segunda-feira, 14 de maio de 2007

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

A Indústria do Insucesso

(um post motivado pelo post da Gabriela)
Existe, entre nós, uma indústria subterrânea que floresce há muitos anos de uma forma próspera.
Gera pequenas fortunas, nas mais das vezes trânsfugas ao Fisco. Vive de forma parasita pois alimenta-se daquilo que o sistema linfático (Ensino) não consegue produzir: o sucesso.
Explicando melhor: a disciplina de Matemática conseguiu criar uma indústria - chame-se ela de explicações ou salas de estudo ou qualquer outra designação que se lhe queira dar. Nas nossas salas de aula a disciplina de Matemática vai criando, desde o 1º ciclo, uma camada de anti-corpos que chegam até ao 3º ciclo num estado tal de acumulação que nada nem ninguém os será capaz de remover. Os nossos alunos - aqueles que não possam ou queiram recorrer à Indústria - serão incapazes de aceder a qualquer curso que, no ensino secundário, lhes possa dar acesso ao ingresso num curso superior com graus de exigência altos.
Os nossos rebentos progridem - é este o termo utilzado em 'eduquês' - mas mancam. Não sabem nada ou quase nada de Matemática. Estarão, à partida, excluídos do sistema educativo se os pais não deitarem mão do único recurso disponível: a Indústria.
E a Indústria é mantida (agora menos...) por quem?...
Precisamente por aqueles que exercem a sua actividade nas nossas escolas, no sistema público.
É possível?, perguntará alguém mais desatento.
É.
Vamos até à formação inicial de professores para o nosso 1º ciclo do ensino básico. Analise-se com atenção o currículo do plano de estudos. Neste momento temos (muitos) professores no terreno com graves carências no que toca à Didáctica do ensino da Matemática. Não sabem o que ensinar, nem como ensinar pela simples razão de que muitos deles desistiram da Matemática quando estavam no 9º ano de escolaridade.
Fiquemo-nos por aqui. Era só para despoletar alguma polémica...

Punk Maria


Museu Cloisters de Nova Iorque. 2007

Foto de Jota Esse Erre

domingo, 13 de maio de 2007

Ana Cristina Leonardo: Bernard-Henri Lévy Vertigem Americana

Não é a primeira vez que «The New York Review of Books» discorda de Bernard-Henri Lévy. Aquando da saída do seu livro Quem Matou Daniel Pearl? (Livros do Brasil, 2003), William Dalrymple seria demolidor, acusando-o de erros factuais, informações falsas e investigação amadorística. A propósito de Vertigem Americana (Edições Caderno), não se pode dizer que tenham sido mais simpáticos. « Lévy is short on the facts, long on conclusions», resumiu Garrison Keillor, directamente «to the point». No «San Francisco Chronicle», Michael O'Donnell não foi mais meigo. Referindo-se ao subítulo da obra, «Uma viagem pela América profunda seguindo os passos de Tocqueville», sublinhou a vacuidade da ideia que lhe subjaz, segundo ele tão despropositada como a de alguém que pretendesse ter escrito Madame Bovary II.
A ideia, porém, não foi de Lévy. Vertigem Americana resulta de um convite feito pela revista «Atlantic Monthly», para que, durante um ano, ele refizesse a viagem aos EUA do francês Alexis de Tocqueville (1805-1859), da qual nasceu A Democracia na América (Principia, 2002), obra que se tornaria num marco do pensamento político, inspirada defesa da democracia e não menos inspirada reflexão sobre os perigos que ela própria engendra. Vertigem Americana não corre esse risco.
A intenção parecia boa. Como Tocqueville, também BHL se propunha «misturar as coisas vistas com o pensamento», e isto apesar das suas interrogações, passados 172 anos, serem outras. Em primeiro lugar, o anti-americanismo. Depois, «a questão ontológica» europeia. Finalmente, o actual estado de saúde da democracia americana. Todo um programa!
Tocqueville fora mais modesto. A sua viagem visava, tão só, estudar o sistema prisional americano. Chegado, porém, a esse Novo Mundo em turbilhão, «open mind» «avant la lettre», mergulha numa realidade que o surpreende e fascina e dessas «coisas vistas» cria um pensamento original. Ora, nada do que Vertigem Americana nos traz é particularmente original ou, sequer, novo.
Claro que nas 366 páginas escritas por BHL (sem qualquer episódio de humor, mesmo tendo ele percorrido 20 mil quilómetros!), podem colher-se informações interessantes ou desconhecidas para o leitor. Páginas somadas, as ideias são fracas e a maioria das reportagens banal. A entrevista a Sharon Stone, a cruzar e a descruzar as pernas enquanto critica Bush, é patética. O retrato de Woody Allen a tocar clarinete em Nova Iorque não acrescenta nada, mesmo que nunca o tenhamos ouvido tocar clarinete ou ido sequer a Nova Iorque. O encontro com uma bailarina de «lap dancing» de Las Vegas confirma a «miséria erótica em meio puritano», mas teria sido preciso ir ao deserto? E que aprendemos de novo sobre o criacionismo, os malls ou o lobby das armas? E, já agora, o que é que Lévy realmente pensa de Billy Kristol ou de Fukuyama? A descrição de Los Angeles como «anti-cidade» é dos piores momentos do livro, exemplo maior da pomposidade do estilo e do vazio de ideias. Como assinalou David Singerman, no fim, a única coisa que conseguimos concluir é que LA é grande. Além de que alguém percebe o que quererá dizer: «Uma cidade ininteligível é uma cidade cuja historicidade não é mais do que um remorso sem idade»?
No final, BHL conclui que os EUA, apesar dos erros e fragilidades, não são o Império do Mal, possuindo energia suficiente para «entrar em beleza no novo século». Para filósofo, é pouco. Por estas e por outras, para entender a América de hoje, será preferível ler Tocqueville ou reler Notas sobre um País Grande, de Bill Bryson. Quanto a BHL, foi-lhe dedicado Une imposture française (2006, Les arènes), de Nicolas Beau e Olivier Toscer, jornalistas, respectivamente, do «Canard Enchaîné» e do «Nouvel Observateur». Também podíamos ler.

Ana Cristina Leonardo

Da capital do Império

Olá!

Agora que o Tony Blá Blá se decidiu ir embora creio que é tempo de vos lembrar para o saudarem como um dos maiores dirigentes europeus dos últimos tempos.
Falo, claro está do Blair, cuja única faceta que inicialmente me impressionou foi a sua eloquência na Câmara dos Comuns. Cada vez que eu ligava a televisão e o via a falar eu fazia claque afirmando: Blá, Blá, Blá…
Estava enganado. Os 10 anos de Tony Blair revolucionaram a cena política na Grã-Bretanha e a posição deste país no mundo.
Comecemos pela economia cujo crescimentos nos últimos 10 anos é verdadeiramente estonteante. Na última década a Grã-Bretanha teve o maior nível de crescimento económico de qualquer país do G-8 (excluindo os States). Passou da sexta economia do mundo para a quarta maior do mundo.
Em termos económicos a Grã-Bretanha está hoje entrincheirada de modo firme e insuperável à frente da França e da Itália. A Grã-Bretanha mudou a sua economia de uma base industrial para uma economia de serviços de produtos de grande valor. Nos próximos anos Londres poderá ultrapassar Nova Iorque como o centro financeiro do mundo. (Como diriam os franceses: U lá lá)
Mas não há que analisar números para o verificar. Basta ir a Calais onde centenas e centenas de imigrantes ilegais vindos de toda a parte do mundo se amontoam para tentarem entrar na Grã-Bretanha. De tal modo que os franceses inicialmente construíram um campo para os acomodar., acabando depois de o eliminar devido aos protestos ingleses. Os imigrantes ainda lá chegam à procura de boleia para o sonho inglês que preferem aos croissants, aos bem-falantes intellectuels do Liberation e Le Monde e ao “chomage, banlieu e welfare” français.
Lembro-me que quando há alguns anos atrás começaram a surgir noticias dos imigras a fazerem fila para entrarem na Inglaterra, um jornalista amigo todo francófilo perguntou indignado: “mas porque é que esses gajos querem ir para a terra dos bifes?”. É o tipo de pergunta que políticos como a Segogaffe EGO-lene Royal continuam a fazer e cuja resposta é fácil de encontrar: basta atravessar o canal e perguntar às centenas de milhar de jovens franceses que emigraram na última década porque é que decidiram emigrar para a (quel horreur!) Inglaterra. Ou então tentar perceber porque é que Londres é hoje a terceira cidade francesa. O Sarkozi foi lá falar com eles. A Segogaffe EGO-lene não foi. O Sarkozi veio aos States falar com o crescente número de jovens franceses acabados de sair das faculdades de economia de França que cada vez vez mais populam os grandes centros financeiros americanos. A EGO-lene não veio
Imagino que muitos podem afirmar que o Tony se limitou a a imitar a Margaret Thatcher, a “Dama de Ferro” que acabou com aquele sentimento de declínio inevitável que envolvia a Grã-Bretanha dos anos 60 e início dos anos 70. Mais ou menos a mesma coisa que se sente hoje em França mas sem o charme francês. Na altura a Grã-Bretanha marchava a grande velocidade para a catástrofe económica e Thatcher “virou” o país perante as vaias dos sindicatos de esquerda mas com o apoio do eleitorado
Ao contrario de muitos na esquerda que se recusam a ver as realidades ( a la SEGOgaffe) e por isso continuam a perder o Tony apercebeu-se disso. Hoje na Grã-Bretanha a palavra “socialismo” é raramente usada e quando o é nota-se uma falta de sinceridade que me faz corar. Blair, no dizer de um amigo inglês, “curou os Trabalhistas da maldição dos dogmas socialistas, daqueles que estavam viciados na pureza de causas perdidas”. Talvez o sucessor da Segogaffe tenha que fazer isso para tornar a esquerda francesa novamente viável….
Se Thatcher teve que ser confrontante e “de ferro” para mudar o país, Tony Blair teve 10 anos de poder marcados notavelmente pela ausência de grandes conflitos … e os britânicos vivem hoje muito melhor do que há 10 anos atrás. Poder-se-á talvez acusar Blair de ter acabado com as divisões partidárias, substituindo a fé nos princípios políticos pela conveniência, oportunidade e interesse próprio partidário. Mas face ao colapso e desacreditação do socialismo através do mundo Blair apercebeu-se que a legitimidade do capitalismo vem do falhanço de todas as alternativas, não da sua falta de contradições internas e/ou insuficiências. Apresentou pois um esquema para governar por consenso que tirou o vento às velas dos conservadores. Com sucesso sem paralelo. Politica, económica e socialmente deixou para traz Thatcher.
O seu sucesso não foi só a nível interno. Culturalmente e como sempre se passa quando há poder económico as universidades inglesas estão hoje com pedidos de matriculas vindos do estrangeiro sem precedentes. O inglês é hoje língua universal. O cinema inglês está hoje de novo “on top of the world”. Até no futebol a globalização abraçada pelo Tony esta a ter sucesso para a Inglaterra. ( Manchester United, Chelsea, Liverpool reflectem essa globalização)
A nível de política externa o mesmo se passa. A Grã-Bretanha tem hoje maior influencia e maior presença no mundo do que qualquer outro pais europeu ( e aqui incluo a Rússia, a que eu prefiro chamar de “Nigéria com mísseis nucleares”).
Com tropas na Serra Leoa (onde pôs termo sozinha a uma guerra civil de barbaridade inacreditável), Kosovo, Afeganistão e Iraque a Grã-Bretanha projecta hoje influencia que Paris, Bona e mesmo Tóquio não têm Em qualquer parte do mundo hoje quando Londres fala escuta-se. Quando Paris ou Bona falam … vai-se tomar um café em conjunto para discutir o assunto e tal e coisa, pois é mas também, claro está e coisa e tal tudo culpa dos americanos e do Blair, uma chatice….
A Grã-Bretanha é hoje mais e melhor do que era há 10 anos atrás. O que é bom. Para a Europa também. Por isso não se esqueçam e mandar um e-mail a 10 Downing Street: Merci Tony. ( Oficialmente em teoria o francês ainda é a língua diplomática).

Da Capital do Império,

Jota Esse Erre

PS - e falando de línguas. Vocês viram como o Tony fez uma mensagem em Francês dirigida ao povo francês após a vitória do Sarko? Comparem isso com a decisão do Chirac abandonar há uns meses atrás uma conferência económica quando um empresário francês decidiu falar em inglês…Inseguranças, suponho.

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

sábado, 12 de maio de 2007

A metáfora da origem

Quem conhece este matemático português?

Fotobiografia de António Aniceto Monteiro
Livro do mês - Maio 2007

António Aniceto Monteiro
Uma fotobiografia a várias vozes

Coordenação: Jorge Rezende, Luiz Monteiro, Elza Amaral
Edição: Sociedade Portuguesa de Matemática

Numa boa com balões?


Homem com balões. Rua de Nova Iorque. 2007

Foto de Jota Esse Erre

Por uma nova Esquerda: as teses de Cohn-Bendit e da ultra-esquerda no Libération

O debate avança e os diagnósticos para combater Sarkozy crescem...
O Libé operou uma maravilhosa transmutação, sob a conduta de Laurent Joffrin. Mesmo com a pressão dos accionistas, onde se destaca Edouard Rothschild, a redacção fez das "fraquezas força" e avança com conteúdos muito dinâmicos e radicais. É o que se passa com o debate sobre o futuro de uma Nova Esquerda. O dirigente ecolo, Cohn- Bendit, tenta ultrapassar as dificuldades dos ségolenistas e do seu clã pela proclamação de uma nova aliança entre o PS, os Verdes e os centristas de Bayrou, ler texto aqui. Por seu turno, Yves Salesse, clicar aqui, membro dos Colectivos Unitários Antiliberais, contesta a eficácia das receitas do social-liberalismo para vencer a "violência do capitalismo mundial".
Cohn-Bendit "vende" a sua opção desta forma: "Os Ecologistas devem abandonar a sua cultura de isolamento e a sua paralisia interna, de modo a que sintam que as proposições que elaboram possam ser compreendidas muito para lá do seu raio de acção e se tornam decisivas para uma maioria da população. A esquerda antiliberal deve sair do impasse causado pela sua recusa prática em governar. O Partido socialista deve acentuar a mutação já iniciada e assumir uma opção claramente social-democrata que soube definir nesta campanha: aceitar uma mundialização controlada que se possa tornar, como se passa com os nossos parceiros europeus, uma oportunidade e não uma ameaça tão-só. O centro deve romper com a sua aliança histórica com a direita, que o forçou amiúde a esquecer que transportava uma mensagem de coesão social e de vitalidade democrática ".
Yves Salesse, dos dinâmicos Comités Unitários Antiliberais, admite que o social-liberalismo das apostas dos socialistas e seus aliados, "com a sua indefinição, as renúncias e a sua insuficiência como resposta", não podem fazer frente à ofensiva da direita no seio de uma realidade complexa e instável sob a pressão da " violência do capitalismo mundial". Para tal atira com um programa: "Resistir, desmistificar, convencer, construir. Organizar bem entendido a resistência aos golpes que irão surgir, com todas as forças disponíveis. Mas isso pode não ser suficiente. O desencanto exige um trabalho em profundidade. Isso não será possível verdadeiramente senão pela refundação de uma esquerda autêntica: uma esquerda da esquerda, uma esquerda de transformação social ". Onde terão lugar, como plataforma estratégica, as " 125 proposições " dos comités antiliberais, mas que " são insuficientes " para que a alternativa ao " liberalismo se torne maioritária em França e na Europa".

FAR

A propósito da foto da carga policial

UMA CARTA PARA O ARMANDO...

Esta merda dá que pensar, pá.
A sério, continuo a remoer ideias, ando apreensivo, cabisbaixo, mesmo, pá.
Chega um gajo à meia idade; viu chegar a liberdade, participou como pôde, interveio, viveu tempos de incertezas, ilusões, empenhou-se. Nunca alinhou, aquilo que se chama alinhar. Andou por lá. Nunca ‘encarneirou’, nem encarreirou.
Fez-se cidadão.
Um apenas na massa anónima, um único a pensar por si, a ser civilizado, a usar do civismo, a respeitar o próximo mesmo quando o próximo se revelava egoísta, tacanho. Mesmo quando o próximo lhe causava náuseas ou mesmo um asco profundo.

Esta merda faz-me pensar, pá.
Que é que queres?
Uma carga policial é uma carga policial é uma carga policial...
Eles estão do lado de quem manda. E quem manda está a mandar porque tipos como tu lhes deram a sua confiança: um voto.
Com a tua concordância explícita deixas-te governar por dois exemplares de um tempo e de um país no qual não nos revemos nem queremos: uma autoridade máxima preenchida por um indivíduo criado no bafio de uma província, trepando a pulso nos coqueiros que a vida lhe foi apresentando; pouco culto, terra - a – terra, no pior sentido da palavra. Alguém que nunca deveria ter sido chamado à vida pública, mas que alguém terá apostado em fazer dele Presidente da República...
Com a tua concordância implícita permitiste que nos governe um ‘aparatchik’. Sim, um homem do aparelho, alguém que resolveu fazer-se à vida através de um partido político.
Este subiu a pulso nas concelhias, nos secretariados, na secreta vida de um partido estranho – uma enorme manta de retalhos, um imenso albergue espanhol onde todos são bem-vindos (sem que alguém lhes pergunte se vêm por bem) .
Esta merda desta fotografia tira-me o sono, pá. Obriga-me a escrever. A gastar em claro as noites que as horas de produtividade me recusam. Exigem-me que produza e eu, obediente, produzo.
E tu também. Tu também, pá. Não estás na crista da onda porque não queres. Nunca quiseste, pá. Nunca foste de dobrar a cerviz a nada.
E isto dá que pensar, pá.
Falo-te de uma ética, de uma estética. De uma forma de estar, desta maneira de ser.
A distância entre a bota e o cravo é tão somente o espaço que me impediu de malhar com os ossos numa guerra na qual não me revia.
E isto faz-me pensar, pá.
Muito.
No dia a dia constatamos como é forte o poder da imbecilização das gentes. A todo o momento nos vemos confrontados com o factor concessão.
Este é o meu “FMI”.
Não ganho, no fundo, nada.
Adio, apenas, o caminho para “o Abismo e o Silêncio”.
Mas que isto dá que pensar, lá isso dá.


Ao contrário de ontem estamos enjaulados virtualmente.
Até podemos pensar e exprimir os nossos pensamentos.
As cadeias de verdade com grades, celas e tudo o mais, essas, são para os do crime violento, não para os do pensamento.
Que grande conforto isto me dá!

Pago impostos, estou recenseado, tenho morada fixa
Sou taxado, impostado e mal-pago.
Confronto-me a cada passo com um país no qual não me revejo.
Apetecia-me viver um século mais noutro lado,
Começar tudo outra vez.
Mesmo sem saber nada, mesmo a partir de nada.
(Tudo seria melhor do que isto...).

Uma carga policial em 25 de Abril de 2007 é uma carga policial é uma carga policial...

Quando a bota pisar o cravo está o caldo entornado, percebes, pá?
Os sinais estão lá e nós nunca os quisemos ver.
Nas mortes do Escoural. Na ponte. Nos polícias enxovalhados à mangueirada.
Fechámos os olhos (ou chorámos às escondidas, as humilhações...).
Calámo-nos.
E a bota, entretanto, foi pisando, espezinhando o cravo.

Numa alternância do S com o SD, deixámo-nos embalar.
Como cordeiros votivos deixámos que nos levassem ao altar.

Esta merda, pá, dá que pensar.

Sinto-me profundamente incómodo, pá, nesta pele de ser daqui.
Neste lugar onde não me revejo.
Entre uma gente que se acomoda, se encarneira.
( Nem sempre posso criar mundos artificiais, quase nunca me apetece sair da Realidade...)
entre uma gente que é rude e grosseira.

E esta merda, pá, dá-me para desesperar.


Talvez me apeteça voltar ao tempo da meia - azul e meia - branca enfiadas à pressa nos pés ávidos dos caminhos de terra dos campos da minha infância. Da manhã trepando à figueira de figos generosos cheios de mel, das tardes a abrir regos e ver a maravilha da água surgindo na garganta ávida da terra castanha, do poço misterioso, do monte de caruma, dessa recordação cálida dos meus avós maternos. Um menino a crescer despreocupadamente, enfiando os pés numas galochas intermináveis.

Muitos anos mais tarde recordo-me de ter saído no labirinto da estação da Rotunda e de ouvir ao longe um acordeão que tocava a ‘Internacional’, os meus olhos iam-se enchendo de lágrimas à medida que os sons se tornavam mais próximos.
Nesse momento senti-me atirado para a minha infância. Voltei a sorver os cheiros dos campos, da grande liberdade, do céu azul, da magia daquele mundo. Chorava mesmo a sério, enquanto subia as escadas da estação do Metro.

Sentia saudades da liberdade.

Uma carga policial é uma carga policial, é uma carga policial...

É verdade, pá, podes dizer que sou um sentimental.

Esta merda faz mesmo pensar.

Qual é o sentido?
Para onde caminhamos: tu, eu, os nossos filhos?...

Será que, algum dia, em qualquer lugar, lhes poderemos dar aquilo pelo qual aspirámos?

Será que eles pretendem de nós um legado de valores?...

A bota que pisará o cravo será apenas um pormenor na paisagem?...

Não tenho respostas para te dar, pá. Nunca tive respostas. Por isso me acho nesta idade cheio de dúvidas, nu, frágil e desprotegido como quem acaba de nascer.

Náufrago.

Procuro um sentido para esta selva inóspita onde me movimento. A cada passo – mais cauteloso que o anterior – olho em meu redor. Quando encontro uns olhos que me acolhem, uma mão que se estende, um abraço – emociono-me sinceramente. Volto a acreditar que é possível criar uma fraternidade. Procuro em cada um aquilo que é genuinamente meu.

Sempre que fecho os olhos ocorre-me esta imagem , pá.
Remexo-me, inquieto, na cama e fico de olhos abertos até que me vençam o sono e o cansaço.

Não vou a marchas, nem a manifestações: os rebanhos são bonitos – mas de animais sem capacidade de escolha e que obedecem à voz do pastor e ao latir de cães...
Revolto-me por dentro.
Não salivo perante estímulos exteriores.
Scolari é-me indiferente e, além disso, deu-me a incontornável possibilidade de não reconhecer nem respeitar qualquer bandeira...
A minha bandeira é feita de uns braços abertos enquadrados por um sorriso fraterno.

Fosse eu capaz de revoltar-me por dentro e exteriorizar o quanto me dói esta Realidade!

Assim, digo apenas o quanto esta merda me faz pensar
e sofrer...

Fosse eu capaz de gritar em voz alta a dor que é viver esta Realidade.

O meu país é um abraço muito apertado com um sorriso quente, o beijo logo a seguir. Um lugar onde existe uma panela ao lume, onde o odor da cozinha se sente, onde o vapor que sobe do prato e me embacia o olhar que disfarça a lágrima do reconhecimento de me saber em casa.

Há dias em que sinto uma imensa vontade de chorar.
Uma enorme vontade de deixar que as lágrimas brotem, purificadoras.

O país aonde me sonho tem os contornos fraternos de uma mesa manchada pelas nódoas do vinho tinto, o cheiro acre dos inúmeros cigarros, o eco forte das gargalhadas. Aquele estender de pernas sem medo a nada. Os olhos de um Amor logo ali.

Quando vejo uma bota militar (ou militarizada, tanto faz) a avançar para um cravo sinto que há no ar uma ameaça velada.

E, esta merda, não só me dá que pensar.

Preocupa-me.












Fernando Rebelo- Abr./Maio -07

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

De novo a Hidroeléctrica de Cahora-Bassa




(clicar nas imagens)
Savana. 11 de Maio de 2007

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A curtir a vida no metro de Nova Iorque


Nova Iorque. 2007

Foto de Jota Esse Erre

Ainda a Hidroeléctrica de Cahora-Bassa

José Lopes esclarece:

"Thanks pela carta aberta postada no 2+2=5 sobre a segurança HCB.
Entretanto notei que 2 comentários sugerem uma certa falta de informação sobre a actual propriedade da HCB. Sendo eu gajo tímido q.b. para postar em blogs, acho no entanto curial sintetizar a situação do tópico as per today (May 7, 2007).

Na sequência do recente acordo HCB de Novembro 2006, no dia seguinte voaram USD 250 milhões dos cofres próprios da HCB para o tesouro de Portugal, e 2 dias depois o governo de Moçambique acrescentou mais 2 aos 2 administradores que já detinha no CA da HCB – pelo que, de momento são 5 nomeados por Portugal e 4 por Moçambique; Portugal detém a presidência do CA. No entretanto, a estrutura accionista permaneceu: Portugal 82% e Moçambique 18%.

Também na sequência desse mesmo acordo de Novembro 2006, foi dado início ao período para Moçambique pagar USD 700 milhões ao tesouro de Portugal. Em principio tudo deve estar pago até Dezembro 2007 (uma só tranche); caso não, até 6 meses depois sob certas condições. Só nessa altura se efectivará a alteração accionista referida no parágrafo anterior.

Entretanto, saiba-se que a questão de qual o Regulamento de Segurança aplicável à HCB é uma peça fundamental para se analisar as recentes cheias no Zambeze, e daí esta iniciativa de se confirmar junto dos donos da obra qual o quadro legal – tão simples como isso.

Mais dia menos dia conto pôr online o xitizap # 33 onde este assunto será mais desenvolvido.

ciao gente, thanks e vão contando coisas

PS:Esqueci-me de vos referir que, em Portugal hoje, o Secretário de Estado do Ambiente tutela a segurança das barragens e representa a figura de Autoridade no Regulamento de Segurança de Barragens (Portugal)."

José Lopes

Sinais


Desenho de Maturino Galvão

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Michel Onfray: discurso esquizofrénico liberal versus social ilude fractura no PS

O Libération inaugurou ontem um debate On Line para perspectivar uma Nova Esquerda. Temos todo o empenho em abordar este estaleiro ideológico,claro. Para fugir aos cadáveres adiados que procriam.

O filósofo indica no texto publicado no Libération, clicar aqui, que o complexo de Janus, o discurso esquizo, teve início no consulado de Mitterrand, quando o habilidoso político instrumentalizou uma pretensa diferença entre "uma linguagem de esquerda, que o opunha à direita e um estilo liberal muito próximo do dos seus adversários... Para as necessidas do processo político, alimenta-se a ilusão de uma separação falsa entre a direita e a esquerda quando a linha real de diferenciação se instala entre liberais e anti-liberais, traçado que separa transversalmente a direita e a esquerda".

Por isso, adianta, a "mudança que nos propõem depois do fim da política de Mitterrand, doze anos depois, entre Chirac e Jospin, duas vezes, Sarkosy e Royal, uma vez, coloca frente-a-frente dois tipos muito semelhantes de gestão liberal do capitalismo europeu. No essencial, não existem grandes diferenças, a separação efectivando-se no estilo, no simbólico e no pensamento mágico que envolve um partido que se diz de esquerda, mas que o revela ser muito pouco. Esta esquizofrenia cansa o povo de Esquerda e exalta os liberais de todos os horizontes, isto é, dito de outra maneira, magoa e desespera os mais expostos à brutalidade liberal e entusiasma as élites".


O autor do Tratado de Ateologia caracteriza também o estilo da intervenção política de Ségo, desta forma e sem rodeios: " A esquizofrenia assumida por Ségolène Royal resultou, na primeira volta das Presidenciais, por um elogio da Marselhesa, da bandeira nacional, da ordem justa, da casa de correcção como forma de tratamento dos problemas sociais, da trilogia Trabalho, Família, Pátria para seduzir os adeptos de Chevènement ( representante do nacionalismo político no PSF); e, ao mesmo tempo, sustentou um elogio de Blair, um desejo declarado de suprimir o pacto escolar, toda uma panóplia de ideias para seduzir os bobos (os burgueses-boémios, ex-68) - feminismo, ecologismo, modernidade, centrismo -para colocar no seu campo os corifeus de Cohn-Bendit".

"A solução passa pela refundação das Esquerdas: palavra e acção reconciliados, o fim da esquizofrenia: O que implica uma esquerda governamental escrupulosa dos ideiais socialistas, das visões do Mundo novas, de utopias alternativas, de pensamentos libertários inéditos. E que não rejeite uma esquerda contestatária preocupada com a gestão e o trabalho em comum, tipo de iniciativa que Foucault, Derrida e Bourdieu não tinham excluído no seu tempo".

Ler também Joffrin em resposta.


FAR

A candidata que a esquerda exige


Recordam-se aqui as palavras do Luis Palácios em comentário a este meu post, no rescaldo das últimas autárquicas:

«O outro candidato, direi a outra candidata é a presidente da ordem dos arquitectos Helena Roseta. Para mim a melhor de todos, com conhecimento técnico da mais importante questão de Lisboa, o urbanismo, com frontalidade e coragem de tentar politicas arrojadas e inovadoras para a cidade, com uma consciência social invulgar no PS e uma capacidade de agregar as esquerdas como mais nenhum. Evidentemente que pensar nela como candidata é utopia. As posições por si assumidas nos últimos anos, em clara e constante demarcação da linha oficial, fazem dela uma figura pouca querida pela grande maioria da cúpula do PS.»

Pelos vistos, Roseta sabe-o tão bem como o Palácios, daí que tenha optado por sair do PS. Este, em particular na capital, afunda-se em jogos de bastidores e guerras de protagonismo, como se viu muito bem nesta metade de legislatura que ora finda. Não tenho dúvidas: Helena Roseta é a minha candidata. Se conseguir construir uma base de unidade ampla à esquerda, que tem de incluir José Sá Fernandes e o BE, embora não deva pedir emprestada a sigla a ninguém, estamos perante uma oportunidade quase única de demonstrar que é possível formar projectos ganhadores progressistas, e que escapam à lógica do centrão e ao neoliberalismo.

Proridades evidentes


O presidente do Sporting, Filipe Soares Franco, está "indignado" por esses peanuts, coisas sem importância, que se passam na Câmara Municipal de Lisboa, terem comprometido o negócio de 66 milhões de euros em venda de terrenos que irá salvar o clube. De facto, há prioridades. O que é a Câmara Municipal comparada com os interesses do grande Ceportêeeeem?

Busto romano


Museu Metropolitano de Arte. Nova Iorque

Foto de Jota Esse Erre