quinta-feira, 20 de março de 2008

Campeche

Carnaval 2008


Campeche, Península de Yucatán, México


Fotos Pedro Caldeira Rodrigues

Doris Lessing ao W.S. Journal: “As mulheres ainda esperam pelo Príncipe Encantado…”

É uma monumental entrevista de Doris Lessing, prémio Nobel da Literatura 2007, ao diário económico norte-americano, The Wall Street Journal. Antecede a publicação, no próximo mês deMaio, de um romance autobiográfico sobre os seus pais, e que se chamará “Alfred and Emily”. Com 88 anos, a escritora assume a sua passada militância no PC, aflora o antigo esplendor da natureza e dos homens na África Austral e reafirma que a guerra civil na Irlanda ainda teve piores e mais dramáticas consequências que a destruição em Manhattan das Twin Towers, em 9 Set. 2001.

Lessing reafirma na abertura da entrevista, as teses que subscreve num dos seus mais famosos livros, “The Golden Notebook”: "Raras sãos as pessoas que se preocupam com a liberdade, com a verdade. De facto, são só um punhado. Poucas pessoas têm coragem, o tipo de coragem de que se deve alicerçar uma democracia. Sem o tipo de pessoas com esta espécie de coragem, a sociedade livre ou não consegue surgir ou morrerá".

Tendo nascido no Irão e vivido a adolescência no Zimbabué, Lessing beneficiou acima de tudo de um forte ambiente cultural na família, rodeada de livros e afincadamente adstrita ao trabalho de leitura, crítica e comentário. Confessa que gostaria de visitar o Irão , mas “não agora”. “Conheço muitos dissidentes iranianos e zimbabueanos, e todos esperam pelo bom momento para irem ver como é”, precisa.

Doris Lessing foi casada duas vezes e teve três filhos. “Continuo a pensar que as jovens em idade de casar esperam pelo Príncipe Encantado. E têm muita razão, porque se pensam em ter filhos, vão precisar da ajuda dele …” Forma surpreendente é o modo como compara a forma e o tom-significado da fórmula do “politicamente correcto” com o modo de ser do velho “partido comunista”, precisando: “São as mesmas palavras, o mesmo estilo. E depois, surge um dogma. Nunca se consegue desenvolver uma ideia, simplesmente. Acho que existe sempre um grupo de fanáticos que se apoderam dela, fazendo dela um dogma”.

FAR

quarta-feira, 19 de março de 2008

Augusto Santos Silva



"Como a Jane Birkin atirou o ministro para o trotskismo

O ministro dos Assuntos Parlamentares partilha os apelidos com o banqueiro fundador do BPI mas não há qualquer laço de família a uni-los, apesar de ambos serem do Porto,Augusto, o ministro, é Santos da mãe e Silva do pai, um casal humilde de enfermeiros do Hospital Santo António.Artur, o banqueiro, pertence a uma família que há quatro gerações tem membros que dão o nome a ruas do Porto: o bisavô foi um dos líderes do 31 de Janeiro, o avô ministro da Educação da I República e o pai um advogado do reviralho que desafiou Delgado a candidatar-se à presidência.Apesar da ausência de tradições na família, o jovem Augusto forjou precocemente uma sólida consciência política. Em 1970, pediu à mãe que lhe oferecesse a Obra Poética de Fernando Pessoa em papel bíblia como prenda pelo seu 14.º aniversário. Os 70 escudos que custava o livro não foram suficientes para fazer a mãe desistir de lhe fazer a vontade.Intermináveis tardes de discussões sobre existencialismo na sala de bilhares do Rumo, na Rua N. Sª de Fátima, à Boavista, foram decisivas na sua formação, mas foi a improvável Jane Birkin que atirou Augusto para os braços do trotskismo.Uma bela tarde foi ver o "Blow Up" ao cinema Estúdio, em Costa Cabral, onde o porteiro era permissivo e deixava menores de 17 anos entrar em fitas classificadas. Ficou com a respiração suspensa quando Jane Birkin e as amigas entraram no quarto do fotógrafo e se começaram a despir. Mas o fotograma seguinte mostrava a cantora de "Je t'aime, moi non plus" a abotoar-se.Esta censura foi a gota de água que transbordou o copo. Tornou-se anti-fascista. No liceu, no ocaso do marcelismo, a rebeldia juvenil era disputada por duas tribos de maoístas e um pequeno núcleo trotskista. Optou por este. "Se a Birkin me obrigava à acção, o trotskismo descansava-me: a acção bem podia continuar a ser ler uns livros e revistas, agora um bocadinho menos convencionais".Membro do semiclandestino Comité de Acção Liceal do D. Manuel II, seguiu à risca o programa de formação base - Iniciação à Teoria Económica Marxista, de Ernest Mandel, um ensaio sobre o Estado de Lenine e o Combate Sexual da Juventude de Wilhelm Reich - e deu o seu "supermicrocontributo" (a palavra é dele) ao derrube da ditadura. Uma greve política de solidariedade com a proclamação pelo PAIGC da independência da Guiné e a recusa em participar no concurso Taco a Taco que punha em competição na RTP os melhores alunos dos liceus (o D, Manuel venceu, apesar de alinhar com as reservas por causa do boicote político dos titulares) foram as duas acções mais vistosas em que esteve envolvido, para além da participação em reuniões clandestinas, na encosta da ponte da Arrábida, e em manifestações relâmpago à saída das fábricas onde distribuíam panfletos contra a guerra colonial.O 25 de Abril apanhou-o como militante clandestino da UOR (União Operária Revolucionária), um grupúsculo trotskista, que posteriormente se viria a integrar na LCI (Liga Comunista Internacionalista), onde começava a despontar a estrela de Louçã. Ele, porém, não chegou a integrar-se.Se a aproximação ao trotskismo foi cinematográfica, a ruptura foi livresca. Saltou fora depois de ter lido um livro onde se detalhava o papel de Trotsky, como comandante do Exército Vermelho, no esmagamento sangrento dos marinheiros em Cronstdt.Atravessou o Verão Quente como militante desalinhado da esquerda revolucionária. Na Faculdade de Letras, era ele quem mandava, contratando professores e desenhava os currículos. Cá fora, desenvolvia um trabalho de base, de animação cultural e social nos bairros pobres, de que uma das coroas de glória foi a construção de um infantário em Campanhã. Começou em 1976, na candidatura presidencial de Otelo a longa marcha que havia de o levar até à entrada para o PS, em 1990. Em 1980, está com Eanes na candidatura presidencial. Em 1985 está com Pintasilgo na primeira volta. Na segunda, junta-se à campanha de Soares integrando um grupo de ex-MES que iria aderir em pacote ao PS. No momento em que o seu passado político o atinge como um "boomerang", depois de ter reagido com críticas a Cunhal aos insultos sofridos em Chaves, Augusto Santos Silva garante que vota no PS desde 79 e que nunca votou no PCP. E confessa que em 1974, quando tinha 18 anos, ele estava do lado errado e Mário Soares é que tinha razão.
"
JORGE FIEL, Diário de Notícias, 19/03/2008

Ainda Dili (11)


Pintura João de Azevedo

Stiglitz e Linda Bilmes: Guerra do Iraque vai custar entre 2,2 a 5 triliões de dólares

A guerra do Iraque pode prolongar-se até 2017 e irá custar, pelo menos, entre 2,2 e 5 triliões de dólares, o suficiente para combater a iletracia no Universo e acabar com a fome e o atraso tecnológico no Terceiro Mundo. Estas são algumas das principais conclusões do mais recente trabalho publicado em conjunto pelo Nobel da Economia de 2001, J.Stiglitz, e a sua colega de Harvard University, Linda J. Bilmes. O Washington Post estudou ao pormenor o livro: “The Three Trillion Dollar War: The true cost of the Iraq Conflict”, publicado pela Editora Norton, de NY City.

Num artigo conjunto de apresentação do livro, publicado no W.Post, Stiglitz e Bilmes apontam o carrossel de mentiras encobertas, veladas e descaradas tecidas pela administração de GW Bush em torno dos custos da guerra. A guerra do Iraque é a segunda mais longa e a segunda mais cara -depois da II Guerra Mundial. Só o custo pelo tratamento de reabilitação psicossomática dos veteranos( e feridos) de guerra deve subir para os 10 biliões anuais, sensivelmente o dobro do provocado pela Guerra do Golfo. Tudo numa primeira estimativa. “The total loss from this economic downturn- measured by the disparity between the economy´s actual output and its potential output- is likely to be the greatest since the Great Depression. That total, itself well in excess of 1 trilion dollars, is not included in our estimated 3 trilion cost of the war”, precisam os peritos.

Os economistas pensam vulgarmente que as guerras são benéficas para a economia, uma noção admitida pelo facto das enormes despesas da II Guerra Mundial terem ajudado os EUA e o Mundo a libertarem-se dos efeitos da Grande Depressão dos anos 30. Mas nós agora conhecemos melhores formas para estimular a economia - formas que implementam rapidamente o bem estar dos cidadãos e criam as fundações para o futuro crescimento. O dinheiro gasto no Iraque não irá criar certamente as bases para um crescimento de longo prazo nos EUA, em áreas como a Pesquisa, a Educação ou a modernização de infra-estruturas”, assinalam.

E ainda mais esta crítica cintilante e dura: “Enquanto o governo dos USA andou a gastar para lá das normas no Iraque, outros estados arrecadaram fundos - inclusive os países ricos em petróleo que, como as multinacionais petrolíferas - foram os grandes vencedores desta guerra. Não admira, portanto, que a China, Singapura e muitos dos emirados do Golfo Pérsico se tenham tornado credores de última hora para os bancos em risco de Wall Street, apostando biliões de dólares para segurar o Citigroup, o Merrill Lynch e outras firmas que queimaram os dedos nos delirantes empréstimos do imobiliário sem regras nem controlo. Quanto tempo é que se há-de esperar para que os temíveis fundos soberanos controlados por esses Estados, comecem por adquirir grandes fatias de outros pontos essenciais da economia Americana?”.

FAR

Da Savana

(...)
Percebo igualmente bem que muitos dos próprios cubanos não gostem do seu governo. As condições de falta de liberdade em que se vive naquele país são difíceis de suportar. Diria mesmo que são insuportáveis. Mas, pelo que descrevo acima, tenho muita dificuldade em imaginar um moçambicano que não goste da Cuba de Fidel. Só que Jota Esse Erre não é moçambicano.

Machado da Graça, Savana, 7/03/2008

Penso que Jota Esse Erre é moçambicano. Sei que um homem agarra aquilo a que quer pertencer. Machado da Graça entende que deve agradecer a G. Bush, pela ajuda USA a Moçambique. A talhe de foice diria que está enganado. A lógica é fodida.

terça-feira, 18 de março de 2008

Mambo 37

Para ti Papito, algures.. feito Estrela
Foto:g.ludovice
Aproximei-me em passos vagarosos dele, estava sentado à secretária na sua biblioteca, a pensar ou coisa assim. Ao fundo rente ao tecto, havia uma rasgada tira de janela por onde o pai espreitava os poentes e nos chamava para com ele, os vermos. Estava lá essa janela, porque ele a tinha desenhado para só isso. Estendi-lhe uma pequena encadernação de capa verde. A primeira folha estava guardada para ele escrever-me uma coisa com que eu pudesse iluminar o resto da minha vida, queria eu. Não adivinharia o que lá poria ele, só sabia que seria especial, que ficaria diferente de todas as outras pequenas rectangulares páginas já escritas por colegas, professores e amigos. Acho que por volta dos dez anos, era costume ter-se um livrinho destes, era como um acrescento à existência, sempre que o abriamos nos viamos como pequenos tesouros aos olhos dos demais, para além de que ali ficavam as caligrafias e marcas das pessoas importantes que iam e partiam da nossa vida, muito mais rápidamente do que suporíamos, tão breve é a vida e tão enrolada é a história do mundo para alguns. Agarrou no livrito com as suas mãos parecidas com as minhas agora, olhou-me com aqueles castanhos olhos doces quase de criança e escreveu: "Se eu pudesse agarrar uma estrela no céu, não seria mais feliz do que ter a filha que Deus me deu." E como as estrelas são para mim tão grandiosas, fiquei naquela altura sem perceber como podia o pai dizer-me uma coisa daquelas.

Alain Badiou: Sabotemos o cálice das paixões tristes (1)

O novo livro de Alain Badiou, “Petit panthéon portatif”, que acaba de ser publicado em França, pelas edições “La Fabrique”, Paris, exorta e convida, como o estabeleceu, “definitivamente, Platão, que é a partir da Verdade, declinada se for preciso como Belo ou Bem, que se origina toda a paixão lícita e toda a criatividade de irradiação universal”. E pensar e sentir com Espinosa, acrescenta o autor de “O Ser e o Acontecimento”, que “só os homens livres são muito reconhecidos”. E lembra que para Deleuze, “o pensamento não é senão outra coisa que uma incandescente exposição face ao infinito caótico, no Cosmos”.

Assumidos estes tópicos éticos, Badiou avança, muita vezes evocando os seus tempos de aluno da ENS Rue d´Ulm, para as suas homenagens (com perspectiva crítica) aos mestres e colegas de uma época de ouro do pensamento francês, 1960/80: Georges Canguilhelm, Jean Hyppolite (o grande tradutor de Hegel, lido fervorosamente na Alemanha), Louis Althusser (prof e cúmplice na ENS: “A filosofia é a instância de apelação imanente dos fracassos da política”) e Jean-Paul Sartre (“A Esquerda Proletária(GP) não tinha senão esta palavra de ordem: Temos razão em nos revoltar. A “Crítica da Razão Dialéctica", constitui a razão dessa razão”…).

No que se refere aos seus colegas e, amiúde, contraditores, como Foucault, Deleuze, Lyotard, por exemplo, os textos de Badiou prolongam polémicas acerbas ou esbatem diferenças assimiladas. De grande nível, intensidade conceptual e filosófica. Sobre Lyotard e o seu irremediável cepticismo, Badiou escreve: “Como resistir sem o marxismo, isto é,sem sujeito histórico objectivo, e mesmo, como ele o afirma, sem finalidades determinadas?”. E aprofunda em páginas muito densas o seu pensamento: “A política não se estabelece com o poder, pertence à ordem do pensamento. Não visa a transformação, mas sim, a criação de possibilidades anteriormente informuláveis. Não se deduz a partir de situações, porque as deve determinar à partida".

Até à mais extrema das consequências , diz Lyotard. Este princípio: agarrar a consequência, mesmo se for julgada extrema pela opinião corrente, é filosoficamente crucial. Isso é a meu ver, a lei essencial de uma verdade qualquer. Porque toda a verdade se tece de consequências extremas. Não existe verdade senão for extrema”, frisa.

Sobre Deleuze, num texto muito belo e profundo, sinaliza: “Com o esvaziamento de todo o pensamento da finitude (fim da metafísica, fim das ideologias, fim das narrativas, fim das revoluções…) Deleuze confronta a convicção : nada é interessante que não seja afirmativo. A crítica, os limites, as fraquezas, os fins, a modéstia, tudo isso não se equivale a uma só afirmação Verdadeira”. ( Continua)

FAR

Hua Hin (4)





Hua Hin. Tailândia. 2008

Fotos FFC

segunda-feira, 17 de março de 2008

Exercícios

O exercício, de encontrar aquela alma

As palmas das mãos são como canoas tornadas inquietas pelas suas brechas futuras, as que as levarão ao desleixo de não ter como se abrir, que na língua mais clara, se chama afundamento.
Antes disso, precisam de fazer algo mais importante, que é ver a alma do outro.
Essa coisa que foge a sete pernas, a hospedar-se na debandada, a rir-se desde o algodão do poente que depressa se desfaz em cegueira de noite, essa coisa que nos empurra a acreditar que não bastam as outras coisas de uso mais vago, como os olhos a libertarem sossegos ou as palavras entretidas de melancolias no embalo dos descontos da vida, para que seja alcançada.

Essa coisa da alma do outro, não é caça que se estende com balas ou pauladas tamanhas nem cozinhado que se mexa na sua quentura.
É preciso saber do seu porto que oferece a chegada, para para lá sem morte, se viajar.
A alma assoma-se desse mundo, que é a pele que não nos pertence encostada a uma palma de mão que é a nossa.
Essa é a lição, do exercício de aprender sobre o estranho mundo de dentro.
Se queres ver-lhe a alma, tens de tocar!

Aconchegá-la à realidade, com as tuas mãos.

Berlim (8)


Leipziger Straße, im Ostteil der Stadt. Berlim

Foto Sérgio Santimano

Da Capital do Império

Olá!

Hoje quero falar-vos de quatro medalhas. Lado a lado unidas por uma pequena barra cilíndrica. Perderam a cor por falta de limpeza e são hoje todas acastanhadas, cor de bronze.
Pertenciam a um velho que conheci. Quatro medalhas que me confirmam as histórias que me contou. Força aérea no norte de África em luta com as forças de Rommel que avançavam. Levantavam voo de uma pista no deserto bombardeavam as unidades alemãs em avanço da blitz krieg e quando regressavam horas depois já tinham que ir aterrar noutra pista mais atrás devido ao avanço rápido das tropas de Rommel.
“Era como ir ao serviço,” disse-me ele. “Bombardeávamos voltávamos, enchíamos os tanques bombardeávamos, voltávamos”. Falava dos egípcios em termos politicamente incorrectos. “The Gypos”.
Depois foram as missões de apoio à resistência de Malta em que a maioria não voltou. Ele voltou. Teve sorte. Sorte que o levou depois à campanha de Itália. O seu enorme respeito senão mesmo adoração por esse carácter dúbio que foi Montgomery transbordava das suas palavras, referindo-se ao general britânico sempre como Monty. Já Patton o americano era um “cowboy”. Recordava com um sorriso a máxima do americano: “Nunca nenhum filho da puta ganhou uma guerra por morrer pelo seu país. Ganhou por fazer os outros filhos da puta morrerem pelo pais deles.”
“I am one of those bastards,” disse ele um dia.
Em Itália Monte Cassino e outras tantas batalhas até ao empurrão final das forças nazis. Depois os bombardeamentos punitivos sem misericórdia contra alvos na Alemanha até à derrota final do nazismo.
Ficou visivelmente irritado quando lhe perguntei sobre Dresden e as bombas incendiarias; a ofensiva aérea de “bomber Harris” que numa só cidade matou mais alemães do que a atómica de Nagasáqui. A guerra é assim, faz se para ganhar, disse-me. Estranhamente não tinha qualquer ressentimento contra os alemães. A sua guerra foi feita do ar, onde a única coisa que conheceu dos alemães foi o fogo antiaéreo que a si por milagre, sorte, perícia, nunca o afectou. Odiava e temia o fogo antiaéreo, não os “Jerrys” que o disparavam. “Ainda hoje tenho medo e tremo só de pensar nas explosões da flak,” dizia-me ele
Ganhou quatro medalhas. Todas elas dadas no fim da guerra. Estranhamente nunca as tinha mencionado. Muitas vezes - isso sim - tinha falado dos seus aviões, dos seus motores – como ele amava aqueles motores – e da camaradagem e esforços para se arranjar bebidas alcoólicas no meio da guerra.
Morreu há uns meses. Poucos notaram. Menos ainda choraram Dei com as medalhas outro dia. Fechadas num saco de plástico transparente. No fundo de uma gaveta. Olhei-as e não sei porque fiquei embasbacado a olhar para aquilo.
Uma guerra. Brutal. Justa. Em troca quatro medalhas. Esquecidas num saco de plástico. No fundo de uma gaveta. Faz pensar.

Abraços

Jota Esse Erre

domingo, 16 de março de 2008

Duas flores


Brighton Beach, New York, USA.

Foto Jota Esse Erre

Breaking News Breaking News

Alain Badiou homenageia os seus mestres

Petit panthéon portatif”, é o título geral de um panfleto subversivo de luta contra a falsificação teórica, o abuso da especulação mediática e as deletérias e sinistras dominações políticas. Trata-se de uma recolha de textos de homenagem e crítica aos mestres e colegas desaparecidos, realizada superiormente por Alain Badiou. Ultrapassando o estigma da circunstância e da emoção pura, o guru da Ultra-Gauche francesa e mundial confronta e ilumina os traços fundamentais do pensamento de Deleuze, Foucault, Lyotard, Derrida e Françoise Proust, entre muitos outros. Trata-se de um conjunto absolutamente genial de hipóteses e de cartografia de conceitos operacionais e não estáticos. Dada a singularidade do acontecimento, alertamos para o valor incalculável deste projecto, desde já. Vamos analisar e detalhar a estratégia transformativa do trabalho, nos dias que se irão suceder. O livro foi posto, hoje, à venda em França: La Fabrique Éditions, Paris.

FAR

sábado, 15 de março de 2008

Uma imagem, miragem


Entre as margens do rio Papaloapan, que acolhe a cidade de Tlacotalpan, estado de Veracruz, México



A Maldição de Malinche
- Amparo Ochoa


Pedro Caldeira Rodrigues
O menos desolhado

O azul de raridade que o cobre nas amplas costas, é uma pista ali nos prontos arredores. Funciona bem, tal como a máquina nova no pulso a rigor, o esquerdo, o relógio nascido de mostrador grande, tudo no seu propósito de conquistar nos outros não apenas os momentos dos olhos mas também, os próprios pensamentos com suas inclinadas suposições, essas hipóteses que roubam tempo à cabeça dos demais e os fazem permanecer a pensar em nós, até a inventarem histórias sobre a origem das nossas felicidades de cara, estampadas fundo.
Esse tempo que usamos da vida dos outros era para ele uma vitória, tinha assim onde existir de modo mais completo, alargando-se abusadamente em outras vidas, ocupando-lhes memórias como se enche uma casa de coisas que se encontram um dia, que não servem de muito, mas ficam lá bem porque o vazio é sinal de pobrezas e ausência de virilidade para os seus moradores.

Antes experimentara a dengosa brancura dos dentes, para subir em considerações no seu estatuto, ser um pouco mais do que um simples homem de futuro oferecido, por o não ter e ser-lhe mais certo puder ofertar aquilo que não havia.
Depois aprendeu por observação severa, que todos os homens com poder acrescentavam utensílios ao sorriso, não bastava o retrato da boca a oferecer o mundo como se ele existisse e tivesse porta de entrada.
Foi a si somando em invenção, também essa sorte deles, que é trazer uma valiosa mulher atrás do seu embelezamento de vida, com pegamento de coração, talvez até.
As grandes conquistas quer fossem das cidades, quer fossem dos povos, quer das mulheres, envolviam sempre coisas que, por poderosas, passavam involuntariamente de umas mãos para as outras. Sabia-o do compêndio de História, reachado numa prateleira de asfalto.

Afastado da possibilidade da feiosa correia de plástico, conseguiu obter uma de pele bem lustrada. O seu marcador de tempo tornou-se o primeiro movimento em direcção ao topo, esse lado que se tem quando se tem também alguém, que faz figura.
Já não mais seria alguém desimportante, estariam desde aí nele concentrados pasmos de caras e habilidades de conversa.

Pela hora da abertura das humanidades, aprendidas moralmente na educação das escolas com cadeiras, roupa em segunda mão chegava das terras, onde o esplêndido mostrador do seu relógio já não é furor para olhos alheios, antes pareceria arrojado na insólita negação de si mesmo, mas é verdade que em vez desse objecto, pode a sua existência ser ainda antes tomada como iluminação em noite crescente, pelo azul turquesa conseguido no casaco das lides internacionais.
A sua grande apoteose é, no entanto, de diferente natureza, ultrapassando mesmo a desvida dos próprios frágeis objectos na sua duração, depois que foi o rebentamento da mina que o abocanhou.
Quando ao prosseguir a compasso com o seu tic-tac encolhe a perna que não já pode possuir, fica sim na lembrança dos outros mas em estranha elegância, difícil até de se tornar moda, ganhando nesses respirados entretantos uma inconsciente dignidade única, no seu incopiável modo de fazer caminho.
O que foi original sobre o físico de alguns outros, é apenas estratégia garantida na ilusão em si.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Ainda Dili (10)


Pintura João de Azevedo

Sarkolândia: Neuilly-sur-Haine ou o que parece é…

A nova direita francesa, governada por um psicopata arrivista de alta voltagem, vive horas de grande agitação e ansiedade nas vésperas da segunda volta das Municipais. Só pela descoordenação e barafunda que sacode o estado-maior do PS francês, a derrota dos émulos de Sarkozy não se aprofunda ainda mais.É que Sarkozy perdeu autoridade e na sua cidade-emblema, onde foi mais de duas décadas senhor abosluto, Neuilly-Sur Seine, houve cenas de pancadria nos salões da autarquia de luxo, a mais rica e segregacionista de França, na soirée do anúncio do apuramento dos resultados da primeira volta.

Mesmo com esse handicap de divisionismo tenebroso que mina a credibilidade do actual PSF, a Esquerda hexagonal conseguiu alargar a sua maioria em Paris e, possivelmente, conquistar Toulouse e Marselha, mantendo a sua supremacia na maioria das cidades com mais de 100 mil habitants. O PS mantém Lyon e derrota um antigo ministro da UMP, ao mesmo tempo que na grande coroa de Paris vários altos quadros da direita perderam posições.Por outro lado, Alain Juppé, o intelectual da direita política, conseguiu passar logo à primeira volta, em Bordéus, por maioria absoluta. O que faz com que, no interior do cosmodrama do partido presidencial, surja como alternativa de longo prazo a Sarko.

Os Verdes, parceiros de longa data de uma coligação eleitoral na autarquia de Paris, perderam quase 50 por cento dos seus votantes, por causa de um programa eleitoral fiscal demente, e com a proposta de levantarem portagens nos acessos ao interior de Paris. Bertrand Delanoe, maire socialista de Paris, visa agora altos voos .Se aumentar a proporções da sua vitória eleitoral no Domingo, Delanoe consolida a sua credibilidade para postular ao cargo de líder socialista, onde já se passeiam Ségolène Royal e alguns antigos dos seus apoiantes mais cotados, como Julian Dray. É que a direita sarkozista está em risco de perder dois dos seus mais fortes bastiões, os que lhe restavam de 2001, os bairros do centro, I e V., e o quasi-BCBG, o XV.

Mas vamos para Neuilly-sur-Seine, e tentar relatar o que se passou. E que mereceu grande e destacada cobertura na edição desta semana do Le Canard Enchainé, numa peça intitulada Neuilly-sur-Haine… O que se passou: Sarkozy destacou um seu homem-de-confiança, e xuxu de Cecília, para lhe suceder no cargo de maire. O jovem não tinha carisma, nem era do sítio. As sondagens começaram a ser alarmantes e o estado-maior nacional do partido do PR, UMP, resolveu convencer a o jovem a desistir. Indo recuperar um antigo dissidente do partido, Christophe Fromantin, que se tinha posicionado como alternativa. Pela mão da mãe de Sarkozy, surge um segundo candidato da mesma ideologia, o que revela o “apetite" voraz das classes medias altas pelo caciquismo municipal. O candidato separatista perde poder na primeira volta, ficando a mais de 10 por cento de diferença do candidato apoiado por Sarko. Os ânimos exaltaram-se nos faustosos salões da Mairie, e os adeptos de Fromantin, o líder que entra na segunda volta, desataram à pancada aos separatistas, com insultos anti-semitas e cenas de pugilato que provocaram alguns feridos e levaram a polícia a intervir e a levantar autos.


FAR