Acerca dos que vão votar "não" no próximo referendo, queria deixar algumas considerações:
Os do "não" usam
liberalizar e outros vocábulos como táctica. Coisa baixa e cínica. Qualquer um percebe que o mercado do aborto clandestino sim, está liberalizado. Fala-se de despenalização, que é bem diferente.
Falam depois, com uma leviandade que me assusta, de
vida. Irrita-me. Porque não tenho quaisquer dúvidas que um feto é vida humana. Mas tenho sérias dúvidas que seja uma pessoa (que é bem diferente). Mais, quem usa o argumento da vida deve, por uma questão de coerência, pedir a alteração da actual lei, que permite o aborto nos casos de malformação e violação. Ora, nesses casos, a menos que vida tenha um contexto moral, também se está a falar de abortar vidas. E, portanto, esses coerentes querem que as mulheres tenham filhos da pessoa que mais odeiam (só para dar um exemplo).
Temos ainda os que acham que a actual lei está bem como está, e que, de tão bonzinhos, até acham que as mulheres não devem ser julgadas. Em primeiro lugar, a manutenção da actual lei não permite combater o problema do aborto clandestino, e esse é o grande problema da nossa lei. Em segundo, querer uma lei assim mas sem julgamentos é querer um Estado que tem leis que não cumpre. Adianto ainda que quem quiser apenas
culpa diminuta, não combate a condenação moral e a humilhação das investigações.
O grandíssimo problema que afecta as pessoas anti - escolha que até são mesmo bem-intencionadas é acharem que o aborto passa a método contraceptivo. O primeiro erro desta afirmação é que o método contraceptivo é algo que impede a implantação (definição que inclui a pílula do dia seguinte). O segundo é que, como é óbvio, nenhuma mulher gosta de abortar. A prova disso é que cerca de 90% das mulheres portuguesas que aborta em clínicas espanholas só o faz uma vez (segundo as estatísticas das mesmas clínicas).
Por último, o irritante argumento
os nossos impostos vão pagar isso?. Nem merece resposta, mas aqui vai: estou-me nas tintas para os custos do aborto para o défice. Mas só para que fique bem claro, o aborto até às 9 semanas é médico e não envolve internamento (apesar de precisar de acompanhamento).
Algumas notas sobre o Sim:
- A Organização Mundial de Saúde (que não consta que seja um movimento pelo Sim nem pelo Não) tem directivas no sentido de não existirem leis restritivas. Diz ainda que, como é óbvio, no início o número de abortos subirá - dado que antes não se sabia quantos havia! (alguém acha que uma mulher vai chegar às Urgências do Hospital e dizer "Acabei de cometer um crime, abortei clandestinamente."?) - mas que de seguida desce bastante.
- O aborto é um problema de saúde pública. Infecções, esterilidade, morte. E em toda a Europa (excepto Portugal, Irlanda e Malta), a única maneira de o combater é a despenalização. Nem toda a gente sabe tudo sobre métodos contraceptivos e, mesmo para quem tem informação, estes falham.
- Não há qualquer relação entre trauma psiquiátrico e o aborto. Há diversos estudos científicos, com amostras significativas, que o demonstram.
- O sim engloba o não, dado que quem não quiser abortar, não aborta. O não exclui o sim.
(Desculpem a pressa, mas prometo escrever mais pormenorizadamente sobre o assunto.
En passant: vá ao
Médicos Pela Escolha )
Manuel Neves