quinta-feira, 11 de maio de 2006



O 2+2=5 (i.e. quem nos visita) está convidado para uma festa em Zurique nos dias 16 e 17 de Junho.

E preparem-se para a que vem a seguir, em Lisboa. De 6 para 7 de Julho, com música ao vivo da rapaziada inquieta.

quarta-feira, 10 de maio de 2006

Sobre a necessidade de uma revolução (1- haver ou não necessidade de uma mudança no paradigma organizacional da sociedade actual)

Em A Sociedade do Espectáculo Guy Debord afirma: "no mundo realmente reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso". A sociedade actual parece confirmar a todo o momento esta sentença. Michael Hardt e Antonio Negri analisam, em Império, o conceito de Focault de "sociedade disciplinar", concluindo por uma mudança no paradigma ocorrido devido ao fim da guerra fria e à revolução tecnológica. Propõem, então, um novo conceito, o de "sociedade de controlo". Concordo com esta análise. No nosso tempo, a relativa liberdade que possuimos é confundida com o melhor dos mundos possíveis; a delapidação de recursos, com inevitabilidades; as receitas que conduziram, e conduzem, à miséria no terceiro mundo são apresentadas como as únicas que conduzirão ao caminho inverso. O neoliberalismo apropriou-se do léxico revolucionário: o "progresso", a "mudança", a "liberdade", a "igualdade" são, afinal, livrarmo-nos dessa canga ideológica esquerdista e desse peso morto, o "Estado". No entanto, a dita "revolução neoliberal" não é mais que a repetição dos mesmos princípios que conduziram à miséria e à desigualdade; e não se vê que proponha a substituição das funções do Estado por outra coisa que seja. Pelo contrário, a sua solução é a de transformar "serviços" em "bens", e colocá-los à mercê do livre arbítrio dos negócios. Entre muitos dados sobre estas matéria, publiquei já aqui no 2+2=5 referências a estudos que provam que, por exemplo, na área da saúde a liberalização conduz não apenas a uma pior qualidade como até a um maior desperdício (ver aqui). Em suma, o "neoliberalismo" não é mais que o velho capitalismo, embora com nuances.
Hegel e Marx demonstram como a evolução de uma sociedade, ou de um corpo social, é dialética, ou seja, progride por acção-reacção. Não é possivel mais, hoje em dia, que o cidadão comum aceite os mecanismos da sociedade disciplinar focaultiana; e não se pretende de modo algum negar que o liberalismo, por ser uma ideologia da livre iniciativa, criou essa repulsa pela velha ordem. O que sustento é que os mecanismos de exploração apenas se aperfeiçoaram, refinaram, e tiveram de o fazer para responder aos vários desafios que o século XX lhes apresentou. A grande mudança no paradigma, brilhantemente antecipada por Debord e superiormente explicada por Hardt e Negri, é a transformação numa sociedade de controlo; ou seja, em lugar de uma disciplina férrea, é exercido um controlo subtíl, por vezes mesmo personalizado. Para o conseguir, é necessário que o sistema domine o ponto-chave de uma sociedade onde a liberdade é um valor superior: a informação. Se o Homem tem como principio maior o de agir livremente, ou seja, decidir, falo-á de acordo com a informação que dispõe. O controlo dos media é a chave para o domínio na sociedade de controlo. Nesse aspecto o nosso tempo apresenta, para o olhar do observador atento, um verdadeiro espectáculo. As projecções económicas, por exemplo: não há uma que não preveja para 2/3 anos depois a recuperação da economia- e no entanto a crise persiste. As agendas para o combate à fome: tivemos o ano 2000, depois 2005, agora 2010, todos com o mesmo objectivo- e a miséria piora no Terceiro Mundo. Em relação ao ambiente, a Agenda 2000, o Protocolo de Kioto para 2010, a sua revisão prevista- e o clima deteriora-se de dia para dia. O facto é que o cidadão comum nem sequer se lembra destes objectivos anteriores distantes, e que é convencido por estes dados falsificados (e convém pensar nas fontes que os produzem...) de que se caminha na direcção certa, a da "igualdade", "liberdade" e "progresso" do amanhã que canta neoliberal. Uma sociedade que se pretenda estar ao serviço dos cidadãos de todo o mundo precisa de novos paradigmas, e nesse sentido "a verdade é sempre revolucionária" (Trotsky).

Hoje desligue a televisão

Se está farto de telelixo e de programas de qualidade duvidosa tem uma boa solução: desligue o seu televisor. Hoje é o dia de abstinência televisiva na península ibérica a favor de uma televisão de qualidade. A acção é organizada pela Federação Ibérica das Associações de Telespectadores, que organiza o protesto pela 11ª vez. Pretende pôr os cidadãos ibéricos a reflectirem sobre o tempo que gastam em frente ao pequeno ecrã, muitas vezes inutilmente. E então, qual é a alternativa quando à noite não tiver nada para fazer? O Pedro Abrunhosa dá-lhe a resposta. Coloque o álbum "Palco" na sua aparelhagem e escolha uma das duas versões da música com o título mais sugestivo. São longas, portanto, vá com calma.

terça-feira, 9 de maio de 2006

Café


Foto de Sérgio Santimano
Margão, Goa, Índia. Janeiro de 2006



Eis um café com um moderno 'design'.
É pouco usual encontrarmos lugares assim.

Europa em versão soft até quando?

27 cafés com tradição literária de toda União Europeia vão assinalar hoje o Dia da Europa. Desta vez são os bolinhos e a literatura que comemoram um projecto que ainda está muito longe daquilo que todos esperávamos. Ou seja, a crise de legitimidade e de governabilidade continua a bloquear o projecto europeu. O grande salto que muitos pensavam que seria ser dado com o Tratado Constitucional fracassou. A crise instalou-se na França e na Alemanha, os países que sempre foram os motores do projecto europeu. Os novos desafios do alargamento estão a ser olhados com desconfiança, em especial a adesão da Turquia. As relações com os países árabes da região já conheceram melhores dias e a hegemonia dos Estados Unidos continua a fazer-se sentir mesmo em matérias em que os europeus dão cartas. Alguns países da União Europeia estão curiosamente mais próximos dos Estados Unidos do que da sua UE. Estou a referir-me principalmente aos ingleses, em particular a Tony Blair, que continua a apoiar a declaração de guerra de Bush. Muitas dessas regiões, agora em conflito, estão historicamente ligadas à Europa e algumas têm inclusivamente percursos comuns. Neste caso, a UE poderia ter um papel importante na imposição de negociações pela via pacífica, se quisesse. O que agrava este estado de coisas é que esta incapacidade do velho continente se impor acaba por colocar nas mãos dos ultraconservadores norte-americanos o poder da guerra. Esta impotência aflitiva revela que o nascimento de uma verdadeira União Europeia continua em stand by. Como resolver este imbróglio? Não sei. Vou até ao Martinho da Arcada beber um café, comer um pastel de nata e tentar falar com Fernando Pessoa sobre o assunto.

Sobre a necessidade de uma revolução (prólogo)

Esta questão necessita, para ser correctamente entendida, que a analisemos pelos seguintes vectores: 1) haver ou não necessidade de uma mudança no paradigma organizacional da sociedade actual; 1.1) haver uma "justificação" para essa necessidade; 2) essa necessidade se poder, ou não, consubstanciar sob a forma de uma "revolução"; 2.1) como entender, face ao actual paradigma, a forma, ou formas, que tomará, ou poderá tomar, essa hipotética "revolução"; 2.2) quais as possibilidades (reais) de tal acontecimento existir; 2.3) quais as implicações, positivas e negativas, da revolução, ao acontecer. Cada um destes vectores e subvectores merecerá um post diário, que espero servir também como porta aberta ao debate de ideias e às contribuições de todos. A minha perspectiva deve ser entendida assim mesmo, como "minha", sem quaisquer pretensões de cientificidade, que esses tempos em que se não percebia a volatilidade do pensamento humano, felizmente, já lá vão, mesmo que alguns o neguem por conveniência, seja daqueles que não conseguem viver sem o determinismo do amanhã que canta, seja dos outros a quem esse determinismo serve como uma luva para justificação por inversão do seu imobilismo, resignação, ou por vezes mesmo cumplicidade.

Nota: Este post marca também o meu regresso em "full-time" ao 2+2=5. Durante alguns meses pouco aqui escrevi, mas, talvez também por isso, outros garantiram a qualidade e o intersse que este blogue continua a ter. Novos colaboradores surgiram; o Armando Rocheteau manteve o seu ritmo de publicação e a sua marca de divulgador; e quero destacar o António Oliveira, que cada vez mais se revela como blogger de primeira.

segunda-feira, 8 de maio de 2006

O lamentável estado da oposição

Este foi um fim-de-semana cheio de ruído político. Marques Mendes, o “feroz” opositor de José Sócrates, concorreu contra si mesmo nas primeiras eleições directas da história do PSD. Fantástico. A taxa de participação foi pouco mais de um terço, mas obteve uma votação esmagadora, superior a 90%. O que significa, ou pode significar, que quem não acredita em Marques Mendes não pôs lá os butes. Mas o que o novo/velho líder ficou muito satisfeito com a sua esmagadora maioria. Também Ribeiro e Castro veio dizer o mesmo. Para ele a esmagadora maioria foi de 56%. E os 42% do seu opositor não representam nada. Para quem foi eleito líder do CDS-PP pela terceira vez no espaço de um ano, 56% representam uma vitória sem margem para dúvidas. Mas os críticos, leia-se parlamentares, não lhe vão dar tréguas e ganham terreno. Mesmo quando são liderados por um puto da Juventude Popular, o tal dos 42%. Ele é o adversário de peso!
Este insólito fim-de-semana da oposição fez-me lembrar uma história, já conhecida, cujas partes se podem adaptar a cada um dos líderes. Mas deixo esta tarefa ao seu critério. Reza assim:
Um casal feliz descobre uma revista sadomasoquista no quarto do filho.
Diz a mãe: - O que fazemos ao miúdo?
Ao que o pai responde: - Ao que parece, não adianta nada bater-lhe....
Tempos mais tarde, o sadomasoquismo começa a criar problemas ao filho do casal. Este decide então, não consultar um psicólogo, mas sim um psiquiatra.
Que lhe pergunta: - Então o que é que lhe deu para se meter nisto?
- A minha mãe nunca me deu de mamar. Ela dizia que só gostava de mim como amigo!

Presidenciais: quando as campanhas não tinham assessores de imprensa

O Café Chave de Ouro está repleto. Estamos a 10 de Maio de 1958, a um mês das eleições para a Presidência da Republica. Primeiro acto público com a presença do Candidato Humberto Delgado depois de iniciado oficialmente o período eleitoral.
À nossa volta personalidades de todos os matizes políticos que se opõem ao regime salazarista. E certamente não só. A Polícia Política, de uma forma ou de outra não deixará de aí ter ouvidos e olhos para, como usualmente, saber o que se passa e com quem se passa...
O professor Vieira de Almeida, o primeiro orador, com o brilhantismo que levava às suas aulas gente de todas as escolas superiores de Lisboa, depois de referir a surpresa enorme que teve pela sua investidura como Presidente da Comissão Nacional da Candidatura, considera-a explicada pela presença de tantas pessoas que representam tão diversas correntes de opinião.
Faz de seguida a apresentação de Humberto Delgado, General, candidato independente. Não procura o apoio de partido algum. Apresenta-se sem compromissos partidários. Aceita o apoio de todos os homens de boa vontade.
(…) O General começa por agradecer as variadas presenças. Propõe-se responder às perguntas dos jornalistas. Critica o Governo e a União Nacional pela sonegação dos cadernos eleitorais à oposição. O que "integra a tendência de todas as ditaduras para a crueldade". Prossegue:
"O Governo não abranda as suas tradicionais perseguições à oposição".
Refuta a referência de determinado jornal à sua candidatura como sendo apoiada por uma potência estrangeira a que contrapõe o carácter indiscutivelmente nacionalista da sua posição desde sempre. Surge a primeira pergunta, do correspondente da France Press.
"Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho se for eleito?"
E a resposta, imediata, enérgica, sem uma hesitação, sem um tremor:
"Obviamente, demito-o".
*
Retirado, com a devida vénia, de “Vidas Lusófonas”

domingo, 7 de maio de 2006

"Hey, Cariño"

"Está preparada para a segunda edição do Salão Erótico de Lisboa?
Estou. Para lá da minha faceta de actriz 'porno', vou actuar numa área muito especial a que me dedico lá em Barcelona...
Que área é essa?
Sou acobrata vaginal.
Desculpe?!
É isso mesmo. Tiro 18 metros de correntes de dentro de mim. Também tiro bolas de pingue-pongue e dou autógrafos com a vagina."

In Notícias Sábado, 17, 6 de Maio

Post dedicado ao esforçado colega de jornal de Sonia Baby - o Prof. César das Neves

O Capuchinho Vermelho

"(...)Uma vez um jovem pai disse-me que,(...)todas as noites, a filha queria que ele lhe contasse a história do Capuchinho Vermelho, mesmo depois de a mãe já lha ter contado, e se isso não acontecesse ela não dormia. Ele queria saber porquê. E eu respondi-lhe: "Por uma questão muito simples, porque tu estás no lugar do lobo e ela olha para ti como um perigo." E ele abriu os olhos muito espantado e disse: "Então é por isso que todas as noites ela diz: "O pai não come a Rita, pois não?" O pai dizia que não e ela então adormecia tranquila (...)"

João Seabra Diniz (Psicanalista)
In Pública, nº518, 7 de Maio de 2006

sábado, 6 de maio de 2006


Esmalte de Luís Ralha


Sucedeu Assim

Assim,
Começou assim
Uma coisa sem graça
Coisa boba que passa
Que ninguém percebeu

Assim,
Depois ficou assim
Quis fazer um carinho,
Receber um carinho,
E você percebeu

Fez-se uma pausa no tempo
Cessou todo meu pensamento
E como acontece uma flor
Também acontece o amor

Assim,
Sucedeu assim,
E foi tão de repente
Que a cabeça da gente
Virou só coração
Não poderia supor
Que o amor nos pudesse prender,
Abriu-se em meu peito um vulcão
E nasceu a paixão.

Antonio Carlos Jobim / Marino Pinto

sexta-feira, 5 de maio de 2006

Freud, o divã e os seus multiplos usos

Comemoram-se agora os 150 anos do nascimento de Freud. Nunca nos últimos tempos se escreveu tanto sobre psicanálise e o seu criador. Freud virou objecto de culto? Talvez não. Parece mais o assinalar de uma efeméride importante na descoberta dos mistérios e da estrutura da mente humana. Pessoalmente nunca me interessei muito por Freud, nem acreditei muito na psicanálise. As terapias eram feitas a cru, em grupo, com muito álcool e outras substâncias defendidas por diversos ervanários da época. Estendia-se até aos cogumelos de Carlos Castañeda. Havia quem defendesse que "quem tem amigos não precisa do divã do psicanalista". Mas muitos de nós iam mais longe e estudavam os radicais. Sim, David Cooper, entre outros. Os seus livros eram esclarecedores quanto à morte da família ou como tratar de uma depressão através do LSD. Assisti a uma conferência de Franco Basaglia, o defensor italiano da antipsiquiatria, que explicou ao pormenor como decidiu abrir as portas do hospital psiquiátrico onde trabalhava. Fiquei surpreendido e pensei que talvez essa fosse a solução para muitos males sociais. Abrir as portas da percepção. Também Foucault estava em sintonia com os antipsiquiatras. Defendia que os loucos não sofrem de uma doença mas sim de opressão de uma sociedade que não os compreende. Esse era o pensamento de muitos os da minha geração, quando se falava em doenças mentais. Era radical? Pensava eu que sim, mas há quem defenda que não. Chantal Bosseur escreve no seu livro "Introdução à Antipsiquiatria" que a metodologia de Freud e a dos antipsiquiatras têm muitas analogias. Considera que o que Freud fez com os histéricos, os antipsiquiatras fizeram com os esquizofrénicos. Mais uma vez a teoria dos extremos que se tocam. Porra. Tantos anos de luta para chegarem a esta conclusão? Sinto-me um pouco depressivo. Mas prometo que não vou ao psicanalista.

"Sarkozy em Camarate"

“Aquilo a que se assistiu em Camarate --pelo que vi na televisão, pelo que li nos jornais e concluo apelando aos meus conhecimentos de jurista e à experiência que acumulei como bastonário da Ordem dos Advogados-- pareceu-me ser expressão de uma concepção inadmissível: os cidadãos que as polícias “sabem” que são criminosos (e as suas famílias) não têm direitos, pelo menos enquanto não forem presentes a um juiz de instrução.
(…)
O excesso de violência policial –qualquer manual de psicologia social o explica—provoca em sociedades democráticas aumento das tensões sociais e não a sua redução.
(…)
Uma nota final quero fazer, para deixar registado que me custou muito não ter ouvido em nenhum dos telejornais desse dia a voz clara dos advogados portugueses a lembrar os valores essenciais do Estado de direito; e que no site da Ordem dos Advogados nenhuma tomada de posição surja sobre esta matéria, nomeadamente afirmando-se o apoio jurídico que constitucionalmente é devido para os que tiveram o seu património destruído sem justificação. Este não é, realmente, o silêncio dos inocentes.”

José Miguel Júdice

In Público 5/05/2006

Não sejas Pravda!

Rezam as crónicas oficiais que o jornal Pravda (A Verdade) começou a ser publicado a 5 de Maio de 1917, tendo como seu fundador Lenine. No entanto, e como só a verdade é revolucionária, é mentira. Foi Leon Trostky, com mais dois companheiros, quem começou com o jornal, em 1908. A sua publicação era na altura feita em Viena de Áustria, para evitar a censura. O jornal era depois enviado para a Rússia. Tinha assumidamente um pendor social-democrata, muito virado para os problemas da classe operária. E foi devido a essa temática que rapidamente se tornou num jornal muito popular em toda a Rússia. Em 1910 foi transformado no órgão do Partido Social-Democrata Russo, mas em Abril de 1912 publicava o seu último número. Os bolcheviques trouxeram-no de novo para as bancas ainda em 1912, desta vez já em São Petersburgo. Encerrou de novo com o início da primeira guerra mundial. Reabre com a revolução russa de Fevereiro de 1917, já com uma forte carga ideológica bolchevique. Com a radicalização da luta politica passou a tomar posições muito próximas de Lenine e do Partido Comunista. Entre a queda da monarquia e o fim do chamado “período burguês”, o Pravda chegou a vender 100.000 exemplares por dia, um número que ainda hoje mete inveja. Cinco meses depois da Revolução de Outubro deixa São Petersburgo e muda-se para Moscovo. A partir daí passou a ser a publicação oficial do Partido Comunista da União Soviética, “fundado por Lenine”. Aguentou o seu monolitismo até 1991, altura em que Boris Ieltsin confiscou tudo o que era do Partido Comunista, incluindo o Pravda. O resto é história.

quinta-feira, 4 de maio de 2006

Cabo Verde, terra di sonho

É a única ex-colónia portuguesa em que se pode realmente dizer que "foi descoberta pelos portugueses". O arquipélago estava deserto, como se pode compreender. Quando Diogo Gomes e o genovês António di Noli encontraram as primeiras cinco ilhas do arquipélago, a 4 de Maio de 1460, não sabiam que estavam a contribuir para tornar o mundo mais rico, na sua diversidade, na sua gastronomia e na sua cultura. As noites passaram a ser mais animadas e o ritmo nunca mais foi o que era. Além da hospitalidade daqueles que passaram a ser os naturais das ilhas, a música de Cabo Verde afirmou-se no mundo e começou a fazer parte dos hábitos de todos os amantes dos trópicos de dança.

quarta-feira, 3 de maio de 2006


Foto de Sérgio Santimano

Ilha de Moçambique. 2003

Contos da Primavera .3

O tempo aquece e lembro-me das portas que Abril abriu. Multicultural, interclassista e de sexualidade à solta era o tempo da Lontra. Ele, no meio dos vinte, cabeleira afro, África no corpo e na dança. Ela, no fim dos trinta (?), “clara, loira e capitosa”, branquela. Mónica Vitti na noite. Troca de olhares. Tiro e queda. Body Heat? Hot Summer? Nove Semanas e Meia? Tudo isso no palco de dança. Depois uns copos e uma de conversa. E, lá se foi o fascínio. Ele esperava uma puta. Ela era uma actriz consagrada. Ela esperava um cabo-verdiano das obras. Ele era estudante de Filosofia. Desencontros. Que saudades tenho de Abril em Maio!

Josina MacAdam

Esmalte sobre cobre de Luís Ralha


Entre pedras, palavras...

Que estupidez o sangue nas calçadas!
O sangue fez-se para ter dois olhos,
um lépido pé, um braço agente,
uma industriosa mão tocante.
Que estupidez o sangue entre as palavras!
O sangue fez-se para outras flores
menos fáceis de dizer que estas
agora derramadas.

Alexandre O´Neill
Berlim, queda do Reichstag, 2 Maio de 1945
Fotografia de Evgueni Khaldei
*
É das fotografias mais impressionantes e mais polémicas do século XX. Tirada com uma Leica por Evgueni Khaldei, mostra o içar da bandeira soviética por um soldado no Reichstag, fez ontem 61 anos. Há quem a considere uma fraude e há quem a coloque como o símbolo máximo da queda dos nazis. Mas não deixa de ser "aquela" fotografia que qualquer fotógrafo que se preze desejaria tirar uma vez na vida.
Nesta última ofensiva do exército soviético para chegar a Berlim, morreram pelo menos 70 mil soldados. Para Stalin era fundamental chegar à capital alemã antes dos americanos. Desconfiava de uma ofensiva preparada por Roosevelt e Churchill. Ao que parece, havia algum fundo de verdade, mas pouco mais se sabe. Hitler tinha-se suicidado dois dias antes. A divisão da Alemanha veio pouco tempo depois. Mas a forma como as tropas soviéticas chegaram a Berlim e os reais custos humanos da ofensiva, nunca foram bem explicados por quem o deveria fazer. Os soviéticos ontem e os russos hoje.

terça-feira, 2 de maio de 2006

Da Capital do Império

Olá,
Desculpem o atraso mas fui a Montreal e isso congelou-me a escrita. É que Montreal é parte do Quebec e depressa se aprende que falar do Canadá é uma coisa e falar do Quebec c’est une autre chose. E isso complica tudo.
Fui informado que para os quebecois o conceito de “canadiano” é algo de distante, como falar de …. americanos. O que irrita sobremaneira os canadianos anglófonos que detestam ser confundidos com americanos (principalmente nesta altura do campeonato bushista) e além disso torna para visitantes como eu tudo muito complicado de explicar. O que não é de admirar. Minorias… complicam sempre tudo, mas como também sempre acontece tornam tudo muito, mas mesmo muito, mais interessante.
Primeira lição: nunca fale de canadianos franceses ou francófonos. Non . Ils sont quebecois et les quebecois ne sont pas français. (Os franceses são vistos como uma cambada de snobes que em bom estilo francês abandonaram os seus “cousins” às mãos dos ingleses)
Segunda lição: se você pensa que fala francês prepare-se para o choque da sua vida. Escrito está tudo muito bem. É como aquele francês que todos nós aprendemos na escola. Falado… c’est une autre chose. A pronúncia é a primeira coisa que tende a deixar pessoas de fraco conhecimento de francês (comme moi) a pensar que de repente há uma série de gente a falar uma língua que às vezes se parece com chinês. O som francês “ain” como na palavra “pain” passa a ser acentuado no “I” tornando-se “paín”. O som gutural que os franceses dão aos “R’s” desaparece e os “R’s” são pronunciados à portuguesa como na palavra “mère”. O som “au” torna-se muito mais aberto quase pronunciado à portuguesa. Experimente com a palavra “autre” . Leia à portuguesa “autre mére” e veja a diferença!! Todas as palavras que começam com “D” acrescentam de imediato um Z. Assim por exemplo “difuser” passa a ser “dzifuser”. As palavras que começam com T acrescentam de imediato um “S”. Tu passa a ser Tsu. E depois para complicar tudo há o Joual, o quebecois ( ou francês?) falado pela população quebecoise, um motivo de orgulho, quase de afirmação nacionalista. Chu tanné des Anglais. (estou farto dos ingleses). Chu pu capab’. Não sou capaz ou já não aguento. (“Chu pu” foi a minha razão de confundir inicialmente certas frases com o chinês….)
Terceira lição: A língua é a alma de um povo e ninguém leva isso mais a sério que os quebecois (quebequianos? quebéqueres? Como se diz em português?). Muitos, mas mesmo muitos quebecois falam muito mal o inglês e muitos também não o falam. Se sair de Montreal e for para outros lados isso é ainda mais evidente. Há uma “Commission Pour la Protection de La Langue Française” que assegura que em Quebec todo o comércio, incluindo os nomes das lojas, têm que dar prioridade ao francês. Isto às vezes resulta em cenas cómicas com “policias da língua” armadas com fitas métricas a tentar estabelecer se as palavras em francês são efectivamente maiores do que as em inglês ou se uma loja com o nome de “Sex Shop” viola a lei. (Viola. O nome correcto é …. Sexerie). Nem pensar em usar a palavra “drive-in”. “Service au Volant” é como se diz em Quebec. Os quebecois levam isto ainda mais a sério que os franceses com a sua paranóia sobre a língua inglesa. No Quebec nem pensar em falar em “shopping” como aí na Lusitânia com o “Cascais Shopping”. Em França pode-se “faire le shopping”. Em Portugal “ir ao shopping”. No Quebec “on fait le magazinage”. Agora há guerras em tribunal por causa de palavras como “cyberspace” e outras das novas tecnologias. Traduire ou ne pas traduire c’est la question e as autoridades quebecoises têm uma resposta: Traduire. Tout. Sans exception.
Se noutras partes do Canadá o ensino do francês (a segunda língua oficial do Canadá) está em declínio, no Quebec está muito bem muito obrigado. É uma luta pela soberania cultural numa altura em que a liberalização do comércio à escala do planeta traz para o Canadá desafios em que o francês perde a favor de línguas como o espanhol e o mandarim. Como minoria que até há pouco não tinha qualquer poder económico no Canadá a língua tornou-se no cavalo de batalha, num ponto de afirmação … e mesmo exclamação!
Bem por agora é tudo. Regresso dentro de dois ou três dias para vos falar mais do Quebec, de homens como Michel Tremblay um dramaturgo que causou escândalo ao dizer que já não apoia la souveraineté e também de como no Quebec palavras de insulto são palavras dos rituais da igreja católica como cálice e hóstia.
De momento chu pu capab’ de continuer. Vive le Français…. Libre!

Um abraço
Aqui da capital do Império,

Jota Esse Erre