segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Correio interno


André,

Aqui vão mais uns [desenhos]. Os políticos voltaram de férias mais parvos ainda, matéria para laracha não faltará.
Pensava eu, que o orçamento de 2011 não seria aprovado, mas as eleições presidenciais estragam este cenário. Cavaco já chiou para que não lhe estraguem o arranjinho de Belém. Quedas de Governo podem influenciar a sua reeleição logo à primeira. Por outro lado, PP Coelho, se for inteligente, espera que o PS reduza o défice, ou ver se o défice baixa; governar com um défice elevado é suicídio político, e lá se ia a bela aura de láparo sabedor e salvador. Assim, sempre manda umas bocas, achega-se como pessoa equilibrada, com soluções, não as põe em prática, e dá matéria intelectual para o povo falar nas tascas (ou no seu moderno equivalente: os blogs). Por que ele sabe perfeitamente o significado preciso de “reduzir despesa”: com certeza que não é despedir juízes, médicos, polícias etc., cantoneiros, jardineiros, contínuos etc., talvez; reduzir a despesa significa apenas baixar o valor das pensões. Tem sido tentado nas futuras, mas não chega, têm de baixar as actuais. Não sei se PP Coelho está numa dessas. Possivelmente não seria reeleito, ou talvez sim, o povo português também é parvo, como os seus políticos.  

Um abraço
Maturino Galvão
Cada vez que uma música dos Coldplay passa na rádio morre um gatinho.

Kant - O que é o iluminismo (2)


(...) Mas é perfeitamente possível que um público a si mesmo se esclareça. Mais ainda, é quase inevitável, se para tal lhe for concedida a liberdade. Sempre haverá, de facto, alguns que pensam por si, mesmo entre os tutores estabelecidos da grande massa que, após terem arrojado de si o jugo da menoridade, espalharão à sua volta o espírito de uma estimativa racional do próprio valor e da vocação de cada homem para pensar por si mesmo. Importante aqui é que o público, antes por eles sujeito a este jugo, os obriga doravante a permanecer sob ele quando por alguns dos seus tutores, pessoalmente incapazes de qualquer ilustração, é a isso incitado. Semear preconceitos é muito danoso, porque acabam por se vingar dos que pessoalmente, ou os seus predecessores, foram os seus autores. Por conseguinte, um público só muito lentamente consegue chegar à ilustração. Por meio de uma revolução talvez se possa levar a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento.
Mas, para esta ilustração, nada mais se exige do que a liberdade; e, claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se pode chamar liberdade, a saber, a de fazer um uso público da sua razão em todos os elementos. Agora, porém, de todos os lados ouço gritar: não raciocines! Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o funcionário de Finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines, acredita! (Apenas um único senhor no mundo diz: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes, mas obedecei!) Por toda a parte se depara com a restrição da liberdade. Mas qual é a restrição que se opõe ao Iluminismo? Qual a restrição que o não impede, antes o fomenta? Respondo: o uso público da própria razão deve sempre ser livre e só ele pode, entre os homens, levar a cabo a ilustração; mas o uso privado da razão pode, muitas vezes, coarctar-se fortemente sem que, no entanto, se entrave assim notavelmente o progresso da ilustração. Por uso público da própria razão entendo aquele que qualquer um, enquanto erudito, dela faz perante o grande público do mundo letrado. Chamo uso privado àquele que alguém pode fazer da sua razão num certo cargo público ou função a ele confiado. Ora, em muitos assuntos que têm a ver com o interesse da comunidade, é necessário  um certo mecanismo em virtude do qual alguns membros da comunidade se comportarão de um modo puramente passivo com o propósito de, mediante uma unanimidade artificial, serem orientados pelo governo para fins públicos ou de, pelo menos, serem impedidos de destruir tais fins. Neste caso, não é decerto permitido raciocinar, mas tem de se obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da máquina se considera também como elemento de uma comunidade total, e até da sociedade civil mundial, portanto, na qualidade de um erudito que se dirige por escrito a um público em entendimento genuíno, pode certamente raciocinar sem que assim sofram qualquer dano os negócios a que, em parte, como membro passivo, se encontra sujeito. Seria, pois, muito pernicioso se um oficial, a quem o seu superior ordenou algo, quisesse em serviço sofismar em voz alta acerca da inconveniência ou utilidade dessa ordem; tem de obedecer, mas não se lhe pode impedir de um modo justo, enquanto perito, fazer observações sobre os erros do serviço militar e expô-las ao seu público para que as julgue. O cidadão não pode recusar-se a pagar os impostos que lhe são exigidos; e uma censura impertinente de tais obrigações, se por ele devem ser cumpridas, pode mesmo punir-se como um escândalo (que poderia causar uma insubordinação geral). Mas, apesar disso, não age contra o dever de um cidadão se, como erudito, ele expuser as suas ideias contra a inconveniência ou também a injustiça de tais prescrições. Do mesmo modo, um clérigo está obrigado a ensinar os instruendos de catecismo e a sua comunidade em conformidade com o símbolo da Igreja, a cujo serviço se encontra, pois ele foi admitido com esta condição. Mas, como erudito, tem plena liberdade e até a missão de participar ao público todos os seus pensamentos cuidadosamente examinados e bem-intencionados sobre o que de erróneo há naquele símbolo, e as propostas para uma melhor regulamentação das matérias que respeitam à religião e à Igreja. Nada aqui existe que possa constituir um peso na consciência. Com efeito, o que ele ensina em virtude da sua função, como ministro da Igreja, expõe-no como algo em relação ao qual não tem o livre poder de ensinar segundo a sua opinião própria, mas está obrigado a expor segundo a prescrição e em nome de outrem. Dirá: a nossa Igreja ensina isto ou aquilo; são estes os argumentos comprovativos de que ela se serve. Em seguida, ele extrai toda a utilidade prática para a sua comunidade de preceitos que ele próprio não subscreveria com plena convicção, mas a cuja exposição se pode, no entanto, comprometer, porque não é de todo impossível que neles resida alguma verdade oculta. De qualquer modo, porém, não deve neles haver coisa alguma que se oponha à religião interior, pois se julgasse encontrar aí semelhante contradição, então não poderia em consciência desempenhar o seu ministério; teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor contratado faz da sua razão perante a sua comunidade é apenas um uso privado, porque ela, por maior que seja, é sempre apenas uma assembleia doméstica; e no tocante a tal uso, ele como sacerdote não é livre e também o não pode ser, porque exerce uma incumbência alheia. Em contrapartida, como erudito que, mediante escritos, fala a um público genuíno, a saber, ao mundo, por conseguinte, o clérigo, no uso público da sua razão, goza de uma liberdade ilimitada de se servir da própria razão e de falar em seu nome próprio. É, de facto, um absurdo, que leva à perpetuação dos absurdos, que os tutores do povo (em coisas espirituais) tenham de ser, por sua vez, menores (...). 

sábado, 28 de agosto de 2010

Música para a rentrée (1)



Vou deixar por aqui algumas propostas musicais, coisas bem actuais, para marcar a rentrée 2010, e a ver se se suporta melhor o terrível mês de Setembro que aí vem.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Kant - O que é o iluminismo (1)


Bem a propósito do post do Luiz Inácio mais abaixo, em que é citado este opúsculo fundamental do filósofo Immanuel Kant, resolvi publicar o dito por aqui. Devido à sua extensão, será dividido em partes. Este texto, um dos primeiros publicados por Kant, é, na minha modestíssima opinião, um dos seus mais brilhantes. Como foi realçado pelo Luiz nesse post, não chegou para ganhar o concurso, dizendo-nos algo sobre a justiça desse tipo de apreciações. Lembro-me de um professor meu da faculdade ter referido uma vez o nome do grande vencedor, mas a memória foi-se-me e não consegui descobrir pesquisando na net. Alguém sabe?

Resposta à pergunta: “O Que é o Iluminismo?”

IMMANUEL KANT


lluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.

A preguiça e a cobardia são as causas de os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio (naturaliter maiorennes), continuarem, todavia, de bom grado menores durante toda a vida; e também de a outros se tornar tão fácil assumir-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que em vez de mim tem consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de eu próprio me

esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a imensa maioria dos homens (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa é que os tutores de bom grado tomaram a seu cargo a superintendência deles. Depois de terem, primeiro, embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo não é assim tão grande, pois acabariam por aprender muito bem a andar. Só que um tal exemplo intimida e, em geral, gera pavor perante todas as tentativas ulteriores.

É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que para ele se tomou quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de se servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer semelhante tentativa. Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma menoridade perpétua. Mesmo quem deles se soltasse só daria um salto inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado ao movimento livre. São, pois, muito poucos apenas os que conseguiram mediante a transformação do seu espírito arrancar-se à menoridade e encetar então um andamento seguro(...).

Rentrée

A período de lassidão está a terminar. É altura para a rentrée no 2+2=5.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O fogo

Eu adoro este país. Agora toda a gente descobriu de repente, que quase todos os incêndios são criminosos. A sério? E os outros anos todos, os anos 80, 90, 2003, 2005, não se lembraram disso? Nessa altura, quem o dissesse em voz alta era, no mínimo, apelidado de teorizador das conspirações, e o que nos explicavam, pacientemente, era para não fazer fogueiras na floresta, ter cuidado a assar bifanas no campo, ou não mandar beatas pelo vidro dos carros (a sério que sempre adorei a das beatas), já que a culpa era nossa, dos incures portugas. Bom, agora que já se pode dizer em voz alta o que toda a gente sempre soube, e milhares de hectares ardidos depois, talvez fosse altura de reinvestir na guarda florestal, em vez de mais uma tonelada de soluções mágicas.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Panda Bear - Benfica


A partir do minuto 4:30. Mas a anterior, "Last Night at the Jetty", também é excelente. Há um video no youtube com o tema "Benfica" e imagens do glorioso nos anos 60, mas a qualidade do som é péssima. Para quem não sabe, o americano Panda Bear integra os Animal Collective, e, pela fortuna do amor, vive em Lisboa há já alguns anos. Parece que entretanto lhe foi crescendo também o amor ao Sport Lisboa e Benfica.

Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010)



"Em meados do século passado desembarquei em Lisboa com uma bicicleta e uma caixa de tintas a óleo na bagagem. Eram prendas preciosas, uma de aniversário e outra por ter feito o 2º ano do liceu, de que tinha conseguido não me separar quando por decisão familiar fui nessa altura remetido de Moçâmedes para fazer em Santarém, num prazo de 5 anos, o curso de regente agrícola. Mas nem da bicicleta nem das tintas a óleo nunca mais voltei a fazer uso. Passei esses 5 anos na condição de aluno interno, a residir no próprio estabelecimento escolar, e tanto as tintas a óleo, que eram o reconhecimento dos meus mais evidentes talentos de infância, como a bicicleta, que era uma adjectivação de gloriosas adolescências coloniais, foram sacrificadas à disciplina e ao programa da minha estadia em Portugal. Fiz o que tinha a fazer dentro do prazo previsto, fui sendo bom aluno e isso me foi assegurando o direito de vir a Angola com passagens por conta do estado durante quase todas as férias grandes. E em 1960, com 19 anos, voltei definitivamente à jóia da coroa do império português para começar a fazer pela vida, até hoje e a partir daí, conforme as circunstâncias e segundo os meus próprios critérios...
Não estou, porém, evidentemente, a contar a estória pelo princípio. Quando de facto fui embarcado em Moçâmedes com destino a Santarém, eu estava também a ser remetido ao exacto local do meu nascimento biológico e de onde, mais cedo portanto, tinha vindo com a família, que entretanto emigrava arruinada mas servida ainda de criada branca e acompanhada de cães de caça, desembarcar em Moçâmedes. De qualquer maneira o que me calhou na vida foi estar de volta a Angola com um curso médio já feito quando a maioria dos sujeitos angolanos da minha classe etária e com recursos para estudar, com alguns dos quais eu tinha feito o 2º ano do liceu, estava a ser, por sua vez, expedida para a metrópole para estudar em faculdades. Não beneficiei, assim, nem de uma iniciação universitária comum nem da escola de cativação ideológica que também foi para a minha geração a casa dos estudantes do império, por exemplo, e pelo menos duas consequências maiores para o meu percurso biográfico terão resultado desta configuração das coisas : a primeira é que o lugar onde vim ao mundo, na Europa, sempre constituiu para mim, desde que me lembro a enfrentar a vida e a reflectir nas coisas, uma referência de exílio; a segunda é que tudo quanto pela vida fora se me foi revelando em termos de relação com o tempo histórico que foi o meu, e determinando o meu lugar cívico no mundo, acabou de uma maneira geral por me ocorrer a maior parte das vezes de maneira directa, física e existencialmente interpelativa, e não raro brutal, para só vir a impor-se de forma ainda assim mentalmente muito elaborada e muito ruminada, nalguns casos, teoria ajudando, quase sempre só depois.
*
Lembro-me de ter nascido, ou então de ter mudado inteiramente tanto de alma como de pele, pelo menos uma meia dúzia de vezes ao longo da vida e nenhuma delas foi lá onde terei, pela primeira vez, dado conta da luz do mundo. De que havia uma matriz geográfica que essa é que me dizia de facto muito intimamente respeito pela via quem sabe de uma qualquer memória genética, dei conta aos doze anos - lembro-me sempre de cada vez que ainda por lá passo e se calhar é para isso que ando sempre a ver se passo por lá – a comer pão e com um ataque de soluços no meio do deserto de Moçâmedes, por alturas do Pico do Azevedo. E de que havia uma razão de Angola que colidia com a razão de Portugal, disso dei definitivamente conta já a trabalhar nas matas do Uíge quando, em março de 1961, eclodiu a sublevação nacionalista no norte de Angola. Sobrevivi então aí absolutamente à justa e a tempo de me refazer de tanta perplexidade e de tanto horror, tanto insurreicional como repressivo, quando a seguir, numa memorável noite em Luanda, houve quem me sussurrasse, em passeio pelas ruas da baixa, versos nacionalistas de Aires de Almeida Santos e de Viriato da Cruz que me revelaram uma alma de Angola que se me vinha oferecer sob medida e pela via do arrepio para eu ajustar à razão de Angola que a sublevação tinha acabado de me dar a reconhecer in vivo, e de que a partir daí passei a socorre-me para ver se conseguia conferir algum sentido à condição de orfão do império a que a vida, apercebi-me logo, me tinha destinado. Quando logo a seguir, também, a idade e o desamparo me colocaram com um papel na mão para apresentar-me no Huambo ao serviço da tropa colonial, e depois fui transferido para Luanda, já tinha conseguido que alguns mais-velhos da luta clandestina nacionalista me atribuíssem mínimas tarefas menores, como dactilografar, para posterior distribuição pelos musseques, poemas de revolta de autoria anónima e esclarecedora má qualidade. Mas depois foi uma data de gente presa e a tropa só não me entregou também à pide porque o comandante da secção de justiça do quartel a que eu pertencia era casado com uma filha de Moçâmedes e decidiu arriscar, e os informou que preso já eu estava, por razões disciplinares. Passei ainda uns tempos fardado de soldado português a fazer desenhos no quartel-general, mas depois fui requisitado, como técnico agrário, pelo instituto do café, e mandado para a Gabela e mais tarde para Calulo. Ligações políticas efectivas com a insurgência nacionalista, nunca mais encontrei maneira de as restabelecer... e também nada ajudava... nem a cor da pele que é a minha nem o cargo de engenheiro que ocupava... e o máximo que consegui foi ser dado como persona non grata pela administração do Libolo, junto com um padre basco e um médico português, e afastado compulsivamente dali. Pouco para currículo político.
Arranjei então outro emprego e mudei para a Catumbela, onde fui responsável pela pecuária de uma grande empresa açucareira. E foi nessa condição que levei tal volta passados três anos - de mim para mim e a sós ou quase e a arriscar os meus primeiros poemas afundado no interior do imenso platô de Benguela, extremo norte do deserto do Namibe, onde, em plena fúria, tinha posto cinco mil ovelhas a pastar e a parir e doze furos artesianos a puxar água do fundo do deserto - , levei então tamanha volta que andei os três anos seguintes a derivar pelo mundo. Estive em Hamburgo, em Copenhaga e em Bruxelas, sempre na pista da insurgência nacionalista, mas quando finalmente consegui chegar a Argel, para contactar com as forças da luta, ninguém ali me levou a sério ou então voluntaristas como eu já tinham lá que chegasse e até nem sabiam muito bem o que é que lhes haviam de fazer. Foi depois disso e de outros precalços que acabei mais tarde por ver-me a exercer funções de chefe de fabricação de cerveja em Lourenço Marques - Maputo - e estive a seguir em Londres, com um dinheiro que pedi emprestado, a fazer um curso de realização de cinema e de televisão. Na sequência dessa volta toda é que acabei por voltar a Angola em 1974 e por passar a noite de 10 para 11 de Novembro de 1975 no município do Prenda, em Luanda, a filmar às zero horas, que foi uma hora zero, a bandeira portuguesa a ser arreada e a de Angola a subir no mastro.
*
Se a razão para estar agora aqui a contar estas passagens da minha vida é ter escrito até hoje meia dúzia de livros, então já nessa altura, quando foi da independência, tinha o primeiro livro de poesia publicado. Era o resultado da volta que tinha levado na Talamanjamba, no interior do platô de Benguela. E tinha muita escrita alinhavada e era a altura e a idade de anotar quase tudo. Quase tudo poesia. E disso dirão os próprios livros. Quanto à vida cívica, de cidadão angolano comum, de opção e de condição, de 75 até 81 fiz pela a vida e pela revolução realizando filmes para a televisão angolana e para o instituto angolano de cinema. E guardo a satisfação muito particular de ter visto a bandeira de Angola hasteada em muito lugar distante e mítico do mundo, em Samarkanda, por exemplo, precisamente por eu estar lá com trabalho meu. Mas entretanto foi deixando de dar para continuar a querer fazer cinema, e escrevi então um texto académico anti-cinema-etnográfico para juntar a um dos filmes que tinha feito – Nelisita – e obtive com isso o diploma da escola de altos estudos em ciências sociais, de Paris, o que me deu imediato acesso à condição de doutorando. Foi então o meu tempo de investigações de terreno, nas praias piscatórias de Luanda, e da minha modesta participação na reformulação de toda a teoria das identidades colectivas, em Paris. Durante essa meia dúzia de anos vivi entre pescadores, nas praias da Samba Grande e do Mussulo, e doutores, na Sorbonne e no Boulevard Raspail. A partir de 87, já doutorado, passei a dar aulas de antropologia social para arquitectos, na universidade de Luanda, e a aproveitar sabáticas para ir dar aulas também, e consumir bibliotecas, em Paris outra vez, Bordéus, São Paulo, Coimbra... Em 89 andei ainda por Cabo Verde a tentar filmar de novo, mas isso é mais é para esquecer. Depois, a partir de 92, fui arranjando maneira de ir passar cinco meses, todos os anos, misturado com os pastores do Namibe de quem, desde menino, andava a querer saber como conseguiam organizar a sua sobrevivência e a sua existência, tão diferenciada de tudo quanto os pressionava à volta. Foi para dar notícia disso sem ter de escrever naquele tom da escrita académica – de teses e artigos fui achando que já tinha tido a minha dose - que adoptei então essa maneira de escrever que depois me pôs na pista de uma meia-ficção-erudito-poético-viajeira em que venho insistindo.


Hoje continuo a não conseguir andar por fora muito tempo sem devolver-me ao murmúrio de Luanda, à noite, que sobe das traseiras da minha casa na Maianga, onde a vizinhança me trata por brancurui, e sem continuar a meter-me sempre que posso por esses suis abaixo, a penetar desertos e a inventar pastores. Procurei sempre, sob qualquer situação ou regime, e fosse quem fosse que estivesse a mandar, viver a condição de cidadão comum. Lido mal com o privilégio, caiba ele a quem couber, até a mim mesmo, e nunca consegui deixar de sentir-me, tanto antes como depois da independência, tido como minoritário, quer dizer, subalterno ou intruso que incomoda sempre, desde que dê nas vistas. Acho que entretanto sosseguei bastante, na vida, quando, já faz algum tempo, dei conta que afinal não só jamais viria a ser o melhor do mundo, quanto mais cá na banda. E que também não tinha obrigação nenhuma de o ser. Mas uma das questões pessoais que se me anda agora, com a idade, a por com mais frequência, é a de saber se será possível continuar a envelhecer sem sucumbir de todo a uma senilidade insuportavelmente azeda ou sem incorrer também numa dessas beatitudes patetas e patéticas que pretendem fundamentar-se numa sabedoria qualquer que a idade acumulada por si só garantiria. É verdade que um percurso biográfico se faz de tempos, de lugares, modos, percepções, ocorrências, experiências, resultados, aquisições, perplexidades, digestões e ressacas. Mas também é verdade que eu não vou nunca deixar de permanecer muito irremediavelmente ingénuo, embora não de todo burro, e de lidar muito mal com toda a ordem de leviandade, de irresponsabilidade, de arbitrariedade, de mentira, de prepotência, chantagem, esperteza, insolência e soberba, e de achar que o que mais envenena as relações entre as pessoas, quaisquer relações, é o uso e o abuso da boa-fé dos outros. E é disso que o mundo está cheio e a bem dizer se faz. E há de fazer-se sempre, talvez, porque afinal, parece, é assim mesmo que ele é. Temo não chegar nunca a ser capaz, mesmo senil, de vir a conformar-me com isso. E o resto são umas ideias minhas que ando ainda cá com elas."

Biobliografia, retirada do Site da Cotovia.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Capitalismo de casta

Um país como Portugal, com a sua gritante falta de cultura cívica, pouca tradição democrática, escassa literacia, mais a desgraçada tradição católica do respeitinho pela autoridade, tornou-se rapidamente um terreno perfeito para o capitalismo de casta. Não que o capitalismo de casta seja uma coisa portuguesa; é o que se passa em todo o lado, e o correcto seria chamá-lo apenas de capitalismo. Uso a expressão para que se entenda "o estádio do capitalismo", à boa maneira marxista. Uma vez que as características deste "estádio" do capitalismo estão à vista de todos, não deveria ser necessário eu enumerá-las, mas suspeito que nem todos as vislumbram à frente dos seus olhos. Pelo que passo a referir: a distância absoluta entre os poderosos e os outros todos, o sentimento de inacessibilidade aos poderosos, a noção de intangibilidade dos poderosos, a casta superior em reprodução sobre si mesma, um sentimento de impotência dos outros todos relativo às "injustiças" com que a casta superior, de um modo cada vez mais explícito, age no sentido da sua perpetuação. Isto passa-se em todo o lado em que o capitalismo de casta se exprime de um modo veemente (praticamente em todo o lado), mas em Portugal, devido ao que acima foi exposto, a coisa passa-se, não de maneira essencialmente diferente, mas com algum despudor adicional. E pode passar-se assim, também, já que este país olha sempre para os outros como uma espécie de graal adormecido, onde a nossa miserável exigência pode encontrar uma resposta fácil, uma solução - esta é a desvantagem dos povos empobrecidos e sem cultura cívica dentro do capitalismo de casta.
Um dos momentos onde se nota como Portugal é óptimo terreno para o capitalismo de casta é a indignação selectiva, que sempre vem ao de cima, sobre os privilégios de determinadas pessoas, e acima de todos dos políticos. Acha-se que os privilégios atribuídos são resultados de acções individuais, são prémios, recompensas que o sistema oferece, mas com isso não se vê que os verdadeiros privilégios estão sempre, sempre, a escapar-se-nos dos olhos, e mais: que é o sistema que nos está sempre a escapar-se-nos dos olhos! Porque a verdadeira imoralidade não é aquela que aparece, de vez em quando, como "escândalo", e especialmente no caso dos políticos, que são figuras menores do capitalismo de casta: o que é imoral é a maneira como tudo funciona, é a máquina dos privilégios, que há muito deixou de ter a ver com o mérito, a livre iniciativa, e outras estórias de encantar, e funciona hoje apenas para a perpetuação da casta. A nossa "indignação" quanto aos privilégios dos políticos funciona como mais um fenómeno de encobrimento, e que não deixa de ser alimentado pela casta superior.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

A Escola Móvel

O Ministério da Educação decidiu fechar a Escola Móvel, criada para filhos de profissionais itinerantes, como feirantes e artistas de circo. O desvario "pedagógico" em Portugal chega a este ponto, o de acabar com as poucas coisas boas que se fizeram. A razão, já se sabe, é que custa muito dinheiro. Desta vez não se pode justificar os encerramentos e agrupamentos para poupar, com ridículos motivos "pedagógicos"; neste caso, não dava mesmo para justificar.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Justiça divina no Andanças

Um tipo não pode estar sossegado em São Pedro do Sul, no festival Andanças, a galar freaks, emebebedá-las, drogá-las, dançar o raio das danças e levá-las a cambalear para dentro da tenda, que tem de vir um mega-incêndio acabar com aquilo tudo? Oh justiça divina, foi a primeira vez que fui, e levei comigo o fogo, e mais de uma maneira de foguear.
Quanto ao resto, confirma-se o que me tinham dito: é o melhor festival em termos de gajas que me foi dado ver. Recomendo, mas sem incêndios.

Uma frase de verão


Uma das mentiras mais repetidas: "é a última e a seguir vamos embora"

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A preguiça, a cobardia e a classificação no concurso

"A preguiça e a cobardia são as causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio, continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também por que a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores"

Isto escreveu Kant na famosa resposta à pergunta "O Que é o Iluminismo?", publicada em 1784 em resposta a um repto de um jornal qualquer.
 O grande filósofo ficou, como se sabe, em 2º lugar no concurso, atrás de um iluminado que se perdeu na memória dos tempos.

FMM 2010 - N'Diale

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Um plano, desta vez, menos inclinado

Que o debate político ao nível dos media em Portugal está inquinado e inclinado, não é novidade. Raramente é quebrado o ciclo dos profetas da desgraça mais ou menos neoliberais, com a sua receita única, fechar, cortar, desinvestir, despedir. Enquanto qualquer imbecil com um MBA ou professor de Economia da linha dominante é convidado ad nauseam para repetir as patranhas do costume, as excelentes vozes do lado oposto são quase sempre silenciadas, de um modo tal que parece não existirem.
Num dos programas mais inclinados deste panorama, precisamente o Plano Inclinado da SIC Notícias de 31 de Julho, e numa raríssima abertura ao pluralismo político, Carvalho da Silva deu um baile ao pessimista de serviço, Medina Carreira, e ao neoliberal de serviço, João Duque. O programa está no youtube, por inteiro e em seis partes, e, garanto-vos, vale a pena ver. Deixo aqui os links.

terça-feira, 27 de julho de 2010

As férias


O blogue avança a meio gás. como é próprio deste período de férias. Por acaso, desta vez até estou em contacto com a net, mas sucede que a praia, a esplanada, a cerveja, tomam conta do espírito e não deixam espaço para muito mais. Por isso, fieis leitores, manteremos por mais algum tempo este ritmo dolente, tão próprio da época.

FMM 2010 (4)




Staff Benda Billi - A encerrar o Castelo, no Sábado. Amanhã começa o FMM 2010, se puderem não percam!

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

segunda-feira, 26 de julho de 2010

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Por detrás do discurso de Passos Coelho

Ouvi há pouco Passos Coelho na tv (não tenho link porque não consegui encontrar as declarações ainda reproduzidas on-line) dizer isto: que a sua proposta de revisão constitucional permitia separar o PSD da Esquerda porque, "a Esquerda quer que ricos e pobres paguem o estado social por igual, enquanto nós queremos que os ricos paguem mais que os pobres". Esta afirmação é uma despudorada mentira, mas também uma que necessita de descodificação. É mentira porque qualquer um de nós sabe que em Portugal os impostos são progressivos, o que significa que os ricos contribuem muito mais que os pobres. Qual é o discurso que este tipo de afirmações pretende inaugurar? Com ele se prepara o caminho para o projecto neoliberal em Portugal: impostos iguais para todos (a famigerada "taxa única"), e depois que os serviços sejam pagos por todos (os "ricos"), com isenções para "os pobres". Atentem: qual a diferença que resulta esta mudança de paradigma? Os ricos hoje em dia já pagam para a educação, a saúde, para o seu transporte e essas coisas todas. Utilizam hospitais privados, escolas privadas, deslocam-se de carro. Uma "taxa única", para eles, é uma maneira de pagar menos impostos. Para a "classe média", ou seja, os quasepobres que constituem a enorme maioria dos portugueses, isso significa essencialmente pagar por serviços que agora são gratuitos ou tão baratos que quase. Alguém imagina o que custam, ao "preço do mercado", hospitais, escolas, transportes? Quanto teríamos de pagar por eles, e quanta "racionalização" seria precisa nos seus serviços, para serem rentáveis? Já me ouviram dizer isto: com Passos Coelho a geração dos jovens turcos "liberais" está a chegar ao poder.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Raízes e Antenas

Um blogue sobre música do mundo, do jornalista especializado em música António Pires.
Nascido no Barreiro, por lá fez teatro, na Companhia Arte Viva. Redactor e Director do Blitz durante muitos anos, dedica-se agora à musica portuguesa e à chamada world music.
Raízes e antenas, além de blogue, vai ser um livro, a sair brevemente no FMM de Sines.
Para consultarem o blogue, cliquem no título deste post.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Manifesto 5

Hoje, é dia de fúria e sonho. Não me apetece mascarar a dúvida em contradanças sem fim. Nestas horas, é tempo de por no papel em branco a verdade e a carícia, a humildade, sem doses embriagadas de risos. O mundo da sensibilidade é difícil e minoritário. Não é possível ser-se diferente nesta dose maciça de indiferença e em que tudo é espectáculo. Faço do espectáculo a minha vida e a minha sorte, rumo sinuoso e pouco acariciador. Talvez possa haver ainda uma réstia de esperança nalgumas ilhas solitárias, talvez. Por isso esta paixão assolapada por quem vale a pena, por quem apesar de tudo, está próximo de nós na emoção de partilhar sonhos e inquietações. Por essa razão, amo alguns artistas portugueses, que fazem da persistência, humildade e muito amor o seu percurso. Feito de arranhões, feridas e dificuldades. Por isso a música que mais compro é a nossa, por isso os autores que mais leio são os nacionais, por isso os dramaturgos que devemos ler e ver no teatro devem ser os nossos. Sempre acompanhados dos outros, claro, os da estranja, como diria Samuel Beckett, mas numa relação saudável. Há tantas pessoas que só consomem, vêem, lêem coisas estrangeiras! É de doidos, para mim. É a aculturação pura e dura, sem pedir licença. E a nossa inteligência, onde ficou? No armário dos monstros da nossa pequenez e subserviência intelectual? Não, não devemos ir por aí! Eu não vou seguramente por aí. Sem ser demasiado conservador ou possessivo com as nossas origens autorais. Mas eles andam aí, muitas vezes esquecidos, desconhecidos, por desbravar no meio da névoa colectiva. Não espero o Dom Sebastião, nem quero que os Portugueses sejam aquilo que mais detesto: um país gerúndio, onde tudo vai andando e cá nos vamos arranjando, entre um verão que promove a boçalidade e um inverno dos mais frios e sem condições mínimas de qualidade de vida. Fora os condomínios que de tão privados, se privam do comunitarismo e logo, promovem o individualismo em elevadas doses glicémicas. Uma diabetes que alastra no país dos brandos saberes! Quase nada se faz com qualidade, tudo é para turista ver, em Inglês técnico-pedagógico, nas areias do deserto da nossa vida pobre, culturalmente falando. Tudo o resto é oásis, na mais falível bonomia do viver passivo. Não, vou resistir a olhar para o outro, para o lado direito, de uma Europa que nos chama. Vou aguentar e gritar nas ruas: amem o que é nosso, tenham orgulho no que temos de melhor. Faltam elites de qualidade, já diziam os escritores no Século XIX. Eu não digo nada, escrevendo muito. Talvez seja o espalhafato demasiado verborreico e inconsequente, talvez seja da idade ainda verde, talvez porque não tenho nada a perder, porque o ganho é para a massa ululante um carro de topo, uma casa de sonho e uma conta bancária de luxo. Para mim, isso é lixo que faz encolher algumas mentes mais dadas ao desvario. Eu fico-me pelo rio, por esta paisagem de sonho, que me faz deambular por estes pensamentos ignaros e infantis. Apenas quero que abram a mente e o corpo para o que é nosso. Uma localidade única, uns gestos só nossos, uma música que é ouro em bruto por explorar, as gentes sensíveis e verdadeiras, não conspurcadas, que felizmente ainda deambulam em busca do seu crescimento e dos outros. Vivam os nossos artistas, fazedores de utopias e mundos por inventar. Um bem-haja a todos os sonhadores!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

FMM 2010 (2)



Tinariwen - Sexta, 31 de Julho a fechar a noite do Castelo.

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

Destino Quente.



«Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal.»

Fado Tropical, por Chico Buarque e Ruy Guerra, 1972/73;

Comissário de bordo

Quem disse que Portugal é o país dos brandos costumes? Este é o país dos belos costumes. Como não achar belo ao costume de o Paulo Portas aparecer, cavaleiro andante, a sugerir as soluções de governação da nossa pátria? Que tal um governo PS-CDS-e já gora que também tem que ser-PSD, com o nosso messias, o António Vitorino, a primeiro? E o Paulo Portas, convenientemente, a minístro da Agricultura ou de qualquer outra coisa que lhe convenha? Estou ansioso por esta solução que irá colocar na varanda de São Bento o minorca mais (in)competente na difícil arte de deixar tudo como está fazendo qualquer coisa parecer diferente. Foi um comissário europeu cheio de virtudes, a maior das virtudes, para um comissário europeu, é não fazer nada que mude alguma coisa. Está prontinho para herdar esta espelunca, e eu cada vez mais pronto para ir para as ilhas Fiji escrever postas sobre a casa mal governada. Perdoem-me a sinceridade excessiva.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Sinais

Desenho de Maturino Galvão

A justiça e o discurso de classe

(a propósito de um comentário a este post, mas não só): Não se trata de a justiça estar, agora, mais forte ou mais fraca com os fortes ou com os fracos. A "justiça" continua a cumprir a sua função, e essa é a de perpetuar o sistema. Uma vez que perpetuar o sistema significa perpetuar a impunidade, o reino dos mais fortes, o que está errado não é qualquer "questão" sobre a justiça. É o que significa a própria "justiça". Há aquela velha história entre o "justo" e o "bom", ou seja, entre o Platão e o Aristóteles. Como se os "liberais" da velha escola "liberal" pudessem andar sem mais a definir o que é "justo" a partir das teorias de outros "liberais" como eles. Mas onde anda a "justiça" perante a fantochada de justiça que por aí anda? A "injustiça" da justiça significará, apenas, um problema sistémico português? Não, digo eu, e quem conheça a "justiça" nos outros sítios da "civilização" entenderá. Em nenhures, nem na Gronelândia, se chegou ao ponto de o acesso á justiça ser igual para todos os "cidadãos". O "justo", á maneira do Rawls, o que e? Um ponto de escape para a injustiça sistémica, para o sistema (o sistema, para quem não quer perceber, é a perpetuação). Ninguém honesto que queira perceber os enormes problemas da "justiça em Portugal" pode ignorar o Marx, e o carácter de classe da "justiça" (i.e., da maneira como funcionam os tribunais, as polícias, e etc.). Ninguém, sendo honesto, pode negar a disparidade no acesso à "justiça" entre um zé-ninguém e um senhor deputado. Este é o maior (o único!) problema da "justiça", e existindo não há justiça nenhuma. Há o "bem" ético do Aristóteles e mais nada. Justiça? Uma perpétua mentira, e cada vez mais repetida enquanto nos vamos esquecendo da questão, essa sempre presente, das classes.

FMM 2010 (1)



Quase de férias, eis um exemplo do que vou ver no Festival Músicas do Mundo, em Sines, invejem, que mais publicarei por cá.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O Mundial da vuvuzela - Breves notas finais


Desculpem o atraso, tenho andado com mais que fazer que blogues, e mesmo agora o tempo não abunda. O Mundial terminou, venceu o melhor, como quase sempre acontece. A Espanha é de longe a melhor equipa do mundo na actualidade, e provou-o num Mundial em que foi crescendo de jogo para jogo.
*
A Holanda jogou a final com as armas que tinha. Para tal, descaracterizou o seu futebol. O lateral-direito perseguiu Iniesta por todo o campo. Os médios de cobertura passaram o jogo a correr como loucos atrás dos médios espanhóis (e a distribuir porrada, diga-se). Kuyt, em vez de extremo, parecia um segundo lateral, sempre de olho em Sérgio Ramos. O Próprio Sneijder aparecia amiúde, qual trinco, à frente da sua área. Seria possível jogar de outra forma contra esta Espanha? Não me parece. O plano era o possível, e esteve perto de resultar, obrigando à lotaria dos penalties. Não era possível à Holanda fazer mais, e muito mérito ao seu treinador, por levar uma equipa que não era das melhores em prova à final, e ficar tão perto do seu objectivo.
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Fabrégas ficou guardado no banco, qual arma secreta, até ao minuto 85. Entrou, encheu o campo, levou a bola para a frente, e assistiu Iniesta para o golo decisivo. Realmente quem tem jogadores como a Espanha, e se dá ao luxo de ter no banco Fabrégas, Silva, Marchena, Navas, Llorente ou Torres, arrisca-se sempre a ganhar. Ao seu treinador, o mérito de fazer o mais difícil neste momentos: a gestão do grupo, que todos se sintam importantes. Mesmo Fabrégas, o caso mais difícil (é a estrela do Arsenal, está a ser negociado com o Barcelona e pouco jogou), ainda foi a tempo de deixar a sua marca, de se sentir parte do triunfo.
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Uma nota final para o meu querido amigo Luiz Inácio: escrever (e pensar) sobre futebol é uma alegre inutilidade. Um passatempo como jogar às cartas. Há por aí muita gente, isso sei bem, que ocupa o vazio dos seus dias a pensar de modo monotemático e monocromático, no futebol e no seu clube, ou seja, na sua religião. Há também, e viu-se por essa blogosfera, quem se preocupe, e escreva posts em catadupa, sobre se o futebol é de esquerda ou de direita, que futebol é de esquerda ou de direita, e outras minudências. Isso sim, diria eu, é perder tempo. Olhar para o futebol com o olhar felino do analista, é para mim como interpretar o subtexto do texto. Claro que se o analista é bom ou mau, isso já é outra conversa.

The show must go on

O Mundial acabou e podemos começar a falar de outras coisas que não o insuportável futebol. Não, que o Benfica tem um novo guarda-redes, o Sporting um novo não sei o quê e o Porto um novo não sei que mais. Não, o circo não pode parar. Preparemo-nos todos para o recomeçar do ciclo, de ver e ouvir toda a gente a gastar o seu tempo com a inutilidade, a futilidade, enquanto a casta superior esfrega as mãos de contentes por o zé-povinho andar entretido. Por toda a parte, jornais, televisão, rádio, blogues, toda a gente que quer ser gente vai discutir, comentar, dissecar, refilar, e, pasme-se! pensar sobre o raio do futebol. The show must go on, mas cuidado gente, que ocupar o tempo com o futebol significa perder o tempo, e o tempo é precioso.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Giro, giro...

...É ver o Sócrates a vociferar contra o neoliberalismo enquanto se prepara para privatizar os correios e EDP.

Notas sobre o choque e o espanto no Mundial da vuvuzela (7), ou a máquina espanhola


Falei, na minha crónica anterior, da máquina alemã. Pois o que se viu nesta segunda meia-final foi a máquina espanhola. Pela primeira vez a Espanha fez um jogo à altura do seu estatuto, e o resultado foi uma exibição portentosa, um domínio quase absoluto sobre a melhor selecção em prova até então, um futebol de posse de bola e controlo total do jogo, servido por um conjunto de médios de qualidade estratosférica, de avançados do melhor que há, e de uma defesa onde todos sabem jogar à bola, e assim podem fazer parte da circulação verdadeiramente estonteante que a selecção espanhola produz.
*
Tinha aconselhado Del Bosque a colocar o Fabrégas, mas o treinador espanhol fez melhor. No lugar do Torres colocou o Pedro Rodriguez, um extremo convertido em falso segundo-avançado, sempre a cair para os flancos. A equipa ganhou assim o que lhe vinha faltando: largura de jogo e profundidade pelas alas. Os laterais Capdevilla e, especialmente, Sergio Ramos, cavalgaram para a frente e para trás, originando superioridade no ataque. Eu tinha escrito sobre os centrais da Alemanha não serem tão bons como os de Portugal; pois bem, a Espanha pressionou-os logo no momento da saída de bola; como são cepos a jogar, ao contrário dos espanhóis, os erros sucederam-se. Depois, foi observar na soberba qualidade técnica de Xabi Alonso, Iniesta, Xavi, Busquets, Villa e Pedro a circular a bola, anestesiar os alemães, e esperar pelo momento certo para desferir o golpe. Um show de futebol táctico e técnico. Depois da derrota no primeiro jogo, a Espanha foi crescendo, e chega ao jogo decisivo no topo da forma, finalmente com o problema táctico solucionado, com a inclusão de Pedro, e ainda com Fabrégas como possível arma secreta, caso seja preciso dar maior profundidade ao meio-campo. Vamos ver o que diz o polvo, mas cheira-me que vai prever nova vitória espanhola no domingo.
*
E o que dizer do Queiroz a surgir no Sol a acusar a FPF de amadora, depois a desmentir acusando o jornalista de "vigarista"? As barracas sucedem-se, e alguém para além do "professor" ainda acredita que ele tem condições para continuar?

No Arrastão

João Rodrigues, como sempre certeiro:
"Alguns dirigentes do PS disseram qualquer coisa de esquerda, mas sem tradução no campo das políticas públicas concretas. Os ideólogos do consenso neoliberal começaram logo com a conversa da “viragem ideológica” deste partido. As loucuras constitucionais de Passos Coelho, que fazem o sonho destes editorialistas, são um bom pretexto para o esforço de demarcação por parte de um PS que converge com o PSD na austeridade realmente existente e que assim reforça o plano inclinado do aprofundamento da neoliberalização da sociedade portuguesa."
Não deixe de ler na íntegra, no Arrastão

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Factos e coisas

"O Mundo é a totalidade dos factos, não das coisas", dizia Wittgenstein no "Tractactus". Na maior parte dos casos, as pessoas parecem dar pouca importância aos factos. Preferem inventar "coisas": a revolução, a evolução, o socialismo ou o capitalismo. Por exemplo, quando confrontados com factos sobre Cuba, os comunistas não lhes dão qualquer importância. Se há presos políticos ou não há, isso não é nada, porque na sua cabeça há uma coisa, o comunismo. Também os crentes no mercado, quando se lhes apresentam factos sobre as distorções e a miséria que provoca, não querem saber, porque o mercado é uma coisa na qual eles acreditam. Wittgenstein, o maior filósofo do século XX, está ainda longe de ser entendido por esta gente, e pela esmagadora maioria das pessoas.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Manteiga Voadora.


«Não vês que nada nos dirá mais do que nos diz nada.»

Manuel Cruz (Foge Foge Bandido) - Borboleta;

Notas sobre o choque e o espanto no Mundial da vuvuzela (6), ou o Mundial dos treinadores


Estou sempre a falar de treinadores nestas crónicas. Talvez eu mesmo seja um desses milhões de treinadores wannabes, frustrados. Mas como não o fazer neste Mundial? Onde estão as estrelas, Kaká, Messi, Ronaldo ou Rooney? Quem ficou no seu lugar? Para além da Espanha, uma equipa que talvez não tenha ainda expresso todo o seu potencial, e muito por causa de algumas dúvidas tácticas que o seu futebol oferece, os outros três semifinalistas são equipas cuja principal característica é a organização, o perfeito enquadramento dos jogadores na táctica, que permite aos artistas expressar da melhor forma o seu futebol, através do jogo de equipa, onde não se observam "estrelas" a tentar resolver jogos sozinhas, a tentar fintar o impossível, e mesmo no caso onde a diferença entre a estrela e o resto dos jogadores é gritante, o Uruguai.
*
À Argentina faltava jogar com uma equipa de topo, e o fracasso foi total. Maradona não é um treinador. Viram-no no fim do jogo? Os treinadores vão ter com os seus jogadores, confortam-nos pela derrota, lembram-nos da efemeridade da vida e do jogo, e das coisas verdadeiramente importantes. Diego foi chorar com eles para o balneário. Ele é um deles. Um capitão, não um mister. Claro que se isto resultou enquanto se tratou de inspirar espírito de equipa e uma certa aura à volta deles (dos jogadores, ou seja, do capitão  Maradona e dos outros), tudo foi mais complicado quando o assunto passou a ser o de tomar decisões difíceis, decisões de treinador. Por exemplo, tirar o Higuain e colocar o Milito, num jogo que estava tanto a pedir o Milito, um verdadeiro ponta-de-lança em vez de (mais) um avançado móvel. Maradona não foi capaz de tirar um dos seus, um dos seus principais. Para além disso, o dilema táctico da Argentina sempre foi o de jogar com Messi a 10, atrás de Tevez e Higuain. Se isto resultou contra equipas fracas ou médias, contra a Alemanha foi gritante a falta de alguém a recuperar bolas e a ajudar o Mascherano, quando os três da frente ficavam lá parados, o Di Maria estava encostado à linha e o Maxi Rodriguez parecia perdido em campo. Mas o essencial não foi isso. Se a Argentina teve ocasiões para empatar (com os jogadores que tem, era impossível que não tivesse), a dado momento chegou a exasperar-me a imobilidade do "treinador", como ele não tomava a decisão óbvia, aquela que milhões de treinadores "wannabes" gritavam a plenos pulmões, pôr o raio do ponta-de-lança, e ainda por cima um dos melhores do mundo, em campo.
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Por falar em treinadores, o do Uruguai, Tabarez, deve ter andado a enganar-nos bem este tempo todo. Como é possível que uma equipa que durante quase todo o torneio joga com dois ponta-de-lança puros e um avançado vagabundo por trás (mais ou menos como a Argentina, mas com muito menos classe em campo, e avançados mais fixos que móveis) defenda tão bem, execute tão bem o pressing e seja eximia na recuperação? Talvez possa dar umas lições ao Maradona.
*
Uma meia-final espectacular, e tiro o chapéu ao Uruguai: organização, força, e um imenso querer em campo. Obrigou a Holanda a vestir-se de gala para passar. Amanhã, a melhor equipa até ao momento, a Alemanha, contra a equipa com melhores jogadores ainda em prova, a Espanha. Esta Espanha apresenta alguns problemas evidentes: joga sem extremos, pelo que pouco lateraliza em profundidade. Depois, são todos exímios a trocar a bola, mas parece faltar alguém que corra com ela para a frente; no Euro2008 a coisa também começou assim, mas depois entrou Fabrégas para a equipa, e tudo mudou nesse aspecto. Neste mundial ele tarda em entrar. Será que o Del Bosque está com dificuldades em escolher, entre todos os seus excelentes jogadores do meio-campo para a frente, aquele a sacrificar? Ou confiará em absoluto no poder hipnótico do toque de bola espanhol? Contra a máquina alemã, que alia uma impressionante precisão táctica a uma invulgar velocidade na frente, e a uma criatividade que resulta já da evolução do jogador alemão, isso pode não chegar. Agora reparem que, dos jogadores alemães, o trinco, o lateral-esquerdo, e os dois centrais não tinham lugar na selecção portuguesa. Mas quando jogam nesta equipa parecem de classe mundial. Não são apenas os jogadores que fazem a equipa; ela também faz os jogadores. Ou não fosse este o Mundial das equipas, perdão, dos treinadores.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O desporto-rei e a rainha das nações (3)


(Aparte: estou com pouco tempo, mas mais logo retomarei as "notas", com especial ênfase à Argentina, uma selecção sem treinador. Até logo, meus fieis leitores)

(Mais) problemas

O Blogger deve andar a concentrar-se nos novos templates, que são bonitos e tal, e a esquecer-se das funcionalidades essenciais de um blogue. Agora são os comentários que não aparecem na página inicial: um post tem x comentários, e eles estão lá se clicarmos para ver, mas na página inicial aparece sempre '0'. Depois, se e quando lhe apetece (nem sempre reage da mesma forma), lá começa a aparecer o número de comentários.
A assistência on-line também é uma bela trampa. Mandei um mail, a ver vamos se resolvem alguma coisa. As nossas desculpas a todos.

Actualização: parece que é um problema que afecta imensos blogues da plataforma blogspot. Neste momento só resta esperar que se resolva... E lamentar mais uma vez.


Actualização 2: agora parece resolver-se... Veremos.

Olá Luiz!

Conhecendo-te como te conheço, espero sangue desses posts!

Olá. Até já.

Ora então aceitei um convite do meu amigo André para participar nisto. Vamos a ver no que dá. Sou o Luiz Inácio Monteiro, alguns dizem que sei umas coisas sobre umas coisas, mas considero-me antes um labrego da aldeia. De onde saí para a cidade, para fazer a "escolariedade", mais concretamente o curso de filosofia da FCSH.
Vou postar por aqui uns comentários ácidos, uns textos verrinosos, umas maluqueiras, baboseiras e sobretudo asneiras. Até já.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Crocodilos - nova série (4)


Amigos Falando
Pintura de João de Azevedo

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

Welcome, mr. Red Reporter

Selecção Dodot

O afastamento de Portugal do Mundial de Futebol já tem explicação racional!

Afinal, os "navegadores" tombaram porque Ronaldo foi à África do Sul ver fraldas em vez de golos.

Queiroz rejubilou com a notícia. Está encontrado o bode expiatório para o afastamento da selecção. Os teóricos do "esférico" já podem largar os seus calcanhares: perdemos porque o capitão não soube transmitir à equipa as tácticas desenhadas por Queiroz. Perdemos porque o CR7 andava a pensar em "bebés" e não consta que fossem do sexo feminino...

Cristiano prometeu explodir neste Mundial mas na realidade o jogador foi uma sombra de si mesmo: sem brilho, sem vontade de correr e sem ganas de ganhar. Ronaldo foi um pai ausente!

Sobre Queiroz já se disse tudo: não tem ambição, comunica mal com os jogadores e com a imprensa, desenha tácticas elaboradas mas não lê os jogos. Tal como Ronaldo!

Apesar de futebolísticamente estarem em sintonia, na vida estão nos antípodas.

Ronaldo, futebolista pop, permanece na infância.

Queiroz (apesar de ainda estar no activo) acaba de entrar na reforma.

Sem glória!!

domingo, 4 de julho de 2010

Problemas no acesso ao 2+2=5

Verificou-se que muitos leitores do 2+2=5 tiveram dificuldades em aceder ao blogue nos últimos dias, especialmente os que utilizam o Internet Explorer 8.0. Tratou-se de um problema relacionado com um código HTML, que já está resolvido. Tendo em conta a diminuição do número de visitantes que daí resultou, terá afectado quase 40% dos leitores. As nossas desculpas a todos.

Entre jogos do Mundial, o que é fundamental

Entre jogos do Mundial, o que é importante

sábado, 3 de julho de 2010

Domingo



O desporto-rei e a rainha das nações (2)

Notas sobre o choque e o espanto no Mundial da vuvuzela (5), ou Queiroz e Dunga


A estratégia dos queirozianos é sempre a de desvalorizar os jogadores da selecção. Que já não temos a selecção que tínhamos, que os jogadores são, quase todos, medianos, and so on. Curioso. No onze de Portugal contra a Espanha, e tirando o Eduardo, um guarda-redes de top que ainda não tinha sido descoberto ao mais alto nível, os jogadores que alinharam jogam nos seguintes clubes: Valência, Chelsea, Porto, Benfica, Real Madrid, Porto, Atl. Madrid, Real Madrid, Atl. Madrid e Werder Bremen. Tudo clubes medianos, próprios de jogadores medianos. É verdade que a selecção nacional já foi melhor, e que isso deve preocupar os responsáveis. É também verdade que Queiroz é responsável pela formação da melhor fornada de jogadores portugueses desde os anos 60. Mas a selecção de 2000, com Figo, João Pinto, Rui Costa, Paulo Bento, Paulo Sousa, Couto, Jorge Costa ou Baía também era melhor que a de 2006, e Scolari levou a de 2006 às meias-finais, exactamente o que atingiu a de 2000. Será que não se percebe o erro de casting que foi a contratação deste  treinador? As suas qualidades podiam, e deviam, ter sido aproveitadas como coordenador do edifício do futebol de selecções, como planificador a médio e longo prazo de uma estratégia para os novos jogadores portugueses, que nisso ele é bom como poucos. Desconfio, contudo, que o "professor" não se contentaria com tão pouco, que o seu ego e a sua vaidade exigem mais além. 
*
Vamos então fazer um balanço sobre estes dois anos do "professor": a qualificação foi uma lástima. Portugal não ganhou a nenhuma das equipas de top do grupo, empatou em casa com a Albânia, finalizou atrás da Dinamarca (e viu-se neste Mundial o poder desta Dinamarca) e acabou a depender de terceiros para se qualificar para um play-off. Teve sorte e chegou lá. Nesse play-off contra a potência futebolística chamada Bósnia, fez um jogo miserável em casa, onde pôde agradecer aos ferros da Luz, e um bom jogo fora, onde ganhou com todo o mérito. No Mundial, jogou a medo, e mal, contra a Costa do Marfim, destroçou a equipa mais fraca da prova, fez depois um excelente jogo contra o Brasil, mas onde não arriscou nada (parecia que nós é que tínhamos o primeiro lugar assegurado), e contra a Espanha, um jogo que podia fazer pender este balanço para o outro lado, a falta de leitura de jogo e a estratégia medrosa do treinador precipitaram a derrota. Entretanto, do balneário blindado de Humberto Coelho (graças aos senhores capitães que lá imperavam) e de Scolari (graças às santinhas e à parolice), passou-se para um conjunto de polémicas estéreis, de bocas mais ou menos subtis, de insatisfações mal disfarçadas. Ora lá está: gerir um grupo de trabalho, saber ler o jogo: eis o que faz um treinador principal. Estudar, planificar e etc., isso é para adjuntos, secretários técnicos, coordenadores.
*
Portugal tem "jogadores medianos" e a Holanda ganhou ao Brasil a jogar com o Sketelenburg, o Ooijer, o Heitinga, o Van der Wiel e o De Jong. Conhecem? É verdade que tem uma grande equipa do meio-campo para a frente, com o Van Bommel, o Sneijder, o Robben, o Kuyt e o Van Persie, e ainda o Huntelaar  e o Van der Vaart no banco. Mas não tem um Cristiano Ronaldo (como não tem um Kaká ou um Robinho). A sua maior força é ser uma equipa, no verdadeiro sentido do termo, que joga pelo colectivo, sabe as suas forças e fraquezas e nunca perde a cabeça. Ganhou um jogo que praticamente decidia a passagem à final, e apesar de as três melhores equipas estarem do outro lado do quadro, um jogo é um jogo e é agora candidata séria à vitória.
*
Quanto ao Brasil, é impressionante como uma equipa, à primeira contrariedade, se desmorona como um castelo de cartas. Este Brasil parecia não estar preparado para as coisas correrem menos bem num jogo, e de certeza que não tinha um plano B. Tinha o jogo controlado, e após sofrer um auto-golo num lance infeliz entra em total derrocada psicológica (com o jogo em 1-1!). O Dunga, que eu já sabia ser limitado na leitura do jogo, e casmurro nas opções tácticas, provou que afinal também não é grande coisa a conduzir a equipa, a passar a mensagem para dentro do campo, a motivar jogadores a lutar contra contrariedades. Note-se que o treinador brasileiro não fez a terceira substituição, apesar de ter o Grafite no banco. Certamente preocupado com o equilíbrio da equipa numa altura em que o jogo já estava completamente partido. Um treinador à Queiroz, que, obviamente, vai sair, tal como Domenech, Lippi ou Cappelo. Só o nosso "professor" é que vai continuar, apesar de saltar à vista de todos que os portugueses já não estão com ele, ou seja, apesar de a sua continuidade ser, nem que seja por isso, prejudicial à selecção.
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Do Gana-Uruguai, um jogo razoavelmente jogado, mas que terminou com a emoção ao máximo, o que me apetece dizer é que é por estas coisas que o futebol continua a ser o mais belo de todos os jogos. Perdeu o Gana, a equipa que apoiava, mas ganhou o Mundial.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O desporto-rei e a rainha das nações (1)

Ronaldo e Queiroz


Um video da "Cuatro" espanhola sobre o dia menos bom de Ronaldo contra a Espanha. Aos 2 minutos e 10 segundos: "Assim não ganhamos Carlos". Cristiano para Queiroz após a substituição de Hugo Almeida. Até o Ronaldo percebeu; e essa de tratar o seleccionador por "Carlos"...
É óbvio que havia um problema de liderança, de respeito pelas decisões do treinador. Só o mais fanático dos "queirozianos" não vê isto depois de se repetirem os casos e casinhos, as declarações mais ou menos a quente, os recados para dentro e para fora. Voltarei ao tema com mais profundidade, talvez mais logo.

Um partido diferente dos outros. Com certeza

Segundo notícia do PÚBLICO: «O PS de Serpa contesta os resultados do concurso público para o preenchimento de um lugar de técnico superior da Câmara de Serpa. A vencedora do concurso, que se destinava ao recrutamento de um engenheiro civil para um cargo de técnico superior, foi a filha do presidente da autarquia, João Rocha (CDU). Além disso, o presidente do júri de selecção é primo da vencedora e o concurso foi feito e decidido em três dias.»

Ler o resto da notícia aqui. Note-se que a questão não é este caso isolado. Quando se afirma a postura dos comunistas como "diferente", num sentido que é moral e não político, correm-se estes riscos. Talvez quando o PCP demonstrar as "diferenças" que terá politicamente, e não através de uma pretensa superioridade ética e historietas sobre "servir o povo", possa deixar de estar sujeito a este tipo de escrutínio. Até lá... A cama em que se deitam é aquela que fizeram.