domingo, 11 de dezembro de 2005

Contos de Natal .4

Nesta época de amor universal lembro-me sempre de uma conversa entre os amigos do meu pai. Estavam aos altos berros, em fim de noite, em grandes confidências. Falavam de paixões. Tinha já um deles a santola no prato, parafraseando O’Neill, isto é, estava já a conquista no vale dos lençóis entre suspiros, quando ela lhe pede que ele lhe chame nomes. Os amigos do meu pai são uns cavalheiros. Muito solícitos ante os pedidos da amada. Vai daí ele: “minha p. do c., racho-te a c.” e outros mimos que, estranhamente, deixam a apaixonada lamuriosa. Não é que os nomes por que queria ser chamada eram outros. Mais do tipo: meu amor, minha flor. Não consegui escutar mais, nem sei como acaba a história. As gargalhadas e o naco de conversa ouvidos fizeram-me descrer da humanidade.

Josina MacAdam

sábado, 10 de dezembro de 2005


Foto de Sérgio Santimano



Anda vem...

Anda vem..., porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,
Porque esmoreces,
Boca vermelha --- rosa de lume?

Se a luz do dia
Te cobre de pejo,
Esperemos a noite presos num beijo.

Dá-me o infinito gozo
De contigo adormecer
Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor
Da tua carne, meu amor!

E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
--- Nem todo o prazer
Tem vileza ou tem pecado!

Anda, vem!... Dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos...
Tenho saudades da vida!
Tenho sede dos teus beijos!

António Botto

Sem "Dulceza", Lady Rice

Afinal, ela é dessas! Condoleezza Rice tanto vai a Paris tocar os “Nocturnos” de Chopin na sala Pleyel , como brandir os mais descarados avisos e ameaças a quem não aceitar os métodos da CIA no auto-designado combate ao terrorismo.
Que o macabro matabicho no Iraque consista na morte diária de dezenas e dezenas de pessoas, que o escândalo de Guantánamo persista à revelia do Direito Internacional – mas será que ele existe mesmo? – nada disso incomoda a brilhante especialista em assuntos do “ex-Leste”.
Tortura outsourcing? Nem pensar! “Madame La Douce” chega a Paris e a Berlim e abre o jogo: as regras, os métodos, a definição mesma do que é ou não terrorismo, os alvos, tudo isso cabe aos Estados Unidos definir. Com busheana inteligência, elegância e requinte, diga-se. Com compassion, observaria, curial e subtil, um dos “Duponts”. Senhora de si, Rice acrescenta uma insinuação, dirigida às hipocrisias das políticas e dos políticos europeus: vocês sabem como se faz. Sim, sure. Há o manto diáfano dos princípios, essa bela encenação – todos sabem como termina “O Lago dos Cines” - e depois há a razão pragmática, instrumental. As técnicas, claro. As chamadas boas consciências têm é medo de admiti-lo. Quem não gosta de arroz de cabidela desde que não veja a galinha a ser morta?
Partilho da dilacerante dúvida do senhor director da CIA, em declarações recentes, sobre o que seja a tortura. Já Salazar a negava e, paternal, lembrava que uns tabefes a tempo evitavam muita chatice. Aliás, a verdadeira política é saber dar umas estaladas a tempo.
E quem dúvida que os Estados Unidos respeitam tudo? O pormenor despiciendo de não aceitarem integrar o Tribunal Penal Internacional, à revelia da sua própria tradição, que entronca numa certa utopia wilsoniana e na jurisprudência que ajudaram a erguer em Nuremberga, é mesmo um pormenor.
Lady Rice, em Berlim, Paris, Bucareste e Kiev, veio lembrar-nos as verdades e a sabedoria do “Eclesiastes”, a de que há um tempo para tudo: tempo para nos deliciarmos com os “Nocturnos” do delicado tísico polaco, tempo para os gambitos do xadrez estratégico internacional, tempo para a água e tempo para o fogo.
O que não lhe ocorre é a regressão disto tudo. Quando se põe, sequer, a hipótese de que a tortura pode ser discutida, de que existem gradações e escalas a considerar na avaliação que se possa fazer, quando se admite que o palco da acção política ou repressiva comporta zonas de luz e de sombra, é a uma certa Idade Média que estamos a regressar.
Vai um homem num autocarro a caminho da Macedónia e, como Elias, no relato bíblico, é “arrebatado”, neste caso para o inferno de uma cadeia no Afeganistão. Regressa muitos meses depois, atirado para outra estrada, algures na Albânia. O estupor instala-se. Mas para a senhora Rice trata-se de um lamentável engano.
Acham que isto é criticável? Não sabem que o Estado de Direito se pode enganar? Não estão a ver a força da Lei a manifestar-se na sua comovente exuberância, agora que o dito homem, cidadão alemão, resolveu accionar os mecanismos legais para processar o governo americano? Querem melhor?
E os de Guantánamo – os privilegiados! -, atirados depois como sacos de batatas para uma qualquer rua de Cabul, sem nunca terem sabido porque foram parar ao recanto tropical das Caraíbas?
O facto de não lhes ter ocorrido, sequer, fazer queixa é culpa deles e do Afeganistão, pois claro. Povo que não se sabe governar, sempre em guerra, que aceita talibans e cujo território está onde está, no centro do “grande jogo”, de que fala Ahmed Rachid.
Embora não tenha jeito nenhum para empresário, sugiro à senhora Rice que faça como o mediterrânico e simpático Sílvio Berlusconi, ex cancenotista de variedades: porque não editar em CD a sua interpretação dos “Nocturnos”? Mais. Atrever-se a perfomaces de maior fôlego. Como Secretária de Estado não lhe será difícil convocar a Filarmónica de Filadélfia e executar o concerto para piano de Brahms ou, no silêncio da respeitável sala parisiense, onde Chopin tocou para George Sand, atacar as “Variações Goldberg”, de Bach. Com interdição do espaço aéreo, por questões de segurança. Talvez que, nessa noite sublime, os aviões da CIA não cruzassem os céus da Europa e do mundo.

Luís Carlos Patraquim

“SAVANA”/ À Esquina do Tempo

Presidenciais: o fim do lume brando

Foi um debate mais animado do que os outros. Francisco Louçã esteve claramente ao ataque e obrigou Cavaco Silva a ter de se justificar várias vezes. Pela primeira vez vi alguma dinâmica num debate vinda do lado dos candidatos. Mais propriamente de um. Foi notório que para isso acontecer, Louçã teve de quebrar o espartilho imposto pelos três canais televisivos. Penso estar provado que o estilo norte-americano, que os três directores de informação consideram o supra-sumo da batata frita, falhou. E joga a favor de Cavaco, uma vez que a sua estratégia é falar o menos possível e evitar polémicas. Um debate a dois não são, nem podem ser, duas entrevistas paralelas, como tem sido até agora. Os candidatos devem questionar-se entre si. Afinal, são apenas dois, bolas. Se fossem cinco ainda se compreendia que fosse mais difícil de gerir. O emprego, ou a falta dele, foi um dos temas fortes. Cavaco admitiu que houve uma maior flexibilização nos despedimentos durante os seus governos. Essas medidas posibilitaram, no entanto, a criação de mais empregos. Mas não conseguiu explicar a Louça porque é que o actual director da sua campanha defende a liberalização total dos despedimentos. Para o líder do Bloco de Esquerda, foram as políticas erradas dos governos de Cavaco Silva que aumentaram o fosso entre ricos e pobres. E lembrou que a média do défice dos seus dez anos de governo foi de 5,7%. Just for the record. Cavaco considerou as críticas injustas. Quanto à subida da idade da reforma, Louçã manifestou-se contra. Já Cavaco deixou a possibilidade em aberto, caso a esperança de vida aumente para os 80-85 anos. Esta linha de pensamento vai ao encontro das suas declarações feitas ao Público em Março de 2002, quanto à redução dos funcionários públicos: ”como nos vamos livrar deles? Reformá-los não resolve, porque deixam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações e diminui as receitas de IRS. Só resta esperar que acabem por morrer".
Gabriela, México, 1999
Fotografia de Flor Garduno
*
Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã
à névoa do outo dia.

Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia

Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.
António Gedeão

Senhor Aprígio (2)

E, com efeito, Aprígio ganhou novos, por assim dizer, contornos. Passou a querer copiar em tudo o seu ídolo.
Deixou, por exemplo, de se peidar, como era seu hábito, enquanto subia as escadas que o conduziam ao seu apartamento num 3º andar suburbano; sempre que se sentia na iminência de largar um gás, galgava os degraus dois a dois, abria a porta num ápice e dava uma breve corrida até à casa de banho onde se aliviava estrepitosamente, evitando olhar-se ao espelho.
O senhor Aprígio considerava, no mais fundo da sua alma simples, que o prof. Cavaco não se peidava, nem nas escadas, nem em parte alguma. Para o senhor Aprígio estava fora de questão que alguma vez na vida o prof. fora capaz de cometer tão indecoroso acto. Aquelas descargas das ventosidades que se acumulavam nos intestinos eram próprias de gentes sem moral nem bons costumes.
Baseado neste pensamento e na análise atenta das imagens do prof., que Aprígio guardava religiosamente num álbum, desenvolveu toda uma teoria: o prof. Cavaco, como as imagens revelavam cabalmente tinha a pose e o ‘ríctus’ facial de quem, estando à beira de largar uma flatulência, se contém no último instante e evita, assim, o estampido sonoro, normalmente acompanhado de um odor fétido. Olhando aquele esgar de sorriso, o senhor Aprígio, apreciava a contenção do prof. Cavaco num esforço quase homérico para reter o gás, matéria volúvel e difícil de segurar, como todos sabemos. Ao constatar esta evidência, banharam-se de lágrimas sinceramente comovidas os olhos de Aprígio.
« Só um espírito superior poderia submeter-se a tal esforço... », considerou ele fechando, lacrimejante, o álbum.

No sábado seguinte, a casa de massagens/relax que o senhor Aprígio agora frequentava foi sacudida por uma terrível discussão.
O senhor Aprígio exigia, num alto e desusado tom de voz, à dona Matilde o seu dinheiro, pago antecipadamente, de volta. Atarantada, a pobre senhora tentava acalmá-lo enquanto consultava com um olhar fuzilante a Vanessa, uma brasileira recém-chegada.
« Tive culpa não, siôra... Ele veio pidindo aqueli négócio di bunda e eu dei prá ele.. Só qui ná hora di eli botá, eu, sabi cum’é qui é... , respirei fundo e aquilo mi saíu... E num é qui o cara começa a mi xingar... Não fiz nada dimais, não... Um peido é coisa natural, óxente!... »
O senhor Aprígio não se conteve e declarou alto e bom som:
« Pois fique a menina sabendo que o senhor professor nunca o faria!»
E saiu, esquecido dos 30 euros que tinha desembolsado, de peito erguido. Nessa mesma tarde visitou a sede da candidatura e lá deixou os seus contactos « para o que fosse preciso... ».

À noite, no remanso do seu apartamento, folheou o álbum com um sorriso recatado, porém firme: a sua teoria estava certa – um homem como o prof. Cavaco jamais seria capaz de se peidar. Havia de escrever uma longa carta ao prof. na qual explanaria de forma pormenorizada toda a sua teoria e havia ainda de propor-lhe o lançamento de uma dieta alimentar que excluísse todos os produtos alimentícios susceptíveis de causar ventosidades. Imaginou-se mesmo no lugar de um Conselheiro para as Questões de Ventosidades e Afins.
O senhor Aprígio chegou mesmo a sorrir de uma forma franca quando passou pelas sentinelas do Palácio de Belém, dirigiu-se para a cama em passo firme e decidido e sonhou que comia pastéis de Belém nos jardins do Palácio com a primeira-dama.

(Há-de continuar)

Fernando Rebelo-Dez.05

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

A Inocência das Idades (1)

O bosque é, por vezes, tão extenso e denso que deixa as pequenas árvores vegetarem sem o entendimento da realidade onde se integram.
Bastam-lhes as raízes saudavelmente firmadas no solo, a chuva, o sol, a lua e o vento que lhes asseguram os ciclos de vida, como garantia da missão aparentemente acometida pela Mãe-Natureza.
É como quem deixa a vida passar, sem perceber que também tem de passar pela vida.
Talvez o mesmo se possa aplicar à interpretação de um episódio ocorrido há trinta e cinco anos e que gira à volta de um Jornal que não chegou a ser: - O “Progresso”.


Na passagem do final dos Anos Sessenta para o início dos Anos Setenta formou-se um grupo que, na antiga cidade de Lourenço Marques, pretendeu fundar o Jornal “Progresso” como veículo de expressão juvenil e participação activa na vida sócio-político e económica não só do País, mas sobretudo da antiga Província Ultramarina de Moçambique.
Vivia-se, então, o tempo da Guerra Colonial e sentiam-se também os primeiros sinais da pretensiosa “Primavera Marcelista” que, per si, justificaram o imediato e, porque não, entusiástico apoio de Maria José Salema, na época reitora do Liceu António Enes.

Alguns contributos para a História

Curiosamente ou não, o núcleo inicial era constituído por alunos da Alínea E que propiciava a admissão à Faculdade de Direito, então inexistente em Moçambique por ser entendida como potencial foco subversivo do “status quo”, apesar de já existir a Universidade de LM, sucedânea dos “Estudos Gerais” e implantada pelo Professor Doutor Veiga Simão, seu primeiro Reitor e, mais tarde, Ministro da Educação do Governo de Marcelo Caetano e Ministro da Defesa do Governo de António Guterres no início do Século XXI.
Quem terminava a Alínea E teria assim e se pudesse, rumar a outras cidades da Metrópole porque também não existia a Licenciatura em Direito nas restantes Províncias Ultramarinas, não fosse o Diabo tecê-las.
E desse núcleo inicial fundador do projecto “Progresso” faziam parte Victor Nogueira Pereira, Luís Carlos Patraquim, Mário José Fernandes e Emílio Luz Branco, mais conhecido por “Nampula”, alcunha que provavelmente lhe estava associada à terra de origem.

A ideia deste projecto surgiu nas conversas que usualmente tínhamos nos intervalos das aulas (dez minutos entre cada disciplina) e cimentou-se em reuniões pós-horário escolar, começando por se criar uma Comissão Directiva que integrou os referidos nomes do núcleo fundador.
Cedo percebemos que a tarefa era aliciante mas de trabalhosa e difícil execução por dois motivos principais e facilmente entendíveis: - por um lado era necessário mobilizar colaboração redactorial com qualidade q.b. e, por outro lado, era também preciso assegurar a viabilidade económica do Jornal.
Com dezassete anos de idade nada parece impossível e até a Lua está mesmo ali à mão.
É claro que o Jornal, sendo do Liceu, só seria possível se fosse autorizado pela reitoria e esse passo foi, como já se disse, realizado e apoiado não só pela Reitora Maria José Salema como também pela Vice-reitora Inês Calisto que se reuniram connosco.
Dado este primeiro passo “oficial”, passámos ao contacto directo com algumas empresas da cidade que acolheram com agrado a ideia e contratualizaram verbalmente
a publicação de anúncios num montante que não só suportava os custos de produção e distribuição, como sobrava ainda verba para nos aventurarmos a sonhos mais altos, nomeadamente admitir a hipótese de fazer circular o “Progresso” e receber colaboração para o Jornal de todos os Liceus do País, desde o Minho a Timor, como então se dizia.
Contrariamente ao que e pudesse imaginar, até foi muito fácil garantir suporte económico, via publicação de anúncios das empresas locais.
Como não era suposto investirmos em meios gráficos próprios, valeu-nos o apoio da empresa proprietária e editora da Revista “Tempo”, dirigida por Rui Cartaxana e que, como jornalista profissional, nos foi dando algumas instruções sobre o processo de fabrico de um jornal. Com ele, passámos algumas tardes no seu gabinete de trabalho e com ele definimos o formato tablóide do “Progresso”, paginado a seis colunas e ilustrado com fotografias a preto e branco.
Lembro-me que chegou a ser impresso e distribuído um cartaz a anunciar o nascimento do jornal, cartaz esse desenhado pelo nosso colega Firmino Sousa.
Quanto à colaboração de outros alunos do Liceu, também não foi tarefa difícil e, por isso, logo se conseguiu matéria suficiente para compor e paginar o primeiro exemplar e passá-lo a “offset”, fase que antecede a impressão no papel, o que não chegou a acontecer como se verá.
Tudo parecia correr bem, o ânimo era elevado quando, afinal, surge a primeira pedra na engrenagem.

(continua)
Victor Pereira

La Femme de Trente Ans


Foto de Ivone Ralha



Amarás
O meu nariz
Brilhante
As minhas estrias
Os meus pontos pretos
Os meus textos
Os meus achaques
E as minhas manias
E as minhas gatas
De solteirona
Ou não me amarás

Adília Lopes

Um dia com cinco homens quase normais

Tinha alguma expectativa que o debate de ontem fosse mais animado e que as diferenças ideológicas se acentuassem. Mas mais pareceu um encontro de meninas de colégio, em que o Mário Soares era o único que quebrava as regras por fumar às escondidas. Depois do debate Cavaco/Alegre, que se comportaram como as amigas da madre superiora, as minhas expectativas sobre algo diferente viraram-se todas para o Ferrero Rocher. Mas afinal, esses senhores que aparecem todos os dias nas televisões, o que é que andam a fazer? Fui dar uma vista de olhos nas suas agendas de ontem.
Mário Soares não teve qualquer actividade. Não sei se foi para tratar da tosse ou ainda para digerir o que tinha dito no dia anterior: Que foi: “ter 81 anos é exactamente o mesmo que 18, com a diferença de ser ao contrário. Eu com 81 anos sinto-me com a mesma curiosidade pela vida”. Soares já não esconde o jogo. O seu objectivo não é a presidência mas sim a mandatária para a Juventude, Joana Amaral Dias. Não sei o que ela lhe fez, mas a tosse e o cansaço era evidente na noite do debate.
Cavaco Silva. Ontem esteve no Algarve e só trabalhou na parte da tarde. Às 17:30 inaugurou mais uma sede de candidatura em Faro. Aí disse a frase do dia: "no passado, Portugal foi um país de sucesso. Dizia-se mesmo que Portugal era a Califórnia da Europa. Porque é que não podemos voltar a esse tempo?" Será esta a costela surfista de Cavaco? Afinal ele estava a imitar Brian Wilson ao comer pão-de-ló da forma pornográfica como o fez? Ou será que anda a ver a repetição do Baywatch e a delirar com as mamas da Pamela no Canal Memória? Alguém já imaginou Cavaco um Beach Boy? Eu não. Só como Bitch Boi.
Francisco Louça andou por Coimbra. Visitou o Hospital Pediátrico e depois almoçou com apoiantes uns couratos e umas sandochas. Nas declarações que fez criticou o "consenso de acomodamento" que caracterizou a acção dos outros candidatos e exortou os portugueses de esquerda a uma maior participação na campanha. Frase mais abrangente não seria possível. Ninguém percebeu. Será que está a reclamar contra a péssima alimentação e o mau alojamento a que está a ser sujeito durante esta penosa campanha?
Jerónimo de Sousa. Esteve ontem em Loures, onde visitou um lar e um centro de dia. E disse ao Público: “não estamos aqui com um estatuto de candidatura complementar de qualquer outra". Mas acrescenta que apoia o candidato de esquerda que passar à segunda volta. Só coisas importantes, que ninguém sabia. Será cassete, será CD? Talvez DVD! O meio é a mensagem. Uauu.
Manuel Alegre. Esteve em Beja. Inaugurou uma sede de candidatura e foi logo jantar. Chamem-lhe parvo. Era na Adega Típica 25 de Abril, ainda por cima. Aí bebeu uns copos e avança com umas ideias completamente inovadoras: "A minha candidatura, por ser transversal, é aquela que, no caso de haver uma segunda volta, está em melhores condições de poder enfrentar e derrotar o candidato da direita". Só que ela está a ser mais horizontal do que outra coisa. A alegria dos seus apoiantes parece estar a esmorecer.
Conclusão de um dia de campanha: Soares anda com uma fixação na Joana. Tarado. Cavaco tem a mania que é Bitch Boi, mas sabe que nenhum clube o aceita. Louça anda mal alimentado e as costas atormentam-no. Jerónimo tem saudades da dança da enguia. Já não sabe o que dizer. Alegre quer beber uns copos com os camaradas e lembrar tempos da Argélia e Paris. Oh, l´amour... Se eles são assim no dia-a-dia porque é que nós deveríamos esperar debates diferentes?
Solução: ´bora ver o Baywatch no Canal Memória?
PS. O Manuel Alegre não está no selo porque ficou em Beja, a escrever. Estava com inspiração. Afinal 2+2=5.

Teoria da conspiração

Os primeiros dois debates, Alegre/Cavaco e Soares/Jerónimo, foram tão mornos e sensaborões que desconfio que foram propositadamente os primeiros, para desmotivar o espectador quanto aos seguintes. Esta estratégia terá sido sugerida pelo staff de Cavaco.

A questão da Constituição

Tem-se ouvido bastante da boca do candidato do PCP Jerónimo de Sousa a palavra "Constituição". Repete-a várias vezes ao dia, e reduz o seu programa presidencial praticamente a "defender a Constituição da República Portuguesa". É, sem dúvida, uma opção estratégica, mas incorpora nela também uma questão de fundo. A meu ver, Jerónimo faz bem em chamar a Constituição à liça, assim a trazendo para o debate público e valorizando. De facto, "defender a CRP" não é um simples pro-forma, nem adoptar uma posição neutra, isto porque a CRP é um documento específico regido por um sistema de valores identificável, como serão, obviamente, todas as outras constituições. É até lógico que Jerónimo a defenda, uma vez que a CRP incorpora nela um claro "código genético" de Esquerda, e representa um (poderoso) mecanismo de resistência ao neoliberalismo.
É preciso aqui introduzir um parêntesis. A nossa CRP tem algumas especificidades; primeiro, é das mais recentes do mundo ocidental, e portanto será também das mais avançadas quanto aos desafios do tempo presente. Segundo, foi redigida num ambiente revolucionário de clara influência da Esquerda, e mesmo as seis revisões constitucionais não puderam alterar completamente os valores progressistas que lhe subjazem. Separam-se aqui as águas: sendo assim, é também uma das menos adequadas do ponto de vista dos interesses neoliberais. Um individuo que concorde com o neoliberalismo achará a nossa constituição "retrograda"- preferirá a constituição americana de 200 anos antes, que é acima de tudo simplificada e vaga, e que não incorpora ainda os chamados "direitos de 3ª geração": ao trabalho, à saúde, à habitação e à educação. Percebe-se porquê.
A posição de Jerónimo de Sousa tem o mérito de nos lembrar as virtualidades positivas que a CRP representa num momento de crise geral do sistema. Seria bom que não a esquecessemos, assim dificultando o trabalho aos arautos do messianismo liberal, para quem tudo está bem menos o que lhes cheire ainda que levemente a "socialismo".

quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

O Senhor Aprígio

O senhor Aprígio é admirador confesso do Prof. Cavaco. Solteiro desde que nasceu, teve, em toda a sua existência, uma única namorada, da qual guarda umas quantas fotografias.
Empregado zeloso e cumpridor, o senhor Aprígio apresenta-se pontualmente ao trabalho, rigorosamente vestido. Tem muitas gravatas e come regularmente no mesmo restaurante há mais de vinte anos, apenas por que gosta de ouvir:
« É o costume, senhor Aprígio?...»
Esta frase é música para os ouvidos do senhor Aprígio. É um homem de hábitos e, acima de tudo, gosta de ouvir o seu nome gritado alto pelo empregado da “Flor das Torcatas”.
Um sorriso escorre-lhe pelos lábios finos enquanto devora o bitoque.

Fiel devoto do prof. Cavaco e do bitoque, o senhor Aprígio passa 15 dos seus 30 dias de férias anuais na Mexilhoeira Grande.

A vida do senhor Aprígio não é complicada. Lê o “Correio da Manhã” no café que fica perto da Repartição onde trabalha, enquanto bebe o seu ‘abatanado’ com meia torrada. Não fuma, vai ao cinema de quinze em quinze dias e masturba-se regularmente cada três dias por semana. Janta sempre em casa e, em seguida, vê televisão. Por vezes, ao domingo, vai à missa. Nunca se confessou, porém, por achar que «não tem que andar a contar a vida a um sacana de um padre...». Frequentou, em tempos idos, uma casa onde algumas senhoras praticavam sexo a troco de uma certa quantia. Lugar recatado e insuspeito, onde o senhor Aprígio era bem acolhido e desde cedo conseguiu « dar duas pelo preço de uma...».

O senhor Aprígio é, portanto, uma alma simples.

Indeciso, politicamente, o senhor Aprígio tinha votado no CDS, depois no PPD, a seguir, em Ramalho Eanes, em Galvão de Melo e nas autárquicas ficava aflito e acabava por ficar-se por casa e, assim, contribuir para a percentagem de abstencionistas.
Chegara a pensar votar no PS. Mas, no momento em que vestia o ‘blazer’ e se dispunha a votar, davam-lhe cólicas terríveis e passava horas a suar, sentado na sanita. Pobre senhor Aprígio... «Ao menos nas autárquicas...», pensava ele enquanto suava e sofria os horrores de uma diarreia.

Porque a grande esperança do senhor Aprígio era votar na esquerda moderada. Pelo menos uma vez. Só para experimentar.
Para o senhor Aprígio aquilo era como daquela vez em que pediu à Adélia – uma moça daquela casa que ele frequentava regularmente - que fizesse sexo anal.

Na hora de tão delicado pedido, a Adélia olhou-o friamente e disse: «Nem penses, filho.»

Foi então que o senhor Aprígio resolveu ir com a Célia, uma gorda que acendia a televisão enquanto ele se esforçava em cima dela.

Quando o prof. Cavaco se apresentou como candidato, o senhor Aprígio rejuvenesceu. Revia-se naquela figura a todos os níveis: passou a adoptar uma pose empertigada, falava com a língua por entre os dentes, piscava os olhos de 10 em 10 segundos e usava fatos completos todos os dias.

A alma simples que, até então, fora o senhor Aprígio transfigurara-se. Nem os próprios colegas de Repartição o reconheciam...

«Nunca mais hei-de querer votar na esquerda moderada, para mim, a partir de agora, só o prof. Cavaco.», disse Aprígio ao fim de deglutir a sua meia torrada.


Fernando Rebelo/ Dez.05


(Continua)

O dia em que a música morreu

Fotografia de Annie Leibovitz, tirada a 8 de Dezembro de 1980.
Foi recentemente considerada a melhor capa de revista dos últimos 40 anos
*
Estava uma segunda-feira fria, naquela manhã do dia 8 de Dezembro de 1980. John Lennon e Yoko Ono acordam para mais um dia de promoção do seu novo disco, Double Fantasy. Na parte da manhã, uma entrevista para a Rolling Stone, seguida de uma sessão fotográfica com Annie Leibovitz. Ela desafiou Lennon a posar nú. Embora não estivesse muito para aí virado, Lennon aceitou. Foi árduo aturar aqueles tipos da Rolling Stone durante uma manhã completa. Mas, Lennon estava empenhado no seu regresso à música e, para ele, aquilo eram peanuts. Sai da sua casa pouco depois das duas da tarde. A Dakota House situa-se na orla do Central Park, e fica perto dos estúdios de gravação, para onde se dirige, juntamente com Yoko. Ainda ninguém sabe, mas já se prepara o sucessor de Double Fantasy. Vai chamar-se Milk and Honey. Acabam as gravações já perto das 10:30 da noite. Ainda pensam em comer na zona, mas o seu filho Sean está sozinho em casa, apenas com a assistente. Decidem regressar. Eram quase onze horas da noite, quando, ao entrarem no portão do prédio, John ouve alguém chamá-lo. Virou-se. Não teve tempo de pensar em mais nada. O eco dos cinco tiros disparados sobre si, transportaram-no para locais muitos distantes dali. Sentia algumas dores, não muito fortes. Uma ligeira fraqueza apoderava-se do seu corpo. "Tenho de me manter lúcido", pensou. Ouviu vozes agitadas. Pareceu-lhe escutar uma sirene de ambulância. Depois veio o vazio. Yoko gritava. O tipo que disparou afinal era o mesmo que tinha pedido um autógrafo a John, quando saíram de casa à tarde. Estava imóvel e assim ficou até chegar a policia, que o levou algemado. Chamava-se Mark Chapman. Pouco antes da meia-noite John Lennon morreu. O dia 8 de Dezembro de 1980 acabou logo a seguir. Talvez por solidariedade. Passado muito pouco tempo, alguém começa a cantar Give Peace a Chance. Aos poucos, outras vozes vão surgindo, vindas não se sabe muito bem de onde. Ao fim da manhã já eram milhões em todo o mundo.

OCCI DENTAIS

Meca por um canudo

Aprendemos que os bárbaros barbarizam
E que nós, civilizados, não
Da avó ao neto
Do padrinho ao bisneto
Quem pega na xícara assim?
Quem dobra o lençol de brancura
E alfazema geometricamente?
Quem mente com quantos dentes tem na mente

Disciplinando ares
Remetendo a inevitável impureza
Lá para o sovaco da existência clandestina periferia
Poupamos ao olfactolhar dos inocentes
O que não prima na humana matéria prima por virtude alguma

A beatificação de São Sovaco, neste contexto em que surge como testa de ferro e ocultador-mor do que no humano fede – que deuses usarão latrinas, perguntará Menipo?, essas criaturas a quem, mesmo o que fede não fede e o que fode fode, pois que, ao que consta, entre deuses a disfunção eréctil mesmo que caminhando sobre as ondas inexoravelmente a caminho de um destino não os mancha de inevitável e dolorosa incerteza – só pode coincidir com a unilateralidade papal, isto é, ou existe a evidência dos factos que fundamentam a beatificação e esta será científica, por assim dizer, ou o princípio do dogma sobrevalece e o que é, neste caso, É

Milagra-se, postalifica-se, perfuma-se, põe-se no altar
Descarnifica-se, Design-se, Desalma-se,
Descasca-se até ao nada pleno de semânticas flores como as que Perfumam o plástico nos pequenos horizontes domésticos
O nadoquini Vulvar que bomba respiratório a atmosfera exterior num fluxo que lembra as guelras dos peixes nos simpáticos aquários em movimento perpétuo até ao fim

De vison apenso humidisecante
Os seus lábios
Publicitados de sensualidades ostentatórias..... sindromaticamente imunodeficientes.... acenam frigidamente

O paradigma é:
A menos de meia haste a orgástica sens/acção
Ejaculacio prematura és mas não infecta loca

E aprendemos que o sangue
Quando o vertemos
Nosso é por heroicidade
E alheio é por maléfica génese do outro
Mouro, gentio, crioulo, baneane,
Caneco, guinéu ou verdeano

Violentos são eles
E nós brandos
Somos occidentais
Os outros vulgares demais

Os caninos nossos
Não esgaçam dos inocentes
Gentios Changanes Tupis
A carne cristalina que ri
Antes em Cnossos
O sangue desaparecido
São a curva da jarra
E o silêncio das pedras
Palavras marfinadas em papiro o atestam

Somos também dialogantes
Os outros intifodam
Entre nós não há fome
As sopas não são dos pobres
São legumes vitaminas são ferro e proteínas
Nem os pobres são pobres
São deserdados vadios
Sem abrigo e arredios
E ricos de enregelar são
Nas noites estreladas de liberdades
E se um CONSTIPÃO lhes dá
É de sua natural propensão
Malandros!

Estranhamos as casas dos outros
As nossas são assoalhadas
À prova de medo
E duplamente isoladas
À prova da fome e frio

Em paisagens de rios secos
Pantufam-nos contra a dor
Como quem nos naftalina
A menina no olho
No recanto do tersolho
Não olhamos para Meca
Antes a televiCão
Que o Cabo fará nossa esperança
Se o zapping nos levar

Que nada ladre nem a Cidade obscureça
E que o alterne fodogénico em directo nos favoreça

Com a sua milimétrica aberta censura do mundo
E a cloaca global prevista no ângulo montado,
Bagdad pintada a sangue e intervalada de um par de martinis sensuais
Nos punhete o som de gemidos gueixadesign?

Os chineses
A nadar em campos de arroz!!!
Não entendemos.
Menos ainda as mulheres da ilha
Enfarinhadas de branco msiro
Evas ordinárias sem saber nada da maçã

Somos todos também polémicos
E que inteligentes
Eurocentrados Egocêntricos Narcisómanos
Fast people workshópica e performativa isso sim

Oh ruínas de pizzas em velocípedes montadas a que eróticas coxas vos destinais onde andam as hecatombes?

Oh pobre Ulisses
Manhoso e guerreiro
A quem APENAS O VELHO CÃO RECONHECEU
Sai lá das páginas
E homera-nos de novo
Apartamentados televisioneses
A aventura e o mar

f. arom

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

Luas



Ilustrações de Ivone Ralha



LUA ADVERSA

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

(...)

Cecília Meireles

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

A ler

Fernanda Câncio, no Glória Fácil, sobre a pseudo-questão dos crufixos: "Salazar, esse grande libertador", aqui.

P.S.- Uma indisponibilidade do Blogger ontem de noite deixou estes postadores sem acesso ao mesmo durante várias horas, que coincidiram com o timing do debate Alegre/Cavaco. De qualquer modo, o debate foi tão morninho que a única coisa que me ocorre dizer é que valeu pelas diferenças de estilo: Alegre parece uma pessoa, Cavaco parece um autómato. António Oliveira, onde estás para o comentário político? Este tema é para ti!

Foto de Sérgio Santimano


O meu amado chega e enquanto despe as sandálias de couro
marca com o seu perfume as fronteiras do meu quarto.
Solta a mão e cria barcos sem rumo no meu corpo.Planta árvores
de seiva e folhas. Dorme sobre o cansaço embalado pelo momento
breve da esperança.
Traz-me laranjas. Divide comigo os intervalos da vida.
Depois parte.

Deixa perdidas como um sonho as belas sandálias de couro.


Ana Paula Tavares
O Lago da Lua
CAMINHO

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

Crise? Só se for no meu bolso

Apesar de alguns profetas da desgraça que teimam em insistir que estamos em crise, aí estão os números (e bem gordos) para nos demonstrar o contrário. O nosso blogger Luis Palácios andou a investigar pelo portal negócios.pt e descobriu que crise, só mesmo se for no meu bolso. Em notícias publicadas entre Julho e Setembro deste ano, referentes ao primeiro semestre de 2005, ficamos a saber que os lucros do BCP subiram para 302,9 milhões de Euros; os do BPI aumentaram 22% para 107,3 milhões; o BES duplicou os lucros; os da Media Capital mais que duplicaram; a Impresa, para não ficar atrás, superou as previsões; os da Novabase subiram 6,8%; os da Brisa aumentaram 10,2% embora o tráfego tenha descido 3,7%; os da EDP ficaram-se por um aumento de 11%; mas a Mota-Engil subiu 39%; a Teixeira Duarte arrancou mais 54%; a Modelo-Continente subiu os lucros para 43 milhões de Euros; a Cofina sobe 10,3% para 6,9 milhões; e, por fim, a PT Multimédia aumentou os lucros em 18,1%. É bom saber que a nossa economia está de boa saúde, e que isso da crise não ser para todos não passa de uma mitomania da Esquerda esclerosada (e do meu bolso, infelizmente...)

USA: NY.Times declara guerra total a Bush

Há mais de três semanas que os editorialistas do NY Times tinham erigido os erros e percalços da estratégia de G.W. Bush na Guerra do Iraque como alvo principal das suas crónicas mundialmente famosas. De uma forma independente e inabalável, Frank Rich, Paul Krugman e Roger Cohen, e o incontornável especialista da geopolítica árabe Thomas L. Friedman, narraram os vícios e as ilegalidades que conduziram a dupla Bush II- Cheney à beira do colapso político e militar na condução da invasão e ocupação do segundo país mais rico em petróleo do mundo. " O record em faltas políticas é verdadeiramente notável. Parece que amiúde Bush e Cheney se parecem com o contrário do rei Midas : em tudo que tocam- da reconstrução do Iraque ao sofrimento de Nova Orleans,do fim da prescrição de prevenção da droga ao falhanço na captura de Bin Laden- tudo sai mal e em perdição", assinalava Krugman no início de Novembro. A Atlantic Review e o The New Yorker secundam a cruzada ético-política do maior diário do Mundo.

O estado de desorientação da opinião pública norte-americana, que as sondagens não desmentem, agravou a queda abissal de popularidade da presidência. Bush começou mesmo a dar a entender que Cheney lhe estava a fazer muito mal, por causa do escândalo provocado pela demissão do chefe de gabinete do vice ligado a uma guerra surda de intrigas contra a CIA, em que por comparação a famigerada telenovela Dallas parece rudimentar na textura e exploração dramática. Como pano de fundo, sobreposto e em espiral tecnicolor, a construção elaborada das justificações técnicas para a invasão do Iraque, o " Palmegate ", que levará ainda algum tempo a ser desmistificado na íntegra. Frank Rich escreveu sem tergiversar:" Mais cedo ou mais tarde- talvez em breve- estas desinformações embaraçosas serão expostas na praça pública. Porque o poder desencadeia esforços para ignorar ou suprimir os relatórios que contradizem a cruzada da guerra ".

Ninguém já acredita no sucesso americano na guerra do Iraque. Há graves deficiências logísticas,especialmente no que se refere ao reduzido stock de munições . E as grandes dificuldades na rotação do contingente yankee, foram denunciadas a nível interno e nacional pelo marine jubilado da guerra do Vietnam, John Murtha. Que sublinhou que os EUA podem perder não só a guerra mas ficar também sem exército. "Os nossos militares e as suas famílias estão exaustos com a guerra.Muitos dizem que o exército já está desfeito. Muitas das nossas tropas já entraram no seu terceiro periodo de envolvimento. As nossas tropas não tem material para continuar o combate ", reporta Bob Herbert das confidências de Murtha.

Thomas Friedman, o repórter-peregrino do Médio Oriente, vai mais longe e com toda a sua indiscutível autoridade moral e política resume: " Quando olho para Bush agora, penso, que parece um indíviduo que deseja uma 28.a claúsula na Constituição- apelidada de posso ir embora agora?´Parece-se com alguém que preferia fazer as malas e regressar ao seu rancho no Texas. Parece que está vazio de qualquer ideia relevante que mobilize a nação para o futuro ". Descreve que, se nada for feito," as futuras gerações irão responsabilizá-lo pelos erros deixados como pesada herança e pela mudança imposta pela passagem do Século Americano ao Século Chinês".


FAR

domingo, 4 de dezembro de 2005

Um Fiel Jardineiro ao seu dispor

Hoje vou ver “O Fiel Jardineiro”. É o filme de que quase toda a gente fala. Toda a metade do céu e mais alguns. É engraçado que quase todas as minhas amigas já o foram ver e tenho quase a certeza que nenhum dos meus amigos o viu. Percebo que elas têm mais mobilidade do que eles, que é mais trabalho, cervejaria, casa. Elas saltam a parte da cervejaria, logo ficam com a maior parte do tempo after job disponível. Mesmo tendo sempre muita coisa para fazer. Mas, no meio dos saldos, das livrarias, das visitas e agora dos presentes de Natal, ficam sempre com mais disponibilidade do que eles. Enfim. Questões genéticas. Mas voltando ao filme. Ainda não percebi se é de época ou de estação. Mas elas dizem só coisas boas. Lá no fim deixam escapar que tem a ver a indústria farmacêutica. Mas eu penso que há mais. Há romance. Mas não assumem que também foi pelo romantismo que gostaram do filme. O amor. Sempre o mesmo. De repente veio-me à cabeça a música da Rita Lee, amor e sexo. Mas passemos à frente. Embora seja um thriller escrito por John Le Carré, que dá à partida boas garantias de não ser um filme meloso, cheira-me que a análise delas tem uma forte carga romântica. E pelo sim pelo não, fui fazer uma pesquisa na net. Descobri que o filme acaba de ganhar o prémio da melhor película nos British Independent Film Awards 2005. Assim como ele e ela. Ou seja, Ralph Fiennes e Rachel Weisz. Mas como estes prémios só vão para filmes produzidos por empresas britânicas, não me dão garantias. Por isso confio mais no gosto das minhas amigas e lá vou eu. Eu sei que seria mais sensato ter escrito isto depois de ver o filme. Até para não as ouvir: eu não te disse? Mas, enfim, o perigo é a minha profissão.