sábado, 13 de agosto de 2005

Série negra (1)


Exortação ao Meu Anjo

Quando eu me deixar cair
No sonho de adoecer para poder dormir,
Fere-me com a tua lança!
Reaviva em mim a dor, fonte de esperança.

Quando a verdade, que é nua,
Me cegar como um sol, e eu me voltar para onde há lua,
E procurar jardins convencionais e plácidos,
Queima-me com os teus olhos ácidos!

Quando me for mais fácil a verdade do que ter
Um papel de actor qualquer,
Como aos que assim se recreiam,
Faz-me exibir-me bobo ante os que aplaudem ou pateiam.

Quando eu julgar, falando, dizer tudo,
Faz ante mim sorrir teu lábio mudo!
Quando eu me poupe a falar,
Aperta-me a garganta obriga-me a gritar!

Quando eu tiver medo do Medo
E acender fósforos nos cantos rumorosos de segredo,
Arrasta-me pelos cabelos
Para entre os pesadelos!

Quando, a meio da noite e da ansiedade,
Eu me rojar por terra e te pedir piedade,
Não me apareças nem me fales!
Deixa-me só com o meu cálix.

Quando eu te falsificar,
E alugar anjos de serrim para em seus braços me em balar,
Derrete o chumbo dessas casas:
Leva-me no tufão das tuas asas!

Quando eu enfim, não puder mais,
Por tuas próprias mãos belíssimas e leais,
E sem caixões nem mortalhas,
Enterra-me na terra das batalhas.

Quando, depois de morto, a glória
Me levantar o seu jazigo e celebrar minha vitória,
Desvenda os alçapões dos meus escritos
E arranca á terra que me esconde os mais secretos dos meus gritos!

José Régio

O Poder será entregue

O Poder será entregue a bons gestores botas-de-elástico. Os bons gestores irão bem gerir, ou seja, garantir que as coisas permaneçam como estão, porque bem sabemos que as coisas não podiam estar melhores. Essa conversa de haver outras maneiras de as coisas serem é própria de quem não percebe que as coisas só são assim porque são o espelho da essência humana. O Ser Humano é mesmo assim, mau, mesquinho, egoista, daí que os gestores sejam também maus, mesquinhos e egoístas, A SUA FUNÇÃO é serem o espelho cristalino do Homem. Sempre foram bons gestores, e como bons gestores sempre souberam distribuir as coisas da melhor maneira possível, ou seja, da maneira como sempre foi, aliás não há outra maneira. E como os gestores são e sempre foram importantes porque são os únicos a perceber estas coisas tão lógicas, é lógico que têm também de se preocupar consigo próprios, o que não é um acto mesquinho e egoísta como a maioria dos actos humanos, antes um momento essencial do altruísmo que lhes é inerente, afinal é preciso haver bons gestores para compreender estas coisas.

sexta-feira, 12 de agosto de 2005

W. Bush corta relações com Mick Jagger


São uma das referências fundamentais na música popular dos anos 60 e 70. A partir daí, estão for the money. Mas, seja para ganhar dinheiro ou pelo gozo de uma boa peixeirada, Mick and the boys apontam as baterias à Casa Branca.
No seu novo disco, que será lançado a 7 de Setembro, Jagger manda mimos a W. Bush. Canta assim o beiçudo mais rico do mundo:

"You call yourself a Christian,
I call you a hypocrite
You call yourself a patriot,
well I think you're full of shit."

Este refrão faz parte da música “Sweet Neo Con”, que é uma das 16 cançoes do novo disco que se vai chamar "A Bigger Bang". O facto da banda dos Glimmer Twins chamar "hipócrita cheio de merda" a George W., Condoleeza Rice e aos neoconservadores está a gerar alguma surpresa. Havia muito boa gente a pensar que Jagger era um thacherista incondicional.
O mais engraçado é que Mick quer ser levado a sério. Disse à Newsweek que a frase "é directa, não é metafórica". No entanto, sendo estratégia comercial ou o regresso de uma boa atitude rock, já um pouco reumática e fora de tempo, a polémica volta a envolver os Stones.
Será que Jagger ficou irritado porque W. mexeu na segurança social e nas reformas dos velhinhos? Não me lembro dele ter dito alguma coisa sobre o Iraque. Quando passar por Portugal, na digressão que por certo vai estar associada ao novo disco, vou tentar perguntar-lhe. Lembrem-me.

"Que pode uma criatura senão,/ entre criaturas, amar?"


Foto de Francesca Pinna

Brel (1)

AU SUIVANT

Tout nu dans ma serviette qui me servait de pagne
J'avais le rouge au front et le savon à la main
Au suivant au suivant
J'avais juste vingt ans et nous étions cent vingt
A être le suivant de celui qu'on suivait
Au suivant au suivant
J'avais juste vingt ans et je me déniaisais
Au bordel ambulant d'une armée en campagne
Au suivant au suivant

Moi j'aurais bien aimé un peu plus de tendresse
Ou alors un sourire ou bien avoir le temps
Mais au suivant au suivant
Ce ne fut pas Waterloo mais ce ne fut pas Arcole
Ce fut l'heure où l'on regrette d'avoir manqué l'école
Au suivant au suivant
Mais je jure que d'entendre cet adjudant de mes fesses
C'est des coups à vous faire des armées d'impuissants
Au suivant au suivant

Je jure sur la tête de ma première vérole
Que cette voix depuis je l'entends tout le temps
Au suivant au suivant
Cette voix qui sentait l'ail et le mauvais alcool
C'est la voix des nations et c'est la voix du sang
Au suivant au suivant
Et depuis chaque femme à l'heure de succomber
Entre mes bras trop maigres semble me murmurer
Au suivant au suivant

Tous les suivants du monde devraient se donner la main
Voilà ce que la nuit je crie dans mon délire
Au suivant au suivant
Et quand je ne délire pas j'en arrive à me dire
Qu'il est plus humiliant d'être suivi que suivant
Au suivant au suivant
Un jour je me ferai cul-de-jatte ou bonne sœur ou pendu
Enfin un de ces machins où je ne serai jamais plus
Le suivant le suivant

"Quero que todos os dias do ano/ todos os dias da vida/ de meia em meia hora/ de 5 em 5 minutos/ me digas: Eu te amo."


Foto de José Carlos Mexia

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

Sabe quem é o seu pai? Tem a certeza?

No Reino Unido há cada vez mais pais a descobrirem que afinal os filhos que criaram durante uma vida, não são seus. Esta notícia é revelada hoje no britânico “The Times”.
Esta nova realidade surge graças ao recurso cada vez maior a testes de ADN, depois de algumas surpresas terem surgido no jetset mundial.
De acordo com o “Journal of Epidemiology and Community Health”, nos estudos efectuados revelam que há entre 1% e 30% de pais enganados, mais concretamente, com filhos que não são seus. No entanto, peritos mais cautelosos garantem que a percentagem não é superior a 10%. E 4% dos pais não está interessado em ter em casa um filho que não é seu, revela o estudo da Universidade de Liverpool.
Na origem desta situação está a mudança de costumes e hábitos sexuais, que se acentuou a partir dos anos 60. Várias figuras públicas no Reino Unido e nos EUA já anunciaram recentemente que o filho/a que pensavam ser seu afinal era de outro/a. O debate já está na rua. Nos Estados Unidos existe mesmo um Reality Show sobre este tema. É um programa escabroso, diga-se.

E qual é a situação em Portugal? Poderá este sentimento de orfandade ser a razão desconhecida da nossa depressão colectiva? Por onde anda papai D.Sebastião?

Conselho de Turma

Participação da prof.: "O aluno, (...), amandou-me para o caralho".
Participação do aluno: "Mandei a prof., (...), para os orgãos genitais masculinos".
Um abraço para o aluno!
As participações feitas pelos profs. passaram a ser preenchidas num impresso com cruzinhas. Os alunos vão escrevendo como aprenderam.

"São Vicente di Longe"



Foto de Anne Day, One day in Africa as seen by 100 photographers
http://www.olympus.co.jp/en/event/DITLA

quarta-feira, 10 de agosto de 2005

"muita luz é como muita sombra: não deixa ver. "
Carlos Castañeda

U2 em contagem decrescente. Bilhetes precisam-se


Os irlandeses U2 vão receber a Ordem da Liberdade no domingo, dia em que actuam no Estádio Alvalade XXI. A condecoração, que vai distinguir a banda pelo apoio que têm dado às causas humanitárias, vai ser atribuida pelo sportinguista Jorge Sampaio, que acumula o cargo com a Presidência da República. A banda actuou pela primeira vez em Portugal em 1982, em Vilar de Mouros, dois anos depois de ter lançado o seu primeiro álbum "Boy".
Voltaram a Portugal em 1993, com a Zooropa Tour, e em 1997, com a Pop Tour.
Os bilhetes estão há muito esgotados. Mas, o Grupo Dinamizador deste blog gostaria imenso de saber se alguém nos pode disponibilizar um ou mais bilhetes para podermos ir ao concerto e fazer a respectiva reportagem. Pagaremos ao preço justo, claro. Somos contra a agiotagem.

terça-feira, 9 de agosto de 2005

Ibrahim Ferrer (1927-2005)

(Tinha pensado num texto; mas quando uma voz destas se cala, que melhor homenagem que o tributo do silêncio?)








'Casas de Ferro', João Paulo Borges Coelho

Ilustração de Ivone Ralha, para capa de livro










IBO AZUL
(...)
Para que o dia possa acabar, é necessário que a mulher dê por terminada a sua faina, lançando um derradeiro olhar em volta enquanto aperta, uma vez mais, o nó que lhe prende a capulana ao peito, e tende a desfazer-se. Ajustado ele, é então necessário que pegue no pequeno cesto entrançado com ambas as mãos de criança, para o pôr à cabeça e iniciar o regresso. E que o homem desapareça devagar na distância, ligeiramente curvado, em direcção à velha Fortaleza. Mas este último reluta, mastigando minutos salgados, desejando que em cada um deles caiba uma hora inteira. Fazendo com que ela, paciente, vá adiando os preparativos da partida, que são gestos íntimos, incompatíveis com outras presenças. Ficam pois assim os dois, enchendo-se cada um de seu modo pelo instante mágico em que a tarde se escoa com um furor silencioso; e em que a noite vai chegando para fechar por hoje o mundo. Ficam assim os dois, a mulher acabando o dia com demorados vagares, o homem começando a noite com pressas ansiosas.
Depois, a lua derrama a sua luz sobre as casas e as coisas. E o Ibo fica azul.

In 'Setentrião. Índicos Indícios I'
João Paulo Borges Coelho, historiador e escritor moçambicano
Editorial Caminho, 2005


Foto de Ivone Ralha

Nagasaki aponta o dedo aos EUA

Os Estados Unidos lançaram uma segunda bomba atómica no Japão, desta vez sobre Nagasaki, há precisamente 60 anos. Hoje, 9 de Agosto de 2005, uma sirene uivou e um sino de bronze fez-se ouvir em Nagasaki para marcar o momento exacto em que a bomba de plutónio matou cerca de 80.000 pessoas. Seis mil pessoas encheram o Parque da Paz. Depois de um minuto de silêncio em memória das vítimas, o presidente da Câmara de Nagasaki, Iccho Ito, disse:

"Aos cidadãos dos Estados Unidos: compreendemos a vossa raiva e ansiedade pelo horror dos ataques terroristas de 11 de Setembro. Contudo, será que a vossa segurança é aumentada pelas políticas do vosso governo, ao manter 10.000 armas nucleares, ao realizar testes nucleares e ao desenvolver novas mini-armas nucleares?"

segunda-feira, 8 de agosto de 2005

O Homem-Umbigo

Peço desculpa aos meus leitores por aproveitar este espaço semi-público para destilar as minhas embirrações pessoais; também o espaço não é assim tão público, para dizer a verdade é nosso, dos autores, os visitantes só cá estão por algum impulso masoquista incompreensível que os leva a ler estas barbaridades. Não, não vou falar do Frade. É muito pior (ou melhor, depende da perspectiva). Vou falar do Pacheco Pereira. Sim, sei que não é construtivo, sei que destilo ódio, mas qual é o problema? Só lê quem quer.
O Pacheco Pereira escreveu na sua coluna do PÚBLICO esta alarvidade impressionante, observem: «A tradição da nossa cultura foi sempre colocar-nos dentro dos olhos dos outros, quanto mais Outro os outros forem. E num certo sentido este é um sinal da vitalidade da cultura ocidental [...]».
Gustavo Rubim no Casmurro respondeu desta magistral forma, num post brilhantemente intitulado "Resposta a Pacheco Pereira 70 anos antes". Mauzinho, o rapaz. Como poderão verificar se clicarem no link, trata-se de uma citação da antropóloga Ruth Benedict em 1934. Destaco esta parte: «O branco (...) aceita sem mais complicações a equivalência da natureza humana e dos seus próprios padrões de cultura». Genial, ó Rubim.
Agora o que eu destaco é a resposta do Pacheco Pereira. Um exemplo perfeito do raciocínio circular que vale mesmo a pena ler. É mais ou menos assim: Ruth Benedict é branca e ocidental; Ruth Benedict põe-se no lugar do outro; logo, os brancos e ocidentais põem-se no lugar do outro. Zero valores em lógica, JPP. Na condicional o predicado não se transforma por artes mágicas em sujeito. Mas a cereja no topo do bolo é esta: «Desconheço qualquer observação antropológica do mesmo teor, sobre os seus, provinda de qualquer outra tradição cultural (muçulmana, budista, animista, etc.), e que não possa ser suspeita de "ocidentalizada». Então a biblioteca imensa do JPP não tem um livrozinho, um único, em que um elemento de outras culturas nos veja, como ele diz, com «uma visão desapiedada, exterior, com os olhos do Outro, sobre "nós"»? Assim de repente lembro-me: dos discursos de Sitting Bull; do Papalagui do chefe Tuavii; de Ibn Batoute. E isto só de repente, não sendo eu um especialista na matéria. Para tornar esta prosa construtiva em vez de simples verborreia maldicente, aproveito para convidar os meus leitores a indicarem autores e livros sobre este tema dos ocidentais vistos pelos olhos dos outros. É útil e interessante, e depois eu mando uma lista ao Pacheco Pereira.

Lisboa tem mais encanto!

O Franjinhas
Foto de Francesca Pinna

A propósito de eleições: por onde andam os candidatos à edilidade da capital?

As eleições autárquicas são dentro de dois meses. Além dos cartazes, que pululam por toda a Lisboa, os candidatos ainda não se mostraram muito. Carmona Rodrigues apanhou um susto neste fim de semana. A sua lista passou à justa na distrital do PSD. Foi um voto que lhe garantiu a equipa. Vê-se, assim, o grande apoio que o candidato tem. Carmona vai ter dificuldade em afastar o espectro de Santana Lopes e das várias promessas que ficaram por cumprir. Alguém se lembra da obra feita pela dupla Santana/Carmona? Vá lá, faça um um esforço. Mais um bocadinho. Não? Acertou. Foram quatro anos da treta. Apenas ficam as recordações das trapalhadas.
Manuel Maria Carrilho começou aos solavancos, quando lançou a sua candidatura. Tudo por usar a sua família na campanha. É injusto. O Manuel gosta da Bárbara. O Jorge Coelho também. Eu também. Os outros têm é inveja. Eu acho bem que a mostre. Actualmente, quase todos os políticos têm as mulheres ao seu lado nas campanhas. Nos Estados Unidos até já chegaram aos cães e gatos. Aqui também. É que ela, a Bárbara, é uma gatinha, diga-se.
Sá Fernandes parece ser o candidato mais sério. Já o provou várias vezes, ao dar a cara e o (seu) dinheiro contra as prepotências da autarquia lisboeta. Tem a “desvantagem” de não dominar os truques da política e dos políticos. Precisamente porque não o é. E infelizmente, a maioria do eleitorado não está habituado a votar em independentes como ele. É uma pena. Já Ruben de Carvalho ainda pouco se mostrou. O candidato comunista é uma pedra no sapato do PS, devido á grande base de apoio que o PCP tem em Lisboa. Mas, o conhecido jornalista e organizador da Festa do Avante, tem de fazer qualquer coisa. Ou mostrar a mulher, se não tiver nada para dizer. Pior, só mesmo a candidata da direita plus. A Zézinha ainda está aquecer o motor da sua Solex. Mas dali, não se espera grande coisa. Isso, eu sei. Mas eu não sei o que ela sabe, mas ela agora ficou a saber alguma coisa do que eu sei. Mas veja se se despacha, rica, porque até se podem esquecer de si. É que já temos a Bárbara, tá?

domingo, 7 de agosto de 2005

The fairy-feller's masterstroke - Richard Dadd



"Penso em Richard Dadd a pintar durante nove anos, de 1855 a 1864, The fairy-feller’s masterstroke no manicómio de Broadmoor. Um quadro de dimensões um tanto ou quanto reduzidas que é um estudo minucioso de alguns centímetros de terreno – ervas, margaridas, bagas, pedras, gavinhas, avelãs, folhas, sementes – em cujas profundezas aparece uma população de seres diminutos, uns saídos dos contos de fadas e outros que provavelmente são retratos dos seus companheiros de cárcere e dos seus carcereiros e guardiões. O quadro é um espectáculo: a representação do mundo sobrenatural no teatro do mundo natural. (…)
Dadd pintou a visão da visão, o olhar que olha um espaço onde o objecto observado se anulou. O machado que, ao cair, quebrará o feitiço que os paralisa, jamais cairá. É um evento sempre prestes a acontecer mas que nunca ocorrerá. Entre o nunca e o sempre aninha-se a angústia com as suas mil patas e um único olho."

O Macaco Gramático, Octavio Paz, trad. João Rui Rodrigues da Silva, cap. xx

Presidenciais: Soares avança em Setembro, Cavaco em Outubro


Soares já está na corrida para Belém e vai anunciar a sua candidatura em Setembro.

E também já tem responsável pela sua campanha. De acordo com o Expresso, vai ser Vasco Vieira de Almeida, o mesmo que em Dezembro passado dizia que Soares fazia 4x20 anos.
Os múltiplos contactos que Mário Soares tem feito nos últimos dias e a sua agenda para os próximos, estão a deixar as hostes cavaquistas pouco tranquilas. É que o antigo inquilino do Palácio de Belém já tem na sua mira não só sectores da esquerda, mas também do centro e do centro direita, sendo estas, a mais valia com que espera ganhar as próximas presidenciais.
Também elementos da sua Fundação e alguns militantes socialistas se têm desdobrado em contactos tanto à esquerda como a alguns subsectores laranjas potencialmente mais favoráveis a Soares. Querem em breve uma primeira contagem de espingardas. A ideia é existir já uma base segura e alargada de apoio, quando Mário Soares anunciar a sua candidatura no próximo mês.
Soares está relativamente tranquilo à esquerda. Espera o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda, quanto mais não seja numa eventual segunda volta.

Por isso é já notório o aumento do nervosismo entre os apoiantes do homem de Boliqueime. Cavaco Silva continua firme na sua intenção em anunciar a sua candidatura só em Outubro, depois das autárquicas. Várias tentativas já foram feitas para tornar possível uma antecipação, mas a teimosia de Cavaco é conhecida. Por vezes chamava-se tabu, e normalmente não se percebe. Cavaco Silva vai fazer a sua rentrée politica de outra forma. Em Setembro reaparece a falar sobre a Europa, em duas conferências, uma em Portugal e outra em Londres. Vai por certo dar a sua perspectiva sobre o Portugal actual. E não deixará de mandar recados a Sócrates sobre a situação da economia e lançar deixas sobre o futuro orçamentalmente correcto. Se tal acontecer, Cavaco começará da pior forma. Provará que vai ser difícil o governo PS coabitar com o ex-primeirio ministro laranja, contrariando assim várias teorias vindas recentemente de alguns opinion makers. E se vencer, Cavaco vai por certo exercer o seu cargo com um estilo semelhante ao de Soares quando era inquilino de Belém, e que tanto o irritou na altura.

As sondagens ainda são favoráveis a Cavaco Silva. Mas o empenhamento vindo dos apoiantes de Soares na preparação do terreno à esquerda e à direita, está a criar intranquilidade no PSD. A ideia da task force soarista é diminuir a diferença nas sondagens que separa Soares e Cavaco Silva, ou mesmo alterá-la, quando este anunciar a sua candidatura à Presidência da República.

Além dos apoios tradicionais da esquerda e da direita aos seus candidatos, vai ser a economia e a confiança no governo de José Sócrates que determinará a decisão dos eleitores menos alinhados politicamente. Por isso, o próximo Orçamento de Estado, que revelará as linhas de actuação do executivo em 2006, vai ter uma importância acrescida.
Soares não é um menino de coro. Sabe bem que não ganha com medidas muito restritivas e ambientes de crispação social. Por isso, vai, por certo exigir algumas garantias a José Sócrates, que, mesmo com medidas de contenção, as sondagens ainda revelam um apoio significativo ao governo e ao PS por parte do eleitorado. Mas pode sofrer um forte abalo já nas próximas autárquicas, caso não consiga obter bons resultados. Por isso Soares, um expert na arte de negociar, vai por certo obrigar Sócrates a suavizar algumas medidas, ou pelo menos, o seu embrulho. Mário Soares pode não ser bom nas contas, mas, em termos políticos, ninguém o bate. Não esquecer que nas presidenciais de 1986, partiu com uma previsão 8%, foi à segunda volta com 25% e ganhou a Freitas do Amaral com 51% dos votos.

sábado, 6 de agosto de 2005

É um número? É uma pessoa? Não, é um privilegiado!

Um agente da PSP de Setúbal suicidou-se em frente ao Comando da PSP local, ao saber que, apesar de cumpridos os 36 anos de serviço que lhe permitiam o acesso à reforma pela lei actual, devido à nova lei teria de trabalhar mais nove anos, até cumprir 60 anos de idade, o novo limite mínimo. Segundo a notícia acima linkada «desferiu um tiro de caçadeira na cabeça dentro da sua viatura particular, dentro da qual deixou uma mensagem escrita, onde referiu, entre outras palavras: “adeus reforma” e “adeus amigos e camaradas por tudo o que fizeram por mim”.» Um acontecimento lapidar e reflexão obrigatória para aqueles que adoptaram o discurso da culpabilização dos trabalhadores pela crise, esquecendo-se que para lá do défice e das contas públicas há dramas pessoais, vidas destruídas ou projectos interrompidos. E para quem, confortavelmente sentado numa cadeira giratória num qualquer gabinete, vivendo num condomínio fechado, frequentando sempre as mesmas zonas "seguras", não faz ideia (ou não quer saber) do que é o trabalho de um polícia, de um operário industrial ou da construção civil, de um bombeiro ou condutor de ambulâncias. Onde está a discriminação positiva em relação a estas profissões de evidente e indiscutível desgaste rápido como as acima citadas? Ou apenas há discriminação positiva para gestores públicos-políticos? Ah, mas já me esquecia: "é o mercado", como dizia Mira Amaral quinta na SIC Notícias, e "se as empresas públicas querem ser competitivas tem de pagar o mesmo que os privados", aos Varas, Celestes, e ao próprio Mira Amaral, bem entendido.

sexta-feira, 5 de agosto de 2005

Aquilo que nos pode acontecer é isto


Numa altura em que George W. Bush defende publicamente o ensino do criacionismo a par do evolucionismo nas escolas americanas, em que cientistas são processados nos Estados Unidos por se recusarem a dar cartas de recomendação a alunos que não acreditam na Teoria da Evolução (o que significa que acham que o mundo tem sete mil anos e que Adão e Eva foram os primeiros homens), e isto tudo enquanto muito cristianamente se bombardeiam países, se apoia o ditador da Mauritânia contra um golpe apoiado pelo povo com vista a derrubar uma ditadura, e os texanos estão milionários com o aumento dos preços do petróleo, vale a pena ler este post de Palmira F. da Silva no Diário Ateista, sobretudo pelos links que têm. Para se perceber bem o que é que nos espera se não acordamos a tempo.

Recordar Hiroshima

Faz hoje 60 anos que o bombardeiro norte-americano B-29 começou a aquecer os motores, para preparar o lançamento da bomba mais mortífera de sempre.
A 6 de Agosto de 1945, a cidade japonesa de Hiroshima foi o alvo da primeira arma de destruição maciça da história, a bomba atómica.
Era uma segunda-feira. O dia de trabalho estava a começar. A azáfama era a habitual num início de semana, tendo em conta que o Japão estava metido até ao pescoço naquela que ficou conhecida como a II Guerra Mundial.
Passavam 13 minutos das oito da manhã quando o bombardeiro B-29, a quem foi posto o nome de Enola Gay, lançou uma bomba equivalente a 13.500 toneladas de TNT. Deram-lhe o nome de Little Boy e pesava
4,5 toneladas.
Hiroshima ficou arrasada. De imediado morreram cerca de 80 mil civis. No total cerca de 140 mil japoneses perderam a vida na cidade mártir. A explosão fez subir a temperatura no local do impacto para 5,5 milhões de graus centígrados. Os ventos chegaram perto dos 400 Km por hora. Três dias mais tarde, uma segunda bomba foi lançada em Nagasaki. Matou mais 80 mil pessoas. Nos anos que se seguiram, milhares de japoneses continuaram a morrer, vítimas dos efeitos colaterais provocados pelas radiações.
É curioso ver como, nos dias de hoje, Estados Unidos e Japão interpretam o recurso à bomba atómica. Num inquérito feito recentemente, 68% dos norte-americanos ainda consideram que foi necessário lançar a bomba para pôr fim à guerra. 20% dos japoneses têm a mesma opinião.
Esta sondagem foi efectuada em Julho deste ano pela Associated Press, nos Estados Unidos e pela agência Kyodo, no Japão.

António Gancho


António Gancho é uma das pérolas escondidas da poesia portuguesa. Nasceu em Évora, frequentou as tertúlias do Café Gelo e desde finais dos anos 60 que vive em casas de saúde, neste momento no Telhal. Escreveu: "os poetas são decididamente afectados" e cumpre esse destino. Em 1973 enviou um caderno de poemas a Herberto Hélder, que os publicou na excelente antologia de poesia portuguesa "Edoi Lelia Doura". Recentemente foi redescoberto e alguns dos seus escritos editados com algum sucesso.
*
NOITE
*
Noite, vem noite sobre mim sobre nós
dá o repouso absoluto de tudo
traz peixes e abismos para nos abismarmos
traz o sono traz a morte
e vem noite por detrás de nós e sobre nós
e escreve com o teu negro
a morte que há em nós.
Livra-nos e perdoa-nos tudo
redime-nos os pecados
e enforca os nossos rostos em teu nome
*
TU ÉS MORTAL, MEU DEUS
*
Tu és mortal meu filho
isto que um dia a morte te virá buscar
e tu não mais serás que um grão de milho
para a morte debicar
*
Tu és mortal meu anjo
tu és mortal meu amor
isto que um dia a morte virá de banjo
insinuar-se-te senhor
*
É-se mortal meu Deus
tu és mortal meu Deus
isto que um dia a morte há-de descer
ao comprimento dos céus


Foto de José Carlos Mexia

No céu ki kata brilha - D.G.B

this is an audio post - click to play

D.G.B.


Já tinha aqui aparecido.
É um homem do rap. Da margem sul.
Um lutador!
A voz daqueles que não gostam de ser discriminados.
Dos que todos os dias lutam pelos seus direitos.
Uma alma grande.
Os putos, do bairro, e arredores, conhecem-lhe a música e as letras.
O próximo audio post é com ele.
O registo é da minha responsabilidade. Os meus audio posts são merdosos.
O Zé é do melhor!

Este Verão...quero ver o Tejo com a "Ice Queen"!




Fotos de José Carlos Mexia

quinta-feira, 4 de agosto de 2005

Robert Johnson / Muddy Waters / Armando Rocheteau / Boom, as guest star

this is an audio post - click to play

Estão 40 graus lá fora. Que tal algo contra o calor?

Dois especialistas em bebidas atentos à preparação do...

Africa Drink


Ingredientes:
5 cl. de Safari
3 cl. de Vodka
10 cl. de sumo de maracujá sem gás
muito gelo

Preparação:
Colocar no shaker com gelo todos os ingredientes e bater durante 30 segundos.
Sirva no copo com 6 cubos de gelo.

Utensílios:
Shaker
Copo long drink

Decoração:
1 Rodela de laranja,
1 Cereja, ananás,
Limão,
Hortelã e casca de limão colocadas no bordo do copo.

quarta-feira, 3 de agosto de 2005








'e a serpente se desenrola até à evaginação de si',
Luís Carlos Patraquim

Ilustração de Ivone Ralha, para capa de livro







MANINGUEMENTE PERGUNTANDO
à Paula W.

Por que sangram tão maninguemente
as capulanas em Amsterdam,
serígrafas no seu rosto,
desenho de canais sem barcos
desaguando numa praia muito deserta
e limpa?

E por que tão salgados agoras os crioulos cabelos
desamarrando-se em Haarlem,
coroa de vento em Combomune
desde o maninguemente da infância
e um carro-de-linhas de caminho-de-ferro
ainda tosse no rio turvo das mãos?

E por que é que uma noite, no mato de Amsterdam,
ela viu o cérebro da árvore
muito rindo para fora,
rasgando-se nas águas que há
e os seus olhos de Elandi subiram
até aos quatro cantos do escuro?

E a uma criança maninguemente aberta,
fruto na monção de Março, disse:
amadurece lá fora, sopra no meu voo
para ninguém caír?

E por que é que agora, nos canais de Amsterdam,
uma minúscula semente de mafurreira,
vermelha e tão negra
de assim maninguemente apátrida,
subverte a sazão da luz
e o fogo das estações de deus,
enxertando de África a haste das túlipas,
boca frenética a deglutir o tempo,
tão assim maninguemente
para não morrer?

In ‘O Osso Côncavo e outros poemas’
Luís Carlos Patraquim, poeta moçambicano
Editorial Caminho, 2005


Foto de Ivone Ralha

Foto de Ivone Ralha

terça-feira, 2 de agosto de 2005

Maputo: Chez Rangel Jazz-Bar Café, a casa onde o jazz floresce

Não obstante a crise provocada pelo aumento do combustível e subsequente agravamento do custo de vida, a vida nocturna da capital tem registado uma actividade cada vez mais crescente na área dos espectáculos e entre­tenimento, passando pelos restaurantes e locais de diversão a abarrotar de cita­dinos e também turistas que nos visitam) em demanda de Maputo by night.
De entre muitas atracções que a cidade de Maputo oferece, existe um local sui generis que é, sem dúvida, o “Chez Rangel Jazz-Bar Café” que, todos os sábados, agre­ga um público heterogéneo num ambiente democrático e des­contraído em ameno e franco convívio.
Situado na baixa da cidade, no interior do belo e imponente edifício da Estação dos CFM , o “Chez Rangel Jazz Bar Café” logo se tornou, aos sábados, em ponto de encontro da intelectualidade da praça e não só. Assinalamos ainda um público entusiasta que gosta da música de Jazz, e que todos os sábados sentados a menos de “um metro dos músicos, vão aplaudindo calorosa­mente os solistas nos seus improvisos, incenti­vando-os a dar o melhor de si mesmos”.

Músicos
A “B. Band”, o grupo que actua regularmente no “Chez Rangel”, proporcionou-nos uma boa actuação musical executando temas clássicos e modernos dos grandes compositores do mundo do Jazz, tais como Duke El­lington, Charlie Parker, T. Monk, Gil­lespie, Miles Davis, Chick Corea e ainda temas de António Carlos Jobim. Que­remos ainda desta­car o solismo criativo de Baloi no alto-saxofone, Gui­lherme no trom­pete e Baba na sua guitarra. Apesar de no­­tuação da secção rítmica (baixo e bateria) a cargo de Marcelino e de D. Nhavene ainda ha que tra­balhar muito para marcar e vincar mais a pontuação e intensidade rítmica.
Quanto ao repertório de sábado último achamos que se podia tocar menos nú­meros de bossa, (não temos nada contra o bossa) e mais Jazz.

in "SAVANA, semanário independente moçambicano" 29.07.05
(artigo não assinado)

Uma baixa na escrítica rock

Morreu Al Aronowitz, o decano do jornalismo rock.

A originalidade da sua escrita começou a dar nas vistas nos anos 50.
As suas reportagens sobre Jack Kerouack e Allen Ginsberg para o New York Post, tornaram mais visíveis as acções e intenções da Beat Generation.
O fenómeno da contracultura foi algo que o inspirou, e sobre o qual escreveu bastante.
A sua abordagem sobre questões politicas e sociais, que interessavam à geração do pós-guerra, revelou uma nova forma de fazer jornalismo, pouco habitual na época.
Foi também um dos primeiros a escrever, nos Estados Unidos, sobre o fenómeno dos Beatles na Europa. Só com a primeira visita dos Fab Four aos States é que os americanos despertaram para a beatlemania. Continuavam vidrados na pélvis do Elvis.
Privou de perto com Bob Dylan e escreveu muito sobre ele.
Aliás, Dylan chegou mesmo a compor “ Mr. tambourine man” na sua cozinha.
Em que estado, não sei.
Com o seu trabalho inovador na área do rock, Al Aronowitz inspirou várias gerações de jornalistas e a música começou a ser encarada de forma mais séria (e cheirosa...).

You Dig It? Grooovy..

segunda-feira, 1 de agosto de 2005

Ladies and genitals, Los Santeros

Já que estamos numa de white trash, deixo aqui esta mítica foto da não menos mítica banda de surf-mariachi-mexico-rock-dirty Los Santeros. Começaram as suas actividades no não menos mítico ano de 1977, e mesmo com muitas tentativas, dos próprios e de outros, ainda não conseguiram parar. Neste momento estima-se estarem para os lados das Ilhas Caimão aproveitando o Sol e las chicas enquanto fingem dar concertos. A qualquer momento poderão (ou não) parar em Portugal, onde já deram alguns profícuos espectaculos. Quando tal acontecer daremos novidades.

Soares

Confesso que a (provável) candidatura de Soares à presidência me deixa com sentimentos contraditórios. Por um lado, fico feliz por a Esquerda ter um candidato capaz de ganhar, ao contrário das hipóteses Alegre ou Freitas. Também acho que um confronto Soares/Cavaco, tal a crispação ideológica que provoca, vai reanimar o debate político a sério, em vez deste discurseco fala-barato tecnocrático corrente, que nos tenta convencer que não há soluções diversas quando partimos de premissas diversas, e que tudo se resume a gerir (aliás, a gerir sempre da mesma maneira, com os resultados que se vêem). Por outro lado, deixa-me sem dúvida um amargo de boca ver como a Esquerda, mais do que a Direita, não tem uma figura com peso político que não seja um ex-presidente que já anunciou várias vezes a reforma. Mas, sendo eu como já disse da Esquerda libertária responsável (o que quer que isso seja), e à falta de melhor, faço minhas as palavras do Armando noutro local deste blogue e declaro Soares o meu candidato.

KTU


No decurso das minhas andanças sulistas fiz uma paragem no Festival Músicas do Mundo em Sines, onde encontrei excelente ambiente e uma grande escolha músical, como de resto já esperava. No meio de (alguns) grandes concertos como os da Moshtar Sevdah Reunion (Bósnia), Amadou & Mariam (Mali) ou o eterno alucinado Hermeto Pascoal (Brasil), fiz uma descoberta que me deixou em estado de choque e a abanar por dentro (e ainda estou). São os KTU, um colectivo composto pelos finlandeses Kimmo Pohjonen (acordeon) e Samuli Kosminen (sample e percursão) e pelos ex-King Crimson Trey Gunn (guitarra warr, que significa um instrumento eléctrico com dez cordas que é um baixo e uma guitarra ao mesmo tempo) e Pat Mastelotto (bateria). Um exercicio tribal-tecnológico envolto em bruma polar, uma explosão nuclear em terras siberianas, ou sabe-se lá o quê (sinceramente, acho que este concerto me retirou as últimas veleidades em ser crítico musical- é que não consigo mesmo achar palavras para aquilo). Após intensas buscas na net consegui achar um video deles no site oficial de Kimmo Pohjonen. Podem vê-lo aqui.

Boa tarde às coisas aqui em baixo

Estou de regresso do meu merecido mas curto descanso. Tempo para passear, ver e sentir o mar, relaxar sem horários, pressões ou confusões. Mas tempo também para sentir de perto o enorme peso da perifericidade neste nosso Portugal; como é difícil deslocarmo-nos de uma terra a outra sem transporte próprio, como regiões funcionam desintegradamente sem plano, visão, sem rede integrada de transportes, etc. O meu cicerone principal, um historiador e agricultor de Castro Marim, homem de iniciativa e energia, que começou a produzir agricultura biológica quando nem se conhecia por cá esse conceito, contou-me as coisas mais escabrosas a propósito do desperdício e da ineficácia por que todos pagamos devido à ausência de uma coisa simples mas essencial: um plano. Este meu amigo rematava as conversas a este respeito dizendo algo do género: "Temos de acabar com o Estado, é o grande cancro da sociedade portuguesa". Eu respondia-lhe mais ou menos assim: "Mas se as coisas são como tu dizes nós nem sequer temos Estado, e já queres acabar com ele?" Devo dizer que ele não me convenceu, nem eu a ele, mas estas conversas tornaram-me pelo menos um pouco mais adepto da regionalização. É que se temos de recriar o Estado, sem dúvida que precisamos de outro.

Vozes Distantes do Mar

Tudo começa com um assobio estranho, cheio de vento. Vento que sopra nos canhões do Museu Sahrawi da Guerra, movendo as areias... Depois as vozes do deserto. ‘Sahrawi, voci distanti dal mare’ é um disco especial. Com canções como os outros, de ninar, de guerra, de amor, ao profeta ou de solidão; mas especial porque com ele vem a Frente Polisário e o povo Sahrawi. São 150 mil refugiados em tendas há trinta anos, numa das regiões mais inclementes do deserto. Alguém se lembra? ‘Necessità dei volti’ é um projecto que nasceu em Itália, para apresentar ao mundo o arquivo fotográfico do Museu Sahrawi da Guerra, testemunho da ocupação marroquina do Sahara Ocidental. Lá, estão vinte e cinco mil fotos em três caixotes no chão, na areia... 483 fotografias foram reproduzidas num livro do qual só existem 20 exemplares.É um livro sem texto, com uma foto por página, centrada, a 1/1, com a cor e os rasgões do tempo. Que fotos são estas? Fotos recolhidas durante os anos de guerra nos cadáveres ou nos prisioneiros. Fotos da família e dos amigos: as crianças, os irmãos, pais, a namorada, na terra ou em festanças de caserna. Retrato do ocupante e do ocupado. Agricultores, quase todos. Pobres de ambos os lados. Patrizio Esposito, fotógrafo napolitano, esteve lá. Digitalizou as fotos com um pequeno scanner ligado a uma bateria de camião. Agora carrega um dos vinte volumes e mostra o livro em casa de amigos... e de amigos de amigos. Meticuloso, sóbrio, conversa. Responde. Com rigor e respeito. Entregue. Um dia destes vai-se embora. Deixará um guardião, com o livro e a causa em Lisboa? Nestes tempos de excesso de informação, onde todas as notícias se matam umas às outras, este modo simples de abrir as nossas casas e conversar entre amigos de coisas realmente importantes marca a diferença. Nunca me vou esquecer que EU VI AQUELAS FOTOS EM CASA DO PEDRO E DA ANA. Tornou-se uma coisa minha, pessoal. Sei que ficaram discos na Mabooki, livraria africana no bairro alto, na rua João Pereira da Rosa. Não sei se ficou mais alguma coisa... Vão ver! Da recém nomeada fotógrafa do 2+2=5, com um abraço.
Ivone Ralha

Nhos é di bairro - D.G.B

this is an audio post - click to play

Uma voz de Portugal

"É uma casa portuguesa, com certeza!/ É, com certeza, uma casa portuguesa!"


Foto de Francesca Pinna