
Desenho de Maturino Galvão
Não é a primeira vez que «The New York Review of Books» discorda de Bernard-Henri Lévy. Aquando da saída do seu livro Quem Matou Daniel Pearl? (Livros do Brasil, 2003), William Dalrymple seria demolidor, acusando-o de erros factuais, informações falsas e investigação amadorística. A propósito de Vertigem Americana (Edições Caderno), não se pode dizer que tenham sido mais simpáticos. « Lévy is short on the facts, long on conclusions», resumiu Garrison Keillor, directamente «to the point». No «San Francisco Chronicle», Michael O'Donnell não foi mais meigo. Referindo-se ao subítulo da obra, «Uma viagem pela América profunda seguindo os passos de Tocqueville», sublinhou a vacuidade da ideia que lhe subjaz, segundo ele tão despropositada como a de alguém que pretendesse ter escrito Madame Bovary II.
A ideia, porém, não foi de Lévy. Vertigem Americana resulta de um convite feito pela revista «Atlantic Monthly», para que, durante um ano, ele refizesse a viagem aos EUA do francês Alexis de Tocqueville (1805-1859), da qual nasceu A Democracia na América (Principia, 2002), obra que se tornaria num marco do pensamento político, inspirada defesa da democracia e não menos inspirada reflexão sobre os perigos que ela própria engendra. Vertigem Americana não corre esse risco.
A intenção parecia boa. Como Tocqueville, também BHL se propunha «misturar as coisas vistas com o pensamento», e isto apesar das suas interrogações, passados 172 anos, serem outras. Em primeiro lugar, o anti-americanismo. Depois, «a questão ontológica» europeia. Finalmente, o actual estado de saúde da democracia americana. Todo um programa!
Tocqueville fora mais modesto. A sua viagem visava, tão só, estudar o sistema prisional americano. Chegado, porém, a esse Novo Mundo em turbilhão, «open mind» «avant la lettre», mergulha numa realidade que o surpreende e fascina e dessas «coisas vistas» cria um pensamento original. Ora, nada do que Vertigem Americana nos traz é particularmente original ou, sequer, novo.
Claro que nas 366 páginas escritas por BHL (sem qualquer episódio de humor, mesmo tendo ele percorrido 20 mil quilómetros!), podem colher-se informações interessantes ou desconhecidas para o leitor. Páginas somadas, as ideias são fracas e a maioria das reportagens banal. A entrevista a Sharon Stone, a cruzar e a descruzar as pernas enquanto critica Bush, é patética. O retrato de Woody Allen a tocar clarinete em Nova Iorque não acrescenta nada, mesmo que nunca o tenhamos ouvido tocar clarinete ou ido sequer a Nova Iorque. O encontro com uma bailarina de «lap dancing» de Las Vegas confirma a «miséria erótica em meio puritano», mas teria sido preciso ir ao deserto? E que aprendemos de novo sobre o criacionismo, os malls ou o lobby das armas? E, já agora, o que é que Lévy realmente pensa de Billy Kristol ou de Fukuyama? A descrição de Los Angeles como «anti-cidade» é dos piores momentos do livro, exemplo maior da pomposidade do estilo e do vazio de ideias. Como assinalou David Singerman, no fim, a única coisa que conseguimos concluir é que LA é grande. Além de que alguém percebe o que quererá dizer: «Uma cidade ininteligível é uma cidade cuja historicidade não é mais do que um remorso sem idade»?
No final, BHL conclui que os EUA, apesar dos erros e fragilidades, não são o Império do Mal, possuindo energia suficiente para «entrar em beleza no novo século». Para filósofo, é pouco. Por estas e por outras, para entender a América de hoje, será preferível ler Tocqueville ou reler Notas sobre um País Grande, de Bill Bryson. Quanto a BHL, foi-lhe dedicado Une imposture française (2006, Les arènes), de Nicolas Beau e Olivier Toscer, jornalistas, respectivamente, do «Canard Enchaîné» e do «Nouvel Observateur». Também podíamos ler.
Ana Cristina Leonardo
| Fotobiografia de António Aniceto Monteiro Livro do mês - Maio 2007 |
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António Aniceto Monteiro Coordenação: Jorge Rezende, Luiz Monteiro, Elza Amaral
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