite. Brumas no estertor da
estultícia em que vivemos. Corremos atrás desse sucesso e da
finança em sorrisos sempre pop. Não quero um mundo como
este, competindo por nada e arrasando tudo. Até eu, já me
deixei levar por este gerúndio da vida. Acreditando e olhando
para o futuro com o olhar esperançado nas migalhas do porvir.

Quero um país onde a cama onde me deito seja a da educação.
Quero nas mentes das pessoas uma ideia de qualidade e rigor.
Quero nos corpos um desejo premente de beber cultura.
Quero nos ideiais, uma outra maneira de viver e trabalhar.
Quero nos corações o desejo forte, sem receios, de amar.
Quero uma política feita de transparência, de sentido e causas.

Quero uma noite de luar contigo, meu amor, em que possamos
dizer ao mundo: aqui se fez, no frio chão da nossa vida, uma
série de utopias e novos mundos idílicos para gerar. Um
frenesi iniciático e duradouro, um idílio de espelhos para
reflectir por todo o derredor. E agora, agora meu amor,
resta-nos a placidez do inferno na esteira solene da inocência.

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

Correio Interno


 André,

            Está o país de coração na mão, expectante, emocionado, ao rubro, suspenso das negociações dos nossos líderes e da aprovação de redentor orçamento. Se, as agências de comunicação funcionassem em Portugal, teriam aconselhado aos líderes, que incitassem os cidadãos a porem bandeiras nas janelas e cachecóis ao pescoço, pois não é de somenos monta o desígnio patriótico de votar o orçamento daquele de meter golos, e o Parque das Nações inundaria de jovens, colados aos televisores, emborcando bejecas. Mas não. Será tudo feito sem a participação popular.
            O povo contribuiu, e bastante, para a situação actual com a sua proverbial inocência, criando um monstro que se chama sistema financeiro. Quando apareceu a moda dos cartões de crédito, ninguém achou aquilo estranho, e de livre vontade, pagava um valor superior por um produto ou serviço, indo essa diferença direitinha para uma instituição que nada fazia, excepto “gerir crédito”. Por um jantar de 20 €, ou outra coisa qualquer, pagavam 25 ou 30 e não viam a idiotice desta atitude. (Faziam-no por que, de facto, o seu nível de vida subira, e pagar mais por uma coisa não era problema). Os Bancos perceberam o maná, desataram a inventar “produtos” para subtrair dinheiro às pessoas. Um deles, por exemplo, foi a Conta Ordenado. Ou seja, uma pessoa levanta dois vencimentos num mês (e, pela saudável concorrência de mercado, há Bancos que oferecem três): ou seja, sobre um ordenado de 1000 €, levantaria 2000 €, depois passaria 5 ou 10 anos a receber 800 € apenas; retiravam-lhes 20 € para pagar juros, amortizações, e mais outros pozinhos de fadas para dilatar lucros. A bola foi crescendo, as intuições financeiras, (ou Bancos com actividade financeira), engordando, e o nó à volta do gasganete do cidadão, apertando, e os Estados também entraram na dança, endividando-se, somando endividamento sobre endividamento, até, ser impossível pagar essa dívida, e a solução é… negociar mais dívida. (Claro que se pode culpar o Nixon, quando precisava de massa para a guerra do Vietname, e acabou com o padrão ouro).
            Como é que se sai disto? Os Bancos, actualmente, têm a função primordial de controlar os cidadãos, são bases de dados da vida económica do cidadão, para acesso fácil das Polícias e do Estado. Logo, vende-se a ideia da sua inevitabilidade nas nossas vidas. A primeira coisa a fazer é sair do circuito dos Bancos, retirar o dinheiro todo, e voltar ao velho hábito de pagar em dinheiro vivo. Não só para precaver alguma (ou total) falência bancária, mas para que a economia se processe sobre bases mais “reais”, excluindo do acto quotidiano de compra e venda o intermediário financeiro e especulativo.
            Depois de aprovado o orçamento, foguetes! fsssh pum! fssssh puuuum! champanhe! rolhas! plof! plof! ah, o Governo cedeu, mas salvou o país, a oposição obteve importantes vitórias, aliviando o encargo dos portugueses (o óleo e o leite com chocolate fica a 6%). Felicidade! É um bom acordo, dirá satisfeito o duo líder… Para o ano serão necessárias novas medidas extra: mais reduções dos salários, e desta vez, com redução das pensões também, e, mais importante, despedimento puro e simples de funcionários públicos. (E isto não é estar contaminado por xamãs, como dizes, é só fazer contas: deve-se tanto, a juro tal, dá tanto. É impossível Portugal pagar a sua dívida, se não paga os juros, e reduzir o défice, cortam-lhe o crédito, e adeus país: porque não há riqueza interna que o sustente. Antigamente, havia o Espírito Santo, o banqueiro do Estado, quando era preciso uns cobres ele tinha. Agora não há poupança nacional para isso, a massa tem de vir de fora, como as namoradas do Ronaldo).

            Um abraço

Maturino Galvão

Os economistas são xamãs

Os economistas são os novos xamãs.
Os economistas explicam tudo, explicam a maneira com a economia se explica, os economistas são xamãs!

"Explicar", de algum modo, significa reconhecer uma sabedoria total, sobre algo mesmo que esse algo seja regional. Os economistas explicam, eles são xamãs!
Eles sabem como as coisas todas passam, eles tem leis que a tudo se podem aplicar, eles são pragmáticos, eles são racionais e científicos, eles limitam-se às leis que explicam tudo, eles são xamãs!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Espeto de Pau



Vi ontem no DocLisboa, e ainda passa hoje (quarta) às 16:30 no Londres: "Cuchillo de Palo", um espantoso documentário de Renate Costa, a não perder. No Paraguai, a realizadora procura descobrir o rasto escondido de um tio, que, por ser homossexual, sofreu a perseguição da ditadura de Stroessner e a ostracização social e da sua própria família, até à sua morte, ao que dizem, "de tristeza". Renate Costa constrói um documentário pessoalíssimo que é não só um pungente retrato da homofobia como um encontro com o seu próprio passado, com a relação, também ela distante, com o seu pai, e com a relação deste com o irmão homossexual. Um documentário magnífico na abordagem ao tema (forte sem ser panfletário, comovente sem ser lamechas), ao ritmo, à filmagem, enfim, e como disse ao princípio, só passa mais uma vez hoje às 16:30, vão vê-lo ao Londres!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O grande casino europeu - como transformar a dívida privada em dívida pública


El gran casino europeo from ATTAC.TV on Vimeo.

Manifesto contra a Indigência de um Povo

Como explicar em poucas palavras o desespero e a dúvida?
E o desemprego, a crise e o foderem-nos a vida de todas as maneiras?

Como ter filhos, como ter uma casa, como viver?

Estou farto deste tom monocórdico da vida.
Estou fartíssimo de esperar por uma revolução audaz.

Canso-me e entristeço-me com a nossa bonomia, a nossa inerme vida!
Sofremos de astenia compulsiva e a culpa é de Dom Sebastião, a Saudade,
a igreja Católica, a vida em modo gerúndio num "vai-se andando" que me
corrompe e enoja até às entranhas.

Para quando a vida levantada do chão? Para quando os braços não apenas
para o trabalho, mas para a defesa dos ataques aos nossos direitos?

Caminhamos, insossos e sem frenesi. Para quando a sageza do espírito
crítico e o olho atento ao real? Para quando a plenitude dos sentidos?

Até lá, somos espíritos amputados e sonâmbulos, espezinhados pela
mediocridade e pela ignóbil coscuvilhice das vidas alheias em écrans sem fim.

Chega de merdas e floreados, de segredos e mentiras! A vida é só uma!
E muitos de nós nem chegamos a vivê-la, a senti-la. Vivemos anestesiados
na lufa-lufa diária, nas batatas e no vício, no pão e no circo dos mediáticos.

Há muitas estradas para cortar, muitos carros por incendiar, muitos seres
para sequestrar, muito parlamento para sujar, muita faca por afiar!

Agora depende de mim, de ti, de nós. Depende de um país adiado e anão.
Depende deste país criança em querer crescer, em querer sujar as mãos.

Em palavras, em actos, em gritos e revoltas. Em rasgar os acordos, em
acordar do regaço da mãe galinha e enfadonha. Cortar o mal da indigência
pela raiz. Plantar sementes de loucura, de paixão pelo desconhecido! Novas
espécies para crescer no fértil vale da utopia. Pelo sonho é que vamos!

O resto, é conversa. Que as armas estejam contigo, meu irmão! Seja em
poemas, em cantigas, em acções braçais, filosóficas ou sociais. Usa a tua
inteligência e sensibilidade para te tornares um ser político, para acabar
de vez com a incultura, o abuso, a prepotência! Para elevar à máxima
potência a res pública, que ela bem merece o teu carinho e não o teu
atavismo crónico e bonacheirão! Contra os cabrões, marchar, marchar!!!

Manifesto contra a indigência de um povo!
Portugal, Outubro de 2010!

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

Let no sunrise' yellow noise / Interrupt this ground

«No matter how much we each desire recognition and require it, we are not therefore the same as the other, and not everything counts as recognition in the same way. Although I have argued that no one can recognize another simply by virtue of special psychological or critical skills and that norms condition the possibility of recognition, it still matters that we feel more properly recognized by some people than we do by others. (...)
The uniqueness of the other is exposed to me, but mine is also exposed to her. This does not mean we are the same, but only that we are bound to one another by what differentiates us, namely, our singularity. The notion of singularity is very often bound up with existential romanticism and with a claim of authenticity, but I gather that, precisely because it is without content, my singularity has some properties in common with yours and so is, to some extent, a substitutable term.»
Judith Butler in GIVING ACCOUNT OF ONESELFFordham University Press New York, 2005

© Eugene Von Bruenchenhein, Untitled (Marie, double exposure), c. 1943–1960

© Eugene Von Bruenchenhein, Untitled (Marie, double exposure), c. 1943–1960

Laura Nadar

sábado, 16 de outubro de 2010

Ninguém devia ser privado de liberdade de expressão, excepto talvez dois tipos de pessoas: ex-fumadores e vegetarianos.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A Islândia e nós

Portugal foi jogar à Islândia, o que nos deu oportunidade de relembrar os islandeses, lembram-se? Esses que foram à bancarrota durante a recente crise do subprime. Primeira questão relevante: essa "recente" crise do subprime. Ou seja: já não há crise nehuma do subprime. "Crise do suprime" também não passa de um conceito confuso que deve ser esclarecido. Eu diria: bancarrota dos bancos e de outras instituições financeiras, devido a práticas que (ingenuamente) foram chamadas de "irresponsáveis" por parte dessas instituições - na verdade, práticas que são a lógica dessas instituições - e que, como seria de esperar, foram resolvidas através de um investimento maciço dos estados nessas mesmas instituições financeiras, o que origina, agora, a falta de liquidez e o endividamento dos estados, a essas mesmas (ou outras, vai dar ao mesmo) instituições financeiras, ou seja, os estados salvaram bancos porque era do interesse público salvar bancos; mas agora que os estados estão endividados aos bancos por salvarem bancos, os bancos, de acordo com o normal fluxo das coisas, não tem qualquer piedade dos estados quanto ao seu endividamento (e claro que são os estados mais fracos que estão pior, como o nosso, mas também foram os bancos mais fracos que foram salvos, e isso é  o normal funcionamento das coisas). Quanto à Islândia, já sabemos que, lá como cá, e nas suas devidas proporções, o estado se arruinou a salvar bancos. Mas parece que lá, ao contrário de cá, há manifestações diárias em frente ao parlamento, que se atiram ovos aos políticos e pedras aos vidros do parlamento, e que se elegeu o Manuel João Vieira de lá para a presidência da câmara de Reykjavik. Para dizer a verdade, a fleuma, o frio, ou seja lá o que for dos islandeses (se calhar os recursos que o seu estado social foi amealhando) fazem com que esta revolta não passe, para já, de uma insatisfação geral que não se manifesta verdadeiramente, a não ser em momentos simbólicos como os ovos nos políticos ou eleger o "Melhor Partido" para a câmara de Reykjavik. Mas isto é tudo a propósito de uma coisa muito curiosa que me chamou a atenção quanto aos problemas dos islandeses: parece que o mesmo banco que foi salvo pelo estado, o maior de lá, e que originou todos os problemas de liquidez do estado, desvalorização da moeda e etc, ou seja, empresas que faliram, mais desemprego, o valor dos salários ser menor e etc, agora, e como seria de esperar, esse mesmo banco não tem qualquer pejo em executar as dívidas sobre as hipotecas, e correr das suas casas aqueles que as não podem pagar. O mesmo banco que foi salvo pela sociedade islandesa, agora que voltou a ser "banco" na sua plenitude, fode em grande a mesma sociedade que o salvou, e que se empobreceu por sua causa. Note-se que isto não tem qualquer moral associada, pois não é, e não deve ser, suposto existir moral no funcionamento de uma empresa privada. É simplesmente uma descrição sobre como as coisas funcionam.
Há um outro subtexto aqui, que é o facto de a actual "crise" ser nada mais que um derivado tardio da "Crise do Subprime"; ou seja, de, como sempre no capitalismo, não ser nenhuma crise "real", mas mais uma manifestação do poder das forças do Capital sobre as sociedades. 

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O estado da nação

Se o Orçamento de Estado é aprovado, é a crise. Se não é aprovado, é o caos. Se as propostas da Direita vão avante, é a miséria. Se as da Esquerda, a bancarrota. Se Sócrates se aguenta, é mais do mesmo. Se não se aguenta, é a crise política. Se o Cavaco ganha, é mais do mesmo. Se o Cavaco não ganha, é a mesma coisa.

Enquanto isso, num país que não parece ser o mesmo, os mesmo de sempre, quase todos, vão vivendo cada vez pior, e os mesmos de sempre, uns poucos, vão vivendo cada vez melhor. Como são os primeiros que aguentam os últimos, e com um sentido patriótico que chega a surpreender, não se pode dizer que não os mereçam.

The Simpsons by Banksy



A produção dos Simpsons foi deslocalizada para a Coreia do Sul. Entretanto, Banksy é convidado a criar um genérico de abertura, e...

terça-feira, 12 de outubro de 2010

But all allong the doctors remember

«The head, even the human head, is not necessarily a face. The face is produced only when the head ceases to be a part of the body, when it ceases to be coded by the body, when it ceases to have a multidimensional, polyvocal corporeal code—when the body, head included, has been decoded and has to be overcoded’by something we shall call the Face. This amounts to saying that the head, all the volume-cavity elements of the head, have to be facialized. What accomplishes this is the screen with holes, the white wall/black hole, the abstract machine producing faciality. But the operation does not end there: if the head and its elements are facialized, the entire body also can be facialized, comes to be facialized as part of an inevitable process. When the mouth and nose, but first the eyes, become a holey surface, all the other volumes and cavities of the body follow. An operation worthy of Doctor Moreau: horrible and magnificent. Hand, breast, stomach, penis and vagina, thigh, leg and foot, all come to be facialized. Fetishism, erotomania, etc., are inseparable from these processes of facializa-tion. It is not at all a question of taking a part of the body and making it resemble a face, or making a dream-face dance in a cloud. No anthropomorphism here. Facialization operates not by resemblance but by an order of reasons. It is a much more unconscious and machinic operation that draws the entire body across the holey surface, and in which the role of the face is not as a model or image, but as an overcoding of all of the decoded parts. Everything remains sexual; there is no sublimation, but there are new coordinates.»
Deleuze & Guattari in A THOUSAND PLATEAUS: CAPITALISM AND SCHIZOPHRENIA, University of Minnesota Press Minneapolis, 1987
© Duchenne de Boulogne, Dr., in Mécanisme de la Physionomie humaine ou Analyse Électro-Physiologique de l’Expression des Passions, c.1852
© Duchenne de Boulogne, Dr., in Mécanisme de la Physionomie humaine ou Analyse Électro-Physiologique de l’Expression des Passions, c.1852
Laura Nadar

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Precipita(can)ção.


Não sei se chove assim porque o Mundo precisa de ser chorado ou porque precisa de ser regado.
In, Singin'in the Rain, 1952;

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Petição pelo pluralismo de opinião no debate político-económico

«As medidas de austeridade recentemente anunciadas pelo governo vieram mostrar, uma vez mais, a persistência de um fenómeno que corrói as bases de um sistema democrático. Nas horas e dias que se seguiram à conferência de imprensa de José Sócrates e de Teixeira dos Santos, os órgãos de comunicação social, nomeadamente as televisões, empenharam-se mais em tornar as referidas medidas inevitáveis do que em promover efectivos espaços de debate em torno das grandes opções político-económicas.
De facto, os diferentes painéis de comentadores televisivos convidados para analisar o chamado PEC III foram sistematicamente constituídos a partir de um leque apertado e tendencialmente redundante de opiniões, que oscilou entre os que concordam e os que concordam, mas querem mais sangue; ou entre os que acham que o PEC III vem tarde e os que defendem ter surgido no timing certo. Para lá destas balizas estreitas do debate, parece continuar a não haver lugar para quem conteste, critique ou problematize o quadro conceptual que está em jogo e as intenções de fundo, ou o sentido e racionalidade dos caminhos que Portugal e a Europa têm vindo a seguir, em matéria de governação económica.
Por ignorância, preguiça, hábito, desconsideração deliberada ou manifesto servilismo, os canais televisivos têm sistematicamente tratado a análise da crise económica como se o intenso debate quanto aos fundamentos doutrinários e às opções políticas que estão em jogo pura e simplesmente não existisse. Com a particular agravante de a crise financeira, iniciada em 2008, ter permitido uma consciencialização crescente em relação às diferentes perspectivas, no seio do próprio pensamento económico, no que concerne às responsabilidades da disciplina na génese e eclosão da crise.
Com efeito, diversos sectores político-sociais e reputados economistas têm contestado a lógica das medidas adoptadas, alertando para o resultado nefasto de receitas semelhantes aplicadas em outros países e denunciado a injusta repartição dos sacrifícios feita por politicas que privilegiam os interesses dos mercados financeiros liberalizados. Mas a sua voz permanece, em grande medida, ausente dos meios de comunicação de massas.
Não se trata de criticar o monolitismo das opiniões convocadas para o debate, partindo do ponto de vista de quem nelas não se revê. Uma exclusão daqueles que têm tido o privilégio quase exclusivo de acesso aos meios de comunicação seria igualmente preocupante. O problema de fundo reside em ignorar, nos dias que correm, o pluralismo de interpretações e perspectivas sobre a crise, sobre os seus impactos e sobre as opções de superação.
Somos cidadãos e cidadãs preocupados com este silenciamento e monolitismo. E por isso exigimos aos órgãos de comunicação social – em particular às televisões, e sobretudo àquela a quem compete prestar “serviço público” – que respeitem o pluralismo no debate político-económico de modo a que se possa construir uma opinião pública mais activa e informada. Menos do que isso é ficar aquém da democracia e do esclarecimento.»

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

Tudo o que é sólido dissolve-se no ar

My question is: as a dissociating psyche protects itself from painful experience by means of a traumatic distancing, might photographic representations induce a kind of protective, distancing latency for the group psyche of the viewing public? Photographic processes cannot cause new relationships to events, to the real, but they may well induce them. A digital latency might erase the last vestiges of a claim to authenticity, challenging both the directness of one’s relationship to photographic technology (…) as well as the presumed presence of the image maker in the historical moment. (…)
In The Society of the Spectacle, Debord argues that in modern society ‘‘All that once was directly lived has become mere representation’’, and that authentic experience has been replaced with spectacle and image commodity: ‘‘Images detached from every aspect of life merge into a common stream, and the former unity of life is lost forever. Apprehended in a partial way, reality unfolds in a new generality as a pseudo-world apart’’.
In Lieberman, Jessica Catherine(2008) 'TRAUMATIC IMAGES', Photographies, 1: 1, 87 — 102
© Hugh Welch Diamond, Dr., Melancholia passing into Mania, c.1950

© Hugh Welch Diamond, Dr., Seated woman with bird, c.1955
Laura Nadar

sábado, 2 de outubro de 2010

Baci.



E pudessem todos os beijos ser assim «klimtados».

Klimt, 1907;

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Revolution Action

O voto é uma arma, mas eu pessoalmente prefiro a Sig Sauer P229 de 9mm.

Orçamento 2011

A receita para combater a crise é acrescentar mais crise. Sempre me espantou a lógica distorcida do capitalismo: há pouco dinheiro, emprego, a economia abranda? Corte-se nos salários, aumentem-se os impostos, faça-se haver ainda menos dinheiro, emprego, que a economia se depaupere o pouco que ainda resta. Mais ainda me espanta que estas estranhas ideias façam tanto eco em tanta gente, e apareçam por aí como receitas únicas e inevitáveis.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma observação sobre a política

Por mais que identifiquemos "o problema" como o governo, a oposição, a política ou o raio que os parta, os verdadeiros problemas são sempre outros. Nenhum deles pode ou até deve ser resolvido tendo em conta essas categorias tão miseravelmente incompletas, e isto não quer dizer que esses problema não sejam importantes, simplesmente que se dá demasiada importância a eles. Paradoxalmente: o dia em que se começa a dar menos importância à política é o dia em que se começa a perceber o que é a política.
No primeiro fragmento, Heraclito, há 2.500 anos atrás, disse qualquer coisa deste género: os homens não percebem o Logos, tanto antes de eu lhes explicar o que é o Logos, e, mais curiosamente, também depois de eu lhes explicar o que é o Logos. Isto quer dizer, na minha insábia opinião, que não vale a pena tentar explicar nada aos homens, eles continuam sempre a achar que o que sabem é o que é. E não pensem que estou a distinguir certos homens uns dos outros. É igual para todos, com certeza também para mim.
O que é que isto tem a ver com a política - é que é precisamente a impossibilidade de explicar o Logos que impossibilita a política tal como tem sido entendida. Quero dizer: desde sempre, como tem sido entendida por Maquiavel, ou Hobbes, ou os iluministas, ou os founding fathers, ou toda essa gente que vem a seguir. Essa política é impossível, o que significa que é uma mentira, uma farsa. OK. A conclusão a tirar agora não custa nada. É que a política é o reino da opinião, e, como sabe toda a gente que me lê neste blog 2+2=5, a opinião é a soma do zero com o 0. O que quer dizer que as verdadeiras questões são outras, tanto na nossa vida como na nossa outra vida (aquela que se vive em sociedade), e que a farsa da política é apenas uma maneira, mais uma maneira, de nos esquecermos dessas questões, agora já não através de nos comermos uns aos outros, mas de nos aceitarmos uns aos outros, e o que é que é mais detestável, pernicioso, contra-producente?
Odeio as máscaras e as sombras que ocultam a realidade (a realidade, a propósito, é o nosso ponto de vista, e nada mais - Heidegger). Por acaso os meus pais são de esquerda e deixaram-me (felizmente) essa herança (a herança da direita é muito mais estúpida). Vou votar no Alegre porque o meu colega de blog André Carapinha, ontem, em conversa, e depois de bebermos um branco de Colares, me disse que isso é a atitude mais de esquerda a tomar. Eu confio nele, e ainda mais no branco de Colares.

sábado, 25 de setembro de 2010

E a propósito, bem vindos à terra dos festivais de Outono


Não acreditam? Confiram aqui. Depois dos festivais de verão, o Barreiro acolhe a Temporada de Outono, ou não fosse o tempo cinzento mais adequado ao registo pós-industrial da cidade. Até novembro, temos o Barreiro Outras Músicas, abaixo destacado e já em curso; de 5 a 16 de Outubro o OutFest, dedicado às músicas experimentais, com destaque para Panda Bear (dos Animal Collective) e para Alex von Schilppenbach, pianista que é figura cimeira do free jazz europeu. Em destaque neste festival o facto de os concertos decorrerem um pouco por toda a cidade, nos mais variados locais, e de o passe para o festival permitir utilizar os Transportes Colectivos do Barreiro. Finalmente a 12 e 13 de Novembro a 10ª edição do Barreiro Rocks, o maior festival de garage rock da península, com The Strange Boys e King Khan em destaque. Ainda por cima, não sei se sabem, o Barreiro é terra para se ficar a beber uns copos até bem tarde e tem Lisboa a 20 minutos de barco. Com um bocado de sorte podem ainda encontrar-me, que de vez em quando faço umas visitas à terrinha.

Logo à noite, no Barreiro


Ontem foi um grande concerto da Lula Pena, que não tive oportunidade de anunciar atempadamente. Hoje à noite, quem estiver pelo Barreiro ou se deslocar para a outra banda tem oportunidade de assistir a um concerto do melhor MC nacional, Halloween, e dos mestres do hip-hop nova-iorquino, Antipop Consortium. Amanhã a festa continua com Tigrala e Oval.


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Homens...é.

Homens...só têm de ser homens. E desta vez na língua que sai da nossa língua.

Por Manu Chao;

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

Roma


Junho de 2010. Foto de Sérgio Santimano

Irá o FMI aterrar outra vez na Portela? (3)

Eu cá concordo com o André: também acho esquisito que esteja toda a gente muito quieta quanto a isto do FMI.
1983, Mário Soares - 2010, José Sócrates; o círculo completa-se. Eterno retorno. O PS e o FMI. Maravilha das maravilhas da esquerda moderna, que pelos vistos já era moderna nos saudosos 80s.
A minha opinião é que este país não tem solução alguma, daí que o FMI ou não FMI seja irrelevante. Mas tem muito mais piada quando é a esquerda moderna a chamar os coveiros do seu amado estado social. Bem podem berrar o Arnaut ou o Alegre - os filhos matam o pai. Viva o socialismo na gloriosa linhagem Soares - Sócrates!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Irá o FMI aterrar outra vez na Portela? (2) - O cavalo de Tróia

Acho muito estranho o relativo silêncio da Esquerda sobre o rumor de nova intervenção do FMI em Portugal. Tirando, curiosamente, o Manuel Alegre, ainda não vi ninguém denunciar com a veemência que se exige uma possibilidade que significa a cedência total do que poderá restar de democracia económica neste país aos instrumentos do capital, sob os aplausos e o coro de aprovações dos "economistas", ou seja, daqueles cuja ocupação alterna entre, quando no governo, contribuir para este estado de coisas e ajudar os amigos com mais umas benesses, e, quando fora dele, clamar contra a incapacidade dos portugueses em resolver os seus problemas "estruturais", e continuar a ser muito bem pago por isso.
Acho, no entanto, que aqui a cantiga é outra. Com o pânico que se pretende lançar, justificar-se-á um novo ataque às conquistas sociais que ainda restam neste país. Há uns tempos falou-se de retirar o subsídio de natal aos funcionários públicos, alguém ainda se lembra? Para "evitar a intervenção do FMI", o nosso governo ex-socialista e os seus aliados de facto, o PSD, lançarão as mais terríveis medidas de austeridade, sempre com o bendito desígnio de "salvar as contas públicas", "equilibrar o défice", não tocar um milímetro nos privilégios, por exemplo, dos bancos e da sua escandalosa taxa de IRC, e deixar o ónus da crise para os pobres, como aliás já se vai vendo: desde o início do ano 52 mil portugueses perderam o subsídio de desemprego , uma medida que permitiu ao Estado poupar 205 milhões de Euros. Um simples aumento de 0,15% no IRC dos bancos permitiria arrecadar o dobro disso , mas esse é o tipo de soluções proibida neste país, e ausente do "debate" económico em curso. Veremos se a lenga-lenga da intervenção do FMI não funcionará como cavalo de Tróia para que os "sacrifícios" sejam patrioticamente aceites pelos de sempre, para que Portugal não tenha de passar pelo vexame de uma intervenção exterior. Que sejam pelo menos "os nossos" a pôr em prática o desastre do capitalismo.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A mentira

José Sócrates confunde optimismo com idealismo. A distância entre o que diz e a realidade merece atenção redobrada e vigilância permanente.

Na terça-feira, durante a abertura do ano lectivo num instituto politécnico, Sócrates saiu-se com esta :

"Nunca tívemos tantas pessoas .... tantos portugueses a estudar no ensino superior." (video aqui)

Red Reporter não gosta de ser enganado e foi ver se o Primeiro-Ministro falou verdade.

Espanto! O Pordata desmente o Primeiro-Ministro. Na realidade, desde 2003 que o Ensino Superior tem vindo a perder alunos.



domingo, 12 de setembro de 2010

Contabilidade dos mortos: um, um milhão

"Um morto é uma tragédia, um milhão uma estatística". Grande frase de Estaline, que se aplica como uma luva às consciências bem pensantes, de todos os tempos, lugares e ideologias. Este Estaline, sendo um criminoso e um facínora, tinha pelo menos a qualidade de ser directo. Se algum americano o dissesse hoje, isto que traduz tão bem o "duplo plano" moral em que vivem, não teria grande futuro na política. E no entanto é este o duplo plano: nós (a vida sagrada, salvar vidas de americanos) e eles (danos colaterais, estatística das guerras). Não é novidade, nem exclusivo deles, todos os impérios, estados, se calhar todos os homens pensam assim.
Na verdade só há duas categorias antropológicas para os mortos: um (os nossos) ou um milhão (os outros).

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Adeus professor, e que nunca venha para o Benfica



Vai-se o professor com dois anos de atraso, depois de conseguir destruir o trabalho de anos e baixar o nível de resultados da selecção nacional ao pré-96. O mais curioso é que, demitido assim, vítima anunciada de uma "conspiração" para o derrubar, a eterna fénix do futebol português mais uma vez vai conseguir sair por cima, culpando terceiros pelos seus constantes fracassos, seja a "porcaria", o "polvo", "presidentes incompetentes", "balneários de vedetas", ou, mais prosaicamente, "o azar". Dele é que a culpa nunca é, e assim ainda o veremos a dar cabo de mais um clube ou selecção neste futuro mais ou menos próximo. No Benfica é que não, vade retro!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Kant - O que é o iluminismo (3 e final)


(...) Mas não deveria uma sociedade de clérigos, por exemplo, uma assembleia eclesiástica ou uma venerável classis (como a si mesma se denomina entre os Holandeses) estar autorizada sob juramento a comprometer-se entre si com um certo símbolo imutável para assim se instituir uma interminável supertutela sobre cada um dos seus membros e, por meio deles, sobre o povo, e deste modo a eternizar? Digo: isso é de todo impossível. Semelhante contrato, que decidiria excluir para sempre toda a ulterior ilustração do género humano, é absolutamente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pela autoridade suprema por parlamentos e pelos mais solenes tratados de paz. Uma época não se pode coligar e conjurar para colocar a seguinte num estado que se tornará impossível a ampliação dos seus conhecimentos (sobretudo os mais urgentes), a purificação dos erros e, em geral, o avanço progressivo na ilustração. Isso seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste justamente neste avanço. E os vindouros têm toda a legitimidade para recusar essas resoluções decretadas de um modo incompetente e criminoso. A pedra de toque de tudo o que se pode decretar como lei sobre um povo reside na pergunta: poderia um povo impor a si próprio essa lei? Seria decerto possível, na expectativa, por assim dizer, de uma lei melhor, por um determinado e curto prazo, para introduzir uma certa ordem. Ao mesmo tempo, facultar-se-ia a cada cidadão, em especial ao clérigo, na qualidade de erudito, fazer publicamente, isto é, por escritos, as suas observações sobre o que há de erróneo nas instituições anteriores; entretanto, a ordem introduzida continuaria em vigência até que o discernimento da natureza de tais coisas se tivesse de tal modo difundido e testado publicamente que os cidadãos, unindo as suas vozes (embora não todas), poderiam apresentar a sua proposta diante do trono a fim de protegerem as comunidades que, de acordo com o seu conceito do melhor discernimento, se teriam coadunado numa organização religiosa modificada, sem todavia impedir os que quisessem ater-se à antiga. Mas é de todo interdito coadunar-se numa constituição religiosa pertinaz, por ninguém posta publicamente em dúvida, mesmo só durante o tempo de vida de um homem e deste modo aniquilar, por assim dizer, um período de tempo no progresso da humanidade para o melhor e torná-lo infecundo e prejudicial para a posteridade. Um homem, para a sua pessoa, e mesmo então só por algum tempo, pode, no que lhe incumbe saber, adiar a ilustração; mas renunciar a ela, quer seja para si, quer ainda mais para a descendência, significa lesar e calcar aos pés o sagrado direito da humanidade. O que não é lícito a um povo decidir em relação a si mesmo menos o pode ainda um monarca decidir sobre o povo, pois a sua autoridade legislativa assenta precisamente no facto de na sua vontade unificar a vontade conjunta do povo. Quando ele vê que toda a melhoria verdadeira ou presumida coincide com a ordem civil, pode então permitir que em tudo o mais os seus súbditos façam por si mesmos o que julguem necessário fazer para a salvação da sua alma. Não é isso que lhe importa, mas compete-lhe obstar a que alguém impeça à força outrem de trabalhar segundo toda a sua capacidade na determinação e fomento da mesma. Constitui até um dano para a sua majestade imiscuir-se em tais assuntos, ao honrar com a inspecção do seu governo os escritos em que  os seus súbditos procuram clarificar as suas ideias, quer quando ele faz isso a partir do seu discernimento superior, pelo que se sujeita à censura ‘Caesar non est supra grammaticos’ (1) quer também, e ainda mais, quando rebaixa o seu poder supremo a ponto de, no seu Estado, apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos contra os demais súbditos.
Se, pois, se fizer a pergunta – Vivemos nós agora numa época esclarecida? – a resposta é: não. Mas vivemos numa época do Iluminismo. Falta ainda muito para que os homens tomados em conjunto, da maneira como as coisas agora estão, se encontrem já numa situação ou nela se possam apenas vir a pôr de, em matéria de religião, se servirem bem e com segurança do seu próprio entendimento, sem a orientação de outrem. Temos apenas claros indícios de que se lhes abre agora o campo em que podem actuar livremente, e diminuem pouco a pouco os obstáculos à ilustração geral ou à saída dos homens da menoridade de que são culpados. Assim considerada, esta época é a época do Iluminismo, ou o século de Frederico.
Um príncipe que não acha indigno de si dizer que tem por dever nada prescrever aos homens em matéria de religião, mas deixar-lhes aí a plena liberdade, que, por conseguinte, recusa o arrogante nome de tolerância, é efectivamente esclarecido e merece ser encomiado pelo mundo grato e pela posteridade como aquele que, pela primeira vez, libertou o género humano da menoridade, pelo menos por parte do governo, e concedeu a cada qual a liberdade de se servir da própria razão em tudo o que é assunto da consciência. Sob o seu auspício, clérigos veneráveis podem, sem prejuízo do seu dever ministerial e na qualidade de eruditos, expor livre e publicamente ao mundo para que este examine os seus juízos e as suas ideias que, aqui ou além, se afastam do símbolo admitido; mas, mais permitido é ainda a quem não está limitado por nenhum dever de ofício. Este espírito de liberdade difunde-se também no exterior, mesmo onde entra em conflito com obstáculos externos de um governo que a si mesmo se compreende mal. Com efeito, perante tal governo brilha um exemplo de que, no seio da liberdade, não há o mínimo a recear pela ordem pública e pela unidade da comunidade. Os homens libertam-se pouco a pouco da brutalidade, quando de nenhum modo se procura, de propósito, conservá-los nela.
Apresentei o ponto central do Iluminismo, a saída do homem da sua menoridade culpada, sobretudo nas coisas de religião, porque em relação às artes e às ciências os nossos governantes não têm interesse algum em exercer a tutela sobre os seus súbditos; por outro lado, a tutela religiosa, além de ser mais prejudicial, é também a mais desonrosa de todas. Mas o modo de pensar de um chefe de Estado, que favorece a primeira, vai ainda mais além e discerne que mesmo no tocante à sua legislação não há perigo em permitir aos seus súbditos fazer uso público da sua própria razão e expor publicamente ao mundo as suas ideias sobre a sua melhor formulação, inclusive por meio de uma ousada crítica da legislação que já existe; um exemplo brilhante que temos é que nenhum monarca superou aquele que admiramos.
Mas também só aquele que, já esclarecido, não receia as sombras e que, ao mesmo tempo, dispõe de um exército bem disciplinado e numeroso para garantir a ordem pública – pode dizer o que a um Estado livre não é permitido ousar: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes; mas obedecei! Revela-se aqui um estranho e não esperado curso das coisas humanas; como, aliás, quando ele se considera em conjunto, quase tudo nele é paradoxal. Um grau maior da liberdade civil afigura-se vantajosa para a liberdade do espírito do povo e, no entanto, estabelece-lhe limites intransponíveis; um grau menor cria-lhe, pelo contrário, o espaço para ela se alargar segundo toda a sua capacidade. Se a natureza, sob este duro invólucro, desenvolveu o germe de que delicadamente cuida, a saber, a tendência e a vocação para o pensamento livre, então ela actua também gradualmente sobre o modo do sentir do povo (pelo que este se tornará cada vez mais capaz de agir segundo a liberdade) e, por fim, até mesmo sobre os princípios do governo que acha salutar para si próprio tratar o homem, que agora é mais do que uma máquina, segundo a sua dignidade.

Königsberg na Prússia, 30 de Setembro de 1784.
Immanuel Kant

(1) - “César não está acima dos gramáticos.”

Doce Mar

Dançar no silêncio da noite. Musa obscura e secreta, que com o vagar das horas
solta a bonomia do olhar. Pulas e deitas-te na caruma dos corpos consagrados,
malha translúcida sob o luar inerme. O canto que ecoas pelo vale fala das eiras
e dos pássaros. No frémito da exaustão, corres louca pela sala de espelhos que
te mira pela primeira vez. No raiar dos salubres corpos, há árvores que vos
encontram e ambos bailam pela última vez uma mazurca bem aconchegada.

O vento do Sul trouxe chuva aos animais e aos pastos em derredor, lamacento
cheiro suave do teu rosto, carcomidas pedras no caminho dos deuses terrenos,
saias rodadas no acre do denso nevoeiro nas cabeças dos mortais. Por agora,
um trago suave de um beijo e um tilintar de copos na margem das dúvidas.
Socorro-me dos mapas e das páginas gastas dos jornais do passado. Neles,
guardo as castanhas assadas no lume dos afectos e ofereço-tas a ti, mar doce.

domingo, 5 de setembro de 2010

No Princípio Era o Som

A Música, ou aquilo de que é feita, o Som, é algo exterior ao Homem. Não é algo que saia de dentro dele, mas algo que entra dentro dele. No princípio não era o Verbo, era o Som. O Homem não teve que inventar o Som. Ele já existia milhares de anos antes de aparecer o Homem a querer ordená-lo. Existia nos relâmpagos a rasgar os céus, na água dos rios a correr, no vento a assobiar nas copas das árvores, na terra a ser sacudida pelas deslocações das placas tectónicas. A Música não deve a sua origem unicamente ao Homem. Deve-a também à Natureza, tal como o Homem lhe deve a sua. O Som é mais velho que o Homem, tão velho quanto o Universo, e nunca irá desaparecer. Ou pelo menos será a última coisa a desaparecer. A Música é a Arte Suprema. Todas as outras nobres artes são artes menores. O Homem mergulha nos livros e nos filmes, mas a Música mergulha dentro dele.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O ópio é que devia ser a religião do povo.

Os acontecimentos em Moçambique (2)

Ao contrário do que alguns previam, as manifestações e barricadas regressaram hoje a Maputo, e podem continuar nos próximos dias.
Aqui ficam mais alguns links, em actualização:

- A razão e o sentido dos motins - por Paulo Granjo no Público.
- No dia em que Hélio não voltou para casa - reportagem de João Vaz de Almada, também no Público.
- As guerras do pão - por ABM, no Ma-Schamba.
- Maputo, take 2 - Por Eduardo Pitta, no Da Literatura.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Os acontecimentos em Moçambique

Os afazeres diários só me permitiram chegar agora ao blogue. Isto num dia em que a contestação social rebentou em Maputo, devido ao aumento dos preços dos bens alimentares, em especial dos do pão. Vou colocar aqui os posts ou notícias que considero relevantes para o acompanhamento e compreensão da situação, e este post será actualizado sempre que necessário. Para já deixo hipotéticas opiniões para depois.

- Motins em Maputo e Maria Antonieta na Costa do Índico - por Paulo Granjo, no Antropocoiso, e também no Cinco Dias.
- Maputo Policiada Hoje - por Carlos Serra (em Maputo), no Diário de um Sociólogo.
- Um mapa dos acontecimentos registados, em actualização permanente e feito por "cidadãos-repórteres", no site moçambicano "Verdade".
- Notícia do Público -  por Sofia Lorena: dá conta de seis mortos confirmados (mas, tal como os outros jornais, pelo menos à hora em que escrevo, é fraco em pormenores).
- Moçambique e o Outro Lado da Mesma História - No A Minha Mosca (autor anónimo).
- Confrontos chegaram à Beira - notícia da TSF, que dá conta de quatro mortos na segunda maior cidade de Moçambique.
- Moçambique, a Voz da Fome - por Francisco Louçã no Facebook.
- Da Sociologia Apressada - por jpt, no Ma-Schamba.
- Também no Ma-Schamba, uma reportagem fotográfica sobre as manifestações.
A maior alegria de um esquizofrénico com ilusões paranóicas é descobrir que ELES andam mesmo atrás dele.