Confesso que embirro com vegetarianos. Aliás, embirro com vegetarianos "militantes". Não que não ache que a dieta vegetariana é saudável desde que bem doseada, que é bastante mais saudável que a minha própria dieta, que se calhar é a dieta mais saudável. O que sempre me fez espécie é aquela espécie de "vegetarianos revolucionários" que acham que por não comerem carne estão a praticar a revolução, estão até a fazer a maior de todas as revoluções. Porque as pecuárias dão cabo do ambiente, porque estão a destruir a Amazónia, etc. etc. indo ao ponto hilariante de defenderem com unhas e dentes que se todos nos tornassemos vegetarianos acabaria a fome no mundo (como se fosse essa a razão de haver fome no mundo). Pois na revista Pública de hoje (não disponível on-line, como se sabe), Jeffrey Sachs, um geniozinho de Harvard considerado um dos cem homens mais influentes do mundo pela Forbes, vem revelar que afinal um dos principais motivos para a desflorestação amazónica é... A cultura de soja! Isto para mim é uma pequena vingança envenenada, uma daquelas coisas sobre as quais sabemos que não nos deviamos rir por dentro, mas que não dá hipóteses. É uma vitória pessoal depois de horas e horas de discussões estéreis.
P.S. Não misturar isto com as horríveis condições em que se criam os animais de pecuária e as aves, que considero um dos maiores crimes contra a humanidade, repito, contra a humanidade, que se vão praticando impunemente.
6 comentários:
Não, sim, Ok, os parabéns por isto já estar publicado ... já não era sem tempo.
Regozijo-me de ter amigos como vós, capazes de escrever o que vos vai na alma e mesmo assim, capazes de abrir, tão pura e simplesmente, a bolha de ar que ocupa o bolbo raquidiano de muitos que a esta hora deverão estar a ser assaltados por dúvidas avassaladoras sobre a razão pela qual só agora estes gajos começarem a escrever a verdade sobre as coisas, porquê??
Kanimambo Joes.
Um abração, Panda
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Hi André, Armando, João...
Benvindos à blogosfera!
Espero passar por aqui mais vezes para beber um copo.
Força rapazes!
ah sim? e a soja que se planta na amazónia, nessas quantidades inacreditáveis, é para o quê? julgas que é para fazer tofu? não é para criar galinhas e vacas? e já agora, tanto vigor nesse "contra a humanidade" porquê? achas mesmo que o crime é especialmente contra a humanidade? e não contra os animais?
Caro gp:
Vou-lhe dar uma informação adicional: o maior cliente da soja amazónica é a China, o país onde se consome mais soja no mundo (e não são as vacas e os porcos que a comem).
Se digo crime contra a humanidade é porque considero que os crimes contra os animais são crimes contra a humanidade (daí o ênfase, porque muito boa gente não o faz). Podia passar uma tarde a explicar-lhe que só os humanos podem valorar o sofrimento alheio, coisa que os animais nunca farão e por isso é que existem crimes contra a humanidade, etc., mas não me apetece.
O seu comentário só mostra que também o sr. é incapaz de separar alhos e bugalhos, como fazem os ditos "revolucionários" do vegetal (também há quem os chame de "fascistas verdes", e eu não discordo completamente). Acho nobre que se adopte o vegetarianismo devido ao sofrimento dos animais nas pecuárias, mas não é preciso ir buscar motivos e mais motivos, como "a ecologia", ou "a fome no mundo", porque isso é absurdo. Não é por esse motivo que essas coisas acontecem, e mesmo que a opinião pública se tornasse vegan, aha que não seriam as mesmas multinacionais a mudar de ramo para o vegetal, mantendo a exploração e o desprezo pelo interesse comum? E mais, assim com a consciência tranquila de quem acha que faz a revolução a comer soja, sempre se podem encostar à sombra do tofu e dizer que já fazem mais que o suficiente, quando na realidade nem se mexem.
Estariamos de acordo em dizer que o capitalismo sem regras está-se nas tintas para a Amazónia, seja para criar gado, abater madeira ou plantar soja (depende do que der mais $)?
Caro André (acho que nos podemos tratar por tu, não? Na qualidade de libertários de esquerda? E peço já perdão pelo longo comentário)
Não percebo muito bem a referência à China. Não faço ideia exacta de quanta soja é lá usada directamente em alimentação humana, quanto vai para animais, quanta serve para fazer tintas. Gostava de saber, só por curiosidade: tens os números? Pelo que consegui descobrir muito rapidamente, parece ser verdade que a China é o maior consumidor de derivados de soja para alimentação humana; mas também é o maior consumidor de derivados de soja para alimentação animal. E, só por comparação, o segundo (?) maior consumidor de soja, os EUA, gastam 70% dela em rações animais. Mas o argumento é qual? Os vegetarianos chineses são culpados pela Amazónia? É que na China, ao contrário do que supomos frequentemente, há poucos vegetarianos, por uma série de razões antigas e recentes. Está lá o budismo, é verdade; mas também está o confucionismo, e há algumas tensões entre os dois, devido em parte a preocupações que me parecem semelhantes às tuas: caricaturizando, os neo-confuncionistas acusavam os budistas de não se preocuparem com os problemas da humanidade, de só quererem saber dos animaizinhos. De qualquer modo, o vegetarianismo religioso era, como se pode imaginar, reprimido até recentemente pelos maoistas, que aliás o consideravam uma degeneração importada do Ocidente. Em suma, não me cheira nada que o vegetarianismo chinês tenha muito a ver com as plantações de soja na Amazónia (agora, os biliões de patos lacados e de porcos agridoces que devem ser servidos por ano na China... alguma coisa comeram antes de chegar à cozinha, e quase que aposto que não foi nem minhocas nem bolotas.)
Alhos com bugalhos. Desculpa lá, mas não sou eu que os estou a misturar. Muitas vezes, os vegetarianos acrescentam argumentos ecologistas à defesa da sua posição; mas é frequentemente só mais um argumento. Nem o vegetarianismo ético (por contraponto ao meramente higiénico) é necessariamente, ou principalmente, motivado por razões ecológicas, nem os «fascistas verdes» são necessariamente vegetarianos. Há até bastantes discussões entre estas posições; por exemplo, estes últimos podem atribuir importância ecológica fundamental ao consumo de espécies animais (desde que caçadas, ou criadas de forma livre, no seio de uma exploração agrícola “natural”, etc.), enquanto alguns dos primeiros argumentarão que tais considerações são secundárias ou irrelevantes perante o dever de não causar sofrimento e de levar em consideração os interesses dos animais. Os «fascistas verdes» costumam ser é muito contra a agro-pecuária industrial, das multinacionais, nomeadamente, é a grande luta actual, contra a cadeia alimentar-mercantil dos organismos geneticamente modificados – sendo o principal deles, em volume de produção, que é que há de ser, a soja. Curiosamente, o exemplo da soja amazónica, onde vês ironia anti-vegetariana, acaba por ser dos poucos argumentos ecológicos sistematicamente usados para defender o vegetarianismo. Qualquer coisa como: vejam quantos hectares de floresta foram à vida só para semear soja só para produzir um bife.
Acho que nem em dez tardes me conseguirás «explicar» como é que o facto de que «só os humanos podem valorar o sofrimento alheio» (o que é, evidentemente, discutível, e também era capaz de passar uma tarde a explicar isto, mas pronto) transforma a provocação de sofrimento em animais num crime «contra a humanidade». Que me digas que é um crime praticado pela humanidade ainda vá; e é tanto mais grave quanto pelos vistos a humanidade tão bem sabe valorar o sofrimento alheio.
De resto, sim estaria de acordo que o capitalismo sem regras se está nas tintas para a Amazónia e etc.
Saudações
Caro gp:
O erro dos vegetarianos radicais é precisamente esse: os culpados pela destruição da Amazónia não são os vegetarianos nem os omnívoros. Seria perfeitamente possível criar animais para consumo humano com condições. Bastaria reduzir as margens de lucro e acabar com a produção industrial. Mas isso é que não pode ser- os direitos das empresas estão sempre acima dos direitos dos animais, aliás hoje em dia estão até acima dos direitos das pessoas.
Muito rapidamente (não estou interessado em tornar isto numa discussão interminável, até porque nunca vamos ter a mesma opinião): Como deves ter reparado, não estou contra o vegeteranismo "ético" (como lhe chamas). Embirro, como disse, com aqueles tipos que me dizem que "se fossemos todos vegetarianos não havia fome no mundo", ou "a Amazónia não seria destruida". Isto é uma burrice completa, e uma análise tão redutora que chega aos niveis da imbecilidade. Haverá sempre razões para a fome e para a destruição do planeta, comamos bife de vaca ou de soja, enquanto não se puser o interesse geral e o respeito pelo outro (homem ou animal) acima do sagrado lucro.
Quanto aos "crimes contra a humanidade", aí desculpa mas não perdoo. Se o digo é porque provavelmente a minha reflexão ética sobre o que é ser Humano vai para além da tua. Sim, são crimes contra a humanidade porque são crimes contra aquilo que significa ser humano na sua plenitude, que implica ter respeito pelo outro, seja este humano ou animal. Os níveis a que este respeito se deve manifestar é que são discutíveis (aliás, são uma discussão interminável, mas com avanços, recuos e conclusões- aquilo que entendemos hoje ser um crime contra a humanidade não o foi durante muito tempo, aliás antes nem sequer se admitia este termo- quando não tinhamos ainda em nós a dimensão do outro).
Abraço
André
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