domingo, 6 de agosto de 2006

Glosa à chegada de Godot

Do que desespero é muito pouco

fugaz e breve e, sem que se repita,

de não se repetir, retorna sempre.

Em nada cremos : o desejo e o amor,

o sol poente numa tarde clara,

o lúcido e confuso matinal degelo,

o que sentimos belo ou é ternura,

apenas são pretextos - sobrevivos,

ansiamos transmitir o mesmo engano.

Pois nenhum mundo nos fará melhores,

nem nenhum Deus nos salvará do mal.

Nunca nenhum salvou . Apenas nos fartámos

de horror que não sabiamos. E queremos

novos mundos e deuses sem enganos,

em que, depois de já sabermos que

somos falsos e vis, cruéis e vácuos,

possamos dar-nos ao supremo engano

de calmas e fraternas sobrevidas.

É desespero tudo, mas repete-se

tão sem se repetir, tão sempre de outros,

tão noutros e com outros que esperamos

o mais que inda virá. Às vezes, nada.

O Sim . O Não. Um simples hesitar

Às vezes muito pouco. O pouco. O muito.

O desespero é fácil tal como esperar.

Jorge de Sena

2 comentários:

Anónimo disse...

tao desesperadamente cruel, lucido suave e belo...como aquela restea de esperança que encontras no olhar....Aquele que ainda nao se cruzou no teu...
Bia

Anónimo disse...

Very nice site! » »