terça-feira, 8 de agosto de 2006

Andei aos solavancos pelas ruas de Lisboa à procura de um amigo, um daqueles amigos que me batesse nas costas, me chamasse "meu velho" e me falasse dos filhos, do emprego, dissesse brejeirices às mulheres que passam. Nem um. Então pensei em vir visitar-te, porque queria ouvir contar uma história que me trouxesse de volta o sentimento de pertencer às recordações de alguém.
Começaria assim a história. Esta noite, como o sono chegasse dificilmente, tentaste encontrar, entre os nomes evocados pela memória, um que fosse particularmente grato, de modo a coseguires adormecer com um sorriso nos lábios. A memória falhou-te, e tu adormeceste pobre, como pobre fora a tua vida. Como pretendes legar o conhecimento da tua experiência, exortando que se busque no amor um refúgio que nunca nos é negado, decides-te a descrever num conto, na primeira pessoa, o teu caso pessoal e esta desencorajante sensação de quem para sempre ficou só. Nesta história há um tipo miserável, andrajoso, esfaimado, e com que severidade ele expõe os seus pontos de vista; eu não posso deixar de rir, porque ao fim e ao cabo, até é ridículo ouvir um criançola, sem experiência em nenhum campo, a dizer as coisas, a torná-las feias e tristes e pesadas e inúteis.
Mas a verdade é que gosto de te ouvir falar da minha solidão, que não é de ouro nem de pedras preciosas, porque não pode ser tão horrível, nem tão mesquinhamente ostentosa; e do silêncio das coisas que se contentam em existir e aos poucos apodrecem.
Ouvir-te falar do vagabundo é como se eu me visse fora de mim, a tornar-me gradualmente a imagem que me apraz contemplar. Foste tu que me apresentou a esta imagem, uma forma diplomática de me indicares o teu cansaço. Até que um dia decidamos em perfeito acordo que as nossas aventuras passadas nada são perante a figura do amor...
O ponto de partida é, evidentemente, o essencial. De certo modo, o que eu verdadeiramente possuo é o ponto de partida. Mas que importa tudo isto, se o destino é comum e a hora de chegada nada modificará?
Não alongo mais a história, decerto já se adivinha que não é possível dar-lhe um fim.

Carlo Ruas

4 comentários:

Anónimo disse...

Não me vou pronunciar sobre a qualidade literária do texto porque não tenho credenciais, mas, em qualquer idade e em particular quando se é novo, amamos sempre e quando quisermos. O amor, como todas as relações entre pessoas, constroi-se e gera comportamento recíproco. Por isso só ficaremos sós se não quisermos dar.

Anónimo disse...

Carlo,
Li o teu texto e não correu uma lágrima porque só durante o sonho no sono brotam, são tão preciosas que não lhes toco, deixo-as secar depois do acordar enquanto me concilio com mais um dia, na maior parte das vezes vazio, inventado para ser “mais um dia”.
Menino! para mim és o menino Homem, e agora encontro-te numa prosa densa que eu quase não consigo decifrar, embora tente lendo e relendo.
O princípio todos temos, o fim todos sabemos, o caminho é o de cada um meu Amigo.
Haverá o dia em que as nossas costelas verguem num abraço adiado?
José S.
P.S. Pensava ser noctívago, um Amigo fez o diagnóstico e disse que não, “voçê é um noctófago, e eu concordei”. Durante uma destas noites comidas vi a Lua Cheia e fotografei, lembras-te como eu sempre gostei de fotografar? Vai para ti uma Lua Cheia do para mim triste mes de Agosto.

Anónimo disse...

É CASO PARA TE PERGUNTARES COMO O FEZ UM DIA ÁLVARO DE CAMPOS,JÁ FARTO DE SEMIDEUSES!
ONDE É QUE HÁ GENTE NO MUNDO?

Captain Bock disse...

É curioso que encontrei este post ao procurar o meu Amigo Carlo Ruas..
Serás tu?


captbock.blogspot.com